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Nuances da responsabilidade penal em detrimento da consciência ambiental

Agenda 15/02/2016 às 12:35

O que se pretende nestas próximas linhas é expor a evolução dos contornos alcançados pela tutela ambiental na seara penal, pois, outrora inimaginável, é unânime entre os pensadores do direito ambiental que a tutela ambiental passa pelo Direito Penal.

1. INTRODUÇAO

É bastante evidente que a Constituição brasileira de 1988 deixou de lado o neutralismo do Estado de “Direito”, evoluindo para ser “Estado Social” e de “Justiça”, cujos princípios estão solenemente declarados na Carta Magna, assumindo os mais elevados valores da natureza humana, cujos postulados são acordes com a tradição romano-cristã.

Em harmonia com o princípio do respeito à dignidade humana, a Carta de 1988 desenvolve a ideia da responsabilidade objetiva em sede de danos ambientais. A responsabilidade nos danos ambientais, além de objetiva, é integral e solidária.

Qualquer medida tendente a afastar as regras da responsabilidade objetiva e da reparação integral é adversa ao ordenamento jurídico pátrio. A não admissão do princípio do risco integral vai contra o ordenamento ambiental. Nesse sentido, a responsabilidade civil deve ser vista à luz do Direito Ambiental e como instrumento de realização desse Direito.

Nestas linhas será demonstrado que nem sempre é fácil identificar o responsável pela degradação ambiental, daí se justificar a “atenuação do relevo do nexo causal”, bastando que a atividade do agente seja potencialmente degradante para sua implicação nas malhas da responsabilidade. 

Por outro lado, a título de situar o leitor, cabe observar que, atualmente, o mundo da globalização econômica encontra-se pouco sensível aos assuntos ambientais, parece não perceber que dependemos de nossos sistemas naturais para sobreviver. Uma expressiva demonstração deste fato, ocorreu em novembro de 2000, por ocasião da reunião da Organização Mundial do Comércio, em Seattle, Estados Unidos, pelas manifestações públicas restou evidente a necessidade de que não se pode olhar apenas para os assuntos econômicos isoladamente, deve-se pensar, também, em termos sociais e ambientais.

Assim, verifica-se que a proteção ambiental não pode ser tarefa exclusiva do Estado, seja através dos Órgãos do Poder Executivo, seja através do Poder Judiciário, mas de todos, ou seja, os indivíduos, a sociedade civil, são obrigados a garantir, com responsabilidade, o direito de as gerações presentes e futuras usufruírem de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Neste contexto, as três vias de responsabilidade por degradação ambiental passam a ter uma dimensão de extrema relevância, no cenário econômico, político e jurídico mundial por denotarem, também, uma questão de sobrevivência humana. Acreditamos que, para equacionar a problemática da degradação ambiental, devem ser levados em consideração diversos fatores, nesse sentido, fica o convite para pensar o meio ambiente adentrando nos capítulos desta obra.

2. RESPONSABILIDADE E SEUS CONTORNOS CIVIS

A que se asseverar, em linhas gerais, que a responsabilidade tem contorno civil  que representa a obrigação de o agente infrator reparar (recuperar) ou ressarcir (indenizar) os danos causados ao meio ambiente. Com efeito, como mecanismo simultâneo de tutela e controle da propriedade, a responsabilidade civil pressupõe prejuízo a terceiro, ensejando pedido de reparação de dano, consistente na recomposição do status quo ante (represtinação = obrigação de fazer) ou em uma importância em dinheiro (indenização = obrigação de dar).

Entretanto, existem duas espécies de teorias para demonstrar a responsabilidade civil: a subjetiva e a objetiva. A responsabilidade subjetiva é baseada na demonstração da culpa do agente (imprudência, negligência ou imperícia), bem como a conduta comissiva ou omissiva e o nexo causal entre o fato  e o dano. A objetiva não exige demonstração de culpa, bastando apenas a demonstração da existência do fato ou ato, o dano e o nexo causal.

Na esfera ambiental, o ordenamento jurídico adotou a teoria objetiva. A responsabilidade civil objetiva foi introduzida pela Lei 6.938/1981, art. 14,§1º, a qual prevê que o poluidor é obrigado a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente ou a terceiros independentemente de culpa. Essa lei infraconstitucional foi reforçada, ou melhor, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, § 3º, art.  225.

Ao justificar essa teoria podemos sugerir que o legislador reconheceu a importância do bem ambiental ao buscar responsabilizar o agente por dano independentemente de  culpa. Esclarece ainda que sem essa responsabilidade objetiva seria muito difícil comprovar a culpa do agente causador da poluição. E nessa linha de raciocínio, a teoria da responsabilidade objetiva justifica-se quando a atividade normalmente desenvolvida causar riscos aos direitos de terceiros.

Ocorre que a responsabilidade civil baseada na teoria da culpa não era suficiente e adequada para proteger as vítimas do dano ambiental, apontando três fatores importantes, quais sejam: natureza difusa (pluralidade de vítimas dificultava a composição de danos), dificuldade de prova de culpa do agente poluidor (quase sempre sob o manto da legalidade do  Poder Público que se reveste mediante licenças e autorizações) e, por fim, as excludentes de responsabilização (ex. caso fortuito e força maior).

Sobre a teoria do risco da atividade, da qual decorre a responsabilidade objetiva, é possível identificar três principais consequências para que haja o dever de indenizar, a saber: a) prescindibilidade de investigação da culpa; b) a irrelevância da ilicitude da atividade; e c) a inaplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil.

Discorrendo sobre os sujeitos responsáveis pela degradação ambiental, facilmente denota-se que, havendo mais de um causador do dano ambiental, todos serão solidariamente responsáveis pela reparação pretendida.  Essa regra se aplica na esfera ambiental com fundamento no art. 942 do Código Civil Brasileiro. Alguns autores, inclusive, defendem a responsabilidade solidária do Pode Público na condição de poluidor indireto por danos causados por terceiros.

Cabe ponderar ainda que acionar o Estado, em caráter solidário com o terceiro degradador, pela omissão em fiscalizar e impedir a ocorrência de dano, significa transferir para a vítima (a sociedade), a responsabilidade pela reparação com todos os ônus dela decorrentes. É evidente que o disposto no § 6º do art. 37 da Constituição aplica-se aos danos ambientais causados pelo Estado e as concessionárias de serviços públicos. Inclusive, não é demais consignar que eles são justamente os maiores degradadores do meio ambiente, seja por suas ações seja por omissões em fiscalizar as atividades potencialmente poluidoras.

Assim, afastando-se da imposição legal de agir, ou agindo deficientemente, deve o Estado responder por sua incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado que, por direito, deveria sê-lo. E mais, a pessoa jurídica de direito público interno deve ser responsabilizada civilmente pelos danos ao meio ambiente, mormente por omissão na fiscalização ou pela concessão irregular do licenciamento ambiental, sem prejuízo de responsabilidade do verdadeiro causador dos danos ambientais.

3. RESPONSABILIDADE COM CONTORNO ADMINISTRATIVO

Em se tratando da responsabilidade administrativa, ela fundamenta-se no art. 225, §3º, da Constituição, e resulta da infração das normas administrativas, sujeitando o infrator a uma sanção de natureza administrativa que pode ser: advertência, multa simples, multa diária, apreensão dos animais, produtos ou subprodutos da flora e fauna, destruição ou inutilização do produto, suspensão de venda e fabricação de produto, embargo de obra ou atividade, demolição de obra, suspensão parcial ou total de atividades, restritivas de direitos.

Faz-se necessário destacar que a responsabilidade administrativa, como também a penal, constitui importantes instrumentos na repressão às condutas e às atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, o que os diferencia nesse sentido da responsabilidade civil. São avanços de importância sobremaneira para o reparo ao dano ambiental de máxima eficiência.

Discorrendo ainda acerca das diferenças entre as esferas de responsabilização, aproveito para destacar que, em matéria de tutela ambiental, os ilícitos administrativos e criminais não dependem da configuração de prejuízo, podendo coibir condutas que apresentem mera potencialidade de dano ou mesmo de risco de agressão aos recursos ambientais. Assim, enquanto as sanções civis e penais são impostas somente pelo Poder Judiciário, as penalidades administrativas são impostas pelo Poder Executivo (órgão da Administração direta  ou indireta).

A apuração da responsabilidade administrativa é efetuada pela apuração da infração administrativa ambiental, mediante lavratura do auto de infração pela autoridade competente de um dos órgãos ou entidades que integram o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). As infrações, o procedimento e as sanções administrativas encontram-se disciplinadas na Lei de Crimes Ambientais e no Decreto Federal 6.514, de 22 de julho  de  2008,  que  dispõe  sobre  as infrações e sanções administrativas.

Perceba na prática que a autoridade ambiental que tiver conhecimento da infração ambiental deverá promover imediatamente proceder a sua apuração sob pena de responsabilidade. Em caso de prevaricação, tal omissão poderá acarretar ao servidor outra tríplice responsabilidade, de ordem pessoal, traduzida em sanções administrativas (poderá responder pelas sanções previstas no Estatuto do Servidor), cíveis (poderá responder solidariamente com o infrator ambiental e por improbidade e penais).

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Inegável que a aplicação das sanções administrativas figuram entre as mais importantes expressões do poder de polícia conferido à Administração Pública. Com efeito, a coercibilidade é um dos atributos do poder de polícia da qual decorrem  as penalidades administrativas.

No que tange à natureza jurídica, as responsabilidades administrativa e penal exigem, para a sua configuração, a ocorrência de uma conduta omissiva ou comissiva, que, de qualquer forma, concorra para a prática da infração. Sendo assim, a responsabilidade administrativa ambiental caracteriza-se por constituir um sistema híbrido entre a responsabilidade civil objetiva e a responsabilidade penal subjetiva: de um lado, a  responsabilidade administrativa prescinde de culpa, de outro, porém, ao contrário da esfera civil,  não  dispensa  a  ilicitude  da  conduta  para  que  ela  seja  tida  como infracional, além de caracterizar-se pela pessoalidade, decorrente de sua índole repressiva.

Por isso, se a responsabilidade civil ambiental, sob a modalidade do risco integral, jamais admite a incidência das chamadas excludentes, a responsabilidade administrativa, em certos casos, pode ser elidida com base na alegação de força maior, caso fortuito ou fato de terceiro. Já na responsabilidade penal, a pessoa nunca pode ser punida uma vez caracterizada a presença de uma daquelas situações.

Ainda com relação às sanções administrativas, não é forçoso sustentar que estão relacionadas ao poder de polícia, vinculada pela doutrina ao Direito Público. Todavia, no que tange à tutela jurídica dos bens ambientais, destaca que o poder de polícia não estaria vinculado ao interesse público, mas aos interesses difusos.

4. RESPONSABILIDADE E SEU CONTORNO CRIMINAL

Igualmente às demais, a responsabilidade penal está prevista no art. 225,§3º, da Constituição, bem como na Lei dos Crimes Ambientais e nas leis esparsas que cuidam da matéria. A tutela penal na área ambiental deve ser reservada à lei, como aplicação rigorosa ao princípio da legalidade, de forma que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX, CF/1988).

Entretanto, a imposição das sanções penais às agressões contra o meio ambiente somente deve ser aplicada em última análise, quando as medidas na esfera civil ou administrativa não lograrem êxito. É verdadeiramente, como tudo no direito, a última ratio em matéria de punição.

A imposição das sanções penais justifica- se em razão de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dos direitos fundamentais da pessoa humana e, como tal, deve ser aplicado em extrema ratio e em última ratio, na medida em que “somente nos casos em que as agressões aos valores fundamentais da sociedade alcancem o ponto do intolerável ou sejam objeto de intensa reprovação do corpo social”.

Com o advento da Carta de 1988, o legislador pátrio incluiu, de modo genérico, a previsão de responsabilidade criminal da pessoa jurídica, posteriormente concretizada pela Lei de Crimes Ambientais, definindo as penas às pessoas físicas e jurídicas separadamente, uma não excluindo a outra. Importante destacar que, embora a Lei n. 9.605/1998 prescreva crimes contra  o  meio  ambiente,  o  legislador  infraconstitucional  não  explicitou  quais  as legislações foram revogadas, sendo esta uma das grandes críticas à nova lei. Dessa forma, cabe ao operador de direito a responsabilidade de examinar e comparar as normas conflitantes para solucionar o conflito aparente das normas que foram tacitamente revogadas e as que ainda continuam em vigor.

5. POLÍCIA DE PODER ADMINISTRATIVO EM MATÉRIA AMBIENTAL

A) CONTEXTO HISTÓRICO

Notoriamente, a palavra polícia vem do grego politeia e é utilizada para designar as atividades da cidade-estado (polis), sem qualquer relação com o sentido atual da expressão. Portanto, suas origens remontam desde as cidades gregas, onde seu papel era tão importante quanto hoje nas grandes metrópoles, transladando-se da polis grega para a urbe romana, sob a designação latina politia e, posteriormente, para o vocábulo português polícia.

Fato é que a centralização do poder político nas mãos dos soberanos e a lenta e contínua desagregação do período feudal fizeram com que esse poder concedido ao príncipe fosse ampliado em função do chamado interesse público. Por força da necessidade de regular e ordenar os diversos aspectos da vida social, se impôs à administração o exercício de práticas que passaram a ser conhecidas como atividades de polícia, que começaram a prevalecer sobre as demais formas de Direito.

Verdadeiramente, o poder de polícia está ao estado absolutista, no qual inicialmente prevalecia a vontade do príncipe sobre os seus súditos sem freios ou limites impostos pelo ordenamento burguês. Dessa forma, o poder estava diretamente subordinado ao monarca, evidenciando a inexistência de uma clara divisão entre os diversos ramos da atividade estatal, sendo essa concepção somente modificada com o surgimento do Estado Democrático de Direito.

Ocorre que as transformações políticas e jurídicas que procederam à ascensão revolucionária da classe burguesa contribuíram para a transformação do significado da palavra polícia que vigorava até o século XIX. A Revolução Francesa substituiu o “estado de polícia”, que era arbitrário, pelo “estado de direito”, fundado na lei e em princípios claros e definidos previamente.

Com muita propriedade, resta claro que com o surgimento do Estado de Direito, estabelece-se uma nova fase em que um dos princípios básicos é o da legalidade, submetendo o próprio Estado às leis por ele mesmo postas. Baseado no liberalismo, num primeiro momento, a preocupação estava voltada à garantia dos direitos à liberdade, em que prevaleciam os direitos às liberdades individuais assegurados nas Declarações Universais de Direitos, posteriormente assegurados pelas Constituições. A intervenção do Estado era em caráter excepcional, somente para assegurar a segurança pública, na qual a polícia administrativa era essencialmente uma polícia de segurança.

Num segundo momento, o poder de polícia sofre modificações com a transição de um Estado liberal para um Estado do bem-estar social. Com essa evolução, da polícia geral, surgem as polícias especiais, cujas atribuições compreendem a cuidar da elaboração e da aplicação de normas que regulam interesses da coletividade.

Desse modo, atualmente é possível afirmar que a polícia passa a ser vista como uma parte das atividades da Administração, destinada a manter a ordem, a tranquilidade e a salubridade públicas. E mais, analisando a evolução do poder de polícia, esse poder ganhou maior extensão com a ampliação das funções do Estado Moderno, cada vez mais ativo e constrangedor das liberdades públicas, acompanhando o desenvolvimento das cidades, a multiplicação das atividades humanas, a expansão dos direitos individuais e as exigências do interesse social.

B) PRÉVIA DE UM CONCEITO

 O poder de polícia compreende tanto atos do Poder Legislativo quanto do Executivo, ou seja, abrange a atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando os interesses coletivos. Num sentido estrito, relaciona-se tanto com as intervenções, quer gerais e abstratas, quanto com os regulamentos, quer concretos e específicos (tais como as autorizações, as licenças, as injunções), apenas do Poder Executivo, objetivando, em ambos os casos, prevenir e obstar o desenvolvimento de atividades particulares que se contrapõem aos interesses sociais.

Hodiernamente, no direito brasileiro, o poder de polícia é algo como a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. Outra afirmativa prudente seria que ele é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.

Este poder é verdadeiro modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objeto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem  os danos sociais que a lei procura prevenir.

Definido que poder de polícia é a atribuição conferida à Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens e exercício de atividades e direitos individuais, com o objetivo de compatibilizá-los como o interesse público ou social, vale lembrar que no direito positivo brasileiro, o poder de polícia está previsto no art. 78 do Código Tributário Nacional (CTN) – Lei nº 5.172, de 25/10/1966 – que conceitua poder de polícia, in verbis:

Art. 78. Considera poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Certo é que esse poder é verdadeira prerrogativa da Administração Pública, que legitima a intervenção na esfera jurídica do particular, em defesa de interesses maiores relevantes para a coletividade, e desde que fundado em lei anterior que o discipline e defina seus contornos. Ele divide-se entre o Legislativo e o Executivo. O Poder Legislativo exerce o poder de polícia mediante criação de lei das chamadas limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas, ao passo que a Administração Pública, no seu exercício, regulamenta as leis e controla a sua aplicação, preventivamente (por meio de ordens, notificações, licenças ou autorização) ou repressivamente (mediante, imposição de medidas coercitivas).

C) DIGRESSÃO LÓGICA DE UM PODER

Existem duas áreas de atuação estatal, quais sejam: a administrativa e a judiciária. E a principal diferença reside no caráter preventivo da polícia administrativa e no repressivo da polícia judiciária. Entretanto, a polícia administrativa pode agir tanto preventiva quanto repressivamente. Nesses casos, objetiva impedir que uma atividade ou um comportamento de um particular cause prejuízo à coletividade. Por outro lado, a polícia judiciária também pode assumir natureza preventiva em função do caráter pedagógico da sanção aplicada. Outra diferença importante é que a polícia judiciária é privativa às corporações especializadas (polícia civil e militar), enquanto a polícia administrativa se divide entre diversos órgãos da Administração Pública.

Enfim, a linha de diferenciação está na ocorrência ou não de ilícito penal. Com efeito, quando atua na área do ilícito puramente administrativo (preventiva ou repressivamente), a polícia é administrativa. Quando o ilícito penal é praticado, é a polícia judiciária que age.

A Polícia Administrativa é atividade da Administração que se exaure em si mesma, ou seja, inicia e se completa no âmbito da função administrativa. O mesmo não ocorre com a Polícia Judiciária, que, embora seja atividade administrativa, prepara a atuação da função jurisdicional penal, o que a faz regulada pelo Código de Processo Penal (arts. 4º e seguintes) e executada por órgãos de segurança (polícia civil ou militar), ao passo que a Polícia Administrativa o é por órgãos administrativos de caráter mais fiscalizador.

Segundo a forma de atuação, o poder de polícia pode agir por meio de ordens e proibições, mormente por meio de normas limitadoras e sancionadoras, ou pela ordem de polícia, pelo consentimento de polícia, pela fiscalização de polícia e pela sanção de polícia.

D)   RAZÕES DE SER UM PODER

A razão do poder de polícia reside na necessidade de proteção do interesse social, e seu fundamento está na supremacia geral que a Administração Pública exerce, em seu território, sobre todas as pessoas, bens e atividades. É possível afirmar que a supremacia se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao poder público o seu policiamento administrativo.

Sem esmiuçar o assunto, nos deparamos, na vigente Constituição da República, com claras  limitações  às  liberdades  pessoais  (art.  5º,  VI-VII):  ao direito de propriedade (art. 5º, XXII-XXIV); ao exercício das profissões (art.5º, XIII); ao direito de reunião (art. 5º, XVI); liberdade de comércio (arts. 170 e 173). Por igual, o Código Civil condiciona o exercício dos direitos individuais ao seu uso normal proibindo o abuso (arts. 159-160 do CC 1916; arts. 186-188 do CC2002); e, no que concerne ao direito de construir, além de sua normalidade, condiciona-o ao respeito aos regulamentos administrativos e ao direito dos vizinhos (arts. 554, 572 e 578 do CC 1916; arts 1.277 e 1.299 e ss., do CC 2002). Outras leis cominam idênticas restrições, visando sempre à proteção dos interesses gerais da comunidade: Lei de Recursos Hídricos, o Código de Mineração, o Código Florestal, o Código de Caça e Pesca, a Lei do Meio Ambiente, o Código de Defesa do Consumidor. Perceba o quanto é presente no mundo jurídico atual.

E) FINALIDADE ESMIUÇADA E SUAS PREMISSAS

O objeto do poder de polícia administrativa é todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou pôr em risco a defesa nacional, exigindo, por isso mesmo, regulamentação, controle e contenção pelo Poder Público. Finalidade precípua é a proteção dos interesses coletivos, denotando estreita conotação com o próprio fundamento do poder que é o interesse público, devendo este ser entendido em seu sentido mais amplo para alcançar não só valores materiais, como moral e espiritual.

A competência para exercer o poder de polícia é, em princípio, da pessoa federativa à qual a Constituição Federal conferiu o poder de regular a matéria. Na verdade, os assuntos de interesse nacional ficam sujeitos à regulamentação e policiamento da União; as matérias de interesse regional sujeitam-se às normas e à policia estadual; e os assuntos de interesse local subordinam-se aos regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal.

A previsão de competências encontra-se fixada em linhas gerais nos arts. 21, 22, 25 e 30 da Constituição Federal (CF). Entretanto, essa competência partilhada entre os três graus federativos – federal, estadual  e  municipal  – pode  ser  concorrente,  ensejando o  exercício  em conjunto dos três entes, em razão da previsão constitucional do art. 22, parágrafo único, 23 e 24 da CF. Portanto, algumas das hipóteses de competência concorrente podem resultar em sistema de cooperação calçado no regime de gestão associada, mediante convênios administrativos ou consórcios públicos para atenderem aos objetivos de interesse comum, conforme estabelece o art. 241 da CF.

Embora o poder de polícia  seja  prerrogativa  do  Poder  Público,  sobretudo  do  Executivo,  pode ser exercido diretamente ou por meio de delegação. Mas tal delegação deverá ter previsão legal, não podendo ser arbitrária nem ampla e indefinida.

Inobstante à competência do poder de polícia, não se pode olvidar que o âmbito de incidência compreende qualquer ramo de atividade que possa contemplar a presença do indivíduo. Dessa premissa decorre que os direitos individuais não são absolutos, ou seja, não podem ser exercidos de forma a prejudicar valores de interesse de toda a sociedade.

F)   CAMPO DE ATUAÇÃO QUE PASSA LONGE DO DELITO DE ALUCINAÇÃO

Considerando o poder de polícia em sentido amplo, no qual envolva atividades do Poder Legislativo e do Poder Executivo, o Estado utiliza, para o seu exercício, duas maneiras: atos concretos, que são  as leis que criam as limitações administrativas ao exercício e aos direitos individuais, dirigida indistintamente às pessoas; e atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei, compreendendo as medidas preventivas e repressivas.

A polícia administrativa age preferentemente de maneira preventiva, através de ordens e proibições e, sobretudo, por meio de normas limitadoras e condicionadoras da conduta daqueles que utilizam bens ou exercem atividades que possam afetar a coletividade, a qual chama de limitações administrativas. O poder de polícia é bastante amplo e complexo, posto que, originariamente, restringia-se à segurança, moralidade e salubridade, estendendo-se posteriormente à defesa da economia e organização social e jurídica em todas as ordens imagináveis.

Na doutrina, os atributos do poder de polícia compreendem a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade.

A discricionariedade resulta na faculdade de escolha pela Administração Pública, que, por oportunidade e conveniência, exerce o poder de polícia ao aplicar as sanções legais e meios conducentes para atingir a proteção do interesse público. Contudo, para que o ato seja legítimo, deve estar dentro dos limites legais e que a autoridade permaneça na faixa de opção que lhe é conferida.

Embora o poder discricionário esteja presente na maior parte nas medidas de polícia, a  Administração pode atuar de modo vinculado. Dessa forma, a autora justifica que a lei deixa margem de liberdade de apreciação em razão da impossibilidade de o legislador prever todas as hipóteses possíveis para exigir a autuação de polícia administrativa. Em outros casos, a lei estabelece determinados requisitos que a Administração deverá adotar sem possibilidade de opção, como é o caso da expedição de licenças.

Em princípio, o poder de polícia será discricionário, porém será vinculado na medida em que a norma legal que o rege estabelecer o modo e a forma de sua realização. Entretanto, observa que discricionariedade não deve ser confundida com arbitrariedade. Discricionariedade é a liberdade de agir dentro dos limites legais, portanto é legítimo e válido; arbitrariedade é a ação fora ou excedente à lei, com abuso ou desvio de poder, sendo, por conseguinte, ilegítimo, inválido e nulo.

Já a auto-executoriedade é algo como a possibilidade que tem a Administração de, com os próprios meios, pôr em execução as suas decisões, sem precisar recorrer previamente ao  Poder Judiciário. Contudo, há atos que não autorizam a imediata execução pela Administração, necessitando da intervenção judicial, como é o caso da cobrança de multa. Desse modo, a auto-executoriedade não deve constituir abuso de poder, devendo, para tanto, o ato estar dentro das prerrogativas legais e na medida em que o interesse coletivo assim o exija.

Enfim, a auto-executoriedade não existe em todas as medidas de polícia. Para que a Administração possa se utilizar dessa faculdade, é necessário que a lei a autorize expressamente, ou que se trate de medida urgente, sem a qual poderá ser ocasionado prejuízo maior para o interesse público. No primeiro caso, a medida deve ser adotada em consonância com o procedimento legal, assegurando-se ao interessando o direito de defesa, previsto expressamente no artigo 5º, inciso LV, da Constituição. No segundo caso, a própria urgência da medida dispensa a observância de procedimento especial, o que não autoriza a Administração a agir arbitrariamente ou exceder-se no emprego da força, sob pena de responder civilmente o Estado pelos danos causados (art. 37, §6º, da Constituição), sem prejuízo da responsabilidade criminal, civil e administrativa dos servidores envolvidos.

Do mesmo modo, são três as hipóteses que permitem a aplicação da auto-executoriedade, a saber: quando a lei expressamente a autorizar; quando a medida for urgente para a defesa do interesse público e não comportar a demora de um provimento judicial; e, por último, quando inexistir outro meio capaz de assegurar o interesse público a ser protegido.

O atributo da coercibilidade resulta da imposição coativa das medidas que a Administração utiliza no seu exercício de poder de polícia, resultando, para o destinatário do ato, ônus ou conduta, dos quais não se pode abster de cumpri-las, admitindo, para tanto, o emprego da força pública para o seu cumprimento, quando resistido. Ainda cabe ressalvar que a coercibilidade é indissociável da auto-executoriedade. O ato de polícia só é auto-executório se dotado de força coercitiva. Bastante óbvia essa afirmativa.

No que tange aos requisitos de validade do poder de polícia administrativa, competência, finalidade, forma, motivo, objeto e causa seguem os mesmos requisitos de validade do ato administrativo. Cabe acrescentar ainda mais dois requisitos ou condições de validade do poder de polícia, quais sejam: a proporcionalidade e a legalidade dos meios empregados. Sendo que deve haver proporcionalidade entre a restrição imposta pela Administração e o benefício social que se tem em vista, assim como correspondência entre a infração cometida e a sanção aplicada, quando se tratar de aplicação de penalidade administrativa. Do mesmo modo, os meios empregados devem estar revestidos de plena legalidade, ainda que lícito e legal o fim pretendido, pois os fins não justificam os meios, sob pena de invalidade dos atos praticados em função do poder de polícia. 

Perceba, finalmente, que os meios devem ser legítimos, humanos e compatíveis com a urgência e a necessidade da medida adotada. Ocorre que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social; só poderá reduzí-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais.

7. CONCLUSÃO

Nestas linhas restou demonstrado a evolução da responsabilidade por crimes ambientais bem como os caminhos adotados pelo poder de policia nesta causa urgente. A todos aqueles que se permitiram adentrar no clamor em favor do meio ambiente, certamente identificaram a importância dos bens ambientais tutelados, de uso comum do povo e essenciais à sadia qualidade de vida, posto que resta evidente que o a legislação pátria adotou a teoria objetiva para se aferir responsabilidade do causador do dano ambiental e lhe impor, desta maneira, o dever de reparar estes danos.

Logo, não é necessário que se demonstre a culpa do agente ou degradador ambiental para que exista o dever de reparar o dano ambiental. Ademais, é muito mais difícil apurar e demonstrar a culpa do causador do dano ambiental segundo os preceitos da teoria subjetiva. Por este motivo, a teoria subjetiva foi descartada na legislação ambiental brasileira.

A adoção da teoria objetiva no arcabouço legal brasileiro não é novidade. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Que esta ideia prevaleça para todo sempre, isto sim é amparar o meio ambiente com a importância e relevância desta causa.

Em decorrência do dispositivo constitucional, vinculou-se a responsabilidade objetiva com a teoria do risco integral, dando reforço ao dever de reparar os danos independentemente da demonstração da culpa do agente, pelo simples fato de as atividades por ele desempenhadas implicarem em risco ao Meio Ambiente e a terceiros. Se a atividade contém riscos intrínsecos, isto basta para responsabilizar o agente caso haja um evento danoso ao Meio Ambiente, nesse sentido também o poder de polícia, amplamente trabalhado nestas linhas.

Verifica-se assim, que a adoção da responsabilidade objetiva em matéria ambiental é mais uma conquista do que um retrocesso no processo de responsabilização daqueles que, em meio a um momento de clamor e esforços mundiais pela preservação do Meio Ambiente, ainda insistem em esquivar-se deste dever. Resta deixar a mensagem de que por vezes, em matéria ambiental, “nunca é muito para uma vida tão curta”, por isso, cabe aos cidadãos conscientes o poder dever de exigir a ampliação da preservação e a prioridade quando o assunto é equilíbrio ambiental. Quanto amor você dedica ao meio ambiente é o que realmente importa para dias cada vez melhores nesta causa de urgência máxima.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

CAETANO, Eduardo Paixão. Da descartabilidade dos contratos que descumprem o direito ambiental de máxima responsabilidade. Brasília-DF. Conteúdo Jurídico, 02/12/15.

CAETANO, Eduardo Paixão. Cultura de consciência ambiental que alncança os militares e seus pares de vanguarda. Rio Grande-RS. Âmbito Jurídico, 02/12/15.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 130-131.

Sobre o autor
Eduardo Paixão Caetano

Professor de Direitos Humanos e Delegado de Polícia Judiciária Civil. Atualmente Delegado Controlador Geral de Administração e Finanças da PC-AM. Foi titular da DECON, 17º DP e 25º DP e Conselheiro do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (CONDECON).. Doutorando em Ciências Jurídicas. Formação como Mestre em Direito Ambiental. Autor dos livros: "Direitos Humanos, vocação do Delegado de Polícia" (ISBN 978-85-400-1964-5), "Consciência ambiental para efetivação da dignidade humana no sistema prisional" (ISBN 978-85-400-2178-5) e "Poder do Óbvio para Blindagem do Consumidor Consciente e Outras Justiças" (ISBN 978-65-89973-08-9). Autor dos livros "Direitos Humanos, vocação do Delegado de Polícia", ISBN 978-85-400-1964-5, e "Consciência ambiental para efetivação da dignidade humana no sistema prisional", ISBN 978-85-400-2178-5.

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