Muito se tem escrito sobre serial killers nas últimas décadas, especialmente com a popularização do tema, no cinema, televisão e literatura, sendo uma tendência peculiarmente pronunciada, associada a curiosidade natural do ser humano em relação ao mórbido. Tal fenômeno, pode ser facilmente explicado, pela atração instintiva do cérebro por de informações não usualmente processadas, como no caso do bizarro, por exemplo. Tal aspecto da criminalidade vem servindo de pano de fundo para os enredos das mais marcantes obras da ficção de mistério nos últimos tempos, contribuindo inclusive para a disseminação de informações – ainda que as vezes equivocadas - concernente a tão controverso tópico.
Ainda que muitas teorias ou enfoques tratados nas páginas das obras literárias ou nas telas do cinema, revistam-se de um tom impreciso e distorcido pela licença criativa, decerto, não há de se negar que muitas destas abordagens, efetivamente, correspondem à realidade, no que tange à mente dos assassinos em série, especialmente na atualidade, onde dispomos de infinitos recursos de pesquisa ao toque de nossos dedos, por meio da rede mundial de computadores.
Segundo a classificação do FBI (Federal Bureau of Investigation), o assassinato serial seria definido, como três ou mais eventos separados em três ou mais locais, distanciados por um hiato denominado “período de resfriamento emocional” entre os homicídios. Ainda que a primeira vista tal definição pareça ser completa, esta apresenta insuficiências evidentes, quanto a quantificação de vítimas e o período de resfriamento, o que se qualifica como o lapso compreendido após a satisfação obtida no evento criminoso - fase áurea - até a prática de um novo homicídio.
Tratando-se de assassinos seriais, pode-se dizer serem estes, indivíduos dotados de um padrão específico relativo a escolha de vítimas e procedimento de perpetração dos crimes, peças-chave na composição do perfil criminal, como se discorrerá adiante. O presente artigo visa apontar o papel de tal ferramenta e sua aplicação na investigação de assassinato serial no cenário contemporâneo, focando no método utilizado pelo FBI, na composição de perfis quando da persecução de tais crimes.
Diferentemente do que grande parte das pessoas possa pensar, serial killers não são uma realidade da modernidade, pois desde que se cometeu o primeiro assassínio na história da raça humana, é possível apontar a gênese de tal fenômeno. Assim, ainda que inúmeras tenham sido as evoluções sociais e culturais no desenvolvimento dos povos, as moléstias mentais, desvios do psiquismo, entre outros aspectos correlatos, são inerentes á natureza humana, sendo o comportamento criminoso, uma reunião dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais, consistindo na trinca denominada bio-psico-social.
Como é cediço, existem diversas teorias que objetivam explicar as origens do comportamento violento, atribuindo-o a fatores genéticos, relativos a alteração cromossomial, relacionando inclusive a estas desordens, a violência como aspecto inato ao indivíduo, desde os primórdios do estudo criminológico, com os escritos de Lombroso, Virchow, Hans Gross, Richard Von Krafft – Ebing, Freud entre outros. Ainda que não totalmente provados, os citados direcionamentos dissertativos não se apresentam desprovidos de lógica, quando associados às demais influências acima listadas.
Sabe-se que, o meio social, de mesma forma, pode influir sobre o futuro padrão de comportamento, pois inquestionável é o fato de que o meio cultural sempre esteve inserto entre os principais delineadores de caráter conhecidos. Aponta-se ainda como conhecimento solidificado, o fato de que nos primeiros anos de vida, a criança tende a associar e assimilar aspectos do ambiente que o rodeia, a fim de compor sua própria identidade, imagem que servirá de modelo a sua personalidade futura/adulta.
Analisando por conseguinte, o aspecto psíquico, pode-se livremente atestar, em atenção à vastidão de material registrado durante os anos de pesquisa e desenvolvimento da psicologia, que grande porcentagem dos criminosos violentos, sofreu algum tipo de abuso na infância e juventude, fase onde a estrutura mental da pessoa em desenvolvimento, encontra-se em um estágio mais vulnerável. De fato, tal aspecto é objeto de constantes publicações associando o abuso na infância, como significativo precursor do comportamento violento em idade madura.
Face a esta situação, os danos a cadeia psíquica são na maioria dos casos tão profundos, que tais cicatrizes, reflexos de um considerável lapso de abusos sistemáticos, podem muitas vezes ser decisivas na formação de um futuro transgressor, especialmente pelo fato de que as citadas alterações cerebrais, agem sobre o sistema límbico cerebral, centro das emoções, pronunciadamente alterado em personalidades psicopatas.
Ressalte-se que tais diretrizes, de maneira nenhuma são definitivas, pois, sabe-se até mesmo pelo conhecimento de mundo, que nem todas as vítimas de violência física, mental ou sexual, estariam propensas a desenvolver aquelas tendências em momento ulterior de suas vidas. Todavia, tal abordagem é relevante na composição do perfil psicológico de um elemento desconhecido objeto de uma investigação.
Os crimes de natureza serial revestem-se de particularidades em relação à convencional perquirição de autoria do delito ou delitos, pois diversamente do que se transmite no mundo da ficção, na maioria dos casos, serial killers não apresentam de maneira evidente e estética, a motivação de seus crimes através de rituais mirabolantes ou pistas deixadas na cena do crime propositalmente. Por outro lado, ainda que tal fato possa ocorrer em parcela dos casos, situações nas quais o perpetrador anseia uma relação com a mídia, ou mesmo com as autoridades que os caçam, tal ocorrência é rara, sendo muitas vezes uma tarefa árdua, inclusive identificar um caso como de natureza serial ou ritualística.
Um assassino pode atuar um raio de ação muitas vezes de vasta abrangência, sendo que, de outro giro, significativa parcela opera em áreas próximas a seu espaço de vivência, não sendo possível desta forma, conectar de início os locais de abdução, abate, e desova das vítimas, podendo tal área, compor mais de uma jurisdição, e desta maneira, passarem-se anos até que sequer a atividade de um serial killer possa ser identificada. Daí a importância do registro de pessoas desaparecidas e comunicação interestadual entre as agências policiais, sendo seus bancos de dados constantemente atualizados; obviamente em situações onde tais diligências possam ser implementadas, pois como se sabe, muitas vítimas em potencial, como prostitutas, andarilhos ou moradores de rua, por vezes, não têm sua ausência percebida, consistindo no que se denomina “cegueira de ligação”.
Outro aspecto digno de nota, é o fato de que tais indivíduos, muitas vezes não serem facilmente identificados como suspeitos, de forma mais patente, naqueles que apresentam inteligência mais elevada, como no caso de assassinos definidos como organizados, revestindo-se de características próprias, da mesma forma relevantes ao aplicador da lei. Dá-se a tal fenômeno, a nomenclatura de “máscara de sanidade”, ou “camuflagem social”, característica intrínseca aos psicopatas, elementos por natureza manipuladores, que se alocam em meio aos ditos “normais”, sem chamar atenção sobre sua pessoa, podendo assim, por implicação, diligenciar sua sobrevivência social.
A psiquiatria já definiu os psicopatas, ou sociopatas, classificação latu sensu, como um aspecto intermediário no que tange as moléstias mentais, não podendo ser classificados como inimputáveis, salvo no caso de raras exceções, onde o indivíduo realmente não entende o caráter ilícito de sua conduta, não podendo, portanto, agir de acordo com tal entendimento, a exemplo dos assassinos psicóticos.
Em razão da complexidade humana, bem como pelos elementos definidores dos condutopatas, a confecção do perfil é um componente valioso à persecução criminal, pois uma vez traçado, este servirá de guia ao procedimento investigatório, não funcionando por óbvio, como um aspecto único, pois a investigação se desdobrará pautadas em todos os elementos probantes colhidos nas cenas dos crimes e compilados via arquivos policias.
Nesse viés específico, pode-se ainda apontar a relevância do olhar psicológico sobre um caso, pelo fato de que muitos ângulos infrutíferos de uma investigação serão afastados, bem como, reduzida a quantidade de suspeitos, sendo extremamente produtiva a uma força tarefa onde se carece de pessoal e tempo.
A aplicação da técnica de traçar perfis, ou profiling, apesar de ser utilizada há várias décadas, tanto na Europa quanto na América, tornou-se uma ferramenta mais popular na década de 60, com pioneiros em sua aplicação mais concreta e contínua, por uma nova safra de agentes do FBI, a polícia federal americana. Cita-se o agente Howard Teten, discípulo do Dr. James Brussel, famoso psiquiatra de Nova York, pai da metodologia moderna na criação de perfis – autor da obra “Diário de Trabalho de Um Psiquiatra Criminalista” publicada em 1968, após sua imprescindível participação do célebre caso do bombista louco, George Metesky – além de vários outros, agentes de calibre. Teten, introduziu o estudo de casos sob o o enfoque psicológico, ministrando aulas na academia do FBI em Washington.
Como se depreende da história do Bureau, apesar de seu famoso diretor J. Edgar Hoover (1895 -1972), ter sido um entusiasta na utilização das ciências na detecção de crimes, as abordagens psicológicas utilizadas pelos agentes nos anos finais de sua administração, podem ser consideradas como, no mínimo, inócuas, carecendo de conhecimento prático; este que seria colhido nos primórdios da década de 80, através de uma série de entrevistas conduzidas com criminosos presos, buscando por este método revestido de empirismo estatístico, uma composição mais substancial de conhecimentos acerca dos vários estágios/etapas da perpetração de crimes violentos, e a psique daqueles que os cometem.
Tal projeto inovador, foi inicialmente levado a efeito pelos agentes especiais Robert Ressler, John Douglas – este último inclusive fonte inspiradora para personagens hollywoodianos – e a psiquiatra Ann Burgess, encarregada de compor o questionário a ser proposto aos entrevistados, sendo o trio ainda, com Alen Burgess, no ano de 1991, responsável pela publicação do Manual de Classificação de Crimes do FBI, (Crime Classification Manual), utilizado no estágio de classificação do criminoso. Cita-se ainda, como principais representantes neste processo, além dos agentes anteriormente referidos, os agentes especiais, Pat Mullany, Dick Ault, e Roy Hazelwood, este, grande especialista em crimes sexuais.
Na América, o polo de estudos de casos envolvendo serial killers, se localiza em Quântico, Virgínia, na Unidade de Apoio Investigativo, antiga Unidade de Ciência do Comportamento, por muitos anos, comandada pelo agente especial John Douglas durante a década de 80. Centro também da academia de treinamento dos agentes, a National Center for the Analysis of Violent Crime (NCAVC), é composta de agentes especiais supervisores e oficiais de polícia, com ampla experiência prática e científica em psicologia, criminologia, sociologia e resolução de conflitos, analistas de cena de crime, entre outros representantes de inúmeros direcionamentos, pois uma multidisciplinaridade é fundamental à tão complexa e abrangente ciência.
Dispondo de um programa de armazenamento de dados, denominado VICAP, (Violent Criminal Apreehention Program)1 - sistema que opera relacionando as informações elencadas sobre casos em todo o país, podendo desta forma, compor um padrão entre crimes não solucionados – a unidade ministra cursos a vários segmentos policiais de todo o país, inclusive no exterior, bem como presta consultoria nos casos em aberto. Acerca do papel da unidade de apoio investigativo, John Douglas2, em sua celebrada autobiografia, publicada após sua aposentadoria do Bureau, assim descreve:
“In the Investigative Support Unit, which is part of the FBI´s National Center for the Analysis of Violent Crime at Quantico, we don´t catch criminals. Let me repeat that: we do not catch criminals. Local police catch criminals, and considering the incredible pressure they´re under, most of them do a pretty damn good job of it. What we try to do is assist local police in focusing their investigation, then suggest some proactive techniques that might help draw a criminal out”3
Assim, no que tange a aplicação da significativa informação coletada nos vários anos de estudo, aliado a modernas técnicas de investigação, o FBI encontra-se um passo a frente de outras agências, no quesito de investigações seriais.
Três são as principais definições a serem analisadas quando da composição de um perfil – vitimologia, MO (Modus Operandi), e assinatura – as quais serão a seguir explicitadas, em seus respectivos contextos. A vitimologia pode ser classificada como uma abordagem de estudo valioso para se chegar até o criminoso, pois, por meio da vítima, muito pode se descobrir acerca de seu algoz. Trata-se, na verdade, de uma relação extremamente pessoal, a do perpetrador e sua presa, justificando tal assertiva, pelo fato de que através desta análise, pode-se entender os motivos pelos quais a vítima atraiu o olhar do assassino.
Características da vítima, como faixa etária, grupo étnico, bem como seu histórico pessoal, relacionamentos recentes e passados, são aproveitáveis na tarefa de se presumir o nível de conhecimento entre vítima e perpetrador, assim como, por exemplo, sua compleição física, relacionado-a ao método utilizado para se desfazer do corpo e o local escolhido para tal propósito. Como resultado, é possível se deduzir com relativa segurança, como e porque o elemento desconhecido escolheu sua vítima, ajudando a definir a tipologia de transgressor.
O Modus Operandi, nada mais é do que a cadeia de eventos, e a dinâmica utilizada para a realização do crime, os estágios a serem seguidos entre o início do cometimento do assassinato, até a disposição do cadáver. Imperioso reconhecê-lo como um processo mutável, tendo em vista que pode ser alterado na medida em que um assassino adquire mais experiência, e refina seus métodos, ou ainda, na medida em que se intensifica a gravidade de sua patologia. O MO, muitas vezes é confundido com outro aspecto imprescindível a ser identificado em um caso envolvendo crimes de ordem serial, a assinatura do criminoso.
De forma diversa do modus operandi, a assinatura é única e, em tese, imutável, pois esta será o elemento mais importante no crime para o perpetrador, pois, por meio dele, sua fantasia será satisfeita; trata-se de uma necessidade relacionada à motivação primária do crime, um aspecto único para aquele indivíduo. O elemento desconhecido necessita passar por todas as fases de preparação, desde seu momento de resfriamento até a fase áurea e o efetivo cometimento do ato, para alcançar o ápice de seu intento, sendo um procedimento único, buscando materializar ou rebuscar sua fantasia; cita-se como por exemplo, tipos específicos de ferimentos, mutilações, amarras, encenações, fetiches sexuais, os quais serão reproduzidos em todos os crimes. Objetivamente, enquanto o MO seria o “como”, a assinatura seria o “porque”. Ressaltando a importância desta diferenciação, Illana Casoy4, destaca:
“A “assinatura é sempre única, como uma impressão digital, e está ligada à necessidade do serial em cometer o crime. Eles têm necessidade de expressar suas violentas fantasias, e quando atacar, cada crime terá sua expressão pessoal ou ritual particular baseado em suas fantasias. Simplesmente matar não satisfaz a necessidade do transgressor, e ele fica compelido a proceder a um ritual completamente individual. (...) Modus Operandi é erudito. É o que o criminoso faz para cometer o delito, e é dinâmico, pode mudar. “Assinatura” é o que o criminoso faz para se realizar, é o produto da sua fantasia, e é estático, não muda.”
Ainda que o método de montagem de perfil psicológico do FBI seja, atualmente o mais conhecido e utilizado, existem outras teorias aplicáveis a esta ciência, como por exemplo, o método do psicólogo britânico David Canter, que divide o processo de profiling, em cinco fases ou aspectos específicos, sendo estes conhecidos como: coerência interpessoal, importância da hora e local do crime, características criminais, carreira criminal e avaliação forense. Trata-se de método baseado no mapeamento mental do criminoso, confeccionado a partir dos padrões comportamentais analisados (evidências forenses).
Outro método importante, seria o engendrado pelo famoso estudioso de perfis, Brent Turvey, denominado Behavioural Evidence Analysis, ou Análise de Evidencias Comportamentais, dividido em: análise forense questionável/ambivalente, vitimologia, características da cena do crime, e características do transgressor. Diferente do raciocínio indutivo do FBI e de David Canter (análise estatística – premissas/conclusão), Turvey trabalho com o raciocínio dedutivo, inciando sua análise a partir das probabilidades, em detrimento da apreciação de casos ou atos anteriores registrados.
Ainda que se vislumbre particularidades em cada método, através de uma simples observação superficial, pode-se notar que todos contém aspectos em comum, gravitando em torno dos mesmos pontos a serem registrados e interpretados, uma vez que as evidências de ordem física e os insights psicológicos devem ser analisados como um todo a fim de servir seu propósito, adentrar na mente do transgressor, mapeando suas ações, antes, durante e após o crime. Tecidas tais considerações observemos algumas fases do processo de composição do perfil do elemento desconhecido - UNSUB (Unknown Subject), observados pelo FBI.
1- Avaliação do ato criminoso 2- Avaliação e compreensão dos detalhes da cena ou cenas dos crimes; 3 - Análise da vítima ou vítimas (estudo vitimológico); 4- Avaliação dos relatórios policiais preliminares; 5 - Avaliação do laudo de necrópsia; 6- Desenvolvimento/confecção do perfil do ofensor com suas principais características; 7 – Criar sugestões investigativas baseadas na composição do perfil.
Inicialmente, deve-se escrutinar toda a informação compilada referente ao caso, englobando as evidências forenses coletadas na cena do crime, interna ou externa, primária ou secundária, no cadáver, testemunhais, se existirem, registros de crimes similares na região e a data de sua ocorrência, além do relatório de autópsia, quando se propiciará uma análise mais detalhada do método utilizado pelo perpetrador, bem como o conjunto de ferimentos infligidos.
Tais informações, quando associadas em perspectiva, podem ajudar o investigador, a desenvolver um esboço do tipo de transgressor em questão, aliado ao móbil do crime, vertente que pode se demonstrar problemática, considerando a extrema subjetividade da motivação correlata a crimes seriais, diferente de outras modalidades delituosas.
Agrupados tais dados, dá-se início ao “estágio de classificação”, pelo qual se determinará o tipo de agressor, etapa na qual este será agrupado basicamente, em “organizado”, “desorganizado” ou “misto”, apresentando esta última categoria, componentes de ambas as anteriormente listadas. A partir de tal observação, é possível, por exemplo, definir se o crime foi cometido por um predador sexual experiente, de coeficiente intelectual mais alto, ou se teria sido um caso aleatório de violência, ou ainda, se cometido por um assassino desorganizado, pois cada definição apresenta suas peculiaridades e consequentemente, diferente abordagem investigativa.
A fim de traçar uma perspectiva sobre tais explanações, Janire Rámila5 disserta da seguinte forma:
“Para encaixar um criminoso em uma das três categorias -assassino organizado, desorganizado ou misto -,a polícia analisa profundamente as chamadas quatro fases do crime. A primeira é a etapa que precede o crime, em que entram os antecedentes do transgressor, suas fantasias, os passos que deu até chegar ao momento do assassinato. A segunda compreende o crime em si: seleção da vítima, emprego sa tortura ou não, estupro, modus operandi, assinatura...Na terceira é estudado o modo como o assassino tenta ou não ocultar o cadáver. E, na quarta, o que mais interessa é analisar o comportamento posterior ao ato. De acordo com sua atitude em cada uma dessas fases, o criminoso se encaixará em uma categoria específica.
Pondera-se por exemplo, que o cuidado e planejamento exercidos pelos assassinos organizados dificultam sua captura em razão da preocupação em não deixar evidências, uma vez que exercem absoluto controle tanto sobre vítima quanto a cena do crime, revelando uma progressão traduzida por manipulação, dominação e controle, configurando o que se denomina, consciência forense.
Em contrapartida, sabe-se que os criminosos desorganizados, geralmente são transgressores de oportunidade, de inteligência mediana ou inferior, que sendo sexualmente incompetentes, na maioria das vezes, qualquer violência deste gênero é executada post mortem, ou satisfeita por autoerotismo praticado no local do crime.
Diante desse quadro, indaga-se: Se alguém detém a agudez de pensamento, a fim de apagar os vestígios deixados pelo contato – vítima e cena do crime - em corporificação do princípio de Locard6, bem como se evadir de eventual apreensão, poderia ser o elemento qualificado como legalmente insano? É intuitiva a resposta. Diante desse quadro, robustece-se a ideia de que os assassinados organizados poderiam se adequar à definição de psicopatas, enquanto os desorganizados se qualificariam como psicóticos.
De posse da diagramação do crime, a disposição do cadáver, o local aonde este fora encontrado, o analista reconstruirá a cadeia sequencial de eventos relativos ao assassínio, levando em conta as denominações e informações anteriormente descritas, (perfil vitimológico, modus operandi e assinatura), prevendo assim, os atos do perpetrador inclusive após o cometimento do delito, levando em conta seu possível estado anímico (desorientado, eufórico, depressivo, delirante).
Ressalta-se novamente, ser este último ponto, de vital importância, considerando poder ser denominado como uma espécie de coroamento do crime, um estágio pelo qual profiler irá se deparar com uma percepção mais tangível do perpetrador, pois trata-se da materialização da motivação principal do delito.
Findos tais estágios, o investigador, irá compor o perfil do elemento desconhecido, que pode conter sua raça, idade aproximada, possível idade mental, nível de inteligência, predisposições a determinados tipos de doença, (em caso onde se coleta material genético do elemento desconhecido na cena do crime), compleição física, possível tipo de veículo, moradia, existência de eventual registro policial, personalidade social, ocupação, habilidades específicas, como treinamento médico, militar, entre outros. Nas palavras de John Douglas7
“This includes not only coming up whith profiles of UNSUB´s, but also proactive techiniques for catching them, evaluation of case linkages, and then interrogation and prosecutorial strategies once an offender has been identified.”8
É possível ainda, se cogitar a localização aproximada de moradia do transgressor, com base na diagramação dos locais onde os as vítimas foram abduzidas e posteriormente foram encontrados os cadáveres e o raio de atuação do elemento desconhecido. Sabe-se que considerável percentual de predadores sexuais habita em um raio não muito distante dos locais de cometimento dos crimes.
As etapas seguintes são aquelas pelas quais serão executas as recomendações elaboradas no perfil confeccionado, seja na investigação, ou em fase posterior no momento da prisão e julgamento. Acerca da composição do perfil do elemento desconhecido, aliado às evidências registradas na investigação, Paul Roland9 utilizando-se de sua sempre hábil técnica dissertativa, assim sustenta:
“A técnica de traçar perfis vai muito além de entender as bases da psicologia criminal. Mesmo o mais proeminente psicólogo pode desencaminhar inadvertidamente uma investigação, se não tiver suficiente experiência na aplicação da lei para colocar as evidências no contexto. (...) Há muito mais em traçar um perfil criminal do que fornecer a polícia um esboço da personalidade do perpetrador. Além disso, mesmo o perfil mais apurado tem suas limitações, particularmente quando há vários suspeitos que se encaixariam no perfil. Em tais casos – quando o fio da meada está longe de ser encontrado -, a criação de perfis tem sido utilizada para delinear estratégias para fazer com que o criminoso seja conhecido. É o que a investigação criminal chama de “proativo”.”
Em razão da grande quantidade de informações, registradas em um caso a serem processados pelo investigador, é recomendado que se trace uma divisão dos dados compilados, consistindo nas fotos de cenas de crimes e suas respectivas anotações e impressões, dados biográficos das vítimas, a fim de se propiciar uma reconstrução precisa da cronologia dos crimes e o rumo da investigação até determinado momento, sendo tal gerenciamento de dados, indissociável à prática investigativa, não apenas em casos envolvendo serial killers.
Diante dessa situação, imprescindível se faz a constante comunicação interdepartamental, materializada através do compartilhamento de boletins, conferências e a determinação de forças tarefas, visando a definição de tópicos chave e direcionamentos da investigação, bem como a aferição de eventual necessidade de aumento de recursos. Repousa, no entanto, sobre qualquer agência da lei, a dificuldade de somar recursos humanos, físicos e financeiros, a fim de se efetivar tais diretivas.
Desta maneira, se aproveita de forma mais eficaz a interpretação e interligação das pistas catalogadas, que podem até alcançar um nível considerável, em especial, nos casos que se prolongam por um considerável lapso temporal. O domínio no conhecimento do criminoso alvo da persecução criminal, é útil também na escolha do método de interrogatório a ser empreendido na esfera policial e judicial, a fim de se colher provas mais substanciais, pois a partir do rumo adequado de inquirição, muitas vezes, pode-se desmascarar o lobo dentro da pele de cordeiro, diante de um júri.
O método utilizado pelo National Center for the Analysis of Violent Crime (NCAVC), onde se localiza a unidade de apoio investigativo na Academia do FBI, ainda que extremamente popular, é constantemente alvo de críticas por diversos segmentos de estudiosos e aplicadores da lei, ao argumento de que muitas das informações empiricamente coletadas pelas entrevistas com criminosos encarcerados não seria válida, dada a propensão natural dos psicopatas para a mentira patológica e delírios de grandeza.
No entanto, o que se percebe pela experiência no estudo de tais ocorrências criminosas, é o fato de que os transgressores, frequentemente anseiam por uma plateia interessada, especialmente membros das forças aplicadoras da lei, pois sabe-se que substancial parcela dos serial killers, em algum ponto de sua vida, tiveram fantasias quanto a carreira policial e consequente status de poder.
Outro alvo de invectivas seria o fato das constantes atualizações das classificações de crimes, muitas vezes tidas como desnecessárias, dada sua semelhança com definições já existentes, ou ainda, deficiências ou fragilidades nos conceitos relacionados à principal divisão das tipologias de assassinos em série, os organizados e desorganizados. Relacionado a tais impressões, Michael Newton10, comenta:
“Exceto pelo clamor por créditos, os “especialistas” de estilo próprio em assassinato serial gastam muito de seu tempo debatendo as definições adequadas e não progridem mais em direção ao entendimento desse fenômeno terrível. (...) Um exemplo básico da taxonomia refinada do FBI até o ponto de caos inadvertido, o termo atividade de assassinato desnecessariamente complica uma classificação de homicídios múltiplos. De acordo com o Manual de Classificação de Crimes do FBI (1991), existem seis tipos de assassinato: único, duplo, triplo, em massa, atividade e serial. Os primeiros três são auto-explicativos, baseados no números de vítimas assassinadas de uma vez e no mesmo local, enquanto ‘ASSASSINATO EM MASSA”, envolve a morte de quatro vítimas ou mais. ‘ASSASSINATO SERIAL” logicamente envolve o assassinato de vítimas sucessivas durante um período de tempo – isto é, em série-, mas os agentes de divulgação do FBI não puderam resistir a acrescentar uma sexta categoria, que permanece o tópico de um debate sem fim”.
Ainda que tais considerações não sejam em sua totalidade desprovidas de pertinência, não se pode questionar os progressos atingidos nas últimas duas décadas com a sistemática aplicação da psicologia criminal nas investigações de todo o gênero, seja envolvendo crimes seriais, investigações de células terroristas, negociação envolvendo reféns, entre outros.
Em tom de conclusão, imprescindível reiterar a ideia de que, mesmo produzido a partir de verossímeis informações, cujo valor aplicável já foi provado, o perfil criminal, não é um vetor absoluto, ou uma fórmula constante como nas ciências exatas, sendo tal proposição apoiada pelo fato de que o indivíduo, como ser complexo, responde de formas diversas a situações semelhantes, podendo o método de análise, apresentar falhas, mesmo quando criado por investigadores experientes.
Em muitos casos, simplesmente não existem fatos suficientes para se avançar, sendo os transgressores, em muitas ocasiões, apanhados por fatores alheios a estratégia investigativa desenvolvida, como em casos de perturbação da ordem, atentado ao pudor, infrações de trânsito etc.., em outras palavras, por puro acaso.
Todavia, no contexto atual é impossível se dissociar a psicologia, da moderna investigação criminal, de forma símile a utilização da análise de impressão de DNA (Deoxyribonucleic acid), aplicações negligenciadas ou desconhecidas em idos tempos, mas uma arma inseparável aos agentes da lei na contemporaneidade.
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SITES
1 - Banco de danos similar ao VICLAS ( Violent crime linkage analysis system) , canadense.
2 - DOUGLAS, John. OLSHAKER, Mark Mindhunter. Inside the FBI Elite Serial Crime Unit. Heinemann; london. 1995.
3 - Na Unidade de Apoio Investigativo, a qual é parte do Centro Nacional de Análise de Crimes Violentos, do FBI em Quantico, nós não prendemos criminosos. Deixe-me repetir isso: Nós não prendemos criminosos. A polícia local prende criminosos, e considerando a incrível pressão a qual estão submetidos, a maioria deles faz um trabalho muito bom. O que nós tentamos fazer é prestar assistência à polícia local a focar sua investigação, e então sugerir algumas técnicas proativas que podem ajudar a identificar um criminoso”
4 - Serial Killer, Louco ou Cruel?. 2ª edição. São Paulo: WVC Editora, 2002, pag. 48
5 - RÁMILA, Janire. Predadores Humanos. O Obscuro Universo Dos Assassanis Em Série. São Paulo: Editora Madras. 2012. pag. 63.
6 - Edmond Locard, (1877 -1966), considerado o pai da ciência forense.
7 - DOUGLAS, John. OLSHAKER, Mark. Obsession. Pocket Books – division of Simon and Shuster inc. 1998, pag. 24.
8 - “Isso inclui não apenas confeccionar perfil de elementos desconhecidos, mas também técnicas proativas para pegá-los, avaliação de elementos de conexão entre casos, bem como estratégias de interrogatório e processamento, uma vez que um transgressor foi identificado.”
9 - Por Dentro das mentes Assassinas. São Paulo: Editora Madras, 2008. pags. 135/137.
10 - Enciclopédia de Serial Killers. São Paulo: Editora Madras, pags. 49/51.