O STF, no dia 17/02/2016, durante o julgamento do HC 126.292, superou seu próprio entendimento consolidado desde o ano de 2009, ocasião na qual, entendendo que a execução provisória da pena malferia o princípio da não culpabilidade, o guardião da constituição, de forma inédita na história da corte, concedeu HC individual, porém dotado de efeito geral, assim determinando que todos os Tribunais do Brasil liberassem quem estivesse custodiado pelo puro e simples efeito de acórdão condenatório nas instâncias ordinárias.
Destaco que o atual posicionamento do STF, ou seja, de submeter o condenado à prisão após sua condenação (ou confirmação de condenação) em segunda instância, retoma, ainda que parcialmente, entendimento contido nos art. 383 e 594 do CPP, revogados pela grande reforma processual no ano de 2008 (notadamente pela Lei n.º 11.719/08), que cuidavam, respectivamente, da prisão decorrente da sentença penal condenatória, e da necessidade de prisão como condição para se apelar do decreto condenatório.
Com dito, o STF, no ano de 2009, em um primeiro momento, entendeu que tal prática era incompatível com a presunção de inocência, já que o CPP, de 1941, deveria ser lido à luz da Constituição de 1988, que, em seu art. 5º, inciso LVII, consagrava o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, daí extraindo-se a vedação à execução da pena, ainda que provisoriamente, antes do trânsito em julgado, momento esse em que é formada a culpa.
O tema testilha, na mesma medida em que é importante, também é muito polêmico, tanto que a votação no julgamento do HC objeto dessas considerações foi tomada por maioria (7x4 - vencidos Rosa Weber, Teori Zavascki, Celso de Melo e Marco Aurélio).
Em nossa opinião, a novel decisão pretoriana merece aplausos, e lhes digo o porquê:
A uma, tendo em vista que o direito ao duplo grau já foi assegurado, tal como previsto na Convenção Interamericana de Direitos Humanos - Pacto de San Jose da Costa Rica – em seu art. 8º, n.°2, alínea “h”, acerca do “direito de recorrer da sentença para juiz OU tribunal superior” (sem destaque à conjunção coordenada alternativa no original). Assim, em um primeiro momento o réu é julgado por um juiz monocrático, que avalia fatos, provas e direito. Em caso de recurso, já em um segundo momento, aquele é julgado por órgão colegiado, competente para análise fática, jurídica e probatória. Ora, nem a Convenção, menos ainda a nossa Constituição, confere direito a terceiro grau de jurisdição. Nessa vereda, conforme preleciona Arionino Neres, Duplo Grau de Jurisdição indica a possibilidade de revisão, por via de recurso, das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau (ou primeira instância), que corresponde à denominada jurisdição inferior, garantindo um novo julgamento por parte dos órgãos da jurisdição superior, ou órgãos de segunda instância.
A duas, porquanto os recursos excepcionais (Especial e Extraordinário) não são dotados de efeito suspensivo. Desse modo, o que o STF apenas fez foi nada além do que ter cumprido o que sempre esteve expresso no texto constitucional, desde 1988, no caso, a possibilidade de se prender alguém por ordem escrita e fundamentada, emanada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI, da CRFB/88).
A três, porque em momento algum a Constituição vedou a prisão antes do trânsito em julgado, pois, o suposto direito fundamental violado (art. 5º, LVII, da CRFB/88) apenas veda que alguém seja "considerado culpado” antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O princípio da presunção de inocência, ou da presunção de não culpabilidade, sofre mitigação conforme a fase processual, de modo que aquele que tem contra si um decreto condenatório formado ou confirmado por um juízo colegiado não deve ter o mesmo tratamento que aquele que acabara de ser denunciado. Assim, o princípio da presunção de inocência é mais presente, ao menos em grau de intensidade, nesse último caso. Com efeito, após a condenação em segunda instância, a presunção não seria de inocência, mas de culpabilidade. Ademais, entendimento diverso ensejaria o seletivismo penal, de sorte que somente aqueles que pudessem patrocinar sucessivos recursos excepcionais - via de regra, os mais abastados economicamente - poderiam responder ao processo em liberdade, ao passo que os condenados em segunda instância desprovidos de recursos financeiros não poderiam gozar do mesmo benefício, ainda que estivessem em idêntica situação jurídico-penal que os primeiros.
A quatro, se o legislador não delimitou, expressamente, o limite e o alcance da expressão concernente a não consideração de ser culpado antes do trânsito, de acordo com a mais prestigiada doutrina constitucionalista, compete ao STF fazê-lo, enquanto guardião da Constituição e seu intérprete máximo.
A cinco, pois, se houve confirmação por um Colegiado, não seria razoável prestigiarmos manobras jurídicas unicamente destinadas à condução da prescrição, valendo-se o advogado do condenado (geralmente solto) da morosidade do Judiciário, e pior, acaba contribuindo ainda para o agravamento desse quadro para outros processos, assim gerando sucessivas extinções de processos penais em razão da citada causa extintiva da punibilidade. Friso que não é de hoje que o STF coíbe manobras destinadas à coibição da má-fé no processo penal. Basta pensarmos na hipótese de renúncia de parlamentar, réu em processo penal originário no STF, que, após o encerramento da instrução, o faz com vistas a gerar a dilação da apreciação processual, tendo em mira a proximidade da consumação do prazo prescricional. Nesse caso, o STF, em prestígio à boa-fé processual, recentemente entendeu que a renúncia não teria qualquer efeito e que, diante disso, a competência pretoriana deveria ser mantida após o encerramento da instrução (STF, AP 606-MG). Retornando o tema central, se houve condenação por órgão colegiado, a presunção seria outra, no caso, de culpabilidade, donde se infere não ser razoável conferir o mesmo tratamento deferido àquele que ainda não fora julgado por órgão mais qualificado.
Por fim, e a seis, por consequência da observação anterior, destaco que a Constituição também prestigia o princípio da duração razoável do processo, erigindo-o como direito fundamental (art. 5º, LXXVIII, da CRFB/88), que aliado à garantia prevista no inciso LXI do mesmo dispositivo, deve sobrepor a eventual entendimento que reduza sua eficácia, à luz do critério da ponderação.
Em remate, com a devida vênia àqueles que entendem de modo diverso, essa decisão vai também vai ao encontro do que o povo legitimamente espera: eliminação do sentimento de injustiça, fortalecendo, assim, a crença de que o Poder Judiciário fielmente cumpre seu papel na solução dos conflitos que lhes são postos para solução.