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Colisão de direitos: caso Glória de Los Ángeles Treviño Ruiz

Agenda 23/02/2016 às 21:54

Aqui se trata de trabalho acadêmico sobre um caso clássico utilizado em aulas introdutórias em cursos de Direito. Ele pode servir de consulta a estudantes que desejem subsidiar sua instrução com a opinião de outro estudante.

1. INTRODUÇÃO

O caso ocorreu,

Em 1997, Gloria de los Angeles Treviño Ruiz, cantora mexicana conhecida como Gloria Trevi, fugiu do México, ao ser acusada de abuso sexual em menores, restando decretada sua prisão pelas leis daquele país.

Três anos depois, em Janeiro de 2000, a mesma foi presa no Brasil e mantida sob custódia na carceragem da Polícia Federal em Brasília, aguardando o trâmite do processo de extradição.

Neste ínterim, Gloria Trevi ficou grávida, dizendo ter sido vítima de contínuos estupros supostamente perpetrados por mais de 60 pessoas (entre policiais federais e ex-detentos) que, visando dirimir tal dúvida, espontaneamente forneceram material para feitura de exame de DNA.

Indagada sobre quem seria o pai de seu filho, a mesma voltou às acusações e negou-se a fazer o elucidativo exame de DNA, suscitando reclamação perante o Supremo Tribunal Federal para evitar cumprimento de decisão de instância inferior fosse colhido sangue da placenta, durante o parto e de seu recém-nascido, para tal intento. (Lourenço, 2011)

Segue abaixo ementa do “Caso Glória Trevi”:

EMENTA: - Reclamação. Reclamante submetida ao processo de Extradição n.º 783, à disposição do STF.

2. Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para averigüação de paternidade do nascituro, embora a oposição da extraditanda.

3. Invocação dos incisos X e XLIX do art. 5º, da CF/88.

4. Ofício do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação do Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN, autorizando a coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e fornecimento de cópia do prontuário médico da parturiente.

5. Extraditanda à disposição desta Corte, nos termos da Lei n.º 6.815/80. Competência do STF, para processar e julgar eventual pedido de autorização de coleta e exame de material genético, para os fins pretendidos pela Polícia Federal.

6. Decisão do Juiz Federal da 10ª Vara do Distrito Federal, no ponto em que autoriza a entrega da placenta, para fins de realização de exame de DNA, suspensa, em parte, na liminar concedida na Reclamação. Mantida a determinação ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização da coleta da placenta do filho da extraditanda. Suspenso também o despacho do Juiz Federal da 10ª Vara, na parte relativa ao fornecimento de cópia integral do prontuário médico da parturiente.

7. Bens jurídicos constitucionais como "moralidade administrativa", "persecução penal pública" e "segurança pública" que se acrescem, - como bens da comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito fundamental à honra (CF, art. 5º, X), bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à imagem da própria instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho.

8. Pedido conhecido como reclamação e julgado procedente para avocar o julgamento do pleito do Ministério Público Federal, feito perante o Juízo Federal da 10ª Vara do Distrito Federal.

9. Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do "prontuário médico" da reclamante.” (STF, 2002)

2. Debates

A antinomia ocorre a partir de direitos fundamentais. A reclamante invoca os incisos X e XLIX, do art. 5º, da CF/88, e questiona a autorização através do

Ofício do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação do Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN, autorizando a coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e fornecimento de cópia do prontuário médico da parturiente.” (STF, 2002)

         Os artigos citados inferem:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; (BRASIL, 1988)

A reclamante alega, utilizando-se do art. 5º, X, da CF, que tem direito "à intimidade e a preservar a intimidade do pai de seu filho".            

O caput do art. 13 do Código Civil também versa sobre o assunto:

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.” (BRASIL, CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, LEI Nº 10.406, 2002)

A defesa utiliza a jurisprudência e a doutrina, estendendo o princípio Nemo Tenetur se Detegere, alegando: “se ninguém pode ser obrigado a declarar-se culpado, também deve ter assegurado o seu direito a não fornecer provas incriminadoras contra si mesmo.”.

“O princípio da não auto-incriminação (Nemo tenetur se detegere ou Nemo tenetur se ipsum accusare ou Nemo tenetur se ipsum prodere) significa que ninguém é obrigado a se auto-incriminar ou a produzir prova contra si mesmo. Dessa maneira, nenhum indivíduo pode ser obrigado a fornecer involuntariamente qualquer tipo de elemento que o envolva direta ou indiretamente na prática de um crime. Pode-se afirmar que o princípio da não auto-incriminação apresenta diversos reflexos e conseqüências, tais como o direito do acusado ao silêncio, o direito do acusado de não praticar qualquer ato que possa incriminá-lo e, ainda, o direito do acusado de não produzir nenhuma prova incriminadora que envolva a disposição de seu próprio corpo.

[...]

Outro ponto que está intimamente relacionado ao princípio da não auto-incriminação refere-se à legalidade das provas invasivas e não invasivas. Em síntese, pode-se afirmar que as provas invasivas são aquelas obtidas por meio da utilização ou da extração de parte do corpo humano (em regra, vedadas pelo princípio da não auto-incriminação). Já as provas não invasivas são aquelas que decorrem da inspeção ou verificação corporal, não implica a extração de nenhuma parte do corpo humano (não dependem do consentimento do acusado e são admitidas pelo Direito).” (Cabral & Cangussu, 2011).

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Aprofundando-se,

O art. 13 do novo Código veda a disposição de parte do corpo, a não ser em casos de exigência médica e desde que tal disposição não traga inutilidade do órgão ou contrarie os bons costumes. Esse artigo enquadra-se perfeitamente nos casos envolvendo o transexualismo. Mas leitura cuidadosa deve ser feita do dispositivo: havendo exigência médica, não se discute a segunda parte do comando legal. Sobre tal dispositivo, entendeu o corpo de juristas que participou da I Jornada do CJF que deve ser incluído o bem estar psíquico da pessoa que suportará a disposição (enunciado nº 6: "Art. 13: a expressão ‘exigência médica’, contida no art.13, refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente”) (Tartuce, 2005).

3.    CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do conflito normativo, a defesa utilizou um argumento para garantir os direitos acima descritos, como absolutos.

Para tanto, alegou estar em risco seu direito à vida privada e intimidade, alegando in verbis: 

‘Não é preciso dizer que, justamente por isso, a suplicante, enquanto pessoa humana e mãe, goza do direito exclusivo de autorizar, ou não, a realização de exame de material genético dela e de seu filho, ao passo que este terá, no futuro, o direito de propor a investigação de paternidade, se assim o desejar, nos moldes do que prescrever a Lei civil. Neste contexto, afora ela mãe, ninguém tem o direito de promover a coleta de material dela ou de seu filho, para a realização de ditos exames, pouco importando, para isso, o fato de ter sido concebido o nascituro enquanto se encontrava ela, mãe, presa nas dependências da Polícia Federal.

Mais grave ainda é o fato de se querer colher o material à revelia dela suplicante, com flagrante violação e intromissão na sua intimidade e vida privada, direitos estes protegidos pela Lei maior. ’” (Lourenço, 2011)

4.    Referências Bibliográficas

BRASIL. (1988). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Acesso em 11 de 07 de 2013, disponível em PLANALTO: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

BRASIL. (10 de 01 de 2002). CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, LEI Nº 10.406. Acesso em 11 de 07 de 2013, disponível em PLANALTO: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm

Cabral, B. F., & Cangussu, D. D. (10 de 2011). Reflexos e consequências jurídicas do princípio da não auto-incriminação. Acesso em 11 de 07 de 2013, disponível em JUS NAVIGANDI: http://jus.com.br/revista/texto/20274/reflexos-e-consequencias-juridicas-do-principio-da-nao-auto-incriminacao

Lourenço, V. J. (10 de Fevereiro de 2011). Colisão de direitos fundamentais - Análise de alguns casos concretos sob a ótica do STF. Acesso em 10/07/2013 de Julho de 2013, disponível em Jus Navigandi: http://jus.com.br/revista/texto/20328/colisao-de-direitos-fundamentais

STF. (21 de 02 de 2002). RECLAMAÇÃO Nº 2.040-1/DF. Acesso em 11 de 07 de 2013, disponível em http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev0/files/JUS2/STF/IT/RCL-QO_2040_DF%20_21.02.2002.pdf

Tartuce, F. (01 de 2005). Os direitos da personalidade no novo Código Civil. Acesso em 11 de 07 de 2013, disponível em JUS NAVIGANDI: http://jus.com.br/revista/texto/7590/os-direitos-da-personalidade-no-novo-codigo-civil

Sobre o autor
André Porto

Bacharel em Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Servidor Público do Estado do Espírito Santo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este trabalho é de cunho acadêmico, produzido por mim no primeiro período do meu curso de direito. A intenção é disponibilizar ao estudante de direito algum parâmetro para entender o case emblemático citado no artigo.

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