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Responsabilidade civil do advogado profissional liberal

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Agenda 05/03/2016 às 14:37

O presente ensaio apresenta um breve estudo acerca da responsabilidade civil atribuída ao advogado que atua como profissional liberal, analisando a natureza jurídica, características e a posição jurisprudencial acerca da relação entre cliente e causídico.

1. INTRODUÇÃO

O advogado, nas palavras do eminente jurista Ruy de Azevedo Sodré (1977), é “a pessoa versada em direito com a função de orientar e patrocinar aqueles que têm direitos ou interesses jurídicos a pleitear ou defender em juízo”.

Para Fabrício Zamprogna Matiello (2014), “advogado é o bacharel em direito ou ciências sociais e jurídicas que, regulamente habilitado e inscrito na respectiva entidade de classe, atua nas causas representando terceiros, cujos direito protege, ou em lide própria”.

Desde o longínquo tempo de existência desta função, pode-se afirmar que o advogado tem a função de jurisperito e jurisconsultor, devendo defender e zelar pelos interesses do seu cliente, e, nas palavras de Sodré (1977), deve, “principalmente, mostrar-se nos tribunais defendendo, oralmente ou por escrito, os direitos de seus clientes, invocando a lei e exigindo o pronto e exato cumprimento da justiça”.

Destarte, o presente trabalho busca analisar a responsabilidade civil do advogado profissional autônomo, abordando os contornos jurídicos que cercam a responsabilidade do causídico quando da prestação de seus serviços ao cliente. Busca-se analisar tanto a legislação aplicável, presente no ordenamento jurídico positivado brasileiro, quanto a mais atual visão jurisprudencial acerca do tema, apontando os pontos mais sensíveis quando da análise casuística da responsabilidade civil deste profissional, a exemplo da aplicação, ou não, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) à relação entre patrono e cliente.

O tema, embora goze de grande importância para os profissionais da área jurídica, é, em linhas gerais, pouco recorrente na doutrina civilista, onde se verifica a escassez de recursos bibliográficos na literatura jurídica nacional, devendo-se ressaltar, entretanto, que gradativamente vem ganhando mais visibilidade nos círculos jurídicos.

Esse recente fenômeno, que traz análises mais complexas acerca da responsabilidade do advogado, é decorrente de vários fatores, destacando-se, principalmente, da grande quantidade de novos advogados que surgem todos os anos, vindos de inúmeros cursos de graduação abertos no Brasil nas últimas décadas - de qualidade questionável - tornando não raros erros graves que acarretam prejuízos para quem toma o serviço prestado pelo profissional.

            Assim, a abordagem do tema se dará a partir da análise dos contornos básicos da responsabilidade civil, seguida da análise da responsabilidade civil aplicável ao advogado profissional liberal, com suas característica peculiares, observando-se os fundamentos legais e jurisprudenciais, buscando-se, sempre que possível, a visão mais recente acerca do tratamento dado ao tema.

2. CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ESTATUTO DA ADVOCACIA

A Constituição Federal elevou a figura do advogado à condição de indispensável à administração da justiça[1], sendo que, em 1994, foi editada a Lei nº 8.906, que estabeleceu o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil[2].

O surgimento da referida Lei se deu, nas palavras do Coordenador da Comissão que sistematizou o anteprojeto do Estatuto da Advogacia, o ilustre Paulo Luiz Netto Lobo[3], em razão do “descompasso com a realidade profissional e social” existente desde a promulgação da Carta Magna de 1988. Assim, nas palavras do aludido jurista:

A advocacia passou a ser entendida como exercício profissional de postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e como atividade de consultoria, assessoria e direção jurídicas. Também disciplinou o sentido e alcance de sua indispensabilidade na administração da justiça, prevista no art. 133 da Constituição Federal

Com a relevância jurídica conferida à função exercida pelo advogado na atualidade, necessária se faz uma prestação jurídica cada vez mais acurada, buscando-se a excelência na prestação dos serviços aos clientes, o que, por infortúnio, nem sempre ocorre, acarretando a responsabilidade do patrono, dentro de determinadas circunstâncias, pelos danos causados ao seu patrocinado.

3 DELINEAMENTOS BÁSICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Neste tópico, a fim de uma melhor estruturação do tema, abordar-se-á, em termos gerais, a responsabilidade civil. Posteriormente, de forma mais específica, tratar-se-á do instituto desta mesma Responsabilidade aplicado ao advogado que atua como profissional liberal.

            Grosso modo, a responsabilidade deriva de uma obrigação não cumprida, de modo que, enquanto a obrigação diz respeito a um dever jurídico originário, direito absoluto, a responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, um gênero cujas espécies são a responsabilidade penal, administrativa e cível[4], com elementos e finalidades distintas. Ressalta-se que este trabalho se concentrará na responsabilidade civil, exatamente quando o descumprimento da obrigação decorrer no dever de ressarcimento patrimonial.

Neste contexto, traz-se à baila os ensinamentos do ilustre professor De Plácido e Silva (2008):

Designa a obrigação de reparar o dano ou de ressarcir o dano, quando injustamente causado a outrem. Resulta da ofensa ou violação de direito, que redunda em dano ou prejuízo a outrem. Pode ter por causa a própria ação ou ato ilícito, como, também, o fato ilícito de outrem, por quem, em virtude de regra legal, se responde ou se é responsável.

Conforme preleciona GAGLIANO (2014):

A noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar).

Logo, compreende-se que a Responsabilidade civil, inclusive a do advogado, surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida.  Essa divisão faz parte do modelo dual que foi mantido pelo atual Código Civil.

            Outra classificação está na Responsabilidade Civil Subjetiva versus a Responsabilidade Civil Objetiva.

            A Subjetiva, segundo os preceitos de Gagliano (2014), é a decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo. Neste ponto, a ideia de culpa tem sentido lato sensu, abrangendo o dolo e a culpa strictu sensu; por natureza civil, se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com negligência ou imprudência, conforme o art. 186 do Código Civil que diz: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

            Por outro lado, existem hipóteses em que não é necessário sequer ser caracterizada a culpa. Esses são os casos da responsabilidade civil objetiva, quando o dolo ou culpa na conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que, objetivamente, conforme Gagliano (2014) esclarece, “somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar”.

            Acerca dessas espécies de responsabilidade, Matiello (2014) analisa essa dualidade sob os aspectos das legislações pátrias:

Verifica-se, aqui, interessante fenômeno. O Código Civil baliza a responsabilização segundo a teoria subjetiva, abrindo exceções apenas quando expressa a incidência da teoria objetiva. No Código de Defesa do Consumidor, o raciocínio é inverso, pois ele lança a responsabilidade objetiva como regra geral e somente admite a aplicação da vertente subjetiva nas hipóteses que diretamente elenca.

Quanto aos elementos ou pressupostos gerais que configuram a responsabilidade civil têm-se três: a) a conduta humana; b) dano ou prejuízo; c) o nexo de causalidade. Salienta-se que a culpa não é um elemento essencial, mas tão somente acidental.

            A conduta humana é guiada pela vontade do agente, que desemboca no dano ou prejuízo. Assim, apenas o homem por si ou por meio das pessoas jurídicas que forma, poderá ser civilmente responsabilizado. Faz-se mister ressaltar que o núcleo dessa conduta deve estar gravada pela voluntariedade, ou seja, pela liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz.

            Outro elemento obrigatório é o dano, seja ele patrimonial (material) ou moral (extrapatrimonial), pois não pode haver responsabilidade civil sem a ocorrência de um dano, assim como a existência de prova, real e concreta, da lesão tratada.

            Na obra Programa de Responsabilidade Civil, Cavalieri Filho (2005), salienta:

O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. –, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.

            A Súmula 37[5], do Superior Tribunal de Justiça, prevê a possibilidade de cumulação, em uma mesma ação, de pedido de reparação material e moral. Assim, pode-se concluir que a jurisprudência passou a aceitar a cumulação dos danos, após o reconhecimento da Constituição Federal de 88 a respeito dos danos morais como reparáveis.

            Hodiernamente, tem-se ampliado o reconhecimento de diferentes tipos de danos dentro da responsabilidade civil, além dos danos clássicos (materiais e morais), o Superior Tribunal de Justiça também tem passado a admitir danos estéticos, danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. Inclusive, a Súmula 387[6], editada em 2009, trata sobre a cumulação de pedidos dos clássicos e novos danos.

            O terceiro e último elemento primordial para configuração da responsabilidade civil é o nexo causal. O nexo causal é a ligação entre a conduta humana (podendo decorrer de conduta lícita ou ilícita) e o dano provocado. Segundo GONÇALVES (2010): "Uma relação necessária entre o fato incriminado e o prejuízo. É necessário que se torne absolutamente certo que, sem esse fato, o prejuízo não poderia ter lugar".

            Cavalieri Filho (2005), insurgente na definição, diz sobre o nexo causal que trata-se de noção aparentemente fácil, mas que, na prática, “enseja algumas perplexidades. O conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado".

            Entretanto, muitas vezes o nexo causal é mal explicado e mal compreendido, gerando posicionamentos aberrantes por parte dos Tribunais, julgamentos confusos em torno de um mesmo objeto, cuja consequência é a insegurança jurídica e o descrédito quanto à utilização correta da Responsabilidade.

            Por fim, no que tange a responsabilidade civil, podem ocorrer situações nas quais a própria lei retira a ilicitude da conduta. Desta forma, embora a conduta humana cause dano ou prejuízo a outrem, não viola dever jurídico. Esses casos tratados estão expostos no art.188 do Código Civil brasileiro: a) o exercício regular do direito; b) a legítima defesa e; c) o estado de necessidade. Há também que citar: o caso fortuito e força maior, culpa exclusiva da vítima e o fato de terceiro. Estes últimos têm sido tratados com frequência pela doutrina e jurisprudência, havendo acordo pacífico quanto ao afastamento da responsabilidade civil no caso do preenchimento dos requisitos destas excludentes.

4. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PROFISSIONAL LIBERAL

            A reparação do dano, independentemente da relação em específico que se analisa, é a função principal da reparação civil, buscando trazer as partes ao status quo ante, ou seja, colocando o prejudicado na situação mais parecida possível com aquela imediatamente anterior ao ato que ocasionou a lesão.

Conforme observa Matiello (2010): assim como qualquer outra pessoa que causa danos fica obrigada a reparar, “o advogado não foge dessa regra geral, cabendo-lhe compor os prejuízos ocasionados no desempenho da atividade profissional”, esse prejuízo pode decorrer de uma conduta comissiva ou omissiva.

            Dentro das características gerais da responsabilidade civil acima aludidas, é preciso observar, porém, as hipóteses complexas trazidas pela relação entre advogado e cliente. A controvérsia se inicia em saber qual diploma legislativo se utiliza para regular essa relação entre as partes, existem características específicas no tratamento desta relação, conforme afirma o autor retrocitado:

A questão da responsabilidade civil do advogado envolve, também, aspectos que, como se verá adiante, reclamam intenso esforço interpretativo e a necessidade de criar e firmar soluções. Isso porque não é singela a temática em torno da natureza dos danos causados, e mais tormentosa ainda se revela quando associada ao debate em torno da quantificação destes.

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            Dessa forma, o presente tópico pretende analisar questões basilares acerca da relação jurídica que se forma entre o causídico, que atua na qualidade de profissional liberal, e seu cliente, bem como a análise dos casos concretos que podem gerar responsabilização e como se pode quantificar essa responsabilização, com breves considerações acerca da teoria da perda de uma chance.

4.1. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR OU ESTATUTO DA ADVOCACIA?

            Questão relevante para se delinear os contornos da natureza jurídica da responsabilidade civil do advogado repousa em saber qual a legislação aplicável para a apuração da responsabilidade deste profissional.

            Neste ímpeto, surge na doutrina intenso debate acerca do diploma legislativo aplicável, havendo verdadeira bifurcação entre os que pregam a aplicação da legislação consumerista e os que se opõem, considerando que se deve aplicar a lei especial, ou seja, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94), em conjunto com o Código Civil.

            Dos que apóiam a aplicação do CDC, o argumento principal se baseia na existência de relação de consumo entre as partes, conforme argumenta Matiello (2014):

Como se percebe, o advogado é fornecedor para fins de aplicação da disciplina consumerista, pois presta serviços a outrem mediante contratação. O cliente – e isso é notório – enquadra-se na definição legal de consumidor, haja vista tornar os serviços ofertados pelo causídico. Logo, é inegável a incidência das regras de consumo sobre o vínculo jurídico produzido entre as partes.

            Nesta linha de pensamento há manifestação expressa de tribunais de justiça quanto à aplicação do CDC, a exemplo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS À IMAGEM – OBRIGAÇÃO DE MEIO – A obrigação do advogado é de meio e não de resultado e a sua responsabilidade depende da perquirição de culpa, a teor do art. 159 do Código Civil e do art. 14, par. 4º, do CDC. Não havendo a prova da culpa, não há que se falar em responsabilidade do profissional do direito, mormente quando sequer houve a demonstração da existência dos alegados danos e do nexo de causalidade. Sentença parcialmente procedente em primeiro grau. Apelo provido para julga-la totalmente improcedente.[7]

            Já os que se opõem, entre eles o Superior Tribunal de Justiça, argumentam que a relação entre advogado e cliente não configura relação de consumo, conforme preleciona Salgarelli (2006):

Para que exista relação de consumo, é necessária a figura do fornecedor, consumidor e do produto ou serviço prestado. Um dos requisitos para configuração da relação de consumo é a existência de mercantilismo, prática da mercancia, comércio. O produto ou serviço devem estar disponíveis no mercado.

Com efeito, o mercantilismo é ausente nas atividades profissionais do advogado. Ademais, esta constitui um múnus público regulado por lei especial.

            Ademais, dentro da sistemática de aplicação das normas brasileiras, havendo lei genérica e lei especial regulamentando o mesmo objeto, aplica-se a lei especial, por ter maior grau de proximidade com o caso concreto. No caso do exercício da advocacia, este é regulado pela Lei nº 8.906/94, mais conhecida como Estatuto da Advocacia, em desfavor da legislação consumerista.

            Nesse sentido é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL - Ação de conhecimento proposta por detentor de título executivo. Admissibilidade. Prestação de serviços advocatícios. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. O detentor de título executivo extrajudicial tem interesse para cobrá-lo pela via ordinária, o que enseja até situação menos gravosa para o devedor, pois dispensada a penhora, além de sua defesa poder ser exercida com maior amplitude. Não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei nº 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados - como, v.g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31, § 1º, e 34, III e IV, da Lei nº 8.906/94) - evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo. Recurso não conhecido.[8] (destaquei).

            Embora haja discussão acerca de uma possível mudança no entendimento do STJ[9], os julgados mais recentes vão no sentido da não aplicabilidade do CDC na relação jurídica firmada entre causídico e patrocinado, nos termos do recente julgado:

Recurso Especial. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. CONTRATO. NÃO INCIDÊNCIA DO CDC. DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. NEGATIVA DE QUE FORA EFETIVAMENTE CONTRATADO PELO CLIENTE. DANOS MORAIS. CARACTERIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1.- As relações contratuais entre cliente e advogados são regidas pelo Estatuto da OAB, aprovado pela Lei n. 8.906/94, a elas não se aplicado o Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. 2.- A convicção a que chegou o Tribunal de origem quanto ao nexo de causalidade entre a conduta do advogado que negou que fora contratado e recebera procuração do cliente para a propositura de ação de cobrança e os danos morais suportados por esse decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do especial à luz da Súmula 7 desta Corte. 3.- [...] 4.- Recurso Especial improvido.[10] (destaquei).         

Assim, entende o Colendo Superior Tribunal de Justiça que a relação jurídica entre causídico e cliente não é relação de consumo, não sendo abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor.

Os reflexos da aplicação, ou não, do CDC se verificam processualmente quando da verificação da necessidade de inversão do ônus da prova, facilitado pela legislação consumerista, bem como pelos princípios que norteiam o direito do consumidor, levando em conta, por exemplo, a presunção de hipossuficiência do consumidor em relação ao prestador de serviços.

4.2. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO

            À parte da discussão acerca do diploma legislativo aplicável à relação entre advogado e cliente, de extrema importância saber qual a natureza jurídica da referida relação.

            Via de regra, a responsabilidade do profissional liberal por danos causados no exercício de sua profissão é contratual, nos termos já analisados quando da compreensão geral acerca da responsabilidade civil.

            Nesse sentido leciona Maria Helena Diniz (2004), ao ensinar que a responsabilidade destes profissionais “será contratual, pois aos profissionais liberais ou manuais se aplicam as noções de obrigação de meio e de resultado, que partem de um contrato”.

            Assim, o vínculo do advogado com o cliente, sob o prisma contratual, principia no momento em que há o ajuste de vontades. Nas palavras de Matiello (2010), “não é preciso que o advogado comece a representar o constituinte em juízo para que isso ocorra, pois ambos estão atrelados em razão de um contrato, verbal ou escrito, cuja eficácia se faz presente de forma instantânea.”

            Estabelecido o vínculo de natureza contratual, importante saber em qual espécie de contrato se enquadra o contrato celebrado entre advogado e cliente. Nesta senda, a grande variedade de atuações possíveis do advogado importa na geração de algumas dificuldades no momento de decidir qual é a classificação mais adequada da relação jurídica entre o profissional e seu cliente.

            Assim, em rápida análise, poderia se enquadrar a atividade do advogado como na espécie de contrato de prestação de serviços, que, nos termos do art. 594, do Código Civil, aduz, acerca desta modalidade, que “toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição”.

            Porém, conforme destaca Matiello (2010), o contrato de prestação de serviços impõe excessiva subordinação do profissional ao tomador, o que se revela incompatível com a atividade desenvolvida pelo causídico:

O profissional da advocacia, sem dúvida, executa serviço de cunho imaterial, por ser fruto do seu intelecto. Tal contrato reclama do prestador que desenvolva a atividade ajustada, subordinando-se, porém, às orientações e imposições do tomador. Essa ideia de subordinação é incompatível com a independência profissional do advogado, sem a qual ele não pode agir na defesa dos interesses do seu constituinte

            Assim, a modalidade que melhor se enquadra na atividade fornecida pelo advogado é o mandato. E, conforme leciona o mesmo autor, “o mandato e a prestação de serviços são diferentes, em primeiro lugar, porque nesta não há representação, ao contrário do que se dá com aquele”.

            No mandato, o mandatário representa o mandante, ao passo que o prestador de serviços age em nome próprio, ainda que seguindo instruções do tomador. Nos termos do art. 664 do Código Civil, o mandatário é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que deveria exercer pessoalmente.

            Porém, nas palavras de Matiello (2010), a atuação do advogado pode ser entendida, a um só tempo, como de mandatário e de prestador de serviços, pois, ao atuar, pode agir em nome e por conta do cliente (atuando como mandatário), bem como vincular-se a certa atividade (sendo prestador[11]).

            Assim, via de regra, há mandato judicial quando o advogado recebe poderes para atuar em juízo na representação do mandante, sendo contrato de índole consensual, tornando-se perfeito com o simples acordo de vontade entre os celebrantes.

            Nesta divisão em relação contratual ou extracontratual, também chamada esta última de aquiliana, é importante, por fim, frisar que existem situações que a responsabilidade não será contratual. Em se tratando de atos praticados pelo advogado com relação a terceiros, mesmo decorrente do mandato realizado com o seu cliente, a responsabilidade do profissional será apurada de forma extracontratual, nos termos do art. 186 do Código Civil.

            Nesse sentido, Matiello (2014):

Fica claro que no plano da atuação forense do advogado é possível vislumbrar a hipótese de que seja responsabilizado extracontratualmente, por danos causados à parte a quem represente. Isso ocorre quando não há contrato a vincular o patrono ao representado, haja vista a natureza do evento produtor da atuação profissional. Exemplo disso é a condição de defensor dativo, de síndico da massa falida, de inventariante do juízo, de curado especial de incapaz e assim por diante. Idêntica solução haverá nas hipóteses de atuação do profissional – ainda que em favor de pessoa estranha – por mera liberalidade e sem qualquer espécie de contrapartida econômica

            Sendo uma relação, em regra, contratual, há ainda de se identificar a natureza jurídica desta relação como de meio ou de resultado, que decorrem da justamente da relação contratual.

            Nos termos das lições da Professora Maria Helena Diniz (2004), ao discorrer sobre as obrigações de meio, ensina que:

Obrigação de meio é aquela que o devedor se obriga tão-somente a usar da prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo. Infere-se daí que sua prestação não consiste num resultado certo e determinado a ser conseguido pelo obrigado, ma tão-somente numa atividade prudente e diligência deste benefício do credor.

            Assim, o profissional deve atuar com diligência, perícia, prudência e presteza, usando de todos os meios legais para a obtenção do resultado mais positivo possível para o seu cliente, atentando aos prazos e recursos processuais e levantando toda matéria que se coadune com a situação fática vivida pelo mandatário.

No mesmo sentido entende Gagliano (2014), “a prestação de serviços advocatícios é, em regra, uma obrigação de meio, uma vez que o profissional não tem como assegurar o resultado da atividade ao seu cliente.”

Em situação oposta, na obrigação de resultado, o cumprimento da obrigação só se verifica se a meta planejada é atingida. Nessa situação, o profissional deve atingir o objetivo previamente fixado, pois, do contrário, terá havido o inadimplemento da obrigação, gerando a necessidade de reparação pelos danos causados. Conforme leciona Matiello (2014):

A aceitação da tarefa pelo causídico implicará a assunção, por ele dos deveres inerentes às obrigações de meios, em especial a de diligência, destinada a obter o resultado pretendido pelo constituinte embora sem que esteja jungido ao dever de atingi-lo em caráter necessário. Ao revés, se a obtenção do desiderato almejado pelo cliente ficar na dependência única da vontade e atuação do causídico, a obrigação será de resultado, como nas hipóteses de ser contratado para emitir opiniões, elaborar pareceres, redigir estatutos sociais e assim por diante.

            O vínculo é, ainda, intuitu personae, exigindo que as atividades desenvolvidas pelo advogado se dêem exclusivamente pelo profissional contratado, observando-se as situações que permitem o substabelecimento.

            Por fim, ressalte-se que a obrigação é, via de regra, subjetiva, ou seja, parte da ideia de noção de culpa. Culpa em sentido lato, abrangendo tanto a negligência, imprudência e imperícia quanto o dolo.

Independentemente do diploma legislativo adotado, seja o Código Civil (art. 186[12]), seja no Código de Defesa do Consumidor (art. 14, § 4º[13]) ou no Estatuto da Advocacia (art. 32[14]), a responsabilidade por eventuais danos causados pelo advogado será apurada a partir da verificação da culpa.

Em breves palavras, conforme leciona Gagliano (2014), entende-se culpa, no âmbito civil, da seguinte forma:

A culpa (em sentido amplo) deriva da inobservância de um dever de conduta, previamente imposto pela ordem jurídica, em atenção à paz social. Se esta violação é proposital, atuou o agente com dolo; se decorreu de negligência, imprudência ou imperícia, a sua atuação é apenas culposa, em sentido estrito.

            Essa culpa pode ocasionar tanto uma lesão moral quanto uma lesão material. Ou seja, o cliente poderá ter danos financeiros expressos quando da atuação culposa do advogado que gera dano, bem como pode ter sua expectativa frustrada pela atuação omissiva do advogado, gerando a possibilidade de indenização pela perda de uma chance.

Ocorre que, para além da responsabilidade subjetiva, o profissional da advocacia pode se submeter à responsabilidade objetiva, pois “assim como ocorre no âmbito da responsabilidade contratual, a de cunho extracontratual pode ser subjetiva ou objetiva, conforme as nuanças que apresentar” (Matiello, 2014).

            Assim, feitas essas considerações, conclui-se que a natureza jurídica da responsabilidade civil do causídico é, ordinariamente, uma responsabilidade:

  1. Contratual, na espécie mandato;
  2. De meio;
  3. Intuitu personae;
  4. Subjetiva.

Podendo ser, excepcionalmente, quando da prestação de atividades extrajudiciais, características de responsabilidade aquiliana, não personalíssima, objetiva e de resultado.

5. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO CONTRA O ADVOGADO

            A análise da prescrição da pretensão indenizatória contra o advogado requer uma cautelar análise, tendo em vista variar conforme a corrente utilizada em razão da conflituosa posição acerca da utilização do Código de Defesa do Consumidor ou do Código Civil.

            Nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil, o exercício da pretensão de reparação civil prescreve em três anos. Assim, deixando o cliente transcorrer o prazo dentro do triênio legal, terá sua pretensão fulminada, nada podendo reclamar em juízo.

            Por outro lado, para o Código de Defesa do Consumidor, especificamente em seu art. 27, afirma que prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, tendo a contagem iniciada a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

            Constata-se, assim, que aparentemente haveria duas regras de direito pela qual a relação entre causídico e cliente poderia se submeter, uma de caráter geral, decorrente do Código Civil, outra de caráter específico, proveniente do legislação consumerista. Tendo em vista a já análise desta tormentosa questão, entende-se, pela corrente ainda majoritária, a aplicação do prazo do Código Civil, ante a ausência do caráter de consumo à relação ora analisada.

6. RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

            O dano, juntamente com os demais requisitos necessários à configuração da responsabilidade civil, ou seja, com a ação ou omissão e com o nexo causal, formam os pressupostos da responsabilidade civil. A presença do dano é pressuposto imprescindível para a responsabilização e consequente reparação, tanto na modalidade contratual quanto extracontratual.

            A perda de uma chance pode ser definida como o desaparecimento da probabilidade de um êxito favorável, ou como a frustração da razoável perspectiva de obter um ganho (Matiello, 2014). Para se caracterizar o prejuízo passível de ensejar reparação, é necessária uma oportunidade real e concreta que deixe de ser obtida pela intromissão determinante de alguém, resultando no dano.

No caso da perda de uma chance, tem-se por substrato uma conduta omissiva do causídico, conforme leciona Gagliano (2014):

Na busca do diagnóstico da conduta do advogado que perpetrou um dano ao seu cliente, inevitável é a ocorrência de situações em que a lesão ao patrimônio jurídico do cliente tenha se dado por uma conduta omissiva do profissional.

A casuística é infindável: falta de propositura de ação judicial; recurso ou ação rescisória; não formulação de pedido; omissão na produção de provas; extravio de autos, ausência de contrarrazões ou sustentação oral; falta de defesa etc.

            Por se tratar justamente de uma chance perdida, não se saberá, com precisão, qual seria o resultado do julgamento se o ato tivesse sido realizado. Na maioria das situações, porém, deve restar claro que há a possibilidade de responsabilização se for cabalmente provada a extensão do dano e o nexo causal entre a conduta do profissional e o dano.

            Conforme já analisado, o dano ocasionado pela perda de uma chance será de natureza moral, sempre que “o advogado deixar de realizar os serviços para os quais foi contratado, fazendo com que o cliente perca a oportunidade de acesso ao Poder Judiciário em toda a plenitude que a legislação ensejaria” (Matiallo, 2014). Caso demonstrado perdas materiais para o cliente, esta modalidade também poderá ser passível de reparação.

            Porém, conforme ressalta o mesmo autor, não é o mero descumprimento contratual que ensejará responsabilização:

Não se considera que exista responsabilidade civil do advogado em razão do insucesso da causa patrocinada, mas apenas quando ele é creditável à negligência do profissional na observância dos deveres inerentes à atividade desenvolvida. De outra parte, é certo que o método de apuração dos danos não os estima a partir do valor nominal da causa em debate o da expressão econômica da pretensão deduzida. Apura-se, isto sim, a partir da verificação da probabilidade abstrata de sucesso que se alcançaria na hipótese de o advogado ter cumprido fielmente a incumbência assumida.

            Nesse caso, a indenização devida pelo causídico seria aquela correspondente ao valor que deixou de ser percebido pelo cliente, tendo por base o juízo de probabilidade de sucesso da causa. Nesse sentido, Matiello (2014) entende que “o parâmetro de valoração a ser empregado é o da utilidade econômica da atividade que, sonegada pelo causídico ou empregada por ele de modo equivocado, teria de ser aplicada no caso concretamente examinado”.

            O dano, no caso da perda de uma chance, é hipotético, não havendo plausibilidade indenizatória quando existe razoável certeza de impossibilidade do resultado. Nesse caso, é necessária a clara demonstração de que o sujeito prejudicado possuía chances reais de obter um desfecho favorável.

            Ademais, a quantificação do valor a ser reparado deve levar em conta, além da probabilidade real de sucesso na empreitada jurídica, a razoabilidade e proporcionalidade como balizadores do quantum debeatur.

            Em não havendo prejuízos para o cliente em decorrência da má atuação do profissional, não é razoável que este seja responsabilizado por um dano alegado pelo seu cliente.

            Nesse sentido, segue interessante julgado acerca da análise casuística que resultou na condenação do advogado em reparar os danos causados, oriundos de sua má atuação, à cliente que perdera a chance de tomar posse em concurso público pela inércia do causídico:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COM AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. CONDUTA OMISSIVA E CULPOSA DO ADVOGADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. RAZOABILIDADE DO VALOR ARBITRADO. DECISÃO MANTIDA. 1. Responsabilidade civil do advogado diante de conduta omissiva e culposa, pela impetração de mandado de segurança fora do prazo e sem instrui-lo com os documentos necessários, frustrando a possibilidade da cliente, aprovada em concurso público, de ser nomeada ao cargo pretendido. Aplicação da teoria da "perda de uma chance". 2. Valor da indenização por danos morais decorrentes da perda de uma chance que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista os objetivos da reparação civil. Inviável o reexame em recurso especial. 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento[15]. (destaquei).

            Assim, o advogado poderá ser civilmente responsabilizado à reparação, para ressarcir danos materiais e morais decorrentes de um ato comissivo, isto é, de um fazer, bem como de um comportamento omissivo, quando deixar de atuar e reste comprovado que, a partir da sua omissão, houve efetivo prejuízo para o cliente pela probabilidade de exercício de um direito frustrado, atuando o profissional, de sua atuação insatisfatória, com erros grosseiros.

7. OS DEVERES DO ADVOGADO (PRINCIPAIS E ANEXOS)

A relação estabelecida entre cliente e advogado possui uma série de deveres, cujo rigoroso cumprimento é o alicerce que deverá permear a conduta de ambos. Tais deveres decorrerem diretamente da natureza do contrato celebrado, enquanto outros são consequentes ao negócio jurídico. O estudo desses deveres se tornam importantes para o tema ora estudado, pois deles podem decorrer as principais situações que ensejam a responsabilidade do causídico de indenizar, civilmente, danos causados ao patrocinado.

7.1. DEVERES PRINCIPAIS

            Nas palavras de Matiello (2014), o principal dever do advogado é o de aplicar a lex artis. Nesse sentido, assevera que em todas as situações estabelecidas com o seu cliente, é dever do advogado “empregar toda a diligência exigida do profissional capacitado, ainda que o desfecho final não seja favorável à pessoa cujos interesses resguarda”.

            Prossegue o mencionado autor: “empregar a lex artis significa, portanto, agir como se de direito próprio o advogado estivesse a tratar, valendo-se dos mecanismos disponibilizados pela ciência jurídica para atingir o objetivo almejado pelo cliente.”

            Atento ao preceito acima citado, o art. 31 do Estatuto da Advocacia assim estabelece:

O advogado deve proceder de forma que se torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da categoria e da advocacia. § 1º - O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância. § 2º - Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.

Ademais, outra conduta diretamente relacionada com o vínculo estabelecido com o cliente, é a de que o advogado está adstrito ao comportamento ético, nos termos do art. 33 da Lei 8.906/94[16], podendo ser, em caso de descumprimento dos mesmos, responsabilizado no âmbito civil, ora estudado, bem como no âmbito administrativo disciplinar da OAB e, a depender do caso, ainda no plano criminal, caso sua conduta configure também comportamento antijurídico.

Assim, deve ser o advogado diligente quando do tratamento dos interesses do seu patrocinado, pois é o grau de zelo com que trata sua causa que servirá de base para a análise de sua responsabilidade.

7.2. DEVERES ANEXOS (OU ACESSÓRIOS)

            Os deveres anexos, também chamados de deveres acessórios, laterais ou secundários, decorrem da tradição alemã e determinam que, ante o conflito de interesses particulares, deverá a relação dos contratantes ser guiada conforme o princípio da boa-fé objetiva.

            São deveres cuja finalidade não estão diretamente relacionados ao cumprimento do dever principal de prestação, mas buscam garantir o desenvolvimento salutar da relação contratual. Sua finalidade, conforme assevera Matiello (2014), “é ampliar o conteúdo da prestação principal, tendo por fundamento o princípio da boa-fé”.

            Via de regra, os deveres anexos não precisam estar escritos no contrato, sua obrigatoriedade decorre, como citado, do princípio basilar da boa-fé objetiva, estabelecido no art. 422 do Código Civil[17].

            Nos termos das lições do professor Flávio Tartuce (2006), a boa-fé objetiva possui três funções: (i) função interpretativa, devendo o negócio jurídico ser interpretado conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração, bem como pela intenção das partes (devendo ser interpretado em favor daquele que agiu de boa-fé); (ii) função de controle, pela qual aquele que contraria a boa-fé comete abuso de direito, devendo ser deflagrada a sua responsabilização civil pelo abuso (aplicando-se a teoria objetiva[18]) e; finalmente, (iii) função integrativa, pela qual os contratantes devem guardar, tanto na execução quanto na conclusão do contrato, os princípios da probidade e da boa-fé.

Conforme ensina Rossi (2007), acerca da violação do referido princípio:

O rompimento da boa-fé objetiva nos negócios jurídicos, particularmente dos deveres anexos, importa em violação positiva do contrato, com a eclosão da responsabilidade civil objetiva do sujeito que a não observou, nos termos do Enunciado 24 do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual, ‘em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa’

                Assim, o princípio da boa-fé objetiva impõe aos contratantes que se comportem segundo os preceitos normativos e preceitos éticos e morais que presidem a vida em coletividade. Segundo Matiello (2014), “é uma cláusula de natureza geral, cuja amplitude pode ser ajustada com a evolução das necessidades sociais ao longo do tempo”.

            Para além da boa-fé objetiva, outros deveres acessórios seguem-no, ou deste derivam. Nesse sentido, é possível se destacar o dever de informação, segundo o qual o advogado deve repassar ao constituinte todas as informações relativas ao andamento do processo, com as suas particularidades de tramitação.

            Ademais, essa informação deve ser clara e feita em linguagem comum, a fim de que possa chegar adequadamente ao destinatário (Matiello, 2014). Assim, além de chegar ao cliente, a informação deve ser a ele compreensível, para que este possa tomar conhecimento de todos os detalhes e acontecimentos ocorridos no decorrer da marcha processual.

            Tem também o causídico o dever de guardar segredo. Nesse sentido, o dever acessório de não revelar segredos que lhes são confiados pelo cliente surge já no início da relação profissional. O sigilo profissional, inclusive, foi elevado à categoria de preceito constitucional, nos termos do art. 5º, XIII, da Constituição Federal.

            Finalmente, importante dever acessório é o de restituição de documentos. O advogado tem a obrigação de devolver todos os documentos quando da finalização da relação, ou durante ela, caso não for mais necessário ao regular desenvolvimento do processo.

            As obrigações acessórias não se resumem as tratadas aqui, constituindo, na verdade, um amplo espectro de deveres que, mesmo não estando previstas expressamente no contrato, devem ser seguidas pelos contratantes, sob pena de violação e, em caso de danos, responsabilização civil. É, inclusive, a partir da violação dos deveres principais e anexos, acrescidos dos demais requisitos, que surgem situação passíveis de responsabilização e reparação por parte do advogado. Situações estas analisadas no tópico seguinte.

7.3. PRINCIPAIS CAUSAS GERADORAS DE RESPONSABILIDADE NO ÂMBITO DA PRÁTICA FORENSE

            O presente tópico tem por objetivo analisar, de forma apenas exemplificativa, situações que possivelmente levariam a causar danos ao indivíduo que contratou um advogado, a partir da conduta do profissional, do dano gerado e do nexo causal entre eles.

            A conduta do advogado que mais comumente pode resultar em danos ao cliente é a inobservância de prazos processuais no decorrer do processo. O perda do prazo, conforme ensina Matiello (2014), “é erro grave e praticamente não admite elisão, pois os prazos são de direito expresso e não se tolera que o advogado os ignore”.

            Nesse sentido, o simples fato de transcurso de tempo in albis não significa a existência de danos e o imediato dever de reparação. Ademais, a perda de prazo não autoriza o constituinte a invocar a teoria da responsabilidade objetiva, por não haver dano presumido. Nesse sentido, deverá provar, a partir da teoria da perda de uma chance, que a conduta do causídico causou danos efetivos a partir de sua conduta culposa.

            O descumprimento dos deveres principais também está relacionado com a responsabilidade civil do advogado. O advogado, como profissional da área jurídica, precisa tomar medidas mínimas com vistas á proteção dos interesses do seu cliente. Não se admitindo, por exemplo, que ocasione culposamente a imediata repulsa da lide em razão de sentença de indeferimento da petição inicial, nos termos do art. 295 do Código de Processo Civil.

            Obviamente, o indeferimento da peça vestibular não causará necessariamente danos ao cliente, devendo se considerar situações mais extremas, como a ocorrência de prescrição ante a rejeição da inicial.

Outro fator gerador de danos é o descumprimento dos deveres éticos, anexos e processuais por parte do advogado. Independentemente de qual seja a obrigação principal contraída pelo profissional, a adequada execução exige deste o atendimento dos deveres acessórios ou anexos, conforme explanado em tópico próprio.

            Assim, a violação da boa-fé objetiva, dos deveres de probidade, de informação e de lealdade causam, a partir de sua verificação, a geração da responsabilidade do profissional. No caso de lide temerária, há ainda a responsabilidade solidária do advogado com o seu constituinte, nos termos do art. 32 do Estatuto da Advocacia, a qual será apurada em ação autônoma[19].

            Conforme assevera Matiello (2010):

A sanção fixada pelo juiz recairá exclusivamente, de forma imediata, sobre a parte. Mas, caso o advogado tenha agido por iniciativa própria, lesando, com isso, a parte adversa, o constituinte poderá voltar-se contra o profissional buscando a reposição do que despendeu, em ação autônoma a ser proposta sob a égide do procedimento ordinário comum.

            A inércia do advogado é outro fator capaz de gerar prejuízos ao seu cliente. Deixando transcorrer períodos extensos sem a adoção das providências necessárias aos interesses do patrocinado, configurada está a ausência de diligência por parte do profissional.

            Nesse sentido, interessante julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nas palavras do Desembargador Relator Horácio Vanderlei Nascimento Pithan[20]:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO. INDENIZAÇÃO PELA "PERDA DA CHANCE". MODALIDADE DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS SITUADA ENTRE OS LUCROS CESSANTES E DANOS EMERGENTES. DIREITO DO CLIENTE PREJUDICADO. MONTANTE DA INDENIZAÇÃO. PROVEITO ECONÔMICO DO DIREITO DESPERDIÇADO. RECURSO PROVIDO. É assente o entendimento de que a obrigação do advogado é de meio e não de resultado. No entanto, verificada a atuação desidiosa do causídico no desempenho de sua função na defesa dos interesses de seus clientes, culminando com a perda da chance de discussão do direito dos agravados, impõe-se a condenação de seus patronos ao ressarcimento de danos materiais causados, por constituir a "perda da chance" modalidade de indenização situada entre os lucros cessantes e os danos emergentes. O montante deve corresponder ao valor econômico do direito culposamente desperdiçado e que vai além da mera expectativa de direito, a ser apurado em liquidação de sentença, de acordo com as peculiaridades de cada caso em concreto.

            Assim, a omissão do profissional que ocasione a perda da oportunidade de deduzir em juízo a questão litigiosa acarretará na responsabilização do advogado pelos danos gerados.

            Diversas outras situações podem ocasionar a responsabilização civil do causídico, tais como a violação do dever de manter em segredo aquilo que lhe foi confiado pelo cliente, a falta de comparecimento às audiências, a renúncia sem notificação do cliente, a falta de interposição de recursos, a perda ou extravio de documentos, entre tantas outras.

8. CONCLUSÕES

A advocacia não é permeada apenas pela técnica ou ciência prática, mas também é resguardada pelo comportamento ético e pela dignidade do advogado. Como todo profissional liberal, o causídico deve debruçar-se sobre a causa pleiteada com o máximo de zelo, observando seus deveres e responsabilidades, atuando de forma a melhor representar os interesses do seu cliente.

            Assim, o peculiar encargo do advogado no exercício do seu munus público, garantido inclusive por dispositivo constitucional, garante a esse profissional a condição de indispensável à administração da justiça, revelando sua importante função social para a garantia do direito de acesso à justiça e da ampla defesa.

            Quanto à tormentosa questão de qual diploma legislativo regula a relação cliente-advogado, entendo, data venia à corrente doutrinária contrária, que tal relação é regida pelo Estatuto da Advocacia, tanto pela ausência de relação de mercantilidade quanto pela aplicação das regras hermenêuticas básicas, especificamente quanto à temporalidade e especificidade deste último diploma em relação ao CDC.

Ademais, deve o causídico observar não apenas seus deveres para com a causa, mas deve pautar seu comportamento em respeito a todos os deveres anexos à sua atuação, observando, principalmente, a boa-fé objetiva que permeia toda a relação profissional, inclusive para após o desfecho final da lide, tudo em respeito à importante e honrosa profissão a qual eles representam.

            Finalmente, é responsabilidade (civil) que não esgota a possibilidade de responsabilização em outras instâncias, devendo o advogado prestar contas ao particular, no âmbito cível, à sua categoria, no âmbito administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil e, perante a sociedade, quando sua conduta também configurar delito tipificado nos diplomas penais.

REFERÊNCIAS

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. VII.

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil. 12ª. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Advogado. 1 Ed. São Paulo: LTr, 2014.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11 ed. revisada e atualizada de acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense. 2004.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. (Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho). Rio de Janeiro: Forense, 2006.

SODRÉ, Ruy de Azevedo. In: FRANÇA, Rubens Limongi. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977.

ROSSI, Júlio César. Responsabilidade Civil do Advogado e da Sociedade de Advogados. São Paulo: Atlas, 2007.

Salgarelli, Kelly Cristina. Não se aplica o CDC na relação entre cliente e advogado. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2006-mar-09/nao_aplica_cdc_relacao_entre_cliente_advogado. Acceso em: 28.out.2015.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único/ Flávio Tartuce. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011.

Sobre o autor
Caio Nunes de Lira Braga

Graduação em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Especialização em Direito Material do Trabalho e Direito Previdenciário pelas Faculdades Integradas de Patos (FIP). Pesquisador em âmbito civil. Atualmente faz estágio da Justiça Federal na Paraíba, na 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária da Paraíba.

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