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Quebra de sigilo bancário frente ao direito à intimidade e à vida privada

Através deste trabalho realizou-se uma abordagem do sigilo bancário numa perspectiva tributário-constitucional, analisando a possibilidade atribuída ao Fisco de quebrar o sigilo financeiro dos contribuintes sem que para tanto haja autorização judicial.

 

Quebra de sigilo bancário frente ao direito à intimidade e à vida privada

            Herberth dos Santos Silva1, Willame Parente Mazza2

 

RESUMO

Através deste trabalho realizou-se uma abordagem do sigilo bancário numa perspectiva tributário-constitucional, analisando a possibilidade atribuída ao Fisco de quebrar o sigilo financeiro dos contribuintes sem que para tanto haja autorização judicial, conforme se verifica no artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001. Nesse estudo, fez-se uma análise histórica e conceitual do sigilo bancário, da intimidade e da vida privada, bem como do posicionamento da jurisprudência e doutrinário acerca da vigente legislação. O problema dessa pesquisa consubstancia-se em descobrir se a Lei Complementar 105/2001 é constitucional ou não. Os objetivos são verificar a constitucionalidade da quebra de sigilo sem autorização judicial, descobrir o fundamento jurídico do sigilo, verificar como a doutrina tem enfrentado esse tema e descobrir a importância para o fisco da obtenção dos dados dos contribuintes. Realizou-se uma revisão bibliográfica, onde foram analisados vários livros, revistas e artigos que já abordaram o tema, além disso, cuidou-se de fazer uma pesquisa de cunho qualitativo tendo vista que possibilitou uma maior aproximação com a realidade, permitindo a construção de um saber compreensivo e interpretativo. E, finalmente, concluiu-se que a quebra de sigilo bancário nos termos da Lei Complementar nº 105/2001 é perfeitamente compatível com o Texto Constitucional, em contrariedade à última decisão proferida pela Corte Constitucional sobre o tema.

Palavras-Chave: Sigilo Bancário. Privacidade. Fisco. Poder Judiciário. Constitucionalidade.

___________

1 Aluno de Graduação (10º período) do Curso de Direito da Faculdade Integral Diferencial – FACID, email: herberth66@hotmail.com, Rua Diolândia, 2540, Anita Ferraz, Cep. 64066/500, Teresina-PI, telefone 94713129.

2 Graduado em Direito pelo Instituto Camilo Filho e Engenharia pela UFPI, Mestre em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília. Auditor Fiscal da Fazenda Estadual, Professor da Faculdade FACID das disciplinas de Direito Tributário e Direito Administrativo e professor do Curso Preparatório para Concurso -CEV, e-mail:willamemazza@uol.com.br

ABSTRACT

Through this work was carried out one approach to banking secrecy perspective tax-constitutional, examining the possibility given to the Treasury to break the secrecy financial taxpayers without providing much there is judicial authorization, as per Article 6 of the Supplementary Law No. 105 / 2001. In this study, it was a historical and conceptual analysis of banking secrecy, intimacy and privacy as well as the positioning of the jurisprudence and doctrine about the current legislation. The problem of this research is embodied in whether the Complementary Law 105/2001 is constitutional or not. The goals are to determine the constitutionality of the breach of secrecy, without judicial authorization, to discover the legal basis of confidentiality, see how the doctrine has faced this issue and discover the importance of the treasury to collect data from taxpayers. We conducted a literature review, which analyzed several books, magazines and articles that have addressed the issue, moreover, tended to make a qualitative research with a view that enabled a closer approximation to reality, allowing the construction of a knowledge and interpretive understanding. And finally, it was concluded that the financial disclosure under the Supplementary Law No. 105/2001 is perfectly compatible with the constitutional text, in contradiction to the last decision of the Constitutional Court on the subject.

Keywords: Banking Secrecy. Privacy. Fisco. Judiciary. Constitutionality.

INTRODUÇÃO

 

A Lei Complementar 105/2001, em seu artigo 6º, permitiu a quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco sem autorização do Poder Judiciário, fazendo com que surgisse o debate sobre possível violação à intimidade e à vida privada do contribuinte1, insculpidos na Constituição Federal no artigo 5º, X.

O problema central dessa pesquisa é saber se a forma como é feita a quebra de sigilo bancário, repassando as informações ao Fisco, sem autorização judicial, fere os sobreditos direitos.

Os objetivos se consubstanciam em saber se há necessidade de autorização judicial para a quebra de sigilo bancário, descobrir o fundamento jurídico desse instituto; verificar como a doutrina e a jurisprudência abordam a matéria em questão e entender a importância da referida quebra para o Estado, com a consequente obtenção de informações dos contribuintes.

O trabalho justifica-se pelo interesse decorrente das enormes discussões sobre a polêmica a respeito da nova regulamentação trazida ao instituto jurídico, com o advento da Lei Complementar 105/2001, pois embora já decorra mais de dez anos da publicação dessa lei, somente no final de 2010 é que o STF se manifestou sobre o tema, não estando pacificado o problema de sua constitucionalidade.

Intimidade e Vida Privada: Histórico, Conceito e Distinções

O anseio pelo respeito à vida privada e à intimidade surgiu como uma necessidade moderna, pois nos tempos antigos o Estado exercia uma forte influência na vida particular dos indivíduos.

Segundo Baltazar Júnior (2005), no Mundo Greco Romano, embora o homem tivesse livre participação na política, nos debates acerca do destino da polis, no âmbito familiar deveria agir conforme as regras ditadas pelo Estado e o critério para distinguir o público do particular estava na utilidade: aquilo que era de utilidade pública, era público e aquilo que era de utilidade particular, era particular.

Com a chegada da classe burguesa, em que aparece o liberalismo exigindo a mínima intervenção do Estado, na transição da Idade Média para a Idade Moderna, passou-se a exigir um espaço privado, notadamente em decorrência da propriedade, daí por que se afirma que a proteção à vida privada teve inicialmente um caráter eminentemente patrimonialista e era um privilégio exclusivo da burguesia, vez que para o povo trabalhador, que vivia e laborava no mesmo espaço físico, era quase que impossível a preservação da privacidade (BALTAZAR JÚNIOR, 2005).

Essa busca pela proteção da vida privada se fortaleceu com a doutrina civilista dos direitos da personalidade, na época dos grandes Códigos Civis, anterior ao surgimento das Constituições.

Após a fase civilista, veio a época da positivação da proteção à intimidade e à vida privada no âmbito internacional, em vários documentos internacionais que trouxeram a obrigação de não interferência do Estado e nem dos indivíduos nesses direitos, é o que preceitua a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, no artigo 12:

Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra ou reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda pessoa tem direito à proteção da lei.

Assim, o dispositivo citado acima demonstra a preocupação do meio internacional com os aspectos concernentes à privacidade, buscando combater invasões arbitrárias na família, honra e reputação das pessoas.

Hodiernamente, a maioria dos Textos Constitucionais traz à baila a proteção à privacidade, seja implícita ou explicitamente, tendo por característica a mudança do caráter patrimonialista da proteção para a personalidade humana, pois se tornou um direito de todo e qualquer cidadão, independentemente de suas posses (SAMPAIO, 1998).

No que se refere às Constituições brasileiras, verifica-se que somente a Constituição Federal de 1988, trouxe expressamente a previsão da proteção à intimidade e à vida privada do cidadão, pois as anteriores se referiam apenas à inviolabilidade da correspondência e do domicílio.

Em relação aos aspectos conceituais e diferenciais, há uma grande discussão sobre os contornos da vida privada e da intimidade, pois alguns autores os identificam como sinônimos enquanto outros os diferenciam. Estes, mais cautelosos, levam em consideração a certeza de que a lei não tem palavras inúteis, daí, pelo fato de a Constituição citar os dois direitos no mesmo artigo - art.5º, X, entenderem que o legislador quis diferenciá-los.

Segundo o eminente doutrinador Silva (2009), a distinção entre vida privada e intimidade não é algo fácil, aquela tem um significado mais abrangente, pressupondo que a vida das pessoas possui dois aspectos, sendo um deles voltado para o âmbito exterior e o outro voltado para o interior.

Para esse jurista, o aspecto exterior envolveria as pessoas nas suas relações sociais, podendo ser objeto de pesquisas e exteriorizações por parte de terceiros, já o aspecto interior, que recai sobre o mesmo indivíduo, sobre sua família e seus amigos, faz parte do conceito de vida privada, sendo expressão de sua própria personalidade, evitando a divulgação não autorizada de seus segredos familiares.

O motivo dessa confusão conceitual tem suas origens no caráter cultural que vincula esses direitos. Em outras palavras, trata-se de conceitos relativos, pois aquilo que se insere como privado em certa sociedade poderá ser público em outras e vice-versa, bem como deve ser levado em consideração cada momento histórico e geográfico na aferição daquilo que se enquadra como público ou privado.

Os alemães deram importante contribuição para a definição dessas duas expressões jurídicas, através do desenvolvimento da teoria das esferas.

Segundo essa teoria, a intimidade se diferencia da vida privada em termos de grau de exclusividade, sendo que naquela, o grau é maior do que nesta.

Intimidade faz parte da vida privada, entretanto, diferencia-se desta por não poder ser compartilhada por um grupo, se não for do desejo de seu titular, dizendo respeito ao sentimento, emoções, convicções, enquanto a vida privada pode ser compartilhada por pessoas autorizadas, embora não possa ser exposta ao público.

Sigilo bancário: Evolução Histórica e Conceito

A evolução histórica do sigilo bancário pode ser estudada levando em consideração três fases: a embrionária, a institucional e a capitalista.

A fase embrionária é aquela em que os valores, antecipações e mediações de pagamentos eram confiadas aos sacerdotes, os quais deixavam guardados nos templos, sob a proteção dos deuses, os valores recebidos, como por exemplo, na Babilônia, onde nos templos eram depositados como se fossem coisas sagradas, resguardados na intimidade dos santuários, sendo apenas acessíveis aos depositantes, aos depositários e aos seus guardadores (BOUCINHAS FILHO, 2005).

Na Idade Média, o sigilo se consolidou definitivamente como regra de conduta a ser seguida pelos bancos, os quais se institucionalizaram e a obrigação de guardarem segredo sobre os dados financeiros foi imposta a todos os seus empregados, os quais prestavam juramento de manterem discrição sobre as informações e documentos dos clientes da instituição.

No que concerne à fase capitalista, que vem do Renascimento aos dias atuais, o surgimento da classe burguesa e do Estado Moderno deram grande impulso à expansão do crédito e dos depósitos de valores mobiliários, surgindo grandes banqueiros (BALTAZAR JR, 2005).

Na Renascença surgiram as primeiras normas de regulamentação das atividades dos bancos, dentre estas, estão as relativas ao dever de segredo, como o decreto editado por Luís XIII, em 1639, bem como surgiram as tributações bancárias e que desde então, passaram a serem positivadas as normas referentes aos dados financeiros, deixando o sigilo bancário de ser apenas norma costumeira, para se transformar em norma jurídica.

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Em relação ao conceito, diz-se que constitui uma obrigação imposta pela lei e pelos princípios constitucionais aos bancos e prepostos destes a não revelar a terceiros sem justificativa plausível, os dados de seus clientes que chegarem ao seu conhecimento por conta da relação jurídica que os vinculam.

O sigilo bancário, conforme a dicção legal, constitui um dever atribuído às instituições financeiras de guardarem sigilo sobre as operações financeiras, ativas e passivas e serviços prestados aos clientes, sendo infração penal a sua quebra sem motivo justificado (BARBEITAS, 2003).

Fundamento do Sigilo Bancário no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Consoante Barbeitas (2003) o fundamento do sigilo bancário não é unânime na doutrina, vez que neste campo várias teorias foram desenvolvidas, dentre elas podem ser citadas: teoria do uso do costume comercial; contratual, decorrente da vontade das partes; extracontratual, por gerar responsabilização civil das partes em caso de dano; criminal, por constituir crime a sua violação; segredo profissional; legal, quando previsto em lei e constitucional, por conta da proteção conferida à intimidade e à vida privada.

Segundo o supramencionado autor, a Teoria do Costume Comercial, aponta as práticas comerciais como origem do sigilo bancário, no entanto, critica-se tal posição, pois esse entendimento faz com que os limites desse instituto fiquem indefinidos e somente a lei é quem mais amplamente delineia seus aspectos.

Em relação àqueles que afirmam que o sigilo tem sua causa nos contratos e, portanto, da vontade das partes, essa afirmação também é falha, pois na relação banco-cliente já há implícita a cláusula do dever de segredo como resultado da relação de confiança entre as partes. Ademais, a obrigação de resguardar o segredo rege também as relações pré e pós – contratuais (BALTAZAR JR, 2005).

Sobre a teoria extracontratual que afirma ter a Instituição responsabilidade pelos prejuízos decorrentes da divulgação indevida dos dados dos clientes, fundamentando-se na responsabilidade civil extracontratual do artigo 927 do CC/02, essa teoria é criticada pelo fato de centralizar nas conseqüências jurídicas da violação do sigilo o seu próprio fundamento.

Dizer que o fundamento do sigilo bancário é criminal, implica confundir o fundamento com suas formas de proteção, daí porque é outra teoria falha.

Em se tratando da teoria do segredo profissional, esta pode ser perfeitamente afastada, pois: nem todos os indivíduos que trabalham em bancos são profissionais do banco e este não é um profissional que exerce uma atividade individualmente, ele é uma empresa comercial.

Sobre a teoria legal, que afirma ser a lei o fundamento do sigilo bancário por estar previsto na norma positivada de forma expressa, esta é insuficiente, por reduzir muito o alcance desse instituto, que sempre esteve ligado a tradição, costumes, religião, personalidade humana, dentre outros valores.

E finalmente, a teoria que mais ênfase teve na doutrina nacional foi a do fundamento constitucional, que afirma que o sigilo financeiro decorre da proteção da intimidade e da vida privada, previstos no Texto Magno no artigo 5º, X, sendo seguidores dessa teoria os doutrinadores Alexandre de Morais, José Afonso da Silva, Pedro Lenza, Miguel Reale Jr, dentre outros.

Sigilo Bancário no Âmbito Infraconstitucional

Neste momento será feita uma análise mais voltada às disposições legais do que ao entendimento doutrinário, pois realiza-se um comentário sobre os aspectos gerais da Lei Complementar nº 105/2001, sua abrangência, e aplicações práticas.

A sobredita lei dispõe sobre o sigilo das operações financeiras e dá outras providências.

Tal diploma legal inovou no ordenamento jurídico brasileiro, pois atribuiu ao Fisco a possibilidade de quebrar o sigilo bancário sem prévia apreciação judicial, tendo o artigo 13 revogado expressamente o artigo 38 da Lei 4.595/64 que exigia que tal devassa deveria ocorrer somente por decisão judicial.

O artigo 1º traduziu o que se pôde chamar de regra geral, pois preceitua que “as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”, assim, a regra em matéria de sigilo bancário é a preservação dos dados bancários do contribuinte, sendo a quebra sua exceção (BRASIL, LC nº 105/2001).

Pelo que se retira da sobredita lei, verifica-se que o dever de guardar segredo reporta-se aos dirigentes dos bancos, empregados, e quaisquer outras pessoas que, em virtude de contratos ou trabalho temporário, bem como terceirizado, venham a obter informações dos clientes.

Já se sabe as pessoas a quem se dirige a obrigação de resguardar o sigilo financeiro, mas é necessário saber a que operações a lei impõe a proteção. Para isso, quando se volta ao previsto na lei, verifica-se que ela usa a expressão “operações ativas e passivas dos clientes e serviços prestados, bem como contas de depósitos, aplicações, investimentos, contas correntes e operações em outras instituições financeiras.”

Nessa esteira, cabe esclarecer o que seriam operações ativas e passivas e serviços prestados, valendo-se da belíssima exposições de Baltazar Júnior (2005, p. 76), para quem:

Operações ativas caracterizam-se pela distribuição de recursos, como o mútuo, o desconto de títulos, a antecipação, a abertura de crédito, e a carta de crédito, figurando a instituição financeira como credora. Já as operações passivas são aquelas consubstanciadas em atividade de captação de recursos, como o depósito, a conta corrente e o redesconto, que tornam a instituição financeira devedora. Serviços, por fim, são o aluguel de cofres de segurança, cobrança de títulos, prestação de informações, etc.

 

Ainda no que concerne à abrangência da proteção, indaga-se se a LC nº 105/01 abrange os dados referentes à identificação dos clientes, como o nome, estado civil, profissão, endereço, dentre outros aspectos.

Sobre esse questionamento há na doutrina e na jurisprudência certa controvérsia, porém tem-se entendido que os dados identificadores, necessários ao próprio convívio social não estão abrangidos pelo sigilo, entretanto os dados sobre as relações privadas, interrupção e motivos da cessação, bem como fatos negativos que podem afetar a honra e a imagem, além de débitos em atraso, estes ficam sob sigilo, não podendo ser objeto de divulgação, exceto autorização do Poder Judiciário.

Em posição contrária, o mesmo STJ, já defendeu que em qualquer caso deve haver apreciação judicial para obter informações, aduzindo que “qualquer informação em poder de estabelecimento bancários, mesmo que não descreva movimentação bancária, deve ser obtida através do Poder Judiciário”.

Continuando sobre o alcance do direito ao resguardo dos dados financeiros, conclui-se que estão acobertadas as pessoas físicas e jurídicas, brasileiros e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, estes últimos por interpretação extensiva do caput do artigo 5º da CF/88 e pelo fato de a própria lei complementar não fazer qualquer distinção.

O dispositivo da lei que mais trouxe discussão na doutrina e na jurisprudência é justamente o que traz a previsão para a obtenção de informações sobre os dados dos contribuintes, previsto no artigo 6º, que assim dispõe:

 

Art. 6º As autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

 

O aspecto da constitucionalidade dessa lei, notadamente do dispositivo acima, será analisado adiante, onde serão expostos os posicionamentos prós e contra a quebra diretamente pelo Fisco, além dos princípios apontados como norteadores da discussão.

Análise da Constitucionalidade da Quebra do Sigilo Bancário no Processo Administrativo

A grande questão a ser descoberta é a constitucionalidade do artigo 6º da Lei Complementar 105/01, que passou a autorizar a quebra do sigilo bancário pela administração fazendária, sem que para tanto houvesse uma permissão do Poder Judiciário.

A discussão envolve basicamente quatro princípios constitucionais, o princípio da reserva de jurisdição, o princípio da imparcialidade, o princípio do devido processo legal e finalmente o princípio da ponderação de interesses.

Segundo Wambier (2002) princípios são normas que dão coerência e ordem a um conjunto de elementos, sistematizando-o. Aduz ainda que os princípios fazem com que exista um sistema e que os princípios jurídicos são também normas jurídicas.

Para fins didáticos, serão analisadas as várias posições que defendem a inconstitucionalidade da lei complementar 105/2001, bem como dos que defendem a constitucionalidade, citando os princípios constitucionais que servem de base para cada posicionamento.

Posicionamentos Contrários à Lei Complementar 105/2001

Em relação ao princípio da reserva de jurisdição, argumenta-se que matéria relativa a sigilo bancário, por ter fundamento nos direitos fundamentais, como a vida privada e intimidade, somente seriam passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário, sendo inclusive cláusula pétrea, não podendo uma lei infraconstitucional atribuí-la a outro Poder (LENZA, 2007).

Para quem defende estar o sigilo bancário sujeito a esse princípio, a LC 105/2001 é inconstitucional, posto que retira do Poder Judiciário matéria que somente este pode interferir, ferindo os preceitos ditados pelo Poder Constituinte Originário, ferindo inclusive, o disposto no artigo 5º, XXXV da CF/88, que preceitua que “não se excluirá da apreciação do Poder Judiciário Lesão ou ameaça a direito”.

Os defensores dessa corrente afirmam de forma veemente que o sigilo bancário só pode ser quebrado por determinação judicial, por fazer parte daqueles direitos fundamentais, assim diz Coêlho (2001, p.3):

A quebra do sigilo por motivos políticos é inaceitável e odiosa. A quebra por motivos fiscais deve cercar-se dos maiores cuidados e dar-se excepcionalmente, somente quando estejam configurados tipos delituais contra a ordem tributária. A quebra do sigilo para combater o crime organizado admite-se cum modus in rebus, pois a tal pretexto não se pode vulnerar - como tem sido feito - o direito dos cidadãos republicanos, acusados apenas de serem suspeitos. Provas e indícios veementes ao invés de suspeições, freqüentemente imaginárias é o que a sociedade requer, daí a inevitabilidade de uma apreciação judicial prévia e responsável, eis que até mesmo os juízes têm sido levianos. Estão a quebrar o sigilo bancário e de dados em sigilo, obstando aos advogados o inteiro conhecimento das medidas penais cautelares. A regulamentação da quebra do sigilo entre nós, ao meu sentir, deu-se de forma inconstitucional e paradoxal.

Assim, o entendimento acima é no sentido de que não bastam meras suspeitas, mas é necessária uma prévia apreciação judicial com provas e indícios extremamente legitimadoras da devassa.

Moraes (2007, p. 62) traz as características básicas das garantias dos sigilos bancário e fiscal nos seguintes termos:

Os sigilos bancário e fiscal, consagrados como direitos individuais constitucionalmente protegidos, somente poderão ser excepcionados por ordem judicial fundamentada ou de Comissões Parlamentares de Inquérito, desde que presentes requisitos razoáveis, que demonstrem, em caráter restrito e nos estritos limites legais, a necessidade de conhecimento dos dados sigilosos. As características básicas dos sigilos bancário e fiscal são:

Indispensabilidade dos dados constantes em determinada instituição financeira. Assim, a quebra do sigilo bancário ou fiscal só deve ser decretada, e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando existentes fundados elementos de suspeita que se apóiem em indícios idôneos, reveladores de possível autoria de prática ilícita por parte da quele que sofre a investigação;Individualização do investigado e do objeto da investigação;Obrigatoriedade de manutenção do sigilo em relação às pessoas estranhas ao procedimento investigatório;Utilização dos dados de maneira restrita, somente para a investigação que lhe deu causa;(...); impossibilidade de quebra do sigilo bancário por requisição fiscal de informações bancárias, havendo necessidade de intervenção judicial.

Assim, estas são as características apontadas como legitimadoras da manutenção do sigilo bancário, vez que são tidos como direitos constitucionais garantidos, o que impõe a intervenção judicial na quebra dos dados financeiros.

No mesmo sentido, cabe colacionar trecho da decisão do STJ, 1ª Turma, apontada por Moraes (2007, p. 63):

O Sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado com base em procedimento administrativo – fiscal, por implicar indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta expressamente amparada pela Constituição Federal, artigo 5º, inciso X (STJ-1ªT. Resp. nº 121.642/DF-Rel. Min. Demócrito Reinaldo, Diário da Justiça, Seção I, 22 set.1997, p. 46.337).

Essa decisão só fortalece o argumento daqueles que entendem que o sigilo faz parte do conceito de vida privada prevista na Lei Maior e também no Código Civil.

Segundo Lenza (2007), o artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001 cuida-se de autorização não estabelecida pelo Poder Constituinte Originário e por se tratar de norma de eficácia plena, não necessitaria de regulamentação por lei complementar, sendo matéria de cláusula pétrea, por isso, diz o autor que a inconstitucionalidade é formal e material.

Nesse mesmo sentido aduziu Lacombe (2000, p. 218)

O sigilo bancário constitui um direito e garantia individual, uma espécie de conceito genérico da intimidade, amparado constitucionalmente por norma de eficácia plena e imediata. Por conseguinte, nenhuma Lei Complementar poderá limitar o alcance desta garantia constitucional para permitir sua quebra por determinação do Ministério Público ou de autoridade administrativa. A quebra do sigilo bancário só poderá ser feita por autorização Judicial em razão da Supremacia do interesse público. É, portanto, cláusula pétrea.

Dessa forma, estes são os principais argumentos dos que defendem a impossibilidade de quebra com base no princípio da reserva de jurisdição, como sendo espécie de intimidade e privacidade amparada por norma constitucional de eficácia plena.

Em relação à imparcialidade, entende-se que não podem os órgãos ou poderes não autorizados pela Constituição quebrarem diretamente o sigilo bancário e assim afastarem o direito à privacidade, sob o pretexto de defenderem o interesse público, principalmente quando não tem o dever de imparcialidade, pois no caso do Fisco, este atua na qualidade de parte na relação jurídica, esse é o entendimento do Ministro Marco Aurélio Mello, do STF.

Sobre o princípio do devido processo legal, a Carta Magna diz que “ninguém será privado da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, art. 5º, LIV. Devido processo legal abrange todos os demais princípios constitucionais, como o princípio da reserva de jurisdição, da imparcialidade, da legalidade, dentre outros.

Assim, argumenta-se, com base nesse princípio, que eventual prova obtida em decorrência da quebra de sigilo bancário sem a autorização judicial, fere o devido processo legal, caracterizando-se como prova ilícita, não sendo admissível no processo, por imperativo constitucional (ROCHA, 2010).

Nesse ponto, cumpre esclarecer que apesar da existência de várias Adins contra o artigo 6º da Lei complementar, o Fisco cada vez mais vem quebrando o sigilo bancário dos contribuintes, o que culminou com as recentes decisões da Corte Constitucional, em matéria de sigilo bancário.

Em recente decisão, o STF, julgando o RE nº 389.808-PR, no dia 15/12/2010, cujo relator foi o Ministro Marco Aurélio, que questionava a constitucionalidade do artigo 6º da Lei complementar 105/2001, julgou que a Fazenda/Receita não pode quebrar o sigilo bancário sem a intervenção do Poder Judiciário.

Nesse julgamento, importante destacar o voto do Ministro Celso de Mello, conforme trecho abaixo:

Esse tema ganha ainda maior relevo, se se considerar o círculo de proteção que o ordenamento constitucional estabeleceu em torno das pessoas, notadamente dos contribuintes do Fisco, objetivando protegê-los contra ações eventualmente arbitrárias praticadas pelos órgãos estatais da administração tributária, o que confere especial importância ao postulado da proteção judicial efetiva, que torna inafastável, em situações como a dos autos, a necessidade de autorização judicial, cabendo ao Juiz, e não à administração tributária, a quebra do sigilo bancário.

 

Assim, entendeu-se que somente pode-se afastar o sigilo dos dados bancários por determinação do Poder Judiciário, até mesmo por que não há por parte do Fisco, em relação ao contribuinte, a posição de eqüidistância, não dispondo de imparcialidade, e ainda mais porque o artigo 145, § 1º da Carta Magna exige que se respeitem os direitos fundamentais dos contribuintes.

Assim, entendeu-se que os direitos do Estado encontram limites nos direitos dos indivíduos, não podendo o Fisco se utilizar de prerrogativas que ofendam os princípios constitucionais.

A jurisprudência do STF reconhece o direito de romper o sigilo às CPI´s, porque estas tem expressa previsão constitucional dando-lhes poderes próprios das autoridades judiciais sempre havendo controle do Poder Judiciário para evitar excessos (CF/88, art. 58, § 3º),.

Entende-se, naquele Excelso Pretório, que nem mesmo o Ministério Público pode, apesar de fiscal da lei, quebrar o sigilo sem autorização judicial, pois não lhe é conferido pelo artigo 129, III da Magna Carta, por isso pergunta-se: se nem o Ministério Público, mesmo agindo como fiscal da lei, tem o direito de quebrar o sigilo financeiro sem intervenção do Poder Judiciário, o que dizer então dos agentes do Fisco que são parte interessada na relação tributária?

Argumenta-se que o dispositivo contido no artigo 6º não encontra amparo na Constituição Federal, pois a quebra do sigilo bancário do contribuinte somente pode ocorrer através de ordem judicial e não por meio de ato da Administração, assim, considera-se que a referida quebra pela Receita violadora do sigilo de dados, da intimidade e da privacidade (ROCHA, 2010).

Posicionamento Favorável à Lei Complementar

Argumenta-se que não há previsão expressa na Constituição protegendo o sigilo bancário e que, além disso, não há direito absoluto, intocável, que seja incapaz de ser restringido, pois nem mesmo o direito à vida é inatingível (PAULSEN, 2010).

Nesse sentido, aduziu Barroso (2006) que não há na Constituição Federal qualquer previsão expressa de reserva de jurisdição em relação ao sigilo, nem sobre a intimidade e vida privada, e entender diversamente seria inserir cláusula que não está prevista na Lei Maior.

Desse modo, não há que se falar em matéria de interferência exclusiva do Poder Judiciário, posto que os agentes da Administração somente estão exercitando um poder que lhe é atribuído pela constituição, ademais, não se retira da apreciação do Judiciário quaisquer excessos eventualmente praticados.

Embora haja o acesso do Fisco, sigilo se mantém, pois o que ocorre é apenas a transferência das informações bancárias aos agentes da fiscalização, não sendo razoável que sempre que se tenha necessidade de investigações sobre os dados financeiros dos contribuintes, seja provocado o Judiciário, e caso os investigados entendam terem sido lesados, podem sim provocar a atuação jurisdicional para fazer valer seus direitos.

Diz-se ainda que é perfeitamente preservado o devido processo legal, pois a quebra somente pode se dar se houver procedimento fiscal em curso e se resguardados as garantias da ampla defesa e do contraditório, visto que ao sujeito passivo é dado o direito de contradizer, informar seus dados, impugnar e produzir provas.

E por fim, defende-se que não há que se falar em quebra do dever de imparcialidade, pois nesse caso, o Fisco estará agindo como ente impessoal, haja vista que busca a proteção do interesse público, não podendo prejudicar nem beneficiar outras pessoas.

O entendimento dessa segunda corrente é no sentido de que a Lei pode autorizar outras autoridades do Poder Público a relativizarem a privacidade e a intimidade, desde que estejam presentes os requisitos da indispensabilidade da medida, que o procedimento seja sigiloso e que a providência busque unicamente a finalidade pública.

Ponderação de Interesses

Carvalho Filho (2008) aduziu que a doutrina moderna busca obter a melhor interpretação quando do estudo da configuração das normas. Segundo ele, as normas em conflito resultam na prevalência de uma em detrimento de outra, enquanto que no conflito entre princípios utiliza-se a ponderação de interesses, e nesse caso não ocorrerá a nulidade de um sobre o outro.

Segundo esse princípio, havendo conflito entre dois ou mais direitos e garantias fundamentais, é necessário buscar a harmonização, procurando sempre evitar o total detrimento de um em face do outro para dar harmonia aos comandos constitucionais.

Se o direito ao sigilo bancário não é absoluto, tampouco é o Poder de Fiscalização, devendo o operador do direito, ao se deparar com um caso assim, agir com razoabilidade, evitando excessos, abusos e se pautando pela proporcionalidade.

Esse princípio foi invocado no julgamento do seguinte caso pelo TJ/DF, cuja relatoria ficou a cargo do Des. Lécio Resende:

 

CIVIL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – DIREITO À PRIVACIDADE – DEVIDO PROCESSO LEGAL – PONDERAÇÃO – QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA MANTIDA. Em casos de aparente conflito entre princípios constitucionais, ao julgador incumbe o dever de, em exercício de ponderação corroborado com as circunstâncias concretas do caso analisado, fazer com que prevaleça um dos direitos em detrimento do outro. Embora o processo judicial tenha, em regra, como um de seus princípios basilares a publicidade, importa ressaltar a inexistência de provas de que a quebra de seu sigilo bancário tenha sido em proporção tal ao ponto de culminar com o alegado dano moral.

Assim, trata-se da necessidade de compatibilização de princípios, a fim de evitar antinomias entre eles. Cumpre ao aplicador do direito verificar que em certos casos um princípio apresenta peso menor que o de outro, não podendo haver a conclusão de que um é superior ao outro, pois todos os princípios devem viver equilibrados e na permanente busca de harmonia.

Deve-se ter em mente que não é a Lei Complementar objeto deste estudo inconstitucional, pois na verdade sempre deve ser verificada a proporcionalidade entre o meio utilizado e o fim a ser alcançado, devendo evitar-se a utilização de mecanismos excessivos, que sejam além dos limites permitidos no caso concreto.

Assim, nesse trabalho mostra-se evidente o conflito entre normas constitucionais e infraconstitucionais, devendo ser resolvida tal colisão através dos princípios de interpretação constitucional, dentre os quais, abaixo serão citados os principais.

O primeiro deles é Princípio da Unidade da Constituição que exige do intérprete a análise da Constituição na sua globalidade, não apenas vendo as normas como preceitos isolados e dispersos, mas como regras integradas num sistema jurídico unitário. Ele visa evitar contradições entre as normas do Código Maior, obrigando o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar.

Outro princípio muito importante é da força normativa da constituição, que diz que as demais normas devem ser interpretadas a partir da Constituição. A força normativa da Constituição consiste, pois, na pretensão de eficácia, na normatividade que as Constituições jurídicas possuiriam dentro de determinada realidade política e social, a determinar, de forma contínua, a sua máxima aplicação e efetivação, como forma de se garantir o cumprimento das finalidades das normas jurídicas constitucionais e, em último caso, da própria Constituição (HESSE, 1991).

Cite-se também os princípios da máxima efetividade, do efeito integrador e da conformidade funcional, dentre outros que auxiliam o operador do direito na interpretação das normas do sistema jurídico, porém, como já frisado, a ponderação de interesses é o princípio mais adequado em matéria de sigilo bancário, pois se pauta pelos critérios da razoabilidade, proporcionalidade e necessidade.

CONCLUSÃO

Após esse estudo, chegou-se à conclusão de que embora não haja previsão expressa do sigilo bancário na Constituição Federal, o STF entende que encontra fundamento nessa Carta Magna, no artigo 5º, X, consubstanciado na proteção que se dá à intimidade e à vida privada.

Esse mesmo entendimento vem sendo adotado pelo tribunais pátrios e pela maioria da doutrina e utilizado para fundamentar a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001.

Não há na doutrina consenso sobre a distinção entre a intimidade e a vida privada, sendo estes direitos marcados pela relatividade.

Intimidade e vida privada são conceitos relativos e muito próximos, mas diferentes, pois intimidade está ligada aos aspectos mais profundos de um indivíduo, que não pode ser compartilhados sem que o seu titular autorize, enquanto que a vida privada possui um âmbito de abrangência maior, podendo ser compartilhada com outras pessoas, mesmo sem autorização de seu titular, mas exige que sejam afastados do público. Assim, a intimidade seria um dos elementos da vida privada.

Sobre o sigilo bancário, verificou-se que a maioria dos tribunais brasileiros tem entendido que constitui direito fundamentado nos dispositivos constitucionais previstos no artigo 5º, X, apesar de haver posicionamentos que defendem não haver norma expressa que traduza o sigilo na Constituição Federal.

Em relação à constitucionalidade da Lei Complementar número 105/2001, conclui-se que ela é perfeitamente constitucional, visto que embora o sigilo bancário tenha por fundamento aqueles direitos previstos no Texto Constitucional, deve-se observar que não tem caráter absoluto, pois nem mesmo o direito à vida o tem. Ademais, verificou-se que o patrimônio não se confunde com intimidade e nem com privacidade.

A intimidade e a privacidade derivam dos direitos da personalidade, fazem parte dos direitos naturais, enquanto que o sigilo bancário deriva do poder econômico, estando intrinsecamente ligados aos aspectos financeiros das pessoas.

A quebra de sigilo pela autoridade fiscal, sem ordem do Poder Judiciário reveste-se de constitucionalidade, pois na verdade o que são obtidos são apenas números, não havendo divulgação desses resultados nem identificação da forma como esses valores foram gastos.

Igualmente, é constitucional porque embora o fisco possa ter acesso sem ordem judicial, fica claro que o Poder Judiciário tem o controle dos atos abusivos, ficando os agentes da administração sujeitos às sanções civis e criminais em caso de quebra injustificada do sigilo.

Ademais, trata-se de mera transferência de informações das instituições financeiras aos entes de fiscalização, e que a própria Carta Magna prevê essa possibilidade quando trata da permissão aos agentes do fisco de identificação dos bens, rendimentos e patrimônio do sujeito passivo, para fins de avaliação da capacidade contributiva dos indivíduos.

Assim, entende-se que o sigilo bancário não pode ser considerado dogma constitucional, vez que nenhum direito e garantia individual o é, além disso, não deve servir como escudo para a prática de delitos, principalmente diante dos crimes de sonegação fiscal e de lavagem de dinheiro, onde vultosas quantias são retiradas ilicitamente dos cofres públicos e acabam saindo do país rumo aos paraísos fiscais do exterior.

Diante disso, discorda-se do entendimento do Supremo Tribunal Federal em matéria de sigilo bancário, vez que a LC 105/2001 reflete a supremacia do interesse público sobre o interesse particular, quando busca garantir ao Estado a possibilidade de analisar extrajudicialmente os dados bancários do contribuinte para fins apuração de práticas criminosas e sonegação fiscal, desde que haja procedimento administrativo em curso e verificando-se que ao sujeito passivo é garantido o contraditório a ampla defesa.

A importância da quebra de sigilo previsto na lei complementar nº 105/2001 está justamente na garantia do interesse público sobre o particular, onde, de modo geral, toda a sociedade é beneficiada, além disso, preserva-se o Estado contra os crimes financeiros.

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1Contribuinte é aquele que realiza o fato gerador da obrigação tributária. (Amaro, 2008)

Sobre os autores
Willame Parente Mazza

Auditor fiscal da Fazenda Estadual. Mestre em Direito com ênfase em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília. Pós graduado em Direito Tributário. Pós graduado em Direito público e Pós graduado em Controle na Administração pública. Professor de Direito no Ensino Superior.

Herberth dos Santos Silva

Bacharel em Direito pela FACID-Teresina-PI, especialista em direito penal e processual penal, Advogado (licenciado), atualmente exercendo a função de Assessor Jurídico do TJ/PI (5ª Vara de Família e Sucessões) e professor de Noções de Direito, Política e Cidadania no Colégio CEV.

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Artigo apresentado quando da avaliação de TCC na graduação em Direito.

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