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A autonomia privada e a relação de emprego sob a perspectiva do direito individual do trabalho

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Agenda 24/03/2016 às 11:23

Os princípios e direitos trabalhistas acabam por funcionar, em regra, como limites à autonomia privada, afinal a liberdade plena de negociação por vezes esbarra no princípio da proteção ou no leque de direitos fundamentais dos trabalhadores consagrados na Constituição.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO 2 OS DIREITOS TRABALHISTAS À LUZ DA AUTONOMIA PRIVADA 2.1 OS DIREITOS TRABALHISTAS COMO DIREITOS SOCIAIS 2.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO 2.2.1 Princípio Da Proteção 2.2.2 Princípio Da Irrenunciabilidade Dos Direitos Trabalhistas 2.2.3 Princípio Do Não-Retrocesso Social 3 A AUTONOMIA PRIVADA E A RELAÇÃO DE EMPREGO SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO 3.1 CONCEITO DE AUTONOMIA PRIVADA INDIVIDUAL 3.2 RELAÇÃO DE EMPREGO COMO NEGÓCIO JURÍDICO E SEUS REFLEXOS NA AUTONOMIA PRIVADA INDIVIDUAL 4 AUTONOMIA PRIVADA INDIVIDUAL E NEGOCIAÇÃO (OU DISPONIBILIDADE) DE DIREITOS TRABALHISTAS 4.1 GRAU FRACO, QUASE INEXISTENTE: RELAÇÕES TÍPICAS, ONDE SE CONSTATA DESEQUILÍBRIO GRANDE 4.2 GRAU MÉDIO: RELAÇÕES ONDE HÁ ALGUMA POSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO 4.3 GRAU ALTO: GARANTIA DA LIBERDADE NEGOCIAL. CASO DE EMPREGADOS ALTAMENTE ESPECIALIZADOS E CELEBRIDADES 5 CONCLUSÕES REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

Uma das concepções mais difundidas do direito é aquela que o concebe como limitador da liberdade. Nesse sentido, ante sua estrutura relacional (direito como ordenador de condutas em caráter intersubjetivo), imporia que a limitação de liberdade de um sujeito corresponderia a oportunização a outro do exercício de sua liberdade.

No entanto, tal pensamento esquece que o direito não corresponde, muitas vezes, a um limitador da liberdade. Consagrado no caput do art. 5ª da Constituição Federal de 1988, a liberdade é vista sob a perspectiva de direito fundamental, fazendo parte do chamado mínimo existencial garantido a todo cidadão.

Noutras palavras, ao revés de limitar, o direito é fomentador da concretização plena da liberdade humana. Isso acontece, por exemplo, diante da autonomia privada, quando a liberdade negocial das partes permite a autorregulação de suas relações sociais.

Nesta senda, revela-se a importância da autonomia privada no ordenamento jurídico brasileiro, como expressão de um direito fundamental de liberdade e livre iniciativa consagrados no texto constitucional em seus artigos art. 5º, caput e art. 170.

Mas como compatibilizar essa liberdade negocial com os ramos do direito, onde há uma patente tutela protetiva?

No campo dos negócios jurídicos e contratos, a autonomia privada revela-se com extrema força, afinal nestas relações é visível a paridade dos sujeitos que desejam negociar e contratar. Dessa forma, a liberdade negocial ganha um destaque e importância, dada a sua característica de protagonista no desenvolvimento do negócio jurídico.

Já no campo do direito do trabalho, ramo considerado em sua essência protetivo, poder-se-ia pensar que a autonomia privada encontra-se mitigada ou mesmo inexistente. Deseja-se saber, ao longo da pesquisa, as verdadeiras interações entre a autonomia privada e a essência protetiva do direito do trabalho, pautando-se na relação individual de emprego.


2 OS DIREITOS TRABALHISTAS À LUZ DA AUTONOMIA PRIVADA

A autonomia privada não se baseia somente na autodeterminação e liberdade dos sujeitos para a formação de negócios jurídicos, tal como era visto com a autonomia da vontade[2]. Na teoria da autonomia privada não bastaria o puro consenso suficiente para criar direito. É imprescindível ou que este consenso seja previsto como legítimo pelo ordenamento jurídico, ou, ao menos, que este consenso não seja proscrito pelo ordenamento jurídico.

Noutras palavras, não bastaria a manifestação de vontade para que os sujeito se obrigassem, senão era necessária observância de certos pressupostos de validade[3].

Partindo-se do pressuposto de que a autonomia privada consiste numa liberdade de negociação dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, cabe por ora analisar a autonomia privada dentro da relação de emprego.

Primeiramente, tem-se que se ter em mente que os direitos trabalhistas são direitos fundamentais sociais, passíveis de proteção estatal. Tal proteção é vista sob um prisma intervencionista, de modo que o Estado consagra certos direitos trabalhistas, permitindo um melhor desenvolvimento da relação de emprego.

Ademais, observa-se que a relação individual de emprego é pautada no princípio da proteção, em razão da constatação de que a mesma encontra-se desequilibrada, como será abordado adiante. Ainda mais, os direitos trabalhistas estão sujeitos ao princípio do não – retrocesso social, de sorte que os direitos sociais já concretizados e efetivados não podem retroceder diante de normas ordinárias.

Questiona-se se a existência de tais princípios trabalhistas, aliados ao fato de se tratarem os direitos trabalhistas de direitos sociais, poderia aniquilar ou limitar substancialmente a autonomia privada ou se a mesma poderia conviver harmonicamente com tais princípios. Tratar-se-á disso agora.

2.1 OS DIREITOS TRABALHISTAS COMO DIREITOS SOCIAIS

Não é incorreto afirmar que a origem dos direitos sociais confunde-se com a própria história do direito do trabalho, afinal o direito do trabalho nasce do confronto entre as disparidades sociais e o labor do período industrial. Ao mesmo tempo, tem-se o nascimento dos direitos sociais, pautados numa possibilidade de exercícios dos direitos garantidos pelo Estado[4].

Assim, os direitos sociais podem ser vislumbrados como direitos fundamentais[5] de segunda dimensão, decorrentes de transformações econômicas e sociais ocorridas nos séculos XIX e XX.

A revolução industrial proporcionou um crescimento econômico acelerado, desconhecido para as épocas próximas, muitas vezes regidas pela agricultura e tecelaria. No entanto, a prosperidade econômica visualizada na época não foi gozada por uma maioria. Essa grande quantidade de pessoas, em verdade, foi prejudicada pelo desenvolvimento industrial sob a ótica de que não puderam garantir a efetivação de seus direitos de liberdade e igualdade, ainda que formal, em sua plenitude.

O Estado já não era mais capaz de garantir uma harmonia nas relações sociais. Em razão disso, os séculos em questão foram palco de grandes manifestos por melhoras nas condições de trabalho enfrentadas pelos operários, por um direito à saúde, à educação, dentre outros. Segundo George Marmelstein, a própria Igreja Católica, que vinha se mantendo neutra nos conflitos entre os trabalhadores, publicou em 1891 a encíclica Rerum Novarum, na qual criticava as condições de vida das classes trabalhadoras e apoiava o reconhecimento de vários direitos trabalhistas – embora consideradas ideias disseminadas de Karl Marx[6].  

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É nesse contexto que surgem os direitos fundamentais de segunda dimensão. O Estado não poderia mais se manter inerte diante das injustiças sociais. Deveria este atuar positivamente na efetivação dos direitos que garantissem as necessidades mínimas do ser humano, proporcionando o chamado Welfare State, ou Estado do bem-estar social.

Isso não significava que o Estado deveria abandonar o capitalismo. Pelo contrário, o Estado do bem-estar social partia da premissa garantidora dos alicerces do capitalismo, como a livre iniciativa e a garantia da propriedade privada, mas não se esquecia dos direitos garantidores de uma vida digna para o indivíduo.

Embora já houvesse notícias desses direitos nas Constituições francesas de 1793 e 1848, bem como na Constituição Alemã de 1849 e na Constituição Brasileira de 1824, foram as Constituições Mexicana de 1917 e Alemã de Weimar que primeiro, efetivamente, positivaram esses direitos[7].  Verificam-se, pois, os chamados direitos sociais, direitos do indivíduo perante o Estado. São típicos exemplos desses direitos os direitos trabalhistas, direito à saúde, direito à educação, direito à assistência e previdência social.

Como assevera Ingo Sarlet, a nota distintiva desses direitos é a sua dimensão positiva, já que não se cuida mais da liberdade do e perante o Estado, senão da liberdade por intermédio do Estado[8].

A distinção entre a primeira e a segunda dimensões, basicamente, para Antonio-Enrique Pérez Luño, baseia-se no fato de que os direitos de primeira geração são considerados como direitos de defesa das liberdades do indivíduo, exigindo do Estado uma atitude passiva e de vigilância em termos de polícia administrativa, enquanto os direitos fundamentais de segunda geração, direitos de participação, exigem do Estado uma política ativa para garantir o seu exercício[9].

Vale ressaltar que os direitos de segunda geração abordam também as chamadas “liberdades sociais”, como a liberdade de sindicalização e o direito a greve, representando um caráter negativo, de abstenção por parte do Estado, bem como o reconhecimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores[10].

Desta forma, é fácil visualizar os direitos trabalhistas como direitos fundamentais sociais, afinal não basta que o Estado se abstenha de violar os direitos trabalhistas, mas sim deve garantir os mesmos, de forma participativa, a fim de permitir o exercício destes direitos.

No momento em que o Estado passou a intervir, de uma forma ou de outra, no processo econômico e nas relações laborais, garantindo direitos trabalhistas de cunho social, inaugurou-se uma nova fase da história do trabalho, rompendo com o paradigma tão conhecido e disseminado na revolução industrial[11].

A intervenção estatal ganha força em razão da constatação de que a relação de emprego é, em sua gênese, desequilibrada. Tem-se, de um lado, o empregador, detentor de um poder social e econômico e, de outro, o trabalhador, parte débil da relação de emprego.  A necessidade de expansão da legislação trabalhista no sentido protetivo vem do ideal marxista de que o proprietário era quem massacrava o operário e não lhe repassava o total daquilo que era por seu direito, colocando-o em situação de inferioridade e carente de proteção estatal[12].

A legislação trabalhista vem justamente para equilibrar a relação de emprego, caracteristicamente desequilibrada. Com isso, o direito do Trabalho desenvolve alguns princípios, buscando a proteção do trabalhador e melhoras na prestação laboral. Exemplo disso é o princípio protetor.

2.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO

O direito do trabalho, como foi visto, nasceu da constatação de que não bastava ao Estado se abster de violar direitos. Era necessária a consagração destes direitos, dados os abusos existentes à época da revolução industrial.

O desenvolvimento do direito do trabalho, portanto, veio acompanhado do desenvolvimento de princípios protetivos, capazes de consagrar os direitos fundamentais do cidadão na sua condição de trabalhador e cidadão.

O pilar maior desses princípios é o princípio da proteção.

2.2.1 Princípio Da Proteção

No contrato de trabalho é marcante a existência de uma relação desigual. Observa-se que os sujeitos da relação trabalhista estabelecem uma relação juridicamente igual, mas faticamente desigual, por diversos motivos. Um deles é a detenção do poder econômico pelo empregador.

Este pode ser traduzido em um poder social que advém de uma supremacia capaz de interferir na autodeterminação do empregado, tanto no momento de contratar, como durante a prestação do contrato de trabalho, já que o empregado é parte hipossuficiente, necessitado, a qualquer custo, daquele trabalho para seu sustento e de sua família[13].

Constata-se que deve haver uma proteção da parte mais débil da relação de emprego, dada a marcada inferioridade existente. É em razão da hipossuficiência do trabalhador que o princípio protetor surge no ordenamento jurídico brasileiro.

Nas palavras de Plá Rodriguez[14], o “legislador não pôde mais manter a ficção de igualdade existente entre as partes do contrato de trabalho e inclinou-se para uma compensação dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável.”

Note-se que o autor reconhece existir uma desigualdade fática no contrato de trabalho, desigualdade esta capaz de ensejar uma proteção jurídica das normas de direito material favoráveis ao empregado, que é, repise-se, hipossuficiente na relação de emprego.

Segundo Pinho Pedreira[15], o motivo desta proteção é a inferioridade do contratante amparado em face do outro, cuja superioridade lhe permite, ou a um organismo que o represente, impor unilateralmente as cláusulas do contrato, que o primeiro não tem a possibilidade de discutir, cabendo-lhe aceitá-las ou recusá-las em bloco.

Pinho traz a baila os ensinamos de Gerard Couturier, que afirma existir 3 espécies de inferioridade: a inferioridade constrangimento; a inferioridade ignorância e a inferioridade vulnerabilidade.

A inferioridade constrangimento afeta o consentimento do contratante fraco em seu componente de liberdade. Ele não é livre para aceitar ou recusar. É o que acontece na celebração do contrato de trabalho. Couturier fala em subordinação pré-existente ao contrato, reportando-se às considerações de G. Poulain sobre a desigualdade de fato, que desempenha um papel fundamental no limiar da relação de trabalho quando à dependência econômica se junta freqüentemente a desigualdade intelectual, pondo o trabalhador à mercê do empregador.

Essa inferioridade é chamada de subordinação virtual. Essa espécie de inferioridade não deve ser tomada em consideração somente quando da conclusão do contrato, mas também durante toda a relação de trabalho, quando o empregado se acha em face do empregador numa situação que não lhe permite exprimir uma vontade realmente livre.

A inferioridade ignorância ocorre quando um dos contratantes é um profissional e o outro é leigo. Nas relações de trabalho é de recear que ao trabalhador faltem informações sobre as condições de admissão e as características do emprego em vista. É essa inferioridade ignorância do empregado que explica o desenvolvimento no regime do contrato de trabalho de obrigações de informação e de um formalismo informativo.

A inferioridade vulnerabilidade se exprime em exigências de segurança física. Ainda é conseqüência da subordinação em que o contrato coloca o empregado. Esta e também mais precisamente certas obrigações contratuais particulares do assalariado são suscetíveis de por em causa suas liberdades fundamentais. Todas as precauções devem ser adotadas para que a subordinação do trabalhador fique limitada à prestação do trabalho e para que, mesmo na execução deste, o respeito à pessoa e às suas liberdades inalienáveis prevaleça.

Guardar-se-á a informação a respeito da inferioridade constrangimento para a discussão acerca da autonomia privada e o direito individual de trabalho.

Observa-se que outra justificativa para a existência de um princípio protetor é a subordinação jurídica como elemento da relação de emprego, de modo a conferir ao empregador certos poderes para alcançar os fins desejados no âmbito da relação de emprego.[16]

O artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – confere ao empregador poder diretivo, fiscalizador e sancionador. Estes poderes representam o conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas à organização e estruturação empresarial, incluindo o processo de trabalho adotado na empresa, com estabelecimento de regras e orientações no tocante às condutas dos empregados dentro do estabelecimento[17].

Em síntese, o poder diretivo é o poder que o empregador tem de dar ordem de serviço ao empregado. Contudo, essas ordens devem obedecer os limites morais, legais e contratuais. Essas ordens devem ser fiscalizadas, de maneira a ensejar o poder fiscalizador. O poder de punir, por fim, é conferido ao empregador para que este estabeleça sanções diante de determinadas condutas praticadas pelo empregado.

O exercício desses poderes, aparentemente, não traria malefício algum ao empregado. Contudo, as formas de controle e fiscalização, o modo como essas são exercidas e o estabelecimento de certas punições de caráter vexatório ou ilegal podem extrapolar a proporcionalidade esperada, de modo a atentar ou violar direitos fundamentais do trabalhador.

Ainda a existência destes poderes pode deixar o trabalhador numa posição de inferioridade, afinal a ameaça de punição, por exemplo, poderia fazer com que o empregado deixasse de reivindicar certos direitos seus ou mesmo aceitasse certas condições de trabalho desfavoráveis.

Decorrentes do princípio da proteção, tem-se o princípio do indubio pro operário, da condição mais benéfica e da norma mais favorável.

De acordo com o princípio do indubio pro operário, na dúvida, a interpretação deve ser feita em favor do obreiro. Em todos os ramos jurídicos o princípio de do indubio pro operario tem a mesma causa determinante de interpretação: o favor pela parte mais fraca da relação jurídica[18].

Visualiza-se no direito do direito do trabalho, como parte mais fraca da relação de emprego, o obreiro, de sorte que o princípio de favor deve beneficiar tal classe diante de uma existente e real dúvida na interpretação da norma em questão.

De acordo com o princípio da norma mais favorável, em curta síntese, determina-se que, no caso de haver mais de uma norma aplicável, deve-se optar por aquela que seja mais favorável, ainda que não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas[19].

Já o princípio da condição mais benéfica revela que, diante de uma sucessão normativa, deve-se ter por permanente a condição mais favorável ao trabalhador. O princípio da norma mais favorável e da condição mais benéfica apresentam de comum um fato de depender a sua aplicação da existência de uma pluralidade de normas, diferenciando-se porque o princípio da norma mais favorável supõe normas com vigência simultânea e o princípio da condição mais benéfica sucessão normativa[20].

Em suma, enxerga-se no direito do trabalho um aparato principiológico na busca da proteção do obreiro. Destarte, as relações trabalhistas devem estar pautadas nessa proteção da parte mais fraca, em razão de sua inferioridade. Mas isso significa que os direitos trabalhistas são irrenunciáveis? É o que se vê agora.

2.2.2 Princípio Da Irrenunciabilidade Dos Direitos Trabalhistas

Primeiramente, cumpre salientar que é característica dos direitos sociais serem os mesmos inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis.

Não há a possibilidade de transferência dos direitos fundamentais, seja a título gratuito ou oneroso. Por isso, observa-se nos direitos sociais a característica de serem inalienáveis, não estando à disposição do seu titular.

Observa-se ainda a notória imprescritibilidade dos direitos fundamentais, uma vez que estes não se perdem pelo decurso do prazo, sendo sempre exigíveis[21].

Afora isso, os direitos sociais não podem ser objeto de renúncias. Dessa característica, como entende Alexandre de Moraes, surge diversas discussões, como renúncia ao direito à vida e a eutanásia, aborto e suicídio[22].

A irrenunciabilidade, portanto, encontra-se presente no direito do trabalho, por ser o mesmo considerado um direito social. Segundo Américo Plá Rodrigues, a irrenunciabilidade consiste na impossibilidade jurídica de privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio[23].

Segundo entendimento de Pinho Pedreira[24], a indisponibilidade, a imperatividade e conseqüente inderrogabilidade, todas de ordem pública e cogentes, como ainda a presunção de vício de consentimento nos atos jurídicos do empregado, resultante da sua subordinação ao empregador, conjugam-se para produzir a conseqüência da irrenunciabilidade de direitos do trabalhador como um dos princípios cardiais do mesmo direito.

Para o autor a irrenunciabilidade é a regra, afinal a finalidade do Direito do Trabalho imediata consiste na proteção jurídica ao trabalhador. E a legislação trabalhista não ficou à par de tal constatação. Consagra-se o princípio no artigo 9º da CLT, onde afirmar-se que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

Assim, quando o empregado renuncia seus direitos trabalhistas, favorecendo, em regra, o empregador, há de se considerar tal ato de disposição nulo, afinal o obreiro, parte débil da relação, não estava em condição de exercer plenamente sua autonomia privada, de sorte que o ato pode ser considerado fraudulento, desvirtuativo ou impeditivo de consagração dos princípios trabalhistas.

Ainda o artigo 468 da CLT afirma que a alteração nos contratos individuais só é lícita por mútuo consentimento e se não causarem prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da referida alteração.

Dessa maneira, a irrenunciabilidade traz à baila que qualquer modificação prejudicial ao trabalhador será nula de pleno direito. No entanto, tal princípio é bastante discutido na seara trabalhista, sendo considerado, inclusive, por alguns, sem aplicabilidade.

Retornar-se-á a tal discussão quando se tratar da disponibilidade de direitos e autonomia privada.

2.2.3 Princípio Do Não-Retrocesso Social

De maneira alguma uma norma pode ser um retrocesso às conquistas obtidas ao longo do tempo. Sendo marcante a característica da historicidade[25] dos direitos fundamentais, não comportam retrocessos, quer sejam por supressão desses direitos ou enfraquecimento.

Para Canotilho, seria inconstitucional qualquer medida que tendente a revogar direitos fundamentais já regulamentados, sem a criação de meios alternativos de compensação[26].

Em razão disso, as normas de direitos fundamentais são consideradas cláusulas pétreas por força do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal de 1988. O Constituinte criou, portanto, uma barreira às retrocessões no tocante aos direitos fundamentais, fomentando a atitude estatal no sentido progressista.

No tocante ao não-retrocesso social em seara trabalhista, observa-se que o mesmo possui sede constitucional, de acordo com a parte final do caput do artigo 7º da Constituição. Segundo este artigo, “são direitos dos trabalhadores aqueles elencados em seus diversos incisos, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.

Ora, a partir do momento em que a Constituição consagra a existência de direitos dos trabalhadores que melhorem sua condição social, proíbe que ocorra uma piora nestes mesmos direitos, constituindo o fundamento base para a existência do princípio do não-retrocesso social em seara trabalhista.

Nas palavras de Ana Cristina e Edilton Meireles:

Ora, o que o legislador constitucional estabeleceu, no artigo 7º, foi uma série mínima e fundamental de direitos social-trabalhistas, preceituando, ainda, que outros direitos podem ser concedidos aos trabalhadores, desde que visem à melhoria de sua condição social. Daí se tem que não se pode admitir norma constitucional derivada (emenda) ou norma infraconstitucional que tenda a não gerar uma melhoria na condição social do trabalhador. Ela seria inconstitucional por justamente não preencher esse requisito constitucional da melhoria da condição social do trabalhador[27].

Assim, não se aceita, no direito do trabalho, um retrocesso diante dos direitos conquistados, de sorte que uma alteração prejudicial ao trabalhador implica em inconstitucionalidade ou invalidade do ato.

Sobre a autora
Adriana Wyzykowski

Atualmente é mestre em Relações Sociais e Novos Direitos, estando vinculada ao grupo Relações de Trabalho na Contemporaneidade da Universidade Federal da Bahia - UFBA. É especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto Excelência - Juspodivm. É professora da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, aprovada em concurso público para as cadeiras de Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Prática Trabalhista. É professora da Faculdade Baiana de Direito, ministrando aulas acerca das disciplinas Direito do Trabalho I e Direito do Trabalho II. É professora da Universidade Salvador - Unifacs, ministrando aulas acerca das disciplinas Processo do Trabalho e Direito do Trabalho. Foi professora substituta da Universidade Federal da Bahia - UFBA, ministrando a disciplina Legislação Social e Direito do Trabalho. É professora nos cursos de Pós Graduação do Juspodivm, Faculdade Baiana de Direito, Universidade Católica do Salvador - UCSAL, Universidade Salvador - UNIFACS, Instituto Mentoring e outros. Aprovada em concurso para professor assistente da Universidade Federal da Bahia para a cadeira de Legislação Social e Direito do Trabalho. Atua e pesquisa na área de Direito, com enfoque para pesquisa nas disciplinas Direitos Humanos e Fundamentais, Direitos Sociais, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WYZYKOWSKI, Adriana. A autonomia privada e a relação de emprego sob a perspectiva do direito individual do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4649, 24 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47411. Acesso em: 22 nov. 2024.

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