Palavras-chave: crime; conceito material; conceito formal; conceito analítico; conceito bipartido; conceito tripartido; teoria causalista; teoria finalista.
Sumário: 1. Introdução; 2. Definição legal; 3. Conceito formal de crime; 4. Conceito material de crime; 5. Conceito analítico de crime; 5.1 O crime como fato típico e antijurídico e a culpabilidade como pressuposto de aplicação da pena; 5.2. O crime como fato típico, antijurídico e culpável; 5.3. Análise doutrinária dos aspectos favoráveis e desfavoráveis a esses conceitos; 5.4 Diferenças na aplicação desses conceitos; 6. Conclusão; Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O crime em nossa sociedade consiste além de um fenômeno social, uma realidade. Ele está presente no dia a dia da população e não pode ser classificado apenas como um conceito imutável, estático, e único, no espaço e no tempo. O conceito de crime evoluiu e se modificou ao longo do tempo. Atualmente após várias modificações o Código Penal não traz mais em seu conteúdo a definição do que é crime como era o caso do Código Criminal do Império do ano de 1830 e o Código Penal de 1890, cabendo à doutrina a elaboração desse conceito.
Dessa forma o crime passou a ser conceituado de diferentes formas pelas inúmeras escolas penais. E dessas escolas ainda emanavam vários conceitos os quais ainda possuíam vertentes de subdivisão. Assim surgem os conceitos material, formal e o analítico. O conceito material se refere à definição real, que estabelece o conteúdo do fato punível. O conceito formal faz correspondência à definição nominal, a relação do termo com aquilo que ele designa. E o conceito analítico, que é de grande importância pois indica os elementos que constituem o crime. Assim o objetivo deste artigo será analisar e explicar cada um desses conceitos.
2. DEFINIÇÃO LEGAL
Segundo o art. 1° da Lei de Introdução do Código Penal (decreto-lei n. 2.848, de 7-12-1940):
“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.”
Entretanto, no Código Penal vigente não está expresso o conceito de crime, como continha nas legislações passadas, ficando a cargo dos doutrinadores o definirem e conceituarem. (MIRABETE, 2006, p. 42).
3.CONCEITO FORMAL DE CRIME
O conceito formal de crime parte do pressuposto de que crime consiste numa violação a lei penal incriminadora. Para Damásio de Jesus (1980, p.142) este conceito resulta do aspecto da tecnica jurídica, ou seja, do ponto de vista da lei. Em relação a este conceito abundam definições: Fragoso (1995, p.144) descreve o o conceito formal crime como uma conduta contrária ao Direito, a que lhe atribui pena; Pimentel (1990, p.96) diz que o conceito forma caracteriza o crime como sendo todo ato ou fato que a lei proíbe sobre ameaça de uma pena; conceituando-o como o fato ao qual a ordem jurídica associa a pena como legítima conseqüência.
Portanto esta idéia quanto ao crime chega a ser redundante, que a nada conduz, pode por conseguinte ser reduzida a seguinte afirmação: “crime é crime”.
Porém é necessário ressaltar que este conceito remonta da necessidade de certeza, e da eliminação da insegurança que atingia os juristas. E embora os direitos e garantias individuais estejam sedimentados no princípio da legalidade isso se traduz numa forma muito superficial quanto a aplicação prática desse conceito na definição do que é ou não um crime, , podendo se abalroar, se chocar, com as proprias normas existentes no Código Penal. Como é o caso do artigo 121 do Código Penal que fala sobre “matar alguém” embora o fato de matar alguém consista numa violação à lei penal incriminadora, e permitido praticá-lo em caso de legítima defesa.
4.CONCEITO MATERIAL DE CRIME
O conceito material, define o crime como uma ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-a com pena, porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem jurídico individual ou coletivo. Sendo assim o crime constitui um desvalor social. Segundo Luiz Alberto Machado (1987, p.78) o conceito material de crime busca a essência do delito, mediante a fixação de limites legislativos de incriminação de condutas.
Crime, segundo o conceito material, é a conduta praticada pelo ser humano que lesa ou expõe a perigo o bem protegido pela lei penal de acordo com Edgard Magalhães Noronha (1983, p.410).
A valorização desse conceito, inicialmente radical, pode ser encontrada através do desenvolvimento de correntes que caracterizavam o crime como fato social, ou como uma expressão de relação puramente economica de repressão (materialismo jurídico), na qual se utiliza o direito para compreender fatos economicamente valorados na qual a condição material de produção econômica exerceria um determinismo na estrutura que envolve o direito, a política, o indivíduo, a sociedade, etc.
Evidentemente essa corrente não poderia definir um conceito eficiente de crime, já que o direito não consiste num meio de dominação social, ou seja não pode constituir um mal para a sociedade, outro fato que o materialismo radical previa uma culpabilidade maior para os crimes contra o patrimônio em detrimento dos crimes contra a vida, já que estes afetariam as classes dominantes em seu instrumento básico de poder e seguindo essa linha de pensamento, este conceito explica o fato de o latrocínio possuir uma pena maior que o estupro seguido de morte e homicídio.
Os juristas aderiram a esta corrente afirmavam que o direito consistia numa subdivisão da sociologia, dessa forma caracterizavam o direito como um fato social, cuja a análise deveria ser também sociológica, essa doutrina é originária da afirmação de que o direito consiste num reflexo da sociedade, assim o crime seria uma ofensa ao corpo da sociedade sendo necessária a eliminação deste.
As falácias do conceito material de crime são definidas por Luiz Alberto Machado (1987, p.78) pelo fato de este ser detentor de uma amplitude conceitual que não serve à formulação dogmática por sua volatilidade e insegurança conceituais. Assim o conceito material puro é incompetente pois estabelece como crime, o dano, além do perigo de dano presumido, desobediência, etc.
A sociedade tenta classificar, o que foi citado anteriormente como sendo crime pelo grande fluxo de informações realizada pela mídia, cujo interesse primário é atrair audiência, proliferando toda a forma de fobias,terrores e medos, incitando a população a definí-los como tal. E embora a discriminalização de uma conduta emane da necessidade social apenas o legislador pode fazê-lo.
O conceito moderno material de crime defende que o crime seria um ato que ofende ou ameaça um bem jurídico tutelado pela lei penal, contrario ao conceito radical de crime material, que estabelece a proteção do bem material socialmente valioso (valor juridicamente protegido) segundo Rudolf Von Ilhering, assim o crime seria a "infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso” de acordo com Francesco Carrara (1956, p.45). Assim o conceito material moderno de crime passa a englobar outros bens jurídicos além do material como por exemplo o psicológico, moral, religioso, etc. E apesar de apresentar uma evolução em relação ao parâmetro anterior, apenas é possível obter o a forma mais exata de determinar o que é um crime através do conceito analítico de crime.
5. CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME
O conceito analítico de crime é dividido em duas vertentes: o bipartido e o tripartido. Para a teoria bipartida o crime é um fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade apenas responsável por dosar a pena. Já para a teoria tripartida, o crime é um fato típico, antijurídico e culpável. Tais conceitos sofrem indubitavelmente influência das teorias da ação, e as duas mais relevantes para o estudo dessas vertentes são a teoria causalista e a teoria finalista.
Para a teoria causalista a conduta consiste em um comportamento humano voluntário que produz uma modificação no mundo exterior. Nela a vontade é a causa da conduta, e a conduta é a causa do resultado.
O principal problema encontrado nessa teoria está no fato de ela não associar a conduta realizada no mundo exterior com o aspecto psíquico interior do autor, já que não analisa o conteúdo da vontade. A teoria causal ou clássica não estabelece uma diferença entre a conduta culposa da conduta dolosa, já que deixa de considerar a relação psíquica do agente para com o resultado. Sendo assim ela desloca para a culpabilidade, o dolo e a culpa, ou seja, o querer interno do agente que praticou a conduta.
A definição de conduta como um movimento corpóreo voluntário que produz uma modificação no mundo exterior, não apresenta argumentos para explicar os crimes os delitos como os de mera conduta, em que não se possui um resultado naturalístico, além dos delitos omissivos em que o agente responde porque não evitou o resultado, não cumprindo a norma que lhe impunha o dever de agir, além dos delitos em que o resultado não é produzido por circunstâncias alheias a vontade do agente.
Em função disso Hanz Welzel criou a teoria finalista aproximadamente no ano de 1930 ensinando que a conduta consiste no comportamento humano, consciente e voluntário, dirigido a uma finalidade, ou seja a conduta é um acontecimento final e não um procedimento puramente causal.
Na teoria finalista o dolo e a culpa integram a conduta que foi deslocada para o tipo. Sendo assim o finalismo retirou o dolo (elemento subjetivo) e a culpa (elemento normativo) da culpabilidade, transferindo a análise desses elementos para dentro do tipo penal.
5.1. O crime como fato típico e antijurídico e a culpabilidade como pressuposto de aplicação da pena
Para a bipartida, o crime é todo “fato típico, e ilícito”, logo, para esses, a culpabilidade não faz parte do conceito analítico de crime, sendo então apenas um pressuposto de aplicação da pena, logo, essa linha de raciocínio é seguida pelos doutrinadores como: Flávio Augusto Monteiro de Barros, Renê Ariel Dotti, Damásio de Jesus, Cleber Masson e Julio Fabrini Mirabete.
Quanto ao conceito bipartido apenas se encaixa na teoria finalista, já que o causalismo é compatível somente com o conceito tripartido, visto que situa o dolo e a culpa dentro da culpabilidade e, para o conceito bipartido, a culpabilidade não integra a estrutura do crime.
Diante dos modelos precedentes, a teoria finalista lança a concepção da ação, que passa novamente para o centro do debate teórico. Os partidários do finalismo, compreendiam que o ato criminoso deveria ser dirigido a uma determinada finalidade.
A ação passa a ser entendida como direção a um acontecimento real, uma atividade humana final. Segundo essa teoria a ação se dirige de maneira consciente a um determinado fim, dessa forma o indivíduo pratica uma ação executando um plano, com um fim próprio e dirigido. Essa concepção rompe com a teoria causalista, que apenas valoriza o objeto da ação.
O núcleo da teoria finalista gira em torno da consciência do fim; da vontade de reger o que vai acontecer; do fato de ser possível o agente prever as consequências de sua conduta.
A teoria final insere ao tipo um elemento subjetivo de conexão mental com relação ao resultado, ou seja o dolo que é compreendido como uma finalidade dirigida a realizar os elementos subjetivos do feito tipico.
Como resultado pode-se perceber que a tipicidade e a antijuridicidade passam a ser qualificadas na própria ação,subjetivando-as, onde também passa a se considerar a finalidade da conduta. Assim a antijuridicidade e a tipicidade não podem ser consideradas elementos puramente objetivos como defendia a corrente clássica e neoclássica, já que estas passam a possuir elementos tanto subjetivos como objetivos.
A partir desse conceito é observado que o conceito de culpabilidade leva em conta fatos como e exigibilidade da imputabilidade do agente e a possibilidade de este conhecer o caráter ilícito do fato praticado. Neste sentido o penalista Cláudio Brandão (2001, p.143) diz que a culpabilidade consiste num juízo que reprova o autor de um fato típico e antijuridico, quando é verificado a imputabilidade e a consciência de antijutidicidade. Jair Leonardo Lopes (1999, p.139) diz que a culpabilidade é o juízo de reprovação que incide sobre o agente da ação, tendo ou podendo este ter consciência da ilicitude de sua conduta, e que ainda assim age de modo contrário ao direito quando lhe era exigível.
Os adeptos da corrente bipartida dizem que com a evolução da teoria da ação implementada pelo finalismo demonstrou-se estar o dolo e a culpa em sentido estrito insertos na conduta, que faz parte do fato típico, não fazendo mais sentido defender que a culpabilidade deve fazer parte do conceito de crime, sendo esta responsável apenas por dosar a pena.
5.2. O crime como fato típico, antijurídico e culpável
Para a teoria tripartida o crime é um fato típico e antijurídico e culpável. Esta linha de raciocínio é seguida por doutrinadores como Francisco Assis de Toledo, José Frederico Marques, Guilherme Nucci, David Teixeira de Azevedo, Hanz Welzel.
O conceito tripartido possui compatibilidade tanto com a teoria causalista como com a finalista, como foi dito anteriormente o próprio criador do finalismo definia o crime como um fato típico, antijurídico e culpável.
Na teoria causal o modelo de crime tem a seguinte configuração: o tipo é formal, sendo a descrição objetiva de uma modificação no mundo exterior. A antijuridicidade também é definida de maneira formal, como a prática de uma ação típica contrária ao direito. A culpabilidade é apenas psicológica, conceituada como uma mera relação psíquica, entre o agente e o fato, limitando a comprovar a existência de vínculo entre eles.
Já no finalismo o tipo continua a ser visto sob uma ótica material, e passa a conter o dolo e a culpa, em conformidade com o conceito finalista da ação. A ilicitude, passa a consubstanciar fundamentalmente no desvalor da ação. Por fim a culpabilidade se torna juízo de reprovação embasado no livre arbítrio, sendo composta pela imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial de consciência da ilicitude, o dolo e a culpa são deslocadas para o tipo.
Ambas as teorias da ação se encaixam no na teoria tripartida como diz Luiz Augusto Freire Teotônio (2002, p.63):
“Não é correta a afirmação de alguns doutrinadores de que o finalismo apenas se afina com a corrente, bipartida, que considera a culpabilidade como mero pressuposto de aplicação da pena. Welzel considerado o pai do finalismo, seus discípulos, bem assim os autores que introduziram a doutrina no Brasil, João Mestieri, Heleno Fragoso e Assis de Toledo, entre outros nunca disseram que o crime formava-se apenas pelo fato típico e ilícito, considerando a culpabilidade como um dos seus elementos ou requisitos.”
Na concepção atual da doutrina pátria temos uma clara divisão entre os finalistas estritamente alinhados ao pensamento de Welzel, que adotam o conceito tripartido de crime, e os finalistas dissidentes (no dizer de Luiz Flávio Gomes e Antonio Garcia Pablos Molina), que adotam o conceito bipartido.
5.3. Análise doutrinária dos aspectos favoráveis e desfavoráveis a esses conceitos
Francisco Assis de Toledo (1999, p.80), adota a concepção tripartida, sendo a sua posição a seguinte:
“Substancialmente, o crime é um fato humano que lesa ou expõe a perigo bem jurídico (jurídico-penal) protegido. Essa definição é, porém, insuficiente para a dogmática penal, que necessita de outra mais analítica, apta a pôr à mostra os aspectos essenciais ou os elementos estruturais do conceito de crime. E dentre as várias definições analíticas que têm sido propostas por importantes penalistas, perece-nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável.”
José Frederico Marques (1997, p.201) que também defende o conceito tripartido afirma:
“Para que o fato típico constitua crime não basta que seja antijurídico. O agente que praticou o fato lesivo de um bem jurídico, só terá cometido um crime se procedeu culposamente. A culpabilidade é inquestionavelmente um dos elementos do crime, e precisamente aquele elemento como diz Bettiol, que exprime, mais que qualquer outro a base humana e moral em que o delito tem suas raízes”.
Hanz Welzel (2001, p.69) diz que a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são os três elementos que convertem uma ação em delito. A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão vinculadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior.
Criticando a teoria bipartida, assevera Guilherme de Souza Nucci(2013, p.117) que com a exclusão da culpabilidade do conceito de crime teríamos que considerar criminoso o menor de 18 anos simplesmente porque praticou um fato típico e antijurídico ou aquele que, sob coação moral irresistível, fez o mesmo; o que sabidamente seria equivocado tecnicamente e ele ainda diz o seguinte:
“Crime, no conceito analítico é fato típico, antijurídico e culpável. Não importando a corrente (causalista, finalista ou funcionalista), o delito tem três elementos indispensáveis à sua configuração, dando margem à condenação. Sem qualquer um deles, o juiz é obrigado a absolver.
Fato típico: amolda-se o fato real ao modelo de conduta proibida previsto no tipo penal (ex.: matar alguém art. 121, CP).
Antijurídico: contraria o ordenamento jurídico, causando efetiva lesão a bem jurídico tutelado
Culpável: merecedor de censura, pois cometido por imputável (maior de 18 e mentalmente são), com conhecimento do ilícito e possibilidade plena de atuação conforme o Direito exige.
A tese de ser o crime apenas um fato típico e antijurídico nasceu no Brasil na década de 70 e já se encontra com os dias contados, salientando-se que jamais foi adotada fora do território nacional. Extirpar a culpabilidade do conceito de crime é um equívoco científico, pois é ela o elemento ético do injusto penal, que se concretiza crime.”
David Teixeira de Azevedo (1993, p.68) também se posiciona a favor do conceito tripartido, e critica a posição bipartida:
“A concepção do crime apenas como conduta típica e antijurídica, colocada a culpabilidade como concernente a teoria da pena, desmonta lógica e essencialmente a idéia jurídico penal de delito além de trazer sérios riscos ao Direito Penal de cariz democrático, porquanto todos os elementos que constituem pressuposto da intervenção estatal na esfera da liberdade-sustentação de um Direito Penal minimalista são diminuídos de modo a conferir-se destaque à categoria da culpa, elevada agora a pressuposto único da intervenção. Abre-se perigoso flanco à concepção da culpabilidade pela conduta de vida, pelo caráter, numa avaliação tão só subjetiva do fenômeno criminal. O passo seguinte é conceber o delito tão só como índice de periculosidade criminal, ao feito extremo da defesa social de Filippo Gramática, cuidando-se de assistir, para modificar o homem, seus valores, sua personalidade. É uma picada aberta ao abandono do Direito Penal do fato, pelo desvalor da conduta e acolhimento do Direito Penal do autor, de pesarosas lembranças.”
Os adeptos da corrente bipartida dizem que com a evolução da teoria da ação implementada pelo finalismo demonstrou-se estar o dolo e a culpa em sentido estrito insertos na conduta, que faz parte do fato típico, não fazendo mais sentido defender que a culpabilidade deve fazer parte do conceito de crime de acordo com Mirabete (2006, p.83). Quer dizer, segundo essa linha de pensamento, quando ainda predominava o causalismo faria sentido dizer que a culpabilidade era elemento integrante do crime, pois se entendia que o dolo e a culpa em sentido estrito seriam componentes da noção de culpabilidade; mas com o finalismo essa lógica deveria ser diferente.
Cleber Masson (2010, p.163) que apoia a teoria bipartida diz:
“Em primeiro lugar, no Título II da Parte Geral o Código Penal trata “Do Crime”, enquanto logo em seguida, no Título III, cuida “Da Imputabilidade Penal”. Dessa forma, crime é o fato típico e ilícito, independentemente da culpabilidade, que tem a imputabilidade penal como um dos seus elementos. O crime existe sem a culpabilidade, bastando seja o fato típico e revestido de ilicitude.
Em igual sentido, ao tratar das causas de exclusão da ilicitude, determina o Código Penal em seu art. 23 que “não há crime”. Ao contrário, ao relacionar-se às causas de exclusão da culpabilidade (arts. 26, caput, e 28, § 1º, por exemplo), diz que o autor é “isento de pena”.
Assim sendo, é necessário que o fato típico seja ilícito para a existência do crime. Ausente a ilicitude, não há crime. Por outro lado, subsiste o crime com a ausência da culpabilidade. Sim, o fato é típico e ilícito, mas o agente é isento de pena. Em suma, há crime, sem a imposição de pena. O crime se refere ao fato (típico e ilícito), enquanto a culpabilidade guarda relação com o agente (merecedor ou não de pena).”
Damásio de Jesus(1980, p.183) também defende a teoria bipartida:
“Cometida a infração penal (fato típico e ilícito), somente quando presente a culpabilidade poder-se-á impor pena ao sujeito. Note que o Código Penal, diante de situações em que não exista culpabilidade, declara ser o réu “isento de pena” (veja arts. 21, 22, 26 e 28). Não se refere a crime. Não diz “não há crime”, como acontece em face de excludentes da antijuridicidade (legítima defesa etc.). Logo, a culpabilidade incide sobre o autor do fato típico e antijurídico. Não sobre o fato.
Culpabilidade quer dizer censurabilidade, reprovação, reprovabilidade. É um juízo, elaborado pelo Juiz, sobre o homem que cometeu o crime, não sobre o fato. Se é juízo, encontrando-se na cabeça do Juiz, não pode estar no crime. Não recai sobre o fato, como a tipicidade e a antijuridicidade. O fato pode ser típico ou atípico, lícito ou antijurídico, mas não se apresenta culpado ou inocente. Nunca vi nenhum fato culpado entrando ou saindo de Tribunais. Encontrei homens. A locução “fato culpável”, para mim, é incorreta.
A culpabilidade constitui, ademais, medida da pena, uma vez que o Juiz, no processo de individualização (art. 5.º, inc. XLVI, da CF), deverá levar em conta o grau de reprovabilidade (ou censurabilidade) da conduta realizada pelo agente para dosar a sanção imposta. Aliás, não é por outra razão que o Código Penal insere a culpabilidade como a primeira das circunstâncias judiciais a serem analisadas na fixação da pena (art. 59, caput).
Reconhece-se que a doutrina moderna vem dando contornos à culpabilidade que extravasam a noção de reprovabilidade proposta há mais de um século no âmbito da teoria geral do crime, posição que não pode ser considerada firmada. Se a culpabilidade será, no futuro, compreendida como responsabilidade em vez de reprovabilidade, ou responsabilidade juntamente com reprovabilidade, é questão ainda a ser resolvida. Por ora, o certo é que nossa Constituição Federal erigiu o princípio da culpabilidade como um dos vetores fundamentais do sistema jurídico-penal pátrio, obrigando a que todas as nossas leis penais a vejam como juízo de valor, pressuposto e medida da pena.”
Já Renê Ariel Dotti (2005, p.337-339) se posiciona a favor do conceito bipartido e alega o seguinte :
“Embora a objeção de autores de prestígio mantenho o entendimento de que a culpabilidade é muito mais umpressuposto da pena que um elemento do crime. Dizem eles que a “tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são predicados de um substantivo, que é a conduta humana definida como crime” (Bitencourt (Manual, p. 1997). Ou então que “todos os ‘requisitos’ ou ‘elementos’ do crime são pressupostos da pena, (...)” (Cirino dos Santos, A moderna teoria do fato punível, p. 199). A culpabilidade é um juízo post facto. É é preciso entender o sentido finalístico da conclusão: a culpabilidade está em relação indissociável com a pena. A culpabilidade não está no fato (conduta típica e ilícita) mas na reprovação do autor. Insisto: “o crime, visto como ação tipicamente ilícita é um fenômeno distinto e separável da pena cuja imposição depende dos pressupostos da imputabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa, i.e., da culpabilidade” (dotti, Curso, p. 337). A culpabilidade é um juízo (posterior) sobre a conduta (pretérita). A pena é um efeito dacausa que é o crime. A opinião de Damásio de Jesus: “A culpabilidade é pressuposto da pena e não requisito ou elemento do crime. Como observa René Ariel Dotti, instigador da alteração de nosso entendimento a respeito da matéria, em face de seu atual desenvolvimento, a culpabilidade deve ser tratada como um pressuposto da pena, merecendo, por isso, ser analisada dentro desse quadro e não mais em setor da teoria geral do delito”.(Direito Penal, p. 452/453). Opinião de Luiz Flávio Gomes: “a culpabilidade, desde o advento da concepção normativa, é juízo de valor (ou de valoração) que recai sobre o agente do fato ou injusto punível. (...) “Discute-se se a culpabilidade recairia sobre o autor do fato ou sobre o próprio fato. Para aqueles que admitem a culpabilidade como requisito do delito, a tendência é afirmar que a culpabilidade incide sobre o fato. Para os que concebem a culpabilidade fora do fato punível (como nós), parece não haver dúvida que a culpabilidade é juízo de valor que recai, desde logo, sobre o autor do fato punível. A culpabilidade (como juízo de valoração) recai em primeiro lugar sobre o autor, porém, não sobre qualquer autor, senão sobre o autor de um fato punível. Os requisitos do fato punível (tipicidade, antijuridicidade e punibilidade) são seqüenciais e lógicos. O segundo depende do primeiro. O terceiro depende dos dois anteriores. A pena, por seu turno, depende de todos os requisitos do fato punível e ainda da culpabilidade e da necessidade de pena. Não há culpabilidade, de qualquer modo, ou, em outras palavras, jamais o juiz pode fazer qualquer juízo de censura ou de reprovação (sobre o autor) sem a constatação prévia da tipicidade, da antijuridicidade e da punibilidade abstrata e concreta”.(Direito Penal, p. 342). Para eliminar a objeção que é puramente literalista, é possível afirmar, com outras palavras, que a culpabilidade é um atributo da pena e não um elemento do crime.”
Flávio Augusto Monteiro de Barros (2003, p. 117) que também é favorável ao conceito bipartido de crime diz o seguinte:
“A nosso ver, a teoria bipartida é a que melhor soluciona os problemas da ciência penal, pois, com a predominância do finalismo, e agora também da teoria jurídico-penal da conduta, o dolo e a culpa deixaram de pertencer à culpabilidade e passam a integrar a conduta. Esvaziou-se, destarte, a culpabilidade, que, por isso, deve ser tratada como pressuposto da pena, e não mais como elemento do delito”
5.4 Diferenças na aplicação desses conceitos
A principal diferença entre a teoria bipartida e tripartida é o fato de que a primeira considera o dolo e a culpa como integrantes da culpabilidade enquanto a segunda considera o dolo e a culpa como integrantes da conduta.
Ambas consideram que para que haja crime é necessário que o fato seja típico, ou seja, um acontecimento que corresponde exatamente a um modelo de fato contido em uma norma penal incriminadora, e antijurídico, um fato ilícito, ou seja um comportamento humano que descumpre, desrespeita e infringe uma lei penal e que consequentemente fere o interesse social protegido pela norma jurídica. Porém o conceito tripartido considera que para que seja caracterizado o crime é necessária culpabilidade, ou seja a imputabilidade, o dolo e a culpa, o potencial conhecimento da ilicitude além da exibilidade de conduta diversa da praticada pelo agente que realizou o fato típico e antijurídico. Já para o conceito bipartido a culpabilidade consiste apenas em um um pressuposto de aplicação da pena, ou seja responsável por dosar a pena.
Tanto o conceito bipartido como o tripartido possuem compatibilidade com o finalismo, de forma que este é o mais dominante na doutrina nacional.. Já o causalismo possui compatibilidade apenas com o conceito tripartido já que situa o dolo dentro da culpabilidade não integrando a estrutura do crime. Contudo é possivel notar que os efeitos da opção pelo conceito tripartido ou bipartido são muito mais teóricos do que práticos, já que para ambas as correntes se não houver a culpabilidade não será imposta uma pena.
6. CONCLUSÃO
Após a exposição de alguns dos traços das correntes da teoria do delito, é possivel concluir que todas elas tem um alto grau de contribuição para a concepção do conceito de crime ao longo da história, embora alguns destes conceitos tenham se tornado obsoletos ao longo do tempo pela superficialidade na aplicação prática, como é o caso do conceito formal de crime, ou pelo fato de conceituar erroneamente o que é crime e definindo o direito penal como uma forma de dominação social, como é o caso do conceito material, eles possuem um alto grau de relevância, e ajudaram de forma indireta na concepção e evolução do conceito analítico de crime que determina e sistematiza o crime de forma mais detalhada e que possui uma aplicabilidade mais ampla em relação aos conceitos anteriores, conceito o qual possui duas vertentes de divisão, a bipartida, que considera o crime como um fato típico e antijuridico (ilícito), sendo a culpabilidade apenas um pressuposto para a aplicação da pena, e a tripartida que define o crime como um fato típico, antijurídico e culpável.
Embora a teoria tripartida pareça ser a mais correta, ao analisar de forma mais profunda essa corrente é possível perceber que ela não o é, devido o fato de considerar a culpabilidade como sendo um dos elementos inquestionáveis do crime. Apesar de autores dessa teoria alegarem não há crime quando o indivíduo é inimputável ou quando o indivíduo que praticou a ação estava sob coação moral irresistível é possível encontrar falhas quanto a esses argumentos de desarme da teoria bipartida.
Com efeito o art. 26 trata da inimputabilidade (a imputabilidade é elemento da culpabilidade), e faz uso da expressão “são isentos de pena”, já o artigo 22 que trata da coação irresistível e obediência hierárquica utiliza a expressão “só é punível”, e não se tem a exigibilidade de conduta diversa, elemento essencial da culpabilidade sendo tratada pela doutrina como excludente de culpabilidade, enquanto isso apenas o art. 23 emprega a expressão “não há crime”.
Desses artigos se extrai que quando o Código Penal quer afastar a culpabilidade faz menção sempre a exclusão de pena (a consequência do crime), nunca do crime em sí sendo assim demonstra que a culpabilidade não é um elemento do crime.
Sendo assim é mais plausível admitir que para a caracterização analítica de um crime é necessário somente o fato típico e antijurídico, admitidos na teoria bipartida de crime. E embora existam argumentos que enalteçam a teoria tripartida, apontando a culpabilidade como um dos elementos constituintes do crime é possível extrair uma relação umbilical da culpabilidade com a pena e não com o crime no Código Penal.
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