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Foro por prerrogativa de função

Agenda 23/03/2016 às 14:35

A presente obra tem por objetivo o discorrimento no que diz respeito à infringência do princípio da igualdade e ao escudo para políticos acusados de corrupção, proporcionados pelo foro privilegiado.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda a questão do foro privilegiado, que está previsto na Constituição Federal. Foram usados os métodos dedutivo, indutivo e histórico. De acordo com o relatório da Transparência Internacional, a nação brasileira ocupa a 72˚ posição entre 177 países no índice de corrupção. Tal estatística comprova a ineficácia do sistema penal brasileiro para representantes do poder público. Recentemente, a absolvição por crime de quadrilha de 8 dos acusados da Ação Penal 470 despertou um grande descontentamento na população brasileira e deixou claro de que a justiça para os “mensaleiros”, muita das vezes, não se iguala àquela aplicada ao restante da população.

Diante dos fatos como esses, nota-se um constante aumento no que se diz respeito ao interesse da nação nos acontecimentos políticos do país e, paralelamente, os estudos e ideias de especialistas no assunto tornam-se cada vez mais dinamizados. Dentre os diversos assuntos que rodeiam tais escândalos da política, destaca-se a má utilização do “foro privilegiado” que vem abalando a credibilidade do Judiciário brasileiro, no caso, o Supremo Tribunal Federal. Procurou-se neste texto, baseado em doutrinas e pesquisas, despertar ao leitor o senso crítico quanto à real necessidade do foro privilegiado e o verdadeiro objetivo de sua criação no ordenamento brasileiro, como instituto da democracia brasileira.

2. A PREVISÃO NA LEI MAIOR

Entende-se por foro privilegiado, foro por prerrogativa de função ou foro de exceção a competência do Supremo Tribunal Federal em julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional e o Procurador Geral da República(art.102, I, b da Constituição Federal). Destaca Tourinho Filho(2010, p.315) que: “Tal competência é também conhecida pela denominação de competência originária ratione personae (ou ratione muneris) e vem tyratada na Constituição Federal, nas Constituições locais, em Leis de Organização Judiciária (é no caso da competência do STM) e no CPP (arts.84 usque 87). Consiste no poder que se concede a certos Órgãos Superiores da Jurisdição de processar e julgar determinadas pessoas”(Manual de Processo Penal, p.315). Toda infração penal comum tem caráter antagônico em relação aos crimes de responsabilidade, sendo que aquela tem como exemplos o crime de imprensa, crime eleitoral, crimes dolosos contra vida, crime militar e, por isso, são responsabilidade exclusivas do STF. É necessário, portanto, esclarecer que os crimes de responsabilidade tem caráter essencialmente político e, por isso, suas sanções tratam em tornar o indivíduo ilegítimo para exercer qualquer cargo público. Assim, tal como diz a Constituição, são considerados crimes de responsabilidade as condutas do chefe do Executivo que infringem: a própria Constituição Federal, a existência da União; a manutenção dos poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos estados; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do país; a probidade administrativa; a lei orçamentária; o cumprimento da lei e das decisões judiciais. Atribui-se, privativamente, também à mais alta Corte de Justiça o julgamento de crimes penais comuns e de responsabilidade quando esses tem como agentes: os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; os membros dos Tribunais Superiores(STJ, STM, TSE, TST) e do Tribunal de Contas da União e os Embaixadores. Vale ressaltar que caso o crime de responsabilidade esteja ligado ao Presidente da República ou Vice-Presidente, a ação e julgamento são transferidos para o Senado, tal como diz os termos do art.102, I, c/c o art.52, I, ambos da Constituição Federal..

3. EVOLUÇÃO NA HISTÓRIA

Enganam-se aqueles que preveem o foro privilegiado como um dispositivo de desenvolvimento contemporâneo. O privilégio às pessoas ocupantes de altos cargos na sociedade tem suas raízes na Grécia e na avançada política de Roma. Em ambos os povos, protagonistas da Antiguidade Clássica, encontram-se claras divisões sócio políticas e econômicas que compunham os pilares da desigualdade social presente também em tempos modernos. É da manifestação do processo penal romano, no qual decretou-se o julgamento especial para Senadores e Magistrados, que está a principal nascente do foro privilegiado.(André Medeiros do Paço, 2000, p.21-22) Com a expansão do cristianismo no Império, os cargos dentro da religião começam a ter uma maior relevância e passam a exercer atividades públicas(bispos) oficializando a ligação entre Estado e Igreja. Após o imperador bizantino Justiniano, o Grande, a divisão de classes fica mais explícita e rígida, tal fato resulta na criação de leis que terão suas aplicabilidades diferenciadas dependendo do nível social do indivíduo. Temos como exemplo a forma de julgamento no tribunais, nos quais nobres eram unicamente julgados por nobres e clérigos por clérigos.(André Medeiros do Paço, 2000, p.21-22) Após a invasão do exército normando, bretão e francês liderado por Guilherme II da Normandia, a nobreza teve seu poder reduzido para os barões e o clero objetivava afirmar o poder do monarca frente ao poder papal. Tais ações tinham como ponto inicial a concessão de privilégios que os ocupantes desses cargos possuíam. Assim, com o passar do tempo, foram concedidas várias formas de privilégios aos funcionários reais em relação ao papa e as imunidades do clero para com a jurisdição real foram sendo abolidas. Surge na era moderna, como fruto da busca pelos limites ao reio por meio do Parlamento britânico, as “”cartas de direitos”: o “Petition of Right”(1628), o “Habeas Corpus Act”(1679) e o “Bill of Rights”(1689), este último dentor das idéias de Jonh Locke, em Segundo Tratado do Governo Civil. Os bills trouxeram dispositivos que contribuíram para a limitação e fim de alguns privilégios. Assim, o constitucionalismo britânico, que serviria de modelo para o mundo após as revoluções liberais, teve grande influência em sua construção das evoluções no que se diz respeito às normas especiais para alguns indivíduos.

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4. CRIAÇÃO DO FORO PRIVILEGIADO

Tendo como caráter basilar o princípio da igualdade, as revoluções Francesa e Norte-Americana tiveram como um dos objetivos a eliminação de privilégios a determinados indivíduos. Com a pretensão de garantir a certos cargos o seu bom exercício, essas revoluções trazem consigo as prerrogativas de função, porém, estas, sem o mecanismos do privilégio. No Brasil Império, a Constituição monarquica expandiu uso da prerrogativa de função como forma de definição para o foro. De início, a Assembléia Constituinte brasileira de 1823, dominada pelos liberais, almejava uma Monarquia constitucional limitada. Todavia, essa vontade entrava em conflito com o imperador e o sistema escravocrata senhorial presente na época. Assim, com a dissolução da Assembléia e a Constituição outorgada pelo imperador, decreta-se o fim dos privilégios por natureza pessoal deixando apenas aqueles de natureza real, ou seja, as prerrogativas referentes aos cargos. Vale ressaltar que esta Constituição dividiu a prerrogativa de foro entre o Judiciário(STF) e o Legislativo(Senado). Os privilégios dos membros da Igreja Católica Apostólica Romana cessam apenas com a primeira Constituição da República dos Estados Unidos dos Brasil em 1891. Esta efetivou a separação entre Estado e Igreja, manteve o foro por prerrogativa de função como forma de garantir o bom exercício de governantes e incluiu o mecanismo do “impeachment”. As posteriores constituições seguiram o mesmo molde desta no que diz respeito ao foro por prerrogativa de função alterando somente os cargos que estarão sujeitos a tal dispositivo.

5. ANÁLISE CRÍTICA

Tem-se como uma das teorias no mundo jurídico a de que o delinquente seja punido no local da ocorrência do crime, pois é lá que se localiza o maior abalo à respectiva comunidade. Todavia, como vimos, não é isso que ocorre para aqueles beneficiários do foro privilegiado. De acordo com pensamentos doutrinários, tal exceção da regra geral justifica-se pela proteção ao cargo estabelecido pelo individuo e, por isso, não pode ser considerado como um influente da desigualdade entre os cidadãos. Explica Fernando da Costa Tourinho Filho que não se trata de “odioso privilégio”, mas sim de “elementar cautela, para amparar, a um só tempo, o responsável e a Justiça, evitando por exemplo, a subversão da hierarquia, e para cercar o seu processo e julgamento de especiais garantias, protegendo-os contra eventuais pressões que os supostos responsáveis pudessem exercer sobre os órgãos jurisdicionais inferiores”(Código de Processo Penal comentado, v.1, p.215). Entretanto, muitos não se sentem satisfeitos com o motivo dado pela doutrina para a necessidade do foro privilegiado, de acordo com Guilherme de Souza Nucci(2009, p.252) “se à justiça civil todos prestam contas igualmente, sem qualquer distinção, natural seria que a regra valesse também para a justiça criminal. O fato de se dizer que não teria cabimento um juiz de primeiro grau julgar um Ministro de Estado que cometa um delito, pois seria uma ‘subversão de hierarquia’ não é conveniente, visto que os magistrados são todos independentes e, no exercício de sua funções jurisdicionais, não se submetem a ninguém, nem há hierarquia para controlar o mérito de sua decisões”(Código de Processo Penal comentado, 9.ᵃ. E. D, p.252, aspas do autor). Além disso, há exposição à tipos de pressões equivale tanto para um juiz de 2.˚ grau quanto para um de 1.˚grau. Assim, pode-se considerar uma característica essencialmente discriminatória do foro privilegiado, de acordo com a doutrina de Nucci(2009, p.253), não podemos considerar que o Judiciário é superior a qualquer cidadão brasileiro comum para julgar, como por exemplo, um Presidente da República. Ao julgar um indivíduo garantindo-lhe o foro especial, estaremos julgando seu cargo e não a pessoa em si o que, no caso, deveria ocorrer o inverso. Também, tomando como parâmetro este cenário, para o qual alguns especialistas admitem o foro por prerrogativa de função como um contribuinte, interessantes são as palavras de Marcelo Semer (2010), nas quais: “o foro privilegiado para julgamentos criminais de autoridades é outra desigualdade que ainda permanece. Reproduzimos, com pequenas variações, a regra antiga de que fidalgos de grandes estados e poder somente seriam presos por mandatos especiais do rei. É um típico caso em que se outorga maior valor à noção de autoridade do que ao princípio de isonomia, com a diferença de que hoje a igualdade é um dos pilares da Constituição.(...) Competência processual não se deve medir por uma ótica militar ou por estrato social. Autoridades que cometem crimes devem ser julgadas como quaisquer pessoas, pois deixam de se revestir do cargo quando praticam atos irregulares(...) O foro privilegiado, tal qual a prisão especial, é herança de uma legislação elitista, que muito se compatibilizou com regimes baseados na força e no prestígio da autoridade”(A síndrome dos desiguais, p.11-12). Além de seu caráter discriminatório, o foro privilegiado é, na maioria das vezes, ineficaz e também um dos fatores que transformam o Brasil no país da impunidade. De acordo com o Ministro Marco Aurélio Mello, os ministros não são afeitos para julgarem tal como os juízes de primeira instância e, devido à lentidão dos processos, muitos políticos e administradores acusados de corrupção acabam não sendo devidamente julgados pela Corte Suprema. O Ministro Joaquim Barbosa, em sua entrevista para a revista Veja(VEJA, 15 de junho de 2011), também argumentou uma posição contrária à este foro especial, segundo ele “o foro privilegiado foi uma esperteza que os políticos conceberam para se proteger. Um escudo para que as acusações formuladas contra eles jamais tenham consequência”. No entanto, o assunto é bastante complexo e exige análises mais aprofundadas, com debates jurídicos envolvendo Judiciário, classe política e o povo, que poderia até ser consultado sobre o tema, por meio de um plebiscito.

6. CONCLUSÕES

O foro por prerrogativa de função está entre as principais polêmicas do sistema jurídico brasileiro, e isto, não é de atualmente. Este dispositivo, constitucionalmente previsto, incomoda a sociedade no tocante ao princípio da igualdade, previsto no artigo 5.˚ da nossa Carta Magna. No entanto, a discussão envolve um direito e garantia individual que determinadas pessoas tem para o exercício das suas funçõ3s, mas não para cometer crimes. Devemos, portanto, nos perguntar qual seria a real necessidade deste dispositivo jurídico e se talvez a sua limitação ou abolição não trariam resultados mais prósperos no combate a corrupção, por exemplo. De acordo com uma parte da doutrina consultada, sua utilidade está apenas a beneficiar exclusivamente os representantes públicos servindo apenas como escudo dentro do mandato parlamentar para os infratores da lei e, além disso, ferindo a isonomia dentro do regime democrático destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, Vol I. 17ᵃ Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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MARCELLO, Maria Carolina. STF absolve 8 condenados por formação de quadrilha no mensalão. Disponível em: http://br.reuters.com/article/topNews/idBRSPEA1Q04D20140227. 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9ᵃ Ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2009.

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal.10ᵃ Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

PAÇO, André Medeiros do. Foro por prerrogativa de função: prefeitos. Ed. Belo Horizonte:Del Rey, 2000.

SEMER, Marcelo. A Síndrome dos Desiguais SETTI, Ricardo. Revista Veja. Edição de 15 de Junho de 2011.

Entrevista quentíssima do Ministro Joaquim Barbosa:”Político não pega cadeia”. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/ricardosetti/politica-cia/entrevista-quentissima-do-ministro-joaquim-b...

TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 3ᵃ. Ed. Bahia: JusPODIVM, 2009. TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo Penal, Vol. II. 33ᵃ. Ed., Saraiva:São Paulo, 2011.

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