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A trapalhada do ladrão gordo

“O que acontece quando o agente ativo coloca gasolina em uma pessoa e é impedido por terceiro de acender o isqueiro?”.

Agenda 01/04/2016 às 07:59

A delimitação entre atos preparatórios e início de execução

A trapalhada do ladrão gordo

“O que acontece quando o agente ativo coloca gasolina em uma pessoa e é impedido por terceiro de acender o isqueiro?”.

  1. A PROBLEMATIZAÇÃO

Como Promotor de Justiça, acompanhei o seguinte caso: Tício queria subtrair a televisão de Mévia. Sabendo que a vítima não estaria em sua residência no final de semana, decidiu entrar na casa de Mévia e, ao tentar passar pela grade de proteção, ficou preso. Os vizinhos acordaram com os gritos de Tício, que não conseguia se livrar das grades. Ao amanhecer, os policiais encontraram o ladrão preso nas grades. E agora? Qual a solução jurídica?

SOLUÇÃO JURÍDICA – Não obstante os esforços doutrinários, ainda não surgiu na dogmática penal teoria capaz de estabelecer segura delimitação entre atos preparatórios e início de execução.

Há, em realidade, uma sensível e quase invisível diferença entre os atos preparatórios e o início da execução.

  1. AS TEORIAS QUE DIFERENCIAM ATOS PREPARATÓRIOS DO INÍCIO DA EXECUÇÃO

Existem várias teorias que tentam explicar a diferença entre os atos preparatórios e o início da execução. Vejamos.

a) TEORIA SUBJETIVA – O início da execução ocorre sempre que o agente ativo pratica atos demonstrando que sua intenção é lesar um bem jurídico.

Exemplo didático: Tício discutiu com Mévio. Logo após, Tício, querendo se vingar de Mévio, armou uma cilada, ficando escondido atrás de umas árvores, apontando sua arma na direção da estrada que sempre era usada por Mévio para chegar em sua residência. Aconselhado por amigos, Mévio não foi naquela noite dormir em sua casa.

Solução jurídica: Segundo a teoria subjetiva, Tício responderia por tentativa de homicídio, uma vez que exteriorizou de maneira inequívoca sua intenção criminosa. Observe que esta teoria não pode ser adotada, pois não faz a mínima distinção entre os atos preparatórios e os de execução.

b) TEORIA OBJETIVA – O início da execução ocorre quando o agente ativo pratica atos adequados a propiciar lesão ao objeto jurídico protegido.

Exemplo didático: Tício discutiu com Mévio. Logo após, Tício, querendo se vingar de Mévio, armou uma cilada, ficando escondido atrás de umas árvores, apontando sua arma na direção da estrada que sempre era usada por Mévio para chegar em sua residência. Quando Mévio estava se aproximando do local, Tício efetuou três disparos, mas, por erro de pontaria, a vítima não foi ferida.

A teoria objetiva foi a adotada pelo Código Penal, mas ainda há divergência, pois a teoria objetiva se divide em:

c) TEORIA OBJETIVO-FORMAL – Ensina Fragoso que, por esse critério, são atos executórios aqueles que iniciam a realização da ação típica, descrita no tipo incriminador.[1]

Resumo didático: Inicia-se a execução com o início da realização do núcleo (verbo) do tipo penal.

Exemplo didático: No primeiro exemplo, só haveria tentativa se Tício apontasse a arma municiada para Mévio e acionasse o gatilho, portanto, o ato de ficar de tocaia é meramente preparatório.

Embora majoritária na doutrina brasileira, entendo que a teoria objetivo-formal é muito falha e contribui com a criminalidade.

Exemplo didático: Tício, querendo estuprar Mévia, usa poderoso narcótico para deixá-la desacordada, depois a amarra na cama, em posição propícia à penetração, despe-se e coloca-se sobre ela, pronto para a conjunção. Neste exato momento, Petrus abre a porta e impede o macabro desejo de Tício.

Solução jurídica: Pelo critério objetivo-formal, não houve tentativa, mas só atos preparatórios, porque o agente não iniciou a conjunção carnal.

No mesmo sentido, quem colocasse gasolina em uma pessoa e fosse impedido de tocar fogo, não responderia por tentativa homicídio e sim por ameaça.

d) TEORIA OBJETIVO MATERIAL – Essa teoria afirma que os atos executórios não são apenas os que realizam o núcleo do tipo ou atacam o bem jurídico, mas também aqueles imediatamente anteriores ao início da ação típica, valendo-se o juiz do critério do terceiro observador, para ter certeza da punição.

Resumo didático: Há um complemento da teoria anterior, pois, segundo a teoria objetivo-material, inicia-se a execução:

a) tanto com a realização do verbo do tipo (teoria objetivo-formal);

b) como também pelas condutas anteriores que, pela concepção natural ou experiência em comum, leve à conclusão de que o agente ativo tinha como objetivo a realização do crime.

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Na realidade, a teoria objetivo-material apresenta maior proteção ao bem jurídico do que a objetivo-formal, mas há um grave problema, que é a análise no campo abstrato (experiência em comum) dos atos que de forma inequívoca objetivam a realização do crime, por exemplo:

Tício aponta uma arma para Mévio. Pergunta-se:

A experiência em comum ou o terceiro observador dirá que Tício quer matar ou quer apenas ameaçar Mévio? Ao levar a solução para o campo abstrato, ou seja, para opinião de um terceiro observador, teremos as seguintes soluções:

a) alguém, de acordo com a sua experiência, dirá que houve início de execução do crime de homicídio;

b) outra pessoa poderá afirmar que, na realidade, só houve ameaça, pois, se Tício quisesse matar, teria atirado.

O Direito Penal não pode conviver com dúvidas, portanto, foi necessário a criação de outra teoria.

e) TEORIA OBJETIVO-INDIVIDUAL – Segundo Welzel, para essa tese sempre se há de partir da ação típica do delito em particular (subtrair, matar etc.), e partindo daí, verificar se, de acordo com seu plano delitivo, o agente realizou uma atividade imediata à realização típica[2]. A tese foi originalmente concebida por Beling e desenvolvida por Welzel[3].

  1. UM RESUMO DIDÁTICO  

Há um complemento da teoria anterior, pois, segundo a teoria objetivo-individual, inicia-se a execução:

a) tanto com a realização do verbo do tipo (teoria objetivo-formal);

b) como também pelas condutas anteriores, que, segundo o plano concreto do autor, podemos concluir que o agente ativo tinha como objetivo a realização do crime.

Welzel considera como exemplo de execução em conformidade com a teoria objetivo-individual: sacar a arma municiada e fazer pontaria na direção da vítima visada, numa tentativa de homicídio; deslizar furtivamente pela sacada externa da casa que se pretende furtar; ter preparada a pimenta que se pretende lançar nos olhos da vítima do roubo, enquanto se mantém ligado o motor do carro para a fuga.

Anote que a diferença entre a teoria objetivo-individual e a objetivo-material é que naquela não é necessária a atividade abstrata (terceiro observador); ao contrário, deve-se buscar prova do plano concreto do autor, sem avaliação exterior.

  1. A SOLUÇÃO JURÍDICA DA PROBLETIZAÇÃO

O caso prático a “trapalhada do ladrão gordo” será elucidado em consonância com a teoria adotada:

a) Teoria subjetiva: Houve tentativa de furto, pois o início da execução ocorre sempre que o agente ativo pratica atos que demonstram a intenção de praticar a infração penal.

b) Teoria objetivo-formal: Não existiu tentativa de furto, pois não houve o início da realização do núcleo (verbo) do tipo penal, qual seja, subtrair, portanto, o crime foi o de tentativa de violação de domicílio.

c) Teoria objetivo-material: Não houve condições para a efetiva subtração, mas, pela análise da experiência em comum, haveria possibilidades de concluirmos que o agente ativo tinha o desejo de subtrair, portanto, há tentativa de furto.

d) Teoria objetivo-individual: Da análise do plano concreto do autor, podemos concluir que o agente ativo tinha como objetivo a realização do crime, portanto, houve tentativa de furto.

No caso da gasolina e do isqueiro, utilizando-se desta teoria, entendo que quem coloca gasolina em uma pessoa e é impedido de tocar fogo por terceiro, responde por tentativa de homicídio e não por um simples TCO por infringir o artigo 147 do Código Penal (ameaça).

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[1] FRAGOSO. Lições. Op. cit., p. 251.

[2] WELZEL. Derecho Penal Aleman. Op. cit., p. 224.

[3] NORONHA. Questões Acerca da Tentativa, p. 236. 4 Op. cit., p. 225.

Sobre o autor
Francisco Dirceu Barros

Procurador Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral durante 18 anos, Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, ex-Professor universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF, Colunista da Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Colunista do Bloq AD (Atualidades do Direito). Membro do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público). Colaborador da Revista Jurídica Jus Navigandi. Colaborador da Revista Jurídica Jus Brasil. Colaborador da Revista Síntese de Penal e Processo Penal. Autor de diversos artigos em revistas especializadas. Escritor com 70 (setenta) livros lançados, entre eles: Direito Eleitoral, 14ª edição, Editora Método. Direito Penal - Parte Geral, prefácio: Fernando da Costa Tourinho Filho. Direito Penal – Parte Especial, prefácios de José Henrique Pierangeli, Rogério Greco e Júlio Fabbrini Mirabete. Direito Penal Interpretado pelo STF/STJ, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Recursos Eleitorais, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Direito Eleitoral Criminal, 1ª Edição, Tomos I e II. Editora Juruá, Manual do Júri-Teoria e Prática, 4ª Edição, Editora JH Mizuno. Manual de Prática Eleitoral, Editora JH Mizuno, Tratado Doutrinário de Direito Penal, Editora JH Mizuno. Participou da coordenação do livro “Acordo de Não Persecução Penal”, editora Juspodivm.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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