A problemática dos direitos indianistas no Brasil tem dimensão jurídica e aspectos históricos, antropológicos e sociais. Envolve um estudo de dois institutos fundamentais: direitos territoriais e os de organização social de tais comunidades.
Durante a segunda metade do século XX, o Brasil apresentou duas políticas indigenistas: o modelo protecionista e o modelo integracionista. A primeira defendia que as comunidades indígenas deveriam ser protegidas pelo Poder Público contra as frentes de expansão, mediante uma criação de reserva nacional para que as mesmas se preparassem gradualmente a uma integração com a nossa sociedade, teve base no pensamento do Marechal Candido da Silva Rondon e institucionalizado pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Recebendo impulso para a criação do Parque Nacional do Xingu, defendida pelos irmãos Villas Bôas, a fim de uma política de proteção às comunidades.
Entretanto, com o advento da ditadura militar, foi claro o propósito estratégico de uma implantação integracionista que preconizava que as comunidades fossem rapidamente integradas economicamente às sociedades brasileiras como reserva de mão-de-obra ou como produtora de mercadorias, dando impulso à economia regional e, assim, poderiam integrar-se às regiões desenvolvidas do país. Nesse sentido, para combater o subdesenvolvimento era preciso uma abertura à exploração da economia na Amazônia, denominada de Operação Amazonas.
É inegável a contradição na aproximação do índio com o civilizado. A mesma proporciona aos ditos primitivos melhorias nas condições de vida com nosso estilo de vida, incluindo juízos e valores. Ao mesmo tempo em que não podemos deixar de reconhecer e aceitar uma cultura diferente, nós impomos nossas práticas e costumes e concepções de mundo e significado de vida. Assim, transformando o diferente em algo semelhante, repelindo os valores diferentes. No caso dos índios, trata-se de negar traços e padrões inexistentes em nós. Dessa forma, os civilizadores proporcionam aos índios a desfragmentação de sua organização social e costumes. Essa transfiguração étnica aniquila a autenticidade cultural dos índios.
A partir no final do século XIX e início do século XX, os índios passaram a ser considerados gente, e graças ao marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, começaram a receber proteção do Estado pela SPI, e, a partir daí, ficaram na condição de menor. As terras que antes estavam sob domínio dos índios passaram a pertencer à União, e, desde então, mesmo com a posse imemorial, os índios não tinham propriedade plena das terras, e, mesmo conseguindo usufruir das terras ocupadas, não escaparam das invasões.
Diante do problema referente à ocupação das terras, cada vez mais os índios foram se interiorizando, tendo como consequência uma nova luta com os grupos que já ocupavam as terras para as quais eles estavam indo. O Estado, como tutor das comunidades indígenas, desenvolveu uma política protecionista (pejorativamente chamada de paternalismo). Alguns estudiosos eram contra tal política, pois acreditavam que o correto seria deixar os índios terem decisão de seu destino e, mais tarde, o próprio órgão de proteção se posicionaria contra, alegando que os índios deveriam conquistar com o próprio esforço tudo aquilo que deseja ou necessita.
Orlando e Claudio Villas Bôas defenderam a ideia de que se deve conscientizar o índio de seus valores tribais, da identidade cultural, do crescente apego à terra, às tradições e tudo que pudesse constituir uma espécie de defesa contra seus novos vizinhos, que têm interesses muito diferentes, sendo loucos por terras e querendo encontrar no índio mão de obra barata e sem os devidos direitos. Ou seja, é uma habilitação/conscientização do índio para que este possa se integrar à sociedade nacional (o povo brasileiro).
Sem tal conscientização os índios passariam a ser manipulados, de modo que, agindo de acordo com os interesses estranhos às suas comunidades, seriam alvo fácil de uma politização negativa. Daí a importância de uma preparação prévia para a entrada efetiva e autônoma desse grupo na sociedade nacional. Além disso, o êxodo e a dispersão dos grupos como resultado de tudo isso seria evitado.
A questão histórica, no Brasil, é que a pressão do colonizador de origem europeia foi forçando as populações primitivas – indígenas – a recuar para as vastas regiões do interior, que, neste momento, estão sendo atingidas pelas chamadas rodovias de ‘’integração nacional’’.
Costuma-se dizer que, no Brasil, a contribuição cultural do índio foi irrelevante, no entanto, a participação ativa do índio e de seu descendente na formação territorial do país foi simplesmente decisiva, uma vez que, sem eles, não teria havido as grandes bandeiras de povos estranhos. O índio contribuiu ainda – em escala maior do que geralmente se acredita – para a formação étnica do povo brasileiro.
Há também o grave problema de relacionamento entre o índio e o civilizado. De que forma se poderiam conciliar as duas sociedades: uma estável, ajustada ao meio e equilibrada; e a outra desordenada. A solução apontada é a integração do índio na sociedade civilizada. Entretanto, uma pergunta muito simples seria o suficiente para desestabilizar essa teoria; integram o que? Os pequenos e dispersos grupos de peões? A saudável comunidade formada por seringueiros? Ou fazer com que o índio, abandonando a unidade tribal, venha a transformar-se em mão de obra nos empreendimentos surgidos nas terras que antes constituíam seus próprios domínios? Atraídos pelos civilizados, os índios são, muitas vezes, persuadidos a abandonar as aldeias para residir nas fazendas, onde sempre, e automaticamente, perdem a autonomia. Os índios passam a viver isolados no sertão, transformando-se em objeto de exploração indiscriminada.
Para que isso não ocorra, é necessário que o meio ambiente seja preservado como espaço vital para as grandes gerações que nos sucederão. A civilização tem alicerces fundados na contribuição de todos os povos. Hoje, construindo um Brasil novo, sem a preocupação de transformá-lo numa grande potência, mas, sim, num país de ambiência humana.
A Constituição Federal de 1988 foi inovadora em relação às anteriores, pois apresentou autonomia diante dos sistemas econômicos e políticos, e, também, por reconhecer as organizações sociais das comunidades indígenas, como costume, línguas, crenças e tradições, e o amplo tratamento dos territórios em que ocupam, o que foi o mais certo a se fazer.
Atualmente vivemos em uma situação parecida com o que ocorreu no passado: a construção de tecnologias em terras indígenas – no século XX, foi a rodovia TransAmazônia; hoje é a usina hidrelétrica Belo Monte (que se encontra no alto do rio Xingu). Os índios que moram nessa área lutaram pelo impedimento da obra, porém, assim como no passado, ela se manteve, pois visa o desenvolvimento das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste.
Mesmo que existam diversas tribos indígenas que já foram dominadas pela civilização, perdendo parcialmente ou totalmente seus territórios (as tribos integradas e as extintas) para o Estado e latifundiários, elas ainda reivindicam seu poder de propriedade de terras, pois têm o direito de possuir um espaço para a comunidade praticar suas culturas e valores sem a intervenção do homem civilizado, direito já previsto pela Constituição Federal de 1988.
BIBLIOGRAFIA
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