A questão do monitoramento do correio eletrônico corporativo pelo empregador possui contornos bastante abrangentes. Em virtude disso, cumpre destacar um breve histórico a respeito da criação do correio eletrônico.
Posteriormente, tratar-se-á a respeito da possibilidade de monitoramento do e-mail corporativo pelo empregador, em consonância com o respeito à intimidade e a observância dos limites do poder empregatício.
Breve histórico sobre o e-mail
A nomenclatura e-mail é a sigla, no idioma inglês, para correio eletrônico (electronic-mail). Segundo Bellis (2008), essa forma de comunicação foi criada em 1971 pelo americano Ray Tomlinson, que conseguiu, pela primeira vez na história, a partir de um simples programa de computador, enviar pequenas mensagens eletrônicas a outros indivíduos, os quais se utilizavam desse mesmo programa em outros computadores.
Provavelmente o criador do e-mail jamais imaginou que aquela recém-criada novidade no mundo das comunicações alcançaria as proporções que o correio eletrônico tomou atualmente. Pode-se dizer que, desde a criação da televisão, em meados dos anos 40 do século XX, jamais uma invenção revolucionou tanto a maneira de as pessoas comunicarem-se entre si. Para se ter uma ideia das proporções alcançadas pelo uso do correio eletrônico, mais de 200 milhões de e-mails são enviados por minuto, o que se configura como 300 bilhões de e-mails circulando diariamente. Levando-se em consideração que neste ano de 2016 a população do planeta é de mais de 7 bilhões de pessoas, seria como se cada indivíduo do mundo enviasse/recebesse mais de 42 e-mails por dia.
Efetivamente, trata-se de um número demasiadamente relevante, levando-se em consideração que há uma imensa quantidade de pessoas no planeta que sequer já viram de perto um microcomputador, quem dirá já utilizaram o correio eletrônico.
Paiva (2008), especialista em direito informático, define o e-mail como sendo um meio utilizado para enviar mensagens escritas de um computador para outro através da rede, um equivalente eletrônico do correio convencional com papel, pelo qual as pessoas podem enviar mensagens a um receptor, ou a vários receptores simultaneamente. Contudo, tal definição está apenas em parte correta, pois deveria haver uma desvinculação maior entre correio eletrônico e correio tradicional, utilizado para o envio de cartas e correspondências físicas em geral, a fim de que não se confunda a natureza de ambas as formas de comunicação.
Na verdade, jamais e-mail pode ser confundido com carta comum, já que o primeiro, em virtude de suas peculiaridades próprias, em algumas ocasiões, de forma contida e geral, pode ser passível de interceptação de terceiros, no caso os empregadores que disponibilizam e-mails corporativos a seus empregados, o que não pode ocorrer com relação às correspondências comuns.
É utilizando-se deste raciocínio que se devem tecer alguns comentários acerca da nomenclatura “correio eletrônico” antes de se prosseguir abordando este assunto. A palavra “mail”, oriunda do idioma inglês, quando traduzida para a língua portuguesa, quer dizer correio ou correspondência. Também possui a acepção de verbo, significando, ainda, enviar pelo correio. Percebe-se, portanto, que a tradução feita para o português (e bastante comum entre os brasileiros), ou seja, correio eletrônico, poderia ser também traduzida como correspondência eletrônica.
Ressaltar tal aspecto é deveras importante a fim de que não se confunda o correio eletrônico como sendo uma figura pertencente ou similar aos Correios em si, ou seja, à Empresa de Correios e Telégrafos (ECT). Na verdade, o e-mail não possui qualquer relação com esta empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações, que foi criada em 20 de março de 1969 pela Lei nº 509 e, atualmente, é regulada pela Lei nº 6.538, de 22 de junho de 1978. Observe-se o disposto nos arts. 1º e 2º do referido dispositivo legal:
Art. 1º - Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes ao serviço postal e ao serviço de telegrama em todo o território do País, incluídos as águas territoriais e o espaço aéreo, assim como nos lugares em que princípios e convenções internacionais lhes reconheçam extraterritorialidade.
Parágrafo único - O serviço postal e o serviço de telegrama internacionais são regidos também pelas convenções e acordos internacionais ratificados ou aprovados pelo Brasil.
TÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 2º - O serviço postal e o serviço de telegrama são explorados pela União, através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações (BRASIL 2008d).
O esclarecimento em questão pode parecer desnecessário em virtude de sua óbvia assimilação, facilmente feita pela maioria, ou seja, a denominação e-mail foi traduzida para o português como sendo correio eletrônico, todavia, não possui relação alguma com a referida empresa pública brasileira.
Todavia, em alguns julgados ainda ocorre certa confusão de ideias com relação exatamente ao ponto aqui discutido. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo - 2ª Região entendeu ser o e-mail um serviço semelhante ao dos Correios, que, contudo, funciona através da utilização do computador. A decisão do TRT – 2ª Região, a qual foi proferida no (longínquo) ano 2000, entendeu que a atitude de um empregador monitorar a utilização do e-mail fornecido para ser utilizado para fins do trabalho consiste em “violação de correspondência”. Silva, F. (2000) - Juiz relator da ação – entendeu que o e-mail nada mais é que “correio” eletrônico, ou seja, correspondência enviada pelo computador. Ainda que seja enviado pelo computador da empresa, afirma, ele pertence ao empregado. (Processo TRT-SP Nº 20000 34734 0 Recurso Ordinário da 37ª VT de São Paulo Rito Sumaríssimo Relator Fernando Antonio Sampaio da Silva Publicado em 24/05/05).
De acordo com o referido entendimento, a leitura da mensagem pelo empregador fere “a garantia à intimidade (Constituição Federal, artigo 5º, inciso VIII)” e é equivalente “à escuta de conversa telefônica, conduta essa sabidamente reprimida pela jurisprudência”. Observe-se trecho da decisão em referência:
De outra parte, entendo que houve violação ao direito a intimidade do obreiro. Com efeito, “e-mail” nada mais é que correio eletrônico. Ou seja, correspondência enviada pelo computador. Ainda que se utilize o computador da empresa, o endereço (eletrônico) pertence ao reclamante: acnovaes@unimedconfesp.com.br manifesta a violação de correspondência, ainda que eletrônica, fere a garantia a intimidade (Constituição Federal, art. 5º, inc. VIII). Por analogia, o caso equivale à escuta de conversa eletrônica, conduta essa que sabidamente reprimida pela jurisprudência. (SILVA, F., 2008)[1].
Essa é uma questão bastante controversa, pois o Magistrado não destacou, em momento algum de sua decisão, a questão de que o e-mail acnovaes@unimedconfesp.com.br, o qual havia sido disponibilizado ao empregado a fim de que este desempenhasse suas atividades laborais, trata-se de e-mail corporativo, sobre o qual iremos dispor adiante.
O que se deve ressaltar é que correio eletrônico, culturalmente, já é a nomenclatura utilizada no Brasil, tanto que se percebe, no presente trabalho, sua constante utilização. Todavia, para que não houvesse possibilidade de interpretações diversas da realidade, como ocorreu com a decisão do TRT – 2ª Região, em referência, a tradução correta deveria ser correspondência eletrônica, para que o e-mail fosse totalmente desvinculado da ideia de ser algo similar aos Correios.
A utilização do e-mail no ambiente de trabalho
Atualmente, não se pode contestar que o e-mail, além de sua ampla utilização em residências, escolas e no comércio em geral, é uma ferramenta de trabalho demasiadamente útil no mercado empresarial moderno. As empresas disponibilizam e-mails corporativos aos seus empregados com o objetivo de dinamizar a operacionalização da companhia, a fim de obter, consequentemente, maior lucratividade com aquela atividade.
Não se pode negar, portanto, que para a grande maioria das atividades empresariais o e-mail é um instrumento de enorme importância. Citando-se a rotina diária de um advogado, por exemplo, hoje não se imagina como se dava o trabalho desse tipo de profissional liberal sem o e-mail, da forma como acontecia há alguns anos.
O trabalho do advogado foi utilizado como exemplo em virtude, exclusivamente, de conveniência. Todavia, pode-se afirmar que a grande maioria dos profissionais teve a vida bastante facilitada pelo uso do correio eletrônico em seus ambientes de trabalho. Podem-se exemplificar os publicitários, que trocam ideias e peças publicitárias por e-mails a todo o momento, o médico, que envia a receita por e-mail a seu paciente, o arquiteto, que prepara o projeto e o remete ao cliente da forma mais ágil possível.
Dentre outras vantagens proporcionadas pelo uso do e-mail pelos empregados no âmbito corporativo estão: (i) facilidade de utilização e praticidade do uso, levando-se em conta a burocracia inerente à utilização da correspondência postal; (ii) comunicação com pessoas que não se encontram no mesmo local de trabalho; (iii) a obtenção de uma resposta quase imediata, conforme o caso; (iv) permite verificar, quase que instantaneamente, se a mensagem foi recebida pelo seu destinatário ou não, através de notificação enviada para o endereço eletrônico do remetente; (v) possibilita o envio de documentos ou imagens anexados à mensagem; (vi) rapidez na comunicação entre empregados e empregadores, o que faz com que o trabalhador disponha de mais tempo para exercer suas atividades; e (vii) o baixo custo da utilização do correio eletrônico, já não há limites de envio/recebimento de mensagens mensal. Esses são apenas alguns benefícios concedidos às empresas graças à utilização do e-mail pelos empregados dessas corporações.
No entanto, da mesma maneira que o e-mail é considerado por quase todos como essencial, há quem também afirme ser um utensílio importante, contudo, se não for bem utilizado pelo empregado, ao invés de proporcionar maiores lucros para as empresas é capaz de prejudicá-las de diversas maneiras, atingindo negativamente não só o seu lado financeiro como até sua boa imagem perante a sociedade.
Os que defendem essa ideia entendem que, utilizando-se constantemente do e-mail no ambiente de trabalho, (i) o empregado perde muito tempo de labor para visualizar suas mensagens (ii) as mensagens eletrônicas causam distração no trabalho; (iii) os e-mails podem conter vírus; (iv) o envio/recebimento de e-mails é bastante impessoal, ou seja, não se tem contato direto com os seus destinatário, o que poderia ser prejudicial à imagem da empresa; (v) o empregado tem a possibilidade de receber e-mails com publicidade indesejada, os chamados spams; e (vi) o e-mail pode chegar em mãos erradas, podendo ser lido por concorrentes ou até por pessoas que jamais poderiam ter conhecimento de seu conteúdo.
Analisando-se os prós e os contras da utilização do e-mail no ambiente de trabalho, certamente há de se convir que as desvantagens demonstram-se bem inferiores às vantagens proporcionadas, já que aquelas podem ser analisadas e corrigidas, bastando, para isso, apenas um estudo mais direcionado feito pelas próprias empresas antes de fornecer um endereço eletrônico a seus empregados.
O e-mail corporativo destinado pelos empregadores aos empregados
O endereço de e-mail fornecido pelo empregador ao empregado é denominado e-mail corporativo ou e-mail institucional, e é considerado uma ferramenta de trabalho, exatamente por ser destinado à realização do serviço daquela determinada empresa. Por essa razão, não se poderia admitir a utilização do e-mail corporativo para uso pessoal, recebimento de mensagens pessoais, oriundas de amigos (as), namorados (as), familiares e etc., já que para ler e responder as referidas mensagens o empregado estaria desperdiçando tempo e, consequentemente, prejudicando sua atividade na empresa.
Todavia, há quem sustente, como Lippman (2004), em conformidade com entendimento jurisprudencial já citado, que as mensagens enviadas pelo correio eletrônico, inclusive o corporativo, estão protegidas constitucionalmente pelo mesmo sigilo destinado às cartas fechadas, pois se estaria tratando da proteção do direito à intimidade do trabalhador.
Um dos argumentos daqueles que defendem esse ponto de vista refere-se à questão de que, mesmo não estando no rol dos chamados “objetos de correspondência”, nos termos do art. 7º, §1º da lei nº 6.538/78, e mesmo não circulando via correio, o e-mail estaria entre os objetos descritos na lei em referência. Observe-se o disposto no referido dispositivo legal:
Art. 7º - Constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento.
§ 1º - São objetos de correspondência:
a) carta;
b) cartão-postal;
c) impresso;
d) cecograma;
e) pequena - encomenda. (BRASIL, 2008d).
O art. 47 do referido dispositivo legal dispõe que carta é: “objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário” (Ibid).
Para Pereira, A. (2003), a correspondência fechada corresponde a uma mensagem eletrônica que trafega sem qualquer mecanismo de segurança que impossibilite o acesso por terceiros não autorizados. Ainda segundo a autora, traçando-se um paralelo, a correspondência eletrônica encontraria alguma semelhança com a definição de cartão postal, uma vez que a mensagem circula na rede despojada de qualquer envoltório ou lacre, vale dizer em termos tecnológicos, sem proteção de segurança. Assim, quer com natureza de carta, quer com a natureza de cartão postal, o e-mail poderia ser entendido como objeto de correspondência, passível de proteção direta pelo sigilo das comunidades e, indiretamente, pelo direito à intimidade.
Para quem defende a tese explanada, ao empregador jamais poderia ser concedida a possibilidade de fiscalização ou monitoramento do e-mail corporativo destinado ao empregado, mesmo que o trabalhador possa estar utilizando o endereço eletrônico institucional para o envio/recebimento de mensagens pessoais, as quais não possuem qualquer relação com seu ambiente de trabalho. A fundamentação para essa tese seria a observação do art. 5º, inciso XII da Constituição Federal, que dispõe acerca da inviolabilidade do sigilo de correspondência. Sendo o e-mail considerado correspondência, sua inviolabilidade também estaria garantida constitucionalmente, nos termos do dispositivo constitucional supracitado (BRASIL, 2008a).
No entanto, há quem ponha sobre a mesa ponto de vista totalmente diferente, do qual somos mais passíveis a aceitar. Gonçalves (2008) questiona se alguma pessoa, na qualidade de empregadora, aceitaria que um empregado divulgasse o endereço da empresa como seu endereço pessoal de correspondência física, recebendo cartas e encomendas pessoais em seu local de trabalho. Continuando nessa mesma linha de raciocínio, indaga qual seria a consequência se todos os empregados daquela empresa fizessem o mesmo, ou seja, utilizassem o e-mail corporativo como se pessoal o fosse.
Supõe, ainda, a possibilidade de todos os empregados enviarem, da empresa e às expensas dela, suas cartas e correspondências, comparando a situação com a da correspondência virtual, e analisando-se o local de trabalho com o servidor de mensagens. A preocupação do advogado paulista em referência merece análise mais profunda por empregados e empregadores. Na verdade, deve-se entender que o e-mail corporativo, repita-se, aquele fornecido pela empresa, é uma ferramenta de trabalho, a qual somente deve ser utilizada para os fins daquela determinada companhia.
Já com relação ao e-mail pessoal, criado pelo próprio indivíduo através do acesso a qualquer um dos diversos sites disponíveis na internet, como Yahoo, Gmail, Hotmail e etc., a situação é completamente diferente, já que, nesses casos, o endereço de interesse unicamente pessoal do empregado, não tendo qualquer relação com suas atividades feitas na empresa em que trabalha.
No que concerne à questão do correio eletrônico corporativo como ferramenta de trabalho, não é difícil fazer uma analogia do e-mail institucional com outros instrumentos de trabalho disponibilizados pelo empregado. Poder-se-ia imaginar uma empresa que trabalhe com venda de planos de saúde. Para atingir seus objetivos, necessita da constante presença dos seus vendedores nos domicílios dos clientes, a fim de firmar novos contratos. A cada equipe de vendedores é disponibilizado um carro que deve ser utilizado pelos empregados para cumprirem suas obrigações diárias. Seria legal ou justo se os empregados, no cumprimento de suas tarefas passassem a apanhar e deixar seus filhos nas escolas, ou a alterar a rota traçada pelo empregador para deslocar-se à casa de algum amigo ou familiar para entregar ou receber determinada encomenda, por exemplo?
A razoabilidade leva a repugnar tal possibilidade, já que o objetivo da disponibilização daquele veículo, como ferramenta, instrumento de trabalho, está sendo totalmente desvirtuado, mesmo que as vendas não deixem de ser feitas. No entanto, a produtividade da empresa poderia ser muito maior – até mesmo com menos gastos com combustível e manutenção – caso o empregado não agisse de tal forma e desprendesse seus esforços unicamente com o intuito de cumprir as metas traçadas por seus superiores hierárquicos.
Com relação à utilização do e-mail corporativo para envio/recebimento de mensagens pessoais ocorre exatamente a mesma situação, ou seja, apesar de o trabalho não deixar de ser cumprido em face dessa atitude do empregado, agindo dessa maneira há o comprometimento expresso da produtividade da empresa. Além disso, há de ser ressaltado também que ao disponibilizar ao empregado um e-mail corporativo, a imagem da empresa está completamente vinculada ao endereço eletrônico, já que, normalmente, o correio eletrônico é padronizado da seguinte maneira: nomedoempregado@nomedaempresa.com.br.
Suponha-se que haja um empregado de uma hipotética empresa chamada SaudeBrasil denominado João. Seu e-mail institucional, provavelmente, seria joao@saudebrasil.com.br, o que faria com que todos que recebessem e-mails pessoais do empregado João relacionassem, inconscientemente, o nome e a imagem da empresa ao conteúdo daquela mensagem recebida.
Voltando ao exemplo dos veículos disponibilizados aos vendedores, também se pode observar outra analogia interessante. Provavelmente os automóveis possuiriam o nome da empresa estampado em sua lataria, até mesmo por uma questão de marketing, a fim de proporcionar uma maior divulgação do nome do empregador. Seria viável que esse veículo frequentasse ambientes alheios às atividades inerentes ao seu trabalho, como praias, bares, festas, clubes, ou outros locais indevidos, expondo o nome da empresa dessa maneira?
Certamente devem-se levar em consideração as ponderações em referência, sempre tendo em mente que o e-mail corporativo é um instrumento de trabalho, o qual é proporcionado pelo empregador para o aumento da produção do empregado, em virtude das facilidades e comodidades inerentes ao correio eletrônico.
Já com relação ao e-mail pessoal do empregado, todavia, conforme já exposto, nem o empregador nem qualquer pessoa sem a autorização ou senha disponibilizada pelo dono da conta de correio eletrônico podem vasculhar o teor de suas mensagens, por tratar-se de mensagens de interesse íntimo e pessoal do próprio empregado, ao contrário das mensagens enviadas e/ou recebidas através de e-mails corporativos, cujo teor pode ser analisado pelo empregador, já que seu conteúdo deve conter apenas matéria relativa ao desempenho de suas atividades.
Há bem pouco tempo, conforme já mencionado, não havia decisão dos tribunais superiores do Brasil com relação à possibilidade/impossibilidade de o empregador monitorar o e-mail corporativo disponibilizado ao empregado a fim de fiscalizar de melhor forma suas atividades. Contudo, o Tribunal Superior do Trabalho (BRASIL, 2008)[2], em decisão proferida por Dalazen, determinou o reconhecimento do direito do empregador de obter provas para despedir o empregado com justa causa através do rastreamento do seu e-mail de trabalho, ou seja, o monitoramento daquele e-mail corporativo destinado ao empregado.
A controvérsia iniciou-se com o procedimento adotado pelo HSBC Seguros Brasil S.A. depois de tomar conhecimento da utilização, por um empregado de Brasília, do correio eletrônico corporativo para envio de fotos de mulheres nuas aos colegas. No mês de maio de 2000, o empregado obteve sentença favorável de primeira instância, na qual havia disposição expressa determinando a anulação da justa causa em virtude de suposta inconstitucionalidade na conduta do empregador. A empresa, contudo, confiante na constitucionalidade de sua atividade, interpôs recurso ordinário junto ao TRT do Distrito Federal (DF) e Tocantins (TO), 10ª Região, tendo o recurso sido julgado procedente, com o reconhecimento da licitude da prova obtida com a investigação feita no e-mail. De acordo com a decisão proferida pelo TRT – 10ª Região, a empresa poderia rastrear todos os endereços eletrônicos “porque não haveria qualquer intimidade a ser preservada, pois o e-mail não poderia ser utilizado para fins particulares”.
Percebe-se, a partir da referida decisão, que diferentemente do julgado proferido pelo TRT – 2ª Região, o qual determinou a impossibilidade de monitoramento do correio eletrônico corporativo pelo empregador, o TRT – 10ª Região levou em consideração o âmago do problema, qual seja, a origem e a finalidade daquele e-mail corporativo destinado ao empregado. O empregado recorreu ao TST, cuja Primeira Turma, em julgamento de tema inédito, decidiu, por unanimidade, que realmente não houve violação à intimidade e à privacidade do empregado e que a prova obtida dessa forma é legal.
Segundo o relator do processo no TST (BRASIL, 2008)[3], Ministro Dalazen o empregador pode exercer "de forma moderada, generalizada e impessoal" o controle sobre as mensagens enviadas e recebidas pela caixa de e-mail por ele fornecida, estritamente com a finalidade de evitar abusos, na medida em que o e-mail pode causar prejuízos à empresa. O relator continuou afirmando que esse meio eletrônico fornecido pela empresa tem natureza jurídica equivalente a uma ferramenta de trabalho. Dessa forma, a não ser que o empregador consinta que haja outra utilização, destina-se ao uso estritamente profissional. Enfatizou, ainda, que o e-mail disponibilizado pela empresa não pode servir para fins pessoais, para o empregado provocar prejuízo ao empregador com o envio de fotos pornográficas, por meio do computador e provedor também fornecidos pela empresa. No voto em que propõe a rejeição do recurso do ex-empregado, Dalazen esclareceu que a senha pessoal fornecida pela empresa ao empregado para o acesso de sua caixa de e-mail "não é uma forma de proteção para evitar que o empregador tenha acesso ao conteúdo das mensagens" (BRASIL, 2008)[4].
Na verdade, a senha tem a função de proteger o próprio empregador, evitando que terceiros tenham acesso às informações da empresa, muitas vezes confidenciais, trocadas pelo correio eletrônico. Ora, nada mais óbvio, já que, como de costume nas empresas, é o próprio empregador quem fornece a senha aos empregados.
O relator admitiu, no entanto, a "utilização comedida" do correio eletrônico para fins particulares desde que sejam observados "a moral e os bons costumes".
Em virtude da ausência de norma específica a respeito da utilização do e-mail de trabalho no Brasil, o Ministro Dalazen recorreu ao Direito Comparado, utilizando-se da analogia de casos ocorridos no Reino Unido, por exemplo, que desde o ano 2000 já autorizou os empregadores a monitorar os e-mails e telefonemas de seus empregados. Além do citado país, de acordo com o relator, nos Estados Unidos foi reconhecido pela Suprema Corte que os empregados têm direito à privacidade no ambiente de trabalho, mas não de forma absoluta. A tendência dos tribunais norte-americanos seria a de considerar que em relação ao e-mail fornecido pelo empregador não há expectativa de privacidade (BRASIL, 2008)[5].
O relator enfatizou, ainda, que os direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, dizem respeito apenas à comunicação estritamente pessoal, ou seja, é possibilitado ao empregador o monitoramento do e-mail corporativo. Assim, entendeu que o correio eletrônico pessoal do empregado é inviolável, mesmo quando é utilizado no ambiente de trabalho. No caso do e-mail corporativo, concluiu, é concedido ao empregador o poder de exercer controle do conteúdo das mensagens que trafegam pelo seu sistema de informática.
Perceba-se que a decisão inédita do TST demonstrava, de qualquer maneira, uma preocupação com a questão dos limites do poder empregatício, já que o monitoramento do e-mail corporativo, apesar de ter sido permitido pelo tribunal superior, deve ser realizado “de forma moderada, generalizada e impessoal”. A decisão do TST causou certo alvoroço entre advogados, magistrados, empregadores e empregados, em virtude de seu caráter inédito. Muito já foi debatido e exposto em opiniões, editoriais de jornais e artigos publicados, principalmente, na internet. A maioria dos advogados especializados em direito eletrônico concordam com a decisão do TST, admitindo que uma empresa investigue o e-mail de trabalho do empregado com a finalidade de obter provas que possam levar até a demissão por justa causa. Um dos aspectos ressaltados pelos advogados é que a empresa responde solidariamente pelos atos praticados por seus empregados, conforme estabelece o Código Civil (CC) em seu artigo 932, III (2008b).
Para Blum (2008)[6], especialista em direito eletrônico do escritório Opice Blum Advogados, "a decisão do TST vai pôr ordem nessa questão [...] o controle é legal e não viola a privacidade do empregado". Já Pereira, J. (2008)[7] entende que o empregado não deve ter a expectativa de privacidade absoluta sobre o seu correio eletrônico. Diz que o monitoramento por parte da empresa não deve incluir apenas o uso do equipamento para fins considerados "moralmente censuráveis, desde que o envio de e-mail atrapalhe o trabalho do empregado e prejudique a empresa, esta pode valer-se do monitoramento, inclusive para demitir o empregado por justa causa".
Na esteira da histórica decisão do Tribunal Superior do Trabalho em referência, posteriormente foi havendo uma sucessão de decisões no mesmo sentido, como exemplo a proferida pela 7ª Turma, nos autos do AIRR-1542/2008-055-02-40.4, publicada em 06/06/2008. Neste caso, o TST rejeitou recurso de agravo de instrumento de trabalhador contra decisão que manteve sua decisão por justa causa, entendendo que o e-mail estaria sendo usado para fins pessoais por meio de equipamento e tecnologia disponibilizados pela empresa. Note-se que, in casu, não havia o agravante do envio de mensagens pornográficas. Tratou-se, simplesmente, de mensagens de caráter pessoal, o que ratifica o entendimento consolidado do TST sobre o tema atualmente.
O entendimento foi efetivamente abraçado pelo Tribunal Superior do Trabalho e, atualmente (2016), pode-se afirmar o TST possui jurisprudência formada no sentido da possibilidade do monitoramento do correio eletrônico corporativo disponibilizado aos empregados.
Observa-se, portanto, que o monitoramento do e-mail corporativo do empregado pelo empregador é uma atividade legal, em virtude da natureza deste tipo de correio eletrônico, o qual tem por objetivo único e exclusivo o cumprimento das funções referentes àquele ambiente de trabalho, devendo ser vedada a utilização do mesmo para fins pessoais.
Neste sentido, deve-se salientar a necessidade de as empresas observaram certos parâmetros de monitoramento, já que a observação dos e-mails corporativos do empregado não pode ultrapassar os limites do poder diretivo do empregador, conforme já exposto diversas vezes.
Assim, o empregador não poderia contratar um empregado para monitorar o e-mail de um empregado especificamente, por exemplo. Da mesma maneira como também não seria possível um monitoramento absoluto, em tempo integral, observando que o Ministro Dalazen dispôs claramente que o controle dos e-mails não pode ocorrer de forma absoluta (BRASIL, 2008)[8].
Finalizando, deve-se perceber que, com relação aos parâmetros para o monitoramento do e-mail corporativo do empregado, as empresas devem se esforçar com bastante cautela para que o monitoramento dessas mensagens corporativas não seja feito de forma incorreta e abusiva, até porque esta atitude pode gerar problemas futuros, como pagamento de indenizações pela não-observância dos limites do poder empregatício.
Não faltam formas legais e viáveis para que se proceda ao monitoramento do e-mail corporativo dos empregados sem exceder-se os limites da razoabilidade, e é exatamente isso que se procura, ou seja, apesar do avanço da tecnologia e da necessidade do consequente avanço do direito, a proteção da dignidade humana deve aparecer, em todas as oportunidades, no lugar mais relevante.
Conclusão
Como visto, o tema abordado no presente trabalho é deveras novo, fato que gera muitas divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto. Ratificando esta afirmativa, basta citar, novamente, que somente no ano de 2005 o Tribunal Superior do Trabalho entendeu ser possível o monitoramento do e-mail corporativo pelo empregador, no ambiente de trabalho, decisão esta que ia de encontro ao que os Tribunais de 2ª instância vinham proferindo.
Atualmente, o entendimento está mais consolidado e espraiando-se para os TRTs, apesar de alguns julgadores ainda disporem acerca da inconstitucionalidade do procedimento exercido pelo empregado, fundamentando tal entendimento na impossibilidade de violação da intimidade do cidadão, conforme disposto no art. 5º, X, da Constituição Federal.
A partir de breve análise do disposto alhures, pode-se perceber que o tema ratifica, mais uma vez, a necessidade da constante evolução, mobilidade do direito perante as mudanças repentinas que vêm ocorrendo na sociedade.
Ora, a norma legal mais recente que dispõe acerca do sigilo de comunicações é a Lei nº 9.296/96, e, analisando-se seu conteúdo, não é encontrado qualquer dispositivo acerca da utilização de e-mails, quem dirá acerca do monitoramento de correio eletrônico corporativo pelo empregador no ambiente de trabalho, tema ainda mais restrito.
Todavia, conforme já exposto, a utilização do e-mail corporativo pelos empregados já é uma realidade em grande parte das empresas brasileiras que necessitam de comunicação rápida, barata e, principalmente, desburocratizada.
É óbvio que qualquer empregador/empresário, ao invés de comprar um envelope, redigir uma carta, lacrar o envelope, enviar aos Correios e pagar um valor para tanto, prefere, em questão de segundos, enviar um e-mail com um arquivo anexo para diversos destinatários ao mesmo tempo, sem ter qualquer gasto além daquele com o serviço de internet para tanto. Não obstante, repita-se, não há qualquer norma legal que disponha acerca da utilização de e-mails no Brasil, seja o correio eletrônico pessoal, seja o corporativo, deveras citado no presente trabalho.
Em face da necessidade de cumprimento do art. 5º, II, da Constituição, ou seja, do princípio da legalidade, que dispõe que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, entende-se não haver qualquer impedimento ao monitoramento do e-mail corporativo pelo empregador. Deve-se ressaltar, contudo, que na ausência de legislação específica acerca de determinado assunto, os princípios, como fundamentos basilares em um Estado Democrático de Direito, devem ser utilizados de forma a resguardar os preceitos constitucionais neles contidos.
Assim, não é por inexistir legislação específica acerca da utilização do e-mail no Brasil que deve ser possibilitado ao empregador proceder ao monitoramento indiscriminado da utilização do correio eletrônico por seus empregados.
Pelo contrário, a proteção à intimidade das pessoas é resguardada no art. 5º, X da Constituição Federal, razão pela qual o monitoramento do e-mail corporativo somente pode ocorrer de forma genérica, impessoal, a fim de impor limites ao poder empregatício, ou seja, para evitar a configuração de abuso de direito do empregador quando da vigilância do trabalho de seus empregados.
Parece que depois da decisão do Tribunal Superior de Trabalho em 2005, na qual decidiu ser legal o monitoramento do correio eletrônico corporativo, levando-se em consideração alguns critérios de limitação do poder empregatício, a jurisprudência pátria deve seguir uma determinada uniformidade, até então, jamais os tribunais brasileiros de instâncias inferiores haviam tratado acerca da relativização dos direitos constitucionais citados no parágrafo anterior.
Demais disso, antes da referida decisão do TST não havia qualquer julgado vencedor no referido Tribunal que houvesse disposto acerca do ponto principal da questão, qual seja: o e-mail corporativo é uma ferramenta de trabalho disponibilizada pelo empregador, sendo este que escolhe qual será o endereço virtual do empregado e, na maioria das vezes, até a sua senha, ou seja, não há a intenção de proporcionar ao empregado uma ferramenta pessoal de comunicação, mas sim um instrumento de trabalho útil e célere para auxiliar no cumprimento das tarefas laborais diários.
Em face de sua natureza própria, portanto, o e-mail corporativo não pode ser utilizado pelo empregado para fins pessoais. É justamente em virtude disso que não se deve confundir o e-mail corporativo com o correio eletrônico pessoal, criado pelo próprio indivíduo, que escolhe sua senha e sua identificação.
Concluindo, é bastante salutar entender que, na ausência de legislação específica sobre o assunto, as empresas devem reunir-se com seus empregados com o intuito de esclarecer a atual situação que a jurisprudência vem criando, e determinar regras claras sobre a utilização do e-mail corporativo.
Dessa maneira, poderiam ser solucionados os problemas de ambas as partes, já que seriam minimizadas as chances de haver prejuízos para as empresas, de um lado, e se evitam as chances de maiores complicações para os empregados, inclusive com relação a rescisões contratuais por justa causa, da forma como foi reconhecido pelo TST na decisão do ano de 2005, corroborada amplamente pela jurisprudência atual.
[1] <http://www.conjur.com.br/static/text/34965,1>.
[2] <www.tst.gov.br>.
[3] <www.tst.gov.br>.
[4] <www.tst.gov.br>.
[5] <www.tst.gov.br>.
[6] <www.tst.gov.br>.
[7] <http://www.serpro.gov.br/noticiasSERPRO/20080517_04>.
[8] <www.tst.gov.br>.