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A evolução das relações trabalhistas e os poderes empregatícios

Agenda 05/04/2016 às 16:39

Trata do início das relações de trabalho e as modificações impostas pelos avanços tecnológicos com relação ao poder empregatício.

A EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS E OS PODERES EMPREGATÍCIOS

As relações de trabalho, desde que tiveram início a partir da Revolução Industrial no século XVIII, sempre foram marcadas pela hierarquização existente entre empregador e empregado.

A hierarquia constante nesta relação é evidente em qualquer vínculo laboral, e caracteriza-se pela subordinação do empregado ao comando do empregador, obviamente, sem que haja descumprimento dos preceitos previstos na Constituição Federal.

Assim, ao ser admitido em determinada empresa, seja pública ou privada, não há a necessidade de explicitar ao empregado, expressamente, a existência do poder hierárquico naquela relação de trabalho. Tacitamente já existe a consciência do respeito pelo seu superior, no que concerne às atividades daquele local.

Por outro lado, deve-se ter em consideração que o processo hierárquico não poderá violar princípios básicos, como a dignidade humana, a boa-fé e a razoabilidade, além de dever estar, em todos os casos, previsto no contrato laboral firmado entre as partes.

Entende-se que o poder empregatício, ou seja, o poder de comando do empregador, possui função primordial nas relações laborais, pois esta prerrogativa conferida aos empregadores faculta-lhe possibilidades de dirigir e comandar a prestação de serviço dos empregados, de criar e regular normas e punir o empregado, na forma permitida em lei, em virtude de alguma falta cometida. O poder empregatício divide-se em: poder organizacional, poder disciplinar e poder de controle.

A partir destes breves esclarecimentos, poder-se-ia inferir que, ao atuar utilizando-se do poder hierárquico e suas ramificações aqui expostas, o empregador teria controle total sobre a atuação dos empregados, podendo, inclusive, “investigar” de uma forma mais detalhada suas atividades, tais como ligações telefônicas e mensagens de correio eletrônico pessoais porventura enviadas e/ou recebidas.

Demais disso, além da possibilidade de monitoramento, poder-se-ia entender também que, como o empregador, em regra, é o dono, ou seja, o proprietário de todos aqueles equipamentos utilizados pelos empregados em seu ambiente de trabalho, inclusive os microcomputadores, seria razoável que o mesmo pudesse dispor dos referidos equipamentos da forma como bem entendesse, já que a Carta Magna, em seu art. 5º, XXII, resguarda o direito à propriedade ao cidadão brasileiro.

Na verdade, o que se admite é o monitoramento das atividades de forma moderada, genérica e impessoal, respeitando-se o direito à intimidade do empregado ao disponibilizar ao empregado o microcomputador e o serviço de internet, o empregador deseja que eles sejam utilizados com o único objetivo de cumprimento das tarefas da empresa.

Para que se possa comprovar com total eficácia que o empregado não estaria utilizando o serviço e o equipamento em referência de forma distinta do objetivo do empregador, este poderia monitorar, eletronicamente, através de sistemas de informática, todas as mensagens enviadas e/ou recebidas pelo empregado.

Os defensores dessa tese podem ratificar sua validade ao afirmar que a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, XXII, protege a propriedade e, em sendo o microcomputador propriedade do empregador, eles poderiam dispor do equipamento da forma como bem entendesse.

Todavia, a mesma Carta Magna, em seu art. 5º, XII, também no rol dos direitos fundamentais, dispõe claramente acerca da inviolabilidade de correspondência e, analogicamente, violar a correspondência eletrônica do empregado seria o mesmo que abrir uma carta normal, enviada pelos Correios, sem a devida permissão do destinatário.

A evolução das relações trabalhistas

Conforme Mauricio Godinho Delgado, a relação empregador/empregado, da maneira como se conhece atualmente, teve origem a partir da Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra no século XVIII. Foi somente a partir desse momento histórico que se começou a perceber, principalmente por parte da elite industrial da época, a importância da valoração dos empregados a fim de que se pudesse alcançar mais produtividade e, consequentemente, maior margem de lucro para suas fábricas e indústrias.

Em tempos de escravidão, somente se admitia o trabalho manual exercido pelos escravos e servos, não havendo qualquer dedicação dos nobres ao trabalho. Em determinadas culturas, como na Grécia Antiga, berço da civilização ocidental contemporânea, a dignidade do homem consistia em participar da vida ativa das cidades através de suas palavras, utilizando-se de seu intelecto, e o trabalho era mero sinônimo de força física, sempre visto em sentido depreciativo.

Na idade média, o regime de servidão característico da sociedade feudal também não deixava as injustiças de lado, já que os senhores feudais forneciam proteção aos servos que, em troca, prestavam serviços nos denominados feudos, ou seja, aí também não havia liberdade para o trabalhador.

Surgiram as Corporações de Ofício, as quais foram formadas a partir da associação de artesãos de uma mesma profissão que se agrupavam para se verem livres do jugo do senhor feudal. Posteriormente, os Mestres das Corporações, anteriormente oprimidos pelos senhores feudais, passaram a oprimir os seus subordinados. As Corporações de Oficio, portanto, foram suprimidas pelos ideais de liberdade do homem defendidos pela Revolução Francesa (Lei de Chapelier, 1791). No lugar das Corporações de Ofício, surgiram os ideais de trabalho livre, da concorrência, ou seja, todos os pressupostos da igualdade e da liberdade contratual. A partir da existência e da consolidação do trabalho livre, surgiu a gênese da relação empregatícia contemporânea.

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No início do século XIX, contudo, começou-se a perceber que o ideário de liberação da Revolução Francesa, eclodida no final do século XVIII, ao invés de provocar igualdade e liberdade entre os homens, na verdade passou a construir uma sociedade extremamente desigual, na qual poucos detinham muito poder em detrimento do sofrimento da maioria da população. Fato que se assemelha bastante com a atual realidade social, diga-se. Eram os tempos do Liberalismo Econômico e da “mão invisível do mercado”, propagada por Adam Smith em seu livro “A riqueza das nações”. Em face da caótica situação, várias crises econômicas eclodiram, e era patente a diminuição do número de trabalhadores em virtude do crescimento na utilização das máquinas. Verificou-se um aumento do número de desocupados, os quais foram denominados por Marx (1987), em “O capital”, como o “Exército Industrial de Reserva”, aumentando a miséria e o desespero dos desempregados e mutilados pelas máquinas.

Diante dessa situação – insuportável para qualquer ser humano –, a verdadeira revolução iniciou-se a partir da vontade e, principalmente, da atitude dos próprios empregados. Com uma jornada laboral desumana, indistintamente para homens, mulheres e crianças, não havia tempo para qualquer atividade além do trabalho. Para a imensa maioria dos trabalhadores fabris e diversos outros tipos de empregados, viver resumia-se a sobreviver. A média de vida das pessoas raramente ultrapassava os 30 anos de idade, o que fez com que os empregados começassem a pensar, pela primeira vez na história, em uma forma de chamar a atenção dos empregadores acerca de sua importância naquele ambiente de trabalho obviamente cruel.

A greve foi o meio mais eficaz para atingir os fins dos trabalhadores, ou seja, maior liberdade, flexibilização da jornada de trabalho e, consequentemente, mais qualidade de vida para suas famílias. Obviamente, o movimento paredista somente trazia prejuízos aos empregadores, que viam sua força de trabalho estagnada, sem nada poder fazer, pois a paralisação era aderida por quase a totalidade dos empregados.

Assim, o Estado começou a influenciar nas relações trabalhistas com o objetivo de regularizar a relação empregador/empregado, protegendo, claro, o hipossuficiente. O então Papa Leão XIII propôs a “colaboração entre o capital e o trabalho, a intervenção do estado por meio de leis justas que defendessem os trabalhadores, reconhecendo a estes o direito de associarem-se para defesa de seus próprios interesses no mercado de trabalho e, por fim, salário justo para o operário e sua família” (Rerum Novarum).

Atualmente, com a economia neoliberal encabeçada pelos Estados Unidos a partir da segunda metade do século XX e, principalmente, após a derrocada dos países comunistas com a queda do Muro de Berlim, a tendência é haver um retorno à situação pretérita, na qual praticamente inexistia intervenção estatal nas relações empregatícias.

Nesse sentido, alguns entendem que a flexibilização das leis trabalhistas, assunto tão aclamado na mídia atualmente, será o marco zero para o fim da intervenção estatal, já que a razoabilidade força-nos a afirmar que, em um futuro próximo, o acordo extrajudicial empregador/empregado deverá prevalecer na solução dos conflitos existentes entre eles.

A hierarquização e o Poder Empregatício

Da forma como o poder hierárquico do empregador resta explicitado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), poder-se-ia inferir não haver limites para o empregador administrar sua atividade, conforme se observa em uma leitura apressa do artigo 2º do diploma consolidado: “Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.

Observando-se o supracitado dispositivo legal, é possível perceber que em momento algum há disposição expressa acerca de qualquer limitação conferida ao poder hierárquico ou, como muitos preferem, poder de direção do empregador.

Todavia, não obstante o poder hierárquico possibilitar aos empregadores todas as prerrogativas citadas, das quais se tratarão separadamente em seguida, há de se observar que deve haver limites ao poder hierárquico.

A limitação é importante em virtude da necessidade do respeito ao princípio constitucional da dignidade humana, que não pode ser ofendido em virtude do respeito à teoria do abuso do direito do empregado no exercício do poder empregatício, conforme se observará no capítulo seguinte.

Não se pode olvidar, ainda, que a denominação poder hierárquico não é unânime perante a doutrina trabalhista pátria. Martins (2004), um dos grandes doutrinadores sobre o tema no Brasil, conceitua poder de direção como a forma como o empregador define como serão desenvolvidas as atividades do empregado decorrentes do contrato de trabalho, entendo tal conceito, a meu ver, como sinônimo de poder hierárquico.

Há, todavia, outros doutrinadores que utilizam uma separação diferenciada. Para Delgado (2008), a denominação mais apropriada seria poder empregatício, por tratar-se de expressão menos autoritária. Para o doutrinador em referência, poder empregatício seria o conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente prestação de serviços.

Já Barros (2007), relata que a expressão “poder hierárquico” não guarda tradição junto à doutrina brasileira, porquanto se trata de resquício do corporativismo, devendo-se falar em poder diretivo, que seria “a capacidade atribuída ao empregador de dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador, visando à realização das atividades da empresa”.

Não obstante haver divergências quanto à denominação utilizada para caracterizar o poder de direção do empregador, há um certo consenso da doutrina no que concerne ao sentido da expressão. Ou seja, os doutrinadores citados, apesar de não concordarem totalmente quanto à designação utilizada, conceituam o poder empregatício de uma forma bastante similar.

No presente trabalho, será utilizada a expressão poder empregatício, exatamente em conformidade com os ensinamentos de Delgado (2008). Realmente não há autoritarismo nesta expressão, mas sim a denotação real da questão da subordinação do empregado ao empregador. Neste contexto, pode-se afirmar que o poder empregatício do empregador divide-se em poder organizacional, poder disciplinar e o poder de controle.

O poder organizacional

O poder organizacional permite ao empregador traçar as metas que devem ser alcançadas pelo empregado. Para obter os objetivos almejados pelo empregador, o trabalhador deve levar em consideração diversas orientações com relação à organização geral da empresa. O empregador, além de efetivamente organizar o trabalho de seus empregados, deverá definir diversos outros aspectos administrativos da instituição, os quais também devem ser obedecidos por seus empregados, a fim de que não haja problemas na administração da empresa.

Assim, devem ser estabelecidos e devidamente informados aos empregados a estrutura jurídica da empresa, o seu número de trabalhadores, a carga diária de trabalho, além, obviamente, da apresentação do regulamento daquela corporação. Ao empregador é possibilitada a prerrogativa de definir qual a atividade que será desenvolvida na empresa: agrícola, comercial, industrial etc.

Aspecto relevante que se deve citar é a questão da organização social da empresa. Não se deve levar em consideração unicamente a questão econômica, mas também a organização da empresa com relação ao bem-estar social de seus empregados. Maurice Montuclard (2008)[1] cita o exemplo da França, onde as empresas, além de possuir órgãos de fins exclusivamente econômicos, como a assembleia e o conselho fiscal, também possuem órgãos cuja finalidade é unicamente trabalhista, como os delegados de pessoal e Comitês de Empresa, encarregados de cuidar do lado social das empresas.

O poder disciplinar

O poder disciplinar do empregador é outra ramificação de seu poder empregatício, que pode ser definido como o poder conferido para, além de verificar e fiscalizar o modo como seus empregados trabalham, aplicar sanções os subordinados caso alguma norma organizacional da empresa seja descumprida.

Perceba-se que, também com relação ao poder disciplinar, a suposta sanção a ser aplicada também não é ilimitada, devendo, obviamente, ser levados em consideração os princípios básicos da Constituição, já mencionados. Inclusive, esta questão é importante para que não haja possibilidades de prejuízos futuros para a empresa, como pagamento de indenização por danos morais em face de má-aplicação de determinada sanção ao empregado, por exemplo.

Segundo Delgado (2008), no Brasil, a ampla maioria da doutrina admite a existência e validade jurídica do poder disciplinar, o qual é fundado em três correntes doutrinárias: as doutrinas contratualista, da propriedade privada e do institucionalismo.

Para a doutrina contratualista, é o próprio contrato que figura como fundamento do poder disciplinar, ou seja, ao firmar determinado contrato de trabalho, o empregado dispõe-se a aceitar o poder punitivo do empregador, em determinadas ocasiões.

A doutrina da propriedade privada coloca como fundamento do poder disciplinar a propriedade da empresa, ou seja, o conjunto de bens pertencentes ao patrão. Assim, por ser proprietário de todos aqueles bens existentes na empresa, o empregador tem a prerrogativa de punir o empregado pela não-utilização perfeita de seus bens, até mesmo como forma de defender sua propriedade.

Finalmente, a doutrina do institucionalismo defende a existência de um poder maior, inerente a qualquer sociedade, o qual possibilita uma convivência social pacífica. Trata-se de um suposto poder social que existe e está presente para o bem da coletividade.

Nascimento (2002, p. 474) dispõe que “existe o poder disciplinar do empregador porque dentro de uma comunidade devem existir os meios necessários aos seus membros no interesse do grupo social organizado para que possam ser constrangidos”.

O poder de controle

A última ramificação do poder empregatício é o seu poder de controle. Utilizando-se deste derradeiro poder, o empregador possui a prerrogativa de efetivamente fiscalizar todas as atividades prestadas por seus empregados.

A fiscalização em referência diz respeito ao controle do horário de entrada e saída dos empregados, observação das tarefas que estão sendo desempenhadas, e a forma como elas estão sendo realizadas.

Inclusive, com relação ao controle do horário de saída e entrada dos empregados, a própria Consolidação das Leis do Trabalho dispõe, em seu art. 74, §2º, acerca da obrigatoriedade de registro manual, mecânico ou eletrônico em empresas que têm mais de 10 empregados, ou seja, obriga a utilização do ponto nas empresas com essa quantidade de empregados (BRASIL, 2008c).

É óbvio que com a evolução da tecnologia e de sua crescente inserção no ambiente de trabalho, atualmente há diversas outras formas de controlar as atividades do empregado. Há a possibilidade de utilização de câmeras instaladas no interior das empresas, revista dos empregados no final do expediente (sem que incorra em vexame ou constrangimento para o empregado, sempre de forma razoável), e a utilização de monitoramento do correio eletrônico do empregado como forma de observar se suas funções estão sendo devidamente cumpridas.

Posteriormente dar-se-á total atenção a este assunto no presente trabalho, ocasião em que serão analisados diversos tópicos relacionados ao monitoramento do e-mail corporativo do empregado, observando-se os princípios constitucionais da inviolabilidade da correspondência e do respeito à dignidade e intimidade humanas.

A partir destes breves esclarecimentos, poder-se-ia inferir que, utilizando-se do poder empregatício e suas ramificações aqui expostas, o empregador teria controle total sobre a atuação dos empregados de sua empresa, podendo, inclusive, “investigar” de uma forma mais detalhada suas atividades, tais como ligações telefônicas e mensagens de correio eletrônico pessoais porventura enviadas/recebidas.

Demais disso, além da possibilidade de monitoramento expresso acima descrita, poder-se-ia entender também que, como o empregador, em regra, é o dono, ou seja, o proprietário de todos aqueles equipamentos utilizados pelos empregados em seu ambiente de trabalho, inclusive os microcomputadores, seria razoável que ele pudesse dispor dos referidos equipamentos da forma como bem entendesse, pois a Carta Magna, em seu art. 5º, XXII, resguarda o direito à propriedade (BRASIL, 2008a).


[1] <http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224165253N5jCQ2ka4Mp33ON3.pdf>.

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