INTRODUÇÃO
É de fato notório que no cotidiano é bastante comum ouvirmos falar em uma verdadeira indústria de indenização que é muito demandada com fundamentação no instituto do dano moral. Daí justifica-se a elaboração deste trabalho científico, que tem como objetivo esmiuçar as possíveis manobras para tutelar as agressões a direitos e interesses que decorrem das relações de consumo, vislumbrando uma abordagem jurídica em torno de todo o funcionamento do organismo sob o aspecto individual mas, principalmente, coletivo.
Levando em consideração o sistema processual clássico frente ao desenvolvimento dos grandes centros urbanos e as amplas evoluções realizadas no funcionamento do sistema consumerista a sociedade ficou diante de tremenda complexidade sistêmica que ocasionou numa certa perda do controle pelas mãos dos homens. Surge assim, a necessidade da criação de uma tutela que resguarde os direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Neste sentido, para que esta defesa fosse exercida da melhor forma possível a Constituição Federal de 1988 consagrou em alguns de seus dispositivos a defesa dos Direitos Difusos e Coletivos, onde foram pioneiros nesta importante etapa evolutiva o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública, que concretizaram no ordenamento jurídico brasileiro os famosos direitos de terceira geração.
Hoje, torna-se muito fácil se perceber que todos os indivíduos da sociedade são consumidores assíduos e, independente de classe social ou faixa etária, consumirão desde início da vida até o final de suas existências. Deste modo é importantíssimo que as normas jurídicas estejam dispostas a proporcionar a guarida necessária para o bem estar social, não apenas sob o aspecto de vida individual, mas principalmente em prol de toda a coletividade.
Este TCC traz como problematização o esclarecimento das circunstâncias em que os legitimados estarão aptos para propositura das ações coletivas diante do preenchimento de todos os requisitos formais e materiais. Sendo assim, é utilizada metodologia dedutiva através de revisão bibliográfica de grandes autores como Humberto Theodoro Jr., João Batista de Almeida, José Afonso da Silva, José Geraldo Brito, Rizzato Nunes, Rui Stoco, Sérgio Cavalieri Filho, Youssef Said Cahali dentre outros também renomados. Apresentando-se dividido em três capítulos cujos quais tratam respectivamente do direito do consumidor, da tutela coletiva e do dano moral coletivo.
DO DIREITO DO CONSUMIDOR
Antes de adentrar nas questões específicas acerca do dano moral coletivo, torna-se indispensável tecer breves considerações a respeito das relações de consumo. Este será o campo em que se observará o funcionamento orgânico do instituto. Deste modo, além da evolução histórica, serão esclarecidos os principais conceitos, características, objetivos e fundamentos do Direito do Consumidor, que deverão ser observados no momento da fixação da medida correspondente aos danos provenientes da relação.
Evolução histórica
Desde a antiguidade, já eram verificados dados expressivos de práticas comerciais e os primeiros indícios de normas que tinham como objetivo o amparo deste tipo de relação. Desta forma, as medidas de reparo em caso de ilícito, sempre foram dotadas de um duplo caráter: o compensatório e o punitivo.
Na Ásia do antigo mundo, o Código de Hammurabi na Babilônia e o Sagrado Código de Manu na Índia, eram dotados de previsões relacionadas ao fornecimento de produtos ou serviços que, em razão de seus descumprimentos, estabeleciam sanções consistentes na realização de obrigações ou que podiam chegar, inclusive, a pena de morte.
Por volta de 320 a.C. na Grécia antiga, é verificado que na Constituição dos Atenienses, também existiu um cuidado especial com o polo frágil da relação. Sendo assim, o estado promoveu cargos de fiscalização que tinham como objetivo inspecionar pesos, medidas e a aplicação dos preços nas mercadorias com base em dados relativos ao valor comercial da matéria prima utilizada em sua fabricação.
Na Europa entre os séculos XIV e XVI, na Espanha, França e Itália, novamente percebeu-se a necessidade de uma proteção às relações comerciais, especialmente no fornecimento de gêneros alimentícios e vinho. Consequentemente, a proteção ao consumo continuou a enraizar-se nas leis e costumes que regiam a civilização da época. Como expressão do momento narrado, coloca Cervantes em obra literária:
[...] ordenou que não houvesse vendedores de comestíveis a retalho e que se pudesse mandar vir vinho donde se quisesse, e com obrigação de se declarar o lugar, para se lhe pôr o preço, segundo a sua avaliação, a sua bondade e a sua fama; e quem lhe deitasse água ou lhe mudasse o nome, morreria por elo;
Segundo Filomeno, na América do sul “também era preocupação das autoridades coloniais do século XVII a punição dos infratores a normas de proteção aos consumidores”. O principal foco continuava sendo os produtos, em especial o vinho. Destarte, do mesmo modo que ocorreu no Império Romano e Grécia da antiguidade, as leis vigentes visavam proteger os abusos verificados, rotineiramente, na aplicação de seus respectivos preços. Logo, no momento da comercialização, quem fosse pego em discordância com as medidas regulamentadas, poderia sofrer penas de multa, açoite ou, até mesmo, o banimento da capitania.
Por fim, durante a expansão dos grandes conglomerados urbanos entre os séculos XVIII e XX, num paralelo que se tinha o advento da revolução industrial na Europa e a implantação da Lei Shermann nos Estados Unidos, a consciência do movimento consumerista começou a ser formado. Uma ideologia baseada na defesa dos interesses difusos e coletivos que ganhou força efetiva no século seguinte, com a aprovação da resolução n. 39/248 de 1985, baixada pela ONU e que teve inspiração na declaração dos direitos do consumidor do Presidente John Kennedy de 15 de Março de 1962.
A resolução reconheceu a vulnerabilidade e desequilíbrio que os consumidores se encontram face as grandes estruturas dos fornecedores. Desta forma, enumerou normas que tiveram como objetivo auxiliar países a atingirem padrões elevados de consumo/distribuição e coibir as práticas abusivas, promovendo assim, condutas éticas e cooperação internacional para proteção e desenvolvimento das condições de mercado.
Além de estabelecer princípios gerais que estimulam o progresso, reforço e manutenção da política de proteção ao consumidor, a resolução, ainda, convoca os governos a editarem leis aplicáveis tanto a bens como a serviços, entretanto, com o cuidado de que não se tornem barreiras para fruição do comércio internacional. Finalmente, é importante ressaltar que as normas não são imperativas e deste modo, fica a critério de cada governo que a aderir e implementá-la do modo que achar cabível e de acordo com as suas próprias necessidades.
As primeiras legislações que tutelavam as relações de consumo no Brasil, tratavam-lhe de forma indireta, ou seja, eram normas que cuidavam de outras matérias, entretanto, de certo modo asseguravam a sua proteção. São exemplos das aparições iniciais no sistema jurídico, o Decreto n. 22.626 de 7 de Abril de 1933 que combatia a usura e os Decreto-Lei n. 869 de 18 de Novembro de 1938 e o de n. 9.840 de 11 de Setembro de 1946 que cuidam dos crimes contra a economia popular.
No entanto, além da criação do primeiro órgão de defesa do consumidor do país em 1978, o Procon de São paulo, os principais passos no cenário nacional foram dados a partir da década de 80, onde, iniciando um movimento de proteção aos interesses difusos e coletivos no campo do consumo, em 24 de Julho de 1985, foi promulgada a Lei n. 7.347 que disciplina a ação civil pública e que, por sua vez, começou a trazer a tona a responsabilidade por danos causados ao consumidor, juntamente com o Decreto Federal n. 91.469 que criou o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor.
O ato crucial que estabilizou a matéria no ordenamento jurídico brasileiro ocorreu em 5 de Outubro de 1988. A promulgação da Constituição Federal trouxe consigo em seus artigos 5º, XXXII e 170, V, respectivamente, a consagração da defesa do consumidor como direito e garantia fundamental e princípio geral da atividade econômica.
Correspondendo a vontade do poder constituinte originário prevista no artigo 48 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias o legislador também estabeleceu que o Congresso Nacional, no prazo de 180 dias, realizasse a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, que teve a sua promulgação em 11 de Setembro de 1990.
Finalmente, para que se chegasse ao padrão elevado e tornasse o consumidor brasileiro legislativamente bem equipado nos dias de hoje, o Código ainda passou por muitas modificações. Foram editadas medidas provisórias, leis e decretos correlatos que o alteraram ou complementaram e, de modo geral, favoreceram o polo frágil da relação. Estas alterações caracterizam-se por correções no texto de lei, ampliação de direitos e garantias, tratamentos mais severos as práticas abusivas e, por último, a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e órgãos correspondentes. Sobre o tema, Khouri , afirma:
[...] O CDC nada mais é do que uma tentativa de reequilibrar essa relação, tendo em vista a posição econômica favorável do fornecedor, impondo-se a necessidade de um equilíbrio mínimo em todas as relações contratuais de consumo. Outorgam-se direitos aos consumidores e não aos fornecedores, porque há uma desigualdades flagrante nesta relação, que sempre favoreceu estes últimos. É uma forma de atingir a igualdade material, tratando desigualmente os naturalmente desiguais.
A política nacional das relações de consumo
Em um estudo detalhado sobre os conceitos e princípios que compõem a relação consumerista, é importantíssimo que se tenha uma noção básica sobre os objetivos e princípios que regem a Política Nacional das Relações de Consumo.
Sendo assim, os principais objetivos são: o atendimento das necessidades dos consumidores buscando a pacificação e compatibilidade dos interesses envolvidos em conflito, concomitantemente, a postura do Estado como garantidor da qualidade de vida da população consumidora.
Como princípios, percebem-se a vulnerabilidade do consumidor, a presença do Estado, a harmonização de interesses, a coibição de abusos, o incentivo ao autocontrole, a conscientização das pessoas a que se destina a lei e a melhoria dos serviços públicos em geral.
Da relação jurídica de consumo.
O professor Nunes aduz que “haverá relação jurídica de consumo sempre que se puder identificar num dos polos da relação o consumidor, no outro, o fornecedor, ambos transacionando produtos e serviços”.
Vejamos então como o Código de Defesa do Consumidor e a doutrina trata cada um dos elementos supracitados que compõem esta relação abordando, inclusive, significados extraídos de dicionários da língua portuguesa.
O Dicionário Melhoramentos traz o seguinte conceito para a palavra consumidor: “Substantivo masculino: aquele que compra para o gasto próprio; adjetivo: que consome, que causa consumição”. Deocleciano Guimarães e Marcus Cláudio Acquaviva em seus respectivos Dicionários Jurídicos parecem concordar com a mesma classificação e atribuem-lhe as definições evidentes no próprio texto da Lei Consumerista.
A Constituição Federal do Brasil de 1988, ao estabelecer que o Estado promovesse a defesa do consumidor, não cuidou em delimitar quem seria este sujeito de direito, então, o CDC que ficou encarregado da conceituação da parte vulnerável da relação de consumo e, em seu artigo 2º, definiu como consumidor: toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, equiparando-se também, a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Ao tratar conceitualmente do termo “destinatário final” atribuído pelo CDC, houve uma divergência na doutrina no tocante a determinação de quem e em que circunstâncias se poderia estar nesta situação. Hoje em dia, o entendimento já se encontra pacificado, entretanto, inicialmente houve o surgimento de três correntes que serão aprofundadas a seguir: a finalista, a maximalista e a mista.
A teoria finalista, também conhecida como subjetiva ou teleológica, entende o consumidor como toda pessoa física ou jurídica que retira definitivamente o produto ou serviço de circulação do mercado, utilizando-os para suprir uma necessidade ou desejo pessoal e não para o desenvolvimento de outra atividade com cunho profissional ou econômico. Nesta teoria, não se admite que a aquisição ou utilização de produto ou serviço dê continuidade a atividade econômica. Khouri expressa a opinião desta corrente alegando que “não basta que o cidadão retire o produto do mercado, importa que ele o utilize como destinatário final”.
O pensamento maximalista ou objetivo deduz como consumidor em condição de destinatário final, a pessoa física ou jurídica que adquire produto ou serviço sem que se leve em consideração o fato do uso ser particular ou profissional, ou ainda, se terá ou não a finalidade de lucro. Neste caso, o importante é que não haja repasse ou reutilização dos mesmos. Assim, não será considerado destinatário final aquele que participa diretamente do processo de montagem, transformação, produção, beneficiamento ou revenda e apenas uma pessoa não será considerada consumidora na relação, ou seja, o fornecedor inicial da cadeia de produção e transição dos produtos ou serviços contratados.
Por fim, a teoria mista, que também é conhecida como híbrida, finalista temperada ou finalista aprofundada. Esta, que é adotada pela corrente majoritária da atualidade, se originou a partir das interpretações jurisprudenciais e reconhece como consumidor a pessoa física ou jurídica que adquire os produtos ou serviços e os utiliza como auxiliares em suas atividades, mesmo que sejam de caráter profissional ou econômico. Assim, é levada em consideração a interpretação da vulnerabilidade do consumidor. Neste sentido, no Recurso Especial nº 1195642 RJ 2010/0094391-6 o STJ decidiu:
CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO.FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritivado art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço,excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo,premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora. 6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas,tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio.Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos. 7. Recurso especial a que se nega provimento.
Após esclarecimento quanto aos posicionamentos doutrinários a respeito do conceito de consumidor final, resta-nos apenas a elucidação dos consumidores equiparados. Neste caso, o CDC estendeu à coletividade de pessoas e as vítimas do evento a condição de consumidor e em seu parágrafo único do art. 2º e nos arts. 17 e 29, cuidou especialmente destas pessoas.
A equiparação trata-se de uma manobra em que se deixa a tutela meramente individual e se passa a tutelar os grupos de pessoas determináveis ou não que, de alguma forma, tiveram contato ou foram expostas a práticas comerciais, mesmo que de maneira abstrata, seja na oferta, publicidade, cobrança de dívidas ou banco de dados de proteção ao crédito. Assim, basta que alguém seja atingido por produto ou serviço para que tenha seus interesses tutelados e para isso, há dispositivos que trazem previsões para defesa individual e coletiva.
Em relação ao fornecedor, o art. 3º do CDC o conceitua como:
Toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
É evidente que a legislação consumerista enquadrou no conceito, todo ente que desenvolve no mercado atividades com caráter econômico e profissional. Entretanto, não basta apenas o intuito lucrativo, é necessário que o fluir desta atividade seja realizado de forma habitual e a ausência de qualquer um destes elementos que, religiosamente estarão ligados, ocasionará na descaracterização da relação jurídica de consumo que, consequentemente, será regulada pelas normas convencionais do Código Civil.
Neste sentido, não poderão ser considerados fornecedores a pessoa que decide eventualmente colocar um objeto a venda, ou o profissional de saúde que decide realizar consultas gratuitas motivadas pelo mero sentimento de filantropia. Nos dois casos verificam-se respectivamente: a ausência da habitualidade em um, apesar do seu caráter econômico e, no outro, a falta da onerosidade, característica essencial dos contratos de cunho profissional e regra geral dos que estão sujeitos ao CDC.
Em estudo realizado por João Batista de Almeida 24 é verificada uma divergência doutrinária na classificação do Estado como fornecedor enquanto prestador de serviços públicos. Deste modo, aduz que:
Há autores, como Denari e Marins, que não fazem qualquer referência a serviços públicos excluídos da tutela, com isto, admitindo a incidência da tutela sobre todos eles. E há autor, como Pasqualotto, sustentando que não estão tutelados pelo CDC os serviços públicos próprios – aqueles prestados diretamente pelo Estado, como a defesa nacional e a segurança pública, mantido com o produto da arrecadação dos tributos em geral – por faltar-lhes o requisito essencial da remuneração específica, limitando-se a tutela do CDC apenas aos serviços públicos impróprios – prestados diretamente pelo Estado ou indiretamente, por meio de concessão, permissão ou autorização – na medida em que são custeados por meio de pagamento de taxas ou tarifas, como, por exemplo, os serviços de água, energia elétrica e telefonia.
A doutrina majoritária alega que só haverá relação de consumo quando estiver presente na figura do fornecedor a intenção de lucro, entretanto, o CDC não distinguiu os serviços públicos próprios dos impróprios e o seu objetivo é que todos eles sejam prestados de maneira adequada, eficaz, segura e, quanto aos essenciais, de forma contínua.
Quando em seu art. 6º, X e 22º, o CDC estabelece que o Estado forneça tais serviços, independente de qualquer distinção, se torna claro que esta subdivisão iria contra as necessidades inerentes a uma sociedade de massa e, em certos casos, a deixaria desprotegida ocasionando a falta de punição por eventuais danos aos consumidores.
Finalmente, toda relação jurídica pressupõe a existência de duas partes e um objeto de interesse. No caso da relação de consumo, o objeto será sempre um produto ou serviço e nos parágrafos 1º e 2º do art. 3º o CDC os indica da seguinte forma:
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2 º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Verificamos que é adotado um conceito universal e contemporâneo do termo “produto”, que está intimamente ligado à ideia tradicional de “bem” originária do direito civil. Os produtos se classificam como: móvel ou imóvel, material ou imaterial, durável ou não durável e, ainda, o produto gratuito.
Os produtos materiais são subdivididos em móveis e imóveis. Os móveis serão aqueles suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social, por sua vez, os imóveis serão o solo e tudo quanto se lhe incorporar de forma natural ou artificial.
Quanto aos imateriais, o CDC os alcançou de forma genérica, objetivando que a relação jurídica fosse resguardada para qualquer tipo de operação realizada. A regra geral é que eles, normalmente, se encontram nas operações financeiras, por exemplo, na concessão de crédito por meio de um contrato de mútuo.
Serão duráveis os produtos que não se acabam em virtude de sua utilização, contudo, eles podem deixar de atender a sua finalidade, ter a capacidade de funcionamento e eficiência reduzida, ou ainda, se desgastar naturalmente em decorrência do tempo.
Não duráveis são aqueles que se extinguem, totalmente ou aos poucos, pelo simples fato de serem utilizados. Este é o caso dos alimentos consumidos diariamente e remédios para o tratamento de uma patologia.
No tocante ao produto gratuito, há apenas uma única questão a ser esclarecida que também se aplica aos serviços de mesmo caráter. No parágrafo único do art. 39, o CDC faz menção à liberação do consumidor de qualquer obrigação de pagar oriunda de produtos entregues ou serviços prestados sem prévia autorização, todavia, é fundamental que estes obedeçam a todas as exigências legais de qualidade, durabilidade e proteção contra vícios e defeitos.
Na luz do CDC os serviços são definidos de maneira exemplificativa e não exaustiva. Trata-se de toda e qualquer atividade prestada no meio consumerista que objetiva um lucro, pode ter natureza pública ou privada e características duráveis ou não duráveis. Por sua vez, atividade é uma ação humana com determinado objetivo que, depois de concluída, se esgota. Logo, toda atividade praticada no meio comercial seria um serviço não durável, entretanto, as necessidades do mercado criaram os serviços duráveis, tais como energia elétrica, convênio de saúde, etc..
Os serviços não duráveis serão os que se extinguem uma vez prestados, por exemplo, serviço de transporte ou hospedagem. Ademais, serão duráveis aqueles que tiverem continuidade estipulada em contrato ou deixarem como resultado um produto, por exemplo, o caso do fornecimento de água ou a instalação de uma TV a cabo.
Enfim, após inclusão da pessoa jurídica no rol dos fornecedores do art. 3º do CDC, serão públicos os serviços prestados pelos entes de natureza pública de forma direta ou indireta, enquanto que, serão privados os fornecidos pelas empresas particulares pertencentes a indivíduos ou grupos em geral. 35
Alguns princípios e direitos fundamentais do consumidor.
A Política Nacional de Relações de Consumo deverá ser lastreada nos seguintes princípios: vulnerabilidade do consumidor, a presença do Estado, a harmonização de interesses, a coibição de abusos, o incentivo ao autocontrole, a conscientização das pessoas a que se destina a lei e a melhoria dos serviços públicos em geral.
A vulnerabilidade é o princípio mais importante da tutela do consumidor. A filosofia do movimento consumerista transcorre sobre ele e indica que o consumidor é a parte frágil da relação de consumo. Esta alegação tem reconhecimento universal e se dá em virtude dos evidentes sinais de fragilidade e impotência que, normalmente, o polo apresenta diante das grandes estruturas físicas e poder econômico dos fornecedores.
O princípio da presença do Estado indica que, diante do reconhecimento de hipossuficiência e desigualdade de uma parte em relação a outra, o Estado deve ser invocado para garantir a defesa e respeito dos interesses do lado vulnerável por meios legislativos e administrativos.
Na harmonização de interesses, entende-se que o objetivo do princípio é a mediação entre as partes para que se evitem conflitos acirrados e que, da melhor forma possível, sejam atendidas as necessidades dos consumidores em compatibilidade com o principal motivo de existência do fornecedor: fornecer bens ou serviços.
A coibição de abusos traz a tona o dever de garantia da Política Nacional de Relações de Consumo, intervindo com repressão a atos abusivos, tais como, punição dos autores e atuação preventiva para que se evite a ocorrência de novas práticas abusivas desestimulando potenciais infratores.
No incentivo do autocontrole se verifica que o Estado deve estimular que resoluções, inclusive alternativas as do CDC, devem ser criadas e custeadas pelos fornecedores para satisfação da pretensão dos consumidores. Nota-se que existem três maneiras de indução ao autocontrole: eficácia no controle de qualidade e segurança dos produtos ou serviços postos no mercado, a prática do recall e a criação de centros ou serviços de atendimento ao consumidor para que situações desagradáveis sejam resolvidas diretamente com o fornecedor.
Por conscientização do consumidor e fornecedor se deduz que a aplicação deste princípio, através da educação formal e informal, contribui para diminuição do índice de conflitos existentes nas relações de consumo e as equilibra de tal forma que atendam as necessidades e interesses das partes.
O princípio da melhoria dos serviços públicos indica que a área pública e oficial tem a obrigação de fornecer os serviços em moldes seguros e eficientes, evitando assim, que ocorram atentados contra a vida e saúde do consumidor e, consequentemente, que se aumente a sua qualidade de vida.
Alguns princípios são aplicáveis de forma específica a tutela consumerista. Dentre eles observamos o vulnerabilidade do consumidor que, conforme dito anteriormente, tem reconhecimento universal e é a espinha dorsal do movimento. O princípio da boa fé, que encontra-se no caput do artigo 4º do CDC e indica que as partes devem tratar a relação com extrema sinceridade, lealdade e transparência e, por último, o princípio da equidade, que sacramenta o equilíbrio entre direitos e deveres dos contratantes buscando a justiça contratual.
Além dos princípios norteadores que transcorrem na tutela do consumidor, é verificada a existência de direitos dotados de reconhecimento universal perante a ONU. São eles: o direito à segurança, à liberdade de escolha, à informação, o direito de ser ouvido, o direito à indenização, à educação para o consumo e a um meio ambiente saudável.
Estes direitos estão previstos na resolução nº 32/248 de 10 de abril de 1985 e, no âmbito jurídico consumerista brasileiro, é evidente a intenção do legislador em adotá-los com pequenas modificações à luz do CDC. 38
No art. 6º, dos incisos I à X, são enumerados todos eles de forma bem clara e detalhada, onde, são previstas garantias de segurança contra riscos oriundos de produtos ou serviços, educação sobre a forma adequada de consumo, liberdade de escolha, igualdade e proteção contra publicidade enganosa ou métodos coercitivos desleais, além de, resguarde contratual e previsões para prevenção e reparação de danos morais ou materiais com acesso de maneira facilitada aos órgãos jurídicos ou administrativos com direito a inversão do ônus da prova e a eficaz prestação dos serviços públicos em seu favor.
DA TUTELA COLETIVA
A organização social moderna e as lides coletivas.
Com a organização social moderna foram notados interesses nas relações entre indivíduos que pertenciam à comunidade como um todo, ou, a determinados grupos que a compõem e não exclusivamente a meros individualismos de seus integrantes. Deste modo, a tutela coletiva passou a ser um tema abordado em vários países do mundo que trouxe consigo institutos processuais que auxiliaram na proteção e soluções de novas lides que, de formas isoladas e adequadas ao sistema processual clássico, provavelmente não seriam resolvidas, consequentemente, surgiram melhorias na prestação jurisdicional.
Estas lides se caracterizam em meio à sociedade capitalista atual que tem, como um de seus principais aspectos, a produção e o consumo em massa que, em contrapartida, também geram litígios em grande escala que possuem a mesma origem e atingem de maneira potencial vários indivíduos simultaneamente.
Legalmente a tutela coletiva apareceu pela primeira vez no Brasil na década de 80, onde, por meio da Lei 7.347 de 1985 foi instituída a ação civil pública que cuidou da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, patrimônio público e social, à ordem econômica e outros interesses difusos e coletivos.
Logo em seguida, a Constituição Federal de 1988 conferiu o amparo destes direitos como uma das atribuições do Ministério Público no exercício de função essencial à justiça, entretanto, não detalhou quais seriam estes. Neste sentido em seu art. 129, inciso III, trata da seguinte forma:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”
Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor no art. 81, em perfeita harmonia com a Carta Magna, concretiza alguns princípios e regras constitucionais, estabelece parâmetros que definem os direitos em que será exercida a defesa, designa os limites para sua aplicação, atualiza alguns procedimentos e, em seu art. 91, cria a ação coletiva para defesa de individuais homogêneos de origem comum, conforme segue:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos, os decorrentes de origem comum.
Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes.
Dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
O professor Oliveira conceitua os direitos ou interesses difusos como “aqueles que superam núcleos individuais e cuja titularidade recai sobre pessoas indeterminadas ou indetermináveis, dada a impossibilidade de serem atribuídos a sujeitos singularmente considerados”.
As principais características dos direitos e interesses difusos são: no ponto de vista subjetivo, a quantidade indeterminada de titulares ao seu exercício sem vínculos jurídicos preestabelecidos e; no aspecto objetivo, a união de interesses indivisíveis que impossibilita definir onde tem início e fim o quinhão de cada titular, consequentemente, a satisfação ou lesão de um só interessado resulta na satisfação ou lesão de toda coletividade.
É exemplo de tutela judicial de interesses difusos a propositura de ação coletiva para interrupção de veiculação de propaganda enganosa ou abusiva prevista no art. 37 do CDC, ou que objetive a vedação da comercialização de produto nocivo ou periculoso a saúde ou segurança respaldada pelo art. 10 do mesmo código.
Quanto ao tema, Nunes faz ressalva relevante a uma criação de duplicidade de direitos existente numa relação deste tipo. Ele aduz que apesar da regra de uma coletividade indeterminada ser detentora do direito subjetivo, o fato não implica que alguém em particular sofra ameaça ou dano que o respalde para utilizar-se individualmente do aparelho judiciário a fim de satisfazer a sua pretensão de reparo.
Por exemplo, uma única pessoa pode demandar judicialmente, com o objetivo do recebimento de indenização por danos, em decorrência de complicações hospitalares causadas por efeitos colaterais resultantes do consumo de medicamentos de uma determinada marca que serviriam para certa finalidade e causavam efeitos adversos. Este produto fora oferecido por meio de propagandas de rádio, televisão ou outdoors e poderiam ser adquiridos em qualquer farmácia do país. Utilizando-se das palavras do professor, no caso em evidência “existem dois tipos de direito em jogo, ambos protegidos pelo regime legal consumerista: o direito difuso e o direito individual”44. Deste modo, o fato exige uma atuação veloz e eficaz dos legitimados a tomarem medidas cabíveis para que se impeça a violação dos interesses difusos da sociedade.
No tocante aos direitos ou interesses coletivos, eles se assemelham aos difusos, entretanto, possuem uma diferença: apesar da natureza transindividual e indivisível, são determináveis quanto à sua titularidade. Isto é, os legitimados ao exercício deste direito estão em uma coletividade ligada por meio de uma relação jurídica base que é comum a todos os integrantes.
Em comento à relação jurídica base, Didier ressalta que esta deverá estar constituída antes da lesão, deste modo, ficará evidenciado o caráter da anterioridade. Ou seja, para fins de tutela jurisdicional coletiva o importante é que, antes de tudo, se identifique um grupo, categoria ou classe, consequentemente, identificam-se os beneficiários que fazem parte da relação e que estão aptos à ação coletiva.
Como exemplo prático deste tipo de relação, tem-se a decisão do TJ-SP no Agravo de Instrumento: AI 20301218920148260000 SP 2030121-89.2014.8.26.0000, em que figuram no polo ativo o Ministério Público e no passivo uma instituição particular de ensino.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONSUMIDOR - Aumento abusivo de mensalidades escolares - Decisão em saneador rejeitou as preliminares de falta de interesse processual e ilegitimidade de parte ativa - Interesse processual verificado, diante da necessidade de se proceder a adequação dos valores das mensalidades escolares - Direito coletivo difuso - Existência de anterior Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta - Legitimidade de parte ativa do Órgão do Ministério Público fundada no art. 82, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor - Recurso desprovido.
O caso em evidência consiste em uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público em virtude do aumento abusivo no valor das mensalidades aplicado por determinada instituição de ensino na prestação de seus serviços educacionais. A entidade agravou a decisão do juízo a quo arguindo preliminarmente a carência da ação em virtude de que, em seu entendimento, estariam diante de um direito individual e determinável, não existindo assim, as condições necessárias da ação para que o MP pudesse agir.
Acontece que este recurso não prosperou, visto que, o interesse processual surgiu em virtude do descumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta previamente acordado e em razão da legitimidade ad causam conferida ao parquet, já que é possível determinar um grupo de interessados que tiveram direitos lesados, condizendo assim com a guarida jurídica elencada no art. 81, inciso II, do CDC.
Por fim, os interesses ou direitos individuais homogêneos são aqueles caracterizados como os que os sujeitos apresentam-se no plural e são determinados, concomitante com o objeto da demanda que será divisível, divergindo assim dos outros direitos dispostos no art. 81 da Lei Consumerista. Este fenômeno acontece pelo fato de que os titulares podem ser singularizados e promoverem, por conta própria, ação judicial sem que se prejudique o ingresso de uma ação coletiva.
Este instituto é semelhante ao litisconsórcio, entretanto, eles não se confundem. Segundo a definição legal prevista no art. 46 do CPC, o litisconsórcio ocorrerá quando duas ou mais pessoas puderem litigar no mesmo processo, ativamente no caso, quando houver reunião concreta e real de direitos ou obrigações relativas ao mesmo bem jurídico ou prestações recíprocas, já na ação coletiva, para defesa de direitos individuais homogêneos o autor da ação será apenas um dos elencados no art. 82 do CDC.
O professor Humberto Theodoro Junior aduz que “a tutela por via de ação coletiva decorre de política legislativa inspirada no princípio da economia processual”. Isto ocorre pelo fato dos casos individuais apresentarem origem comum, o que lhes dá harmonia suficiente para tramitarem juntos ao invés de serem isoladamente apreciados. Com isto, além de vangloriar princípios processuais, acrescenta qualidade na uniformidade processual e evita-se a proliferação de causas atômicas ou prolação de sentenças divergentes.
Esta origem comum poderá ser de fato ou de direito, ou compreendida pelo aspecto da causa de pedir, próxima ou remota. Conforme sua proximidade é possível estabelecer a sua homogeneidade, ou seja, quanto mais próximos os fundamentos que compõem causa, mais homogêneo será o direito. Em outras palavras, quanto mais fundamentos de fato houver ao invés de fundamentos direito, sendo estes tratados de acordo com suas peculiaridades e resultados completamente diferentes aos sujeitos, mais adequado será lançar mão da via coletiva para buscar a tutela judicial.
O acórdão proferido no Agravo Regimental no Recurso Especial 856.378 MG 2006/0117171-3 é um exemplo claro da evidente legitimidade do Ministério Público para atuar no polo ativo na defesa de direitos individuais homogêneos:
CONSUMIDOR E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. SERVIÇO DE ÁGUA E ESGOTO. AUMENTO ABUSIVO DO VALOR COBRADO. NATUREZA JURÍDICA DA CONTRAPRESTAÇÃO. PREÇO PÚBLICO (OU TARIFA). INTERESSE INDIVIDUAL HOMOGÊNEO CONSUMERISTA. RELEVÂNCIA SOCIAL PRESUMIDA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MP. ARTS. 81, P. ÚN., INC. III, E 82, INC. I, DO CDC.
1. Após intenso debate no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, esta Corte está se adequando à jurisprudência daquele Tribunal, passando a tratar a quantia recolhida a título de prestação do serviço de esgoto como preço público (ou tarifa), e não como taxa. Precedentes.
2. Tratando-se de tarifa, é plenamente aplicável a disciplina do Código de Defesa do Consumidor - CDC em casos de aumento abusivo. Note-se que os interesses defendidos pelo recorrente, na hipótese, tem caráter divisível, derivando de origem comum, motivo pelo qual são enquadrados pela legislação consumerista como individuais homogêneos (CDC, art. 81, p. ún., inc. III), mas têm relevante espectro social, o que autoriza a legitimidade ativa do Parquet (art. 82 do CDC).
3. Mesmo que não se admitisse comprovado, na hipótese, o relevante interesse social, doutrina e jurisprudência são unânimes em admitir que o Ministério Público tem legitimidade ativa de interesses individuais homogêneos na seara do direito do consumidor, pois presume-se a importância da discussão para a coletividade.
4. Agravo regimental não provido.
Por se tratar de tarifa, instituto que tem por objeto os serviços públicos explorados por concessionários, conforme preconiza o art. 175, inciso III, da carta magna, inexiste obrigatoriedade do pagamento pelo serviço prestado, a não ser, que se tenha optado pela contratação deste. Por fim, conforme os entendimentos do STF e STJ transmitidos neste acórdão, o CDC é aplicado e o Ministério Público, em perfeita harmonia com o art. 82 do CDC, tem legitimidade ativa respaldada, entretanto, se por acaso algum indivíduo desta localidade sofrer outras consequências inerentes a determinadas particularidades, nada obsta que demande judicialmente por meio de uma ação individual a fim de satisfazer a sua pretensão.
Das ações coletivas.
Na luta pelo direito em via coletiva podem ser impetradas as seguintes ações: ação popular, mandado de segurança coletivo, a ação civil pública e a ação civil coletiva.
A ação popular é um meio constitucional utilizado para invalidação de atos ou contratos administrativos ilegais que tragam lesão ou ameaça ao patrimônio público, suas autarquias, entidades paraestatais ou pessoas jurídicas mantidas com o dinheiro público. Na prática, no âmbito consumerista o seu uso é bem limitado em virtude da legitimidade e cabimento para sua propositura.
Neste sentido, somente as pessoas físicas, individualmente consideradas ou aliadas em litisconsórcio facultativo, de naturalidade brasileira, munidos de título eleitoral e em gozo de seus direitos civis e políticos serão legitimados para ajuizar este tipo de ação, excluindo-se assim o Ministério Público, partidos políticos ou qualquer outra pessoa jurídica. Por fim, esta só encontrará viabilidade judicial se o ato lesivo for praticado contra consumidor por uma das entidades públicas evidentes em lei, fatos que ligados a outros modos de agir, como por exemplo, métodos processuais mais eficazes que fazem esta via processual cair em desuso.
O mandado de segurança coletivo é um instituto processual criado através da Constituição Federal, em razão do previsto na revogada Lei 1.533 de 1951, que só permitia a tutela individual e veio a ser substituída posteriormente pela Lei 12.016 de 2009. Tem como objeto a proteção de direito líquido e certo e regras relacionadas ao sistema único coletivo para imediata aplicação sempre que ilegalmente qualquer pessoa física ou jurídica sofrer dano.
Para o seu manuseio o interessado deve apresentar condição ou interesse juridicamente protegido que lhe beneficiará ou trará vantagem econômica ou moral, em um ato atual ou que futuramente venha a ser praticado. A legitimidade para o seu manejo é restrita, ou seja, somente partidos políticos, organizações sindicais, órgãos de classe e associações constituídas a pelo menos um ano poderão acioná-lo.
Por fim, no tocante as associações, oportuno é ressaltar que o pré-requisito do prazo para a sua constituição pode ser perfeitamente desconsiderado em virtude de prevalência do interesse social ou dimensão e características do dano, por exemplo: questões relacionadas à saúde da população ou quantidade considerável de beneficiários do instituto.
No REsp. 121067 PR 1997/0013320-6 o Ministro Barros Monteiro, reconhece a dimensão do dano e repercussão geral causado pela diferença de índices aplicados as cadernetas de poupança pelas instituições financeiras nos planos Bresser, Verão e Collor I e dispensa o requisito de pré-constituição superior a um ano da associação, conforme segue:
CADERNETA DE POUPANÇA. DIFERENÇA DE RENDIMENTOS. LEGITIMIDADE DE PARTE ATIVA DE ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DISPENSA DO REQUISITO DA PRÉ-CONSTITUIÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. - Presente o interesse social evidenciado pela dimensão do dano e apresentando-se como relevante o bem jurídico a ser protegido, pode o Juiz dispensar o requisito da pré-constituição superior a um ano da associação autora da ação. - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos de depósito em caderneta de poupança firmados entre as instituições financeiras e seus clientes. - A ação civil pública é o instrumento adequado para a defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores. Orientação imprimida pela C. Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 106.888-PR). Recurso especial conhecido e provido para afastar a extinção do processo sem conhecimento do mérito.
Disciplinada pela lei 7.347 de 1985 a ação civil pública é o caminho processual correto a seguir para se impedir ou reprimir danos causados ao consumidor e outros bens juridicamente tutelados. Este tipo de ação não ampara direitos individuais puros cujos titulares devem optar pelo procedimento comum, ordinário ou sumário e aplica-se somente aos interesses e direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Este tipo de ação tem por objeto a proteção jurisdicional do meio ambiente, do consumidor, bens e direitos de valor histórico, artístico, turístico e paisagístico, a ordem econômica ou, ainda, qualquer dos interesses e direitos enumerados no art. 81 do CDC e tem por fundamentação a inconstitucionalidade de lei, ato normativo ou ato ilegal lesivo a coletividade.
Serão legitimados à sua proposição o Ministério público, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista, ou, a defensoria pública e as associações civis constituídas a mais de um ano.
O foro competente para a propositura da ação será o local onde ocorreu o dano, exceto se houver interesse da união, de suas autarquias e empresas públicas em qualquer um dos polos da relação. Na segunda hipótese, conforme preconiza o art. 109, inciso I, c/c § 2º, a competência será da Justiça Federal e o foro adequado será o do Distrito Federal ou o da capital do Estado onde aconteceu o fato lesivo.
Neste ponto é imprescindível destacar o tratamento inconstitucional que recebeu a Súmula 183 do STJ que conferia competência a Justiça Estadual para julgar ação civil pública nas comarcas que não fossem sede da Justiça Federal, mesmo que a união figurasse no processo. O fato se deu em virtude da Lei da Ação Civil Pública silenciar ao respeito deste teor e em virtude do que indica a regra evidente no art. 109, § 3º da Constituição Federal que remete a uma autorização restritiva apenas as causas em que façam parte instituição de previdência social. Neste sentido, a decisão proferida no Agravo Regimental no Conflito de Competência nº 27828 SP 1999/0098287-8 materializa o entendimento predominante até então vigente no STJ e confere competência a Justiça Federal para regra geral conforme segue:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANO CAUSADO A BEM CONSIDERADO COMO PATRIMÔNIO HISTÓRICO. INTERESSE DA UNIÃO. APLICAÇÃO DO ART. 109, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 183/STJ. CANCELAMENTO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. Nega-se provimento ao agravo regimental em face das razões que sustentam a decisão agravada, sendo certo que consoante o disposto no art. 109, I, da Magna Carta, a competência para processar e julgar a ação é da Justiça Federal, dado o interesse da União no feito, por tratar-se de Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados a bem de valor histórico, cumulada com obrigação de fazer, consistente na tomada de medidas tendentes à restauração e conservação da área denominada Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, localizada na Ilha de Santo Amaro (Guarujá), junto à praia de Nossa Senhora dos Navegantes (Pouca Farinha), considerada como patrimônio histórico, já tombada pelo órgão público competente, edificada no final do século XVI, no ano de 1583, à época do domínio espanhol (união das coroas). Não incidência, pois, na espécie, da Súmula nº 183 deste Tribunal que, dada a evolução legislativa, restou cancelada.
Este tipo de ação traz consigo uma particularidade no tocante a condenação em dinheiro. Caso ocorra, o valor aplicado não beneficiará diretamente o autor, visto que, será recolhido e direcionado para o denominado Fundo de Defesa dos Direitos Difusos com previsão legal nos arts. 13 e 20 da própria Lei da Ação Civil Pública e com regulamentação no Decreto nº 1.306 de 1994, que tem por objetivo postular direitos ou interesses difusos e coletivos. Entretanto, trará benefícios diretos apenas quando se tratar de interesses coletivos ou individuais homogêneos de caráter social, por exemplo, reajuste de mensalidades abusivas cobradas por plano de saúde.
As sentenças proferidas nestas ações farão coisa julgada com efeitos erga omnes, exceto se forem julgadas improcedentes por deficiência de provas. Deste modo, qualquer um dos legitimados pode intentar com nova ação, com os mesmos fundamentos, porém, com novas provas.
Finalmente, de acordo com o § 6º do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, os órgãos públicos legitimados podem acordar com os interessados um termo de ajustamento de suas condutas (TAC) às exigências legais que terá eficácia de título executivo extrajudicial, entretanto, se celebrado em ação já ajuizada, será um título executivo judicial.
Este tem por objeto uma obrigação de fazer ou não fazer, ou ainda, de indenizar para preservar ou reestabelecer direito lesado e, além desses efeitos, pode encerrar a ação ou determinar o arquivamento do inquérito civil, contudo, encontra divergência doutrinária no tocante a sua natureza jurídica.
Uma corrente defende que não passa de mero ajuste, enquanto outra, o considera como transação. É notório que o termo admite negociação no que diz respeito as suas cláusulas e nem o órgão público, nem o infrator, podem impor suas pretensões um ao outro, visto que, o primeiro é detentor do juízo de conveniência para a sua celebração, enquanto, o segundo detém a faculdade de submeter-se ao termo ou a ação civil pública, caso a considere mais vantajosa.
Por fim, o Código de Defesa do Consumidor trouxe inovações ao ordenamento jurídico brasileiro ao implantar a ação civil coletiva que tem como objeto a defesa de direitos individuais homogêneos e, consequentemente, evita a propositura de inúmeras ações de cunho individual que pleiteiam direitos iguais de origem comum e traz benefícios a todas as vítimas e seus sucessores consagrando o princípio da economia processual e fortalecendo a questão da vulnerabilidade do consumidor.
O rito seguido por este tipo de ação é o ordinário regulado pelos arts. 282 a 495 do CPC e os legitimados para a propositura da ação são os constantes no art. 82 do CDC e a Defensoria Pública, ou seja, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, os órgãos da administração pública, destinados a proteção do consumidor e as associações privadas constituídas a pelo menos um ano.
Trata-se de um caso típico da substituição processual evidente no art. 6 do CPC, onde, o Ministério Público atua como autor ou fiscal da lei sob pena de nulidade processual, conforme preconiza os arts. 92 do CDC e 246 do CPC e os outros legitimados pleiteiam por si próprios direitos alheios. Neste sentido, surge a seguinte peculiaridade: caso ocorra desistência infundada ou abandono da ação pela parte, o Ministério Público ou os outros entes que detém a legitimidade atuam como autor da ação. Surge também uma ressalva às vítimas que, com fulcro nos arts. 94, 97, 98 e 103, § 3º do CDC, podem intervir como litisconsortes ativos na demanda e promoverem individualmente a liquidação e execução da sentença.
No tocante a competência, a regra geral é que o foro competente será o da Justiça Estadual, exceto, se a União ou suas autarquias e empresas públicas federais figurarem na relação, neste caso, quem será competente é a Justiça Federal.
Para delimitar a competência é preciso se levar em consideração a abrangência dos danos que pode ser de dimensão nacional, regional ou local. Neste sentido, caso seja de amplitude nacional, o foro competente será o Distrito Federal; de extensão regional, será a capital do estado, por fim, a local, onde, o foro será o lugar onde ocorreu o dano.
Conforme indica o art. 95 do CDC, a condenação nesta via processual é sempre genérica e objetiva a determinação da responsabilidade do réu pelos danos causados. Em um segundo momento, ocorre apresentação das vítimas, no prazo máximo de um ano, para acompanhamento da liquidação e execução da sentença. Feita coisa julgada, os efeitos vão ter caráter erga omnes somente para as partes do processo, não beneficiando nem prejudicando terceiros, entretanto, caso beneficie autores de ações de cunho individual, estes poderão requerer a suspensão destas, no prazo de 30 dias a contar da ciência nos autos da ação coletiva, e desfrutarem dos efeitos concedidos. Por fim, caso a sentença seja de improcedência, as demais vítimas que não interferiram no processo poderão impetrar nova ação a título individual que busque uma possível indenização.
Neste momento, é válido destacar peculiaridade inovadora com alto grau de benevolência existente na introdução deste tipo de ação ao ordenamento jurídico brasileiro. Este benefício consiste no sentido de que em caso de sentença favorável, a vítima pode participar do processo já na fase de liquidação e execução, fato que contribui e evita a morosidade existente em toda fase inicial do processo de conhecimento. Outra particularidade é a possibilidade de ingresso em litisconsórcio ativo de interessados, pessoas físicas ou jurídicas, vítimas ou sucessores em razão de publicação de edital que traz consigo divulgação, ciência e conhecimento aos que possam ter interesse na causa sem prejuízo de legitimação concorrente. Por fim, no tocante ao produto da condenação, a lei consumerista da preferência ao ressarcimento individual homogêneo creditado ao patrimônio das vítimas e só reverte para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos em casos excepcionais, como por exemplo, se o patrimônio do devedor for suficiente para responder pela integralidade da dívida no âmbito individual, difuso e coletivo.
Finalmente, é exemplo relevante o julgamento do Recurso Especial nº 805277 RS 2005/0210529-7, proferido em ação civil coletiva que objetivou o reconhecimento da legitimidade ativa de associação civil para defesa de direitos individuais homogêneos, conforme segue:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO COLETIVA. ASSOCIAÇÃO CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA CONFIGURADA. IDENTIFICAÇÃO DOS SUBSTITUÍDOS. DESNECESSIDADE. DEVOLUÇÃO DO PRAZO RECURSAL. JUSTA CAUSA. POSSIBILIDADE. - A ação coletiva é o instrumento adequado para a defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores. Precedentes. - Independentemente de autorização especial ou da apresentação de relação nominal de associados, as associações civis, constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, gozam de legitimidade ativa para a propositura de ação coletiva. - É regular a devolução do prazo quando, cessado o impedimento, a parte prejudicada demonstra a existência de justa causa no qüinqüídio e, no prazo legal, interpõe o Recurso. Na ausência de fixação judicial sobre a restituição do prazo, é aplicável o disposto no art. 185 do CPC. - A prerrogativa assegurada ao Ministério Público de ter vista dos autos exige que lhe seja assegurada a possibilidade de compulsar o feito durante o prazo que a lei lhe concede, para que possa, assim, exercer o contraditório, a ampla defesa, seu papel de 'custos legis' e, em última análise, a própria pretensão recursal. A remessa dos autos à primeira instância, durante o prazo assegurado ao MP para a interposição do Especial, frustra tal prerrogativa e, nesse sentido, deve ser considerada justa causa para a devolução do prazo. Recurso Especial Provido.
3. DO DANO MORAL COLETIVO
3.1. Da responsabilidade Civil
Antes de adentrar no estudo da teoria do dano moral coletivo, é mister esclarecer alguns pontos a respeito de responsabilidade civil. Rui Stoco defende que “a expressão responsabilidade tem um sentido polissêmico e leva a mais de um significado.” Neste sentido, tanto pode ser interpretada como uma forma de cuidado, como pode disseminar uma obrigação decorrente de um ato jurídico praticado. Trata-se de um instituto que assegura direitos aos injustiçados que sofrem prejuízos em virtude de danos causados pelo comportamento de outras pessoas.
A jurista Maria Helena Diniz, em artigo publicado na Revista do Advogado, conceitua a responsabilidade civil da seguinte forma:
[...] A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato ou coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).
Conclui-se, portanto, que responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, originário da violação de uma obrigação. Por exemplo, se uma empresa se compromete a entregar determinado bem que foi adquirido por vários consumidores no prazo de “x” dias, ela assumiu uma obrigação originária. Caso não venha a cumprir dentro do prazo estipulado, em razão de falta do produto em estoque, ela estará violando o dever jurídico originário que assumiu. Com isso, surge a responsabilidade, ou seja, o dever de compensar o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação.
Cavalieri Filho traz como lição que o Código Civil estabelece em seu art. 389 que, caso não ocorra o cumprimento de obrigação, o devedor responderá por perdas e danos, consequentemente, este descumprimento originará a obrigação sucessiva de indenizar que está prevista no art. 927, conforme seguem:
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo.
De forma simplificada, ilícito será todo aquele ato material, inclusive a omissão, que é contrário ao direito e que, em sua ocorrência, são identificados os surgimentos dos seguintes elementos: a violação do direito ou dano causado a outrem, a ação ou omissão do agente e a culpa.
A responsabilidade civil aqui tratada situa-se basicamente no ordenamento jurídico brasileiro no campo dos atos ilícitos. O seu elemento principal é o descumprimento de uma obrigação por meio de uma conduta voluntária do agente, fato que acarreta danos para outrem e gera o dever de responder pelas consequências jurídicas ocasionadas. Sua principal função é fundamentada no princípio da reparação integral que tem como base florescer o sentimento de justiça em toda sociedade, isto é, colocar as vítimas com máxima eficiência em situações semelhantes à anterioridade do dano.
Com a entrada em vigor do CDC houve uma verdadeira revolução na responsabilidade civil, no sentido de que foi criada uma estrutura jurídica que se aplica tanto no Direito Público como no Direito Privado, contratual ou extracontratual, material ou moral, que se destina a consagrar direitos e valores básicos de uma sociedade.
A responsabilidade estabelecida pelo CDC é objetiva e tem como fundamento o dever e a segurança como pressupostos de qualidade no fornecimento de produtos ou serviços que são lançados no mercado. Nos arts. 12 e 14 a Lei Consumerista é expressado claramente que a responsabilidade independe de culpa, neste modo:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, nem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Em artigo publicado Simão alega que a professora Cláudia de Lima Marques defende a teoria da qualidade como o fundamento estrutural para atribuição da responsabilidade aos fornecedores, seja ela contratual ou extracontratual. Sendo assim, caso ocorra a quebra da harmonia desta relação, por meio de descumprimento do dever de qualidade, a responsabilidade recairá sobre o produtor ou fornecedor que deterão o ônus de suportar as consequências do exercício de suas atividades.
Alguns autores acrescentam a teoria do risco. Que consiste, simplificadamente, no cuidado de não faltar com a qualidade na prestação de serviços ou fornecimento de produtos, ou seja, os fornecedores assumem o risco de exercerem tais atributos. Já outros, trazem lição no sentido de que a responsabilidade é atribuída ao fato do produto, ou seja, não interessa saber a conduta dos fornecedores, e sim, quem deu ao produto ou serviço viciado a circulação no mercado de consumo.
Porém, sempre estaremos diante da impossibilidade da responsabilidade ter o caráter absoluto. Isto porque os parágrafos 3º dos arts. 12 e 14 apresentam os excludentes de responsabilidade e, na existência de um deles, exclui-se também a obrigação de indenizar. Desta feita seguem os dispositivos:
Art. 12, § 3º. O fabricante, o construtor, o produtor ou o importador só não será responsabilizado quando provar:
I – que não colocou o produto no mercado;
II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; 67
III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 14, § 3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro.
Há registros também de decisões nos tribunais que admitem por jurisprudência que a existência de caso fortuito externo também seja um excludente de responsabilidade, contudo, o assunto é controverso e há autores como Rizatto Nunes e Nelson Nery Junior que discordam da posição, sendo estes, seguidores da corrente minoritária que é oposta ao posicionamento predominante exercido pelos Tribunais, conforme exposto a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEMORA NO RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO. TEMPORAL OCORRIDO NA REGIÃO CENTRAL DO ESTADO EM 29-05-2013. MOTIVO DE FORÇA MAIOR. CAUSA EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA CONFIGURADA. Proposta a demanda indenizatória contra empresa prestadora de serviço público, o regime a ser aplicado é o da responsabilidade civil objetiva, sendo desnecessário perquirir a respeito da culpa do causador dos danos. Incidência do art. 37, § 6º, da CF, do art. 25 da Lei nº 8.987/95 e dos arts. 14 e 22, parágrafo único, do CDC. Contudo, ainda que objetiva a responsabilidade, o dever de indenizar pode ser afastado se demonstrada pela ré a existência de uma das excludentes do art. 14, § 3º, I e II, do CDC ou, ainda, de caso fortuito ou força maior. Possibilidade de interrupção do serviço público de fornecimento de energia elétrica em hipótese de caso fortuito ou força maior. Intelecção dos arts. 140 e 153, VI, da Resolução nº 414/2010 da ANEEL. O temporal que assolou a região central do Estado em 29-05-2013, acarretando graves danos materiais aos moradores do Município em que reside o demandante e a toda aquela região do Estado do RS, constitui motivo de força maior, consubstanciando causa excludente da responsabilidade civil objetiva da empresa concessionária do serviço público essencial de fornecimento de energia elétrica. As... circunstâncias peculiares ao caso concreto revelam que a empresa ré empreendeu todos os esforços possíveis e ao seu alcance para restabelecer o serviço público essencial em tempo razoável. Dever de indenizar não configurado. Sentença de improcedência da ação mantida. APELO DESPROVIDO.
Existe ressalva para uma via de indenização que independe de culpa. Trata-se da garantia legal, que é uma norma de ordem pública disposta no art. 24 do CDC e não se encontra na área das indenizações, mas sim, no área da própria garantia do fornecimento com qualidade, que tem por natureza jurídica obrigações originárias consistentes em formas de reparo ou desfazimento de contrato.
Por fim, tem-se no princípio da boa-fé, que deve se propagar por todos os contratos de consumo, uma regra ética de conduta que prega que as partes devam se portar de acordo com um modelo ideal, de retidão, com probidade, lealdade e honestidade em suas relações e, caso ocorresse isto, muitos problemas seriam evitados.
3.2. Do dano moral individual.
O professor Acquaviva ensina que “dano, do latim damnu, significa o prejuízo ou perda sofrido pelo patrimônio econômico ou moral de alguém.” Este instituto encontra guarida judicial nos arts. 5º, incisos V e X da Constituição Federal, assim:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, a igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V – é assegurado o direito de reposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
O dano pode ser material ou moral, sendo o primeiro quando atinge um bem economicamente apurável e, o segundo, quando vai de encontro a bens de ordem moral, como os direitos da personalidade. A conceituação de ato ilícito está evidente nos arts. 186 e 187 do Código Civil:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons constumes.”
Conforme indica Cahali, origina-se da própria lei a previsão de prevenção ou reparação pelos danos sofridos em decorrência de dor, sofrimento, perturbações emocionais e psíquicas, constrangimento, angústia ou desconfortos espirituais, neste caso, causados por fornecedores de produtos ou serviços defeituosos ou inadequados que são postos no mercado para uso.
Esta concepção refere-se aos moldes estabelecidos para defesa de direitos subordinados ao plano subjetivo individual. Recentemente, nota-se que em face dos grandes conglomerados urbanos que originam os mais variados tipos de relações jurídicas, é cada vez mais comum a incidência de danos causados em desfavor de uma coletividade. Deste modo, a tutela jurisdicional aos direitos difusos e coletivos tem ganhado espaço considerável em virtude de um lento processo de evolução que requereu soluções plausíveis na disputa de interesses.
3.3. Do dano moral coletivo.
O dano moral coletivo é uma vertente evolutiva do sistema de responsabilidade civil, de essência extrapatrimonial que não se subordina a esfera subjetiva do sofrimento ou da dor individual, e sim, aos padrões éticos e valores jurídicos fundamentais dos indivíduos considerados em uma dimensão ampla, em um campo coletivo. Sendo elementos obrigatórios como pressupostos para sua configuração: a conduta antijurídica ativa ou omissiva do agente, a ofensa a direitos e interesses fundamentais de natureza extrapatrimonial que tem como titular uma coletividade, a intolerabilidade da ilicitude, a sua repercussão social e o nexo causal observado entre a conduta e o dano praticado.
Este instituto se estabelece no sistema de tutela jurídica dos direitos transindividuais e firma sua concepção objetiva, no sentido de ser intolerável a sua violação de forma que atinja em cunho extrapatrimonial determinada coletividade. Com isso, o ordenamento jurídico brasileiro previu o meio e forma adequados para proteção, reparo e inibição de condutas ofensivas a estes direitos tendo em vista a sua relevância social.
O julgamento do Recurso Especial nº 1057274 RS 2008/0104498-1 traz consigo exemplo prático do entendimento adotado pelo STJ acerca do tema a seguir:
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DEIDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELAEMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO. 1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. 3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade. 4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo. 5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão.5. Recurso especial parcialmente provido.
Na decisão da Ministra é percebido que em sua fundamentação ela utilizou o argumento de que o dano decorrente de dor ou sofrimento é inaplicável aos interesses difusos ou coletivos, sendo este aplicado somente ao dano ocorrido em esfera individual. Entretanto, reconhece o dano coletivo que decorre da exposição dos idosos ao custeio para procedimento de cadastramento obrigatório, tendo em vista que, existe por parte da empresa de ônibus um descumprimento ao que preconiza o § 1º do art. 39 do Estatuto do Idoso, que concede o direito de ir e vir gratuitamente nos veículos de sua frota bastando apenas a apresentação de documento de identificação.
O CDC tornou estável a base legal utilizada para justificar a tutela coletiva quando em seu art. 2º equipara ao consumidor uma coletividade de pessoas ainda que indetermináveis, e, no art. 110 acrescentou o inciso IV ao art. 1 da Lei de Ação Civil Pública que amplia a utilização desta via de ação para defesa de qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por iniciativa dos legitimados.
Stoco acrescenta ainda que, dentre os direitos básicos consagrados no artigo 6º do CDC, nos incisos VI e VII, são expressamente garantidas a prevenção e reparação aos danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos ou difusos além do acesso aos órgãos do judiciário e administrativo para sua tutela. Deste modo:
Art. 6. São direitos básicos do consumidor:
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.
Oliveira complementa a fundamentação da ferramenta citando que o art. 84 do CDC é um importante dispositivo que auxilia na tutela preventiva do consumidor no que diz respeito aos danos patrimoniais e morais que possam ser sofridos.
Trata-se de uma proteção muito eficaz que evita que o dano pressentido possa se consumar. Neste sentido, a esta tutela inibitória traz consigo o poder do manejo de mecanismos processuais que tem como objeto o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer e que podem ser convertidas em obrigações de indenizar, resguardando os direitos subjetivos do consumidor que estarão em jogo, assim:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1º A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente
§ 2º A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil)
§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é licito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
§ 4º o juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.
Conforme exposto, o CDC concede mecanismos de defesa que, de forma ampla e abrangente, demonstram certa preocupação com os interesses de todos os consumidores em geral, inclusive considerando-os como uma coletividade ou grupos, para que se evitem o mau fornecimento de produtos ou as más prestações de serviços. Porém, é extremamente difícil tornar estes ensinamentos realidade, visto que restou uma forte divergência doutrinária já pacificada que defendia que o dano moral é um instituto personalíssimo que afeta intimamente cada indivíduo singularmente considerado, em razão dos bens morais serem inerentes somente ao mundo interior de cada pessoa.
Contudo, é verificada uma evolução notável pairando pelas decisões dos Tribunais quando reconhecem a legitimidade de entidades públicas ou privadas e órgãos representativos ou associações para lançarem mão de ações coletivas na defesa de direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Conforme lição de Cavalieri Filho “trata-se da última etapa da evolução doutrinária e jurisprudencial do dano moral” e a sua defesa só foi possível após o reconhecimento jurídico do ordenamento pátrio da coletividade de pessoas como sujeito de direito. Aduz também que os direitos ou interesses difusos são tanto públicos como privados e, em concordância com o pensamento de Stoco, expressam valores que não podem ser atribuídos aos indivíduos isoladamente considerados e sim aos grupos sociais que, assim como os primeiros, presume-se que também são dotados de elevados padrões éticos.
É possível se determinar o patrimônio mínimo de uma coletividade que pode ser defendido em juízo por meio das ações estudadas no capítulo anterior. Este consiste nos bens ambientais, culturais, artísticos, paisagísticos e urbanísticos que, quando afetados, ocasiona na indisponibilidade do direito de renúncia ou negociação e merecem ser moralmente reparados.
Na evolução aqui descrita foi firmado um novo conceito de dano moral coletivo que se trata de uma ofensa a valores sociais e que é embasado pela moralidade pública, pelos bons costumes e pela opinião pública. Atributos que tem como fundamentos: o senso comum de ética, retidão, conjunto de regras de convivência e entendimentos predominantes de natureza social, etc. Simplificadamente, este instituto tem origem no sentimento de desprezo que afeta determinada coletividade pela perda de valores essenciais que ocasionam na atribuição de sentimentos como a intranquilidade e insegurança em razão sofrimento.
É indispensável para fechar o conhecimento tecer breves comentários acerca da prova do dano e da prova do valor de indenização, além de quais os critérios que são utilizados para sua aplicação e fixação de pena.
Sendo assim, tem-se a prova do dano, an debeatur, com a efetiva ocorrência do fato lesivo junto com a responsabilização do agente causador e; o valor da sua indenização, quantum debeatur, calculado de acordo com a extensão do dano. Neste sentido, prova-se o dano por qualquer meio de prova admitido em juízo, são exemplos: prova documental, testemunhal e pericial. Desta feita, para a constituição do dano e escolha da via judicial adequada para sua tutela é indispensável a produção das provas citadas, caso contrário, a ação ajuizada será prejudicada. Nos direitos difusos os critérios são os mesmos, entretanto, a apuração de sua extensão se dá em um momento posterior por meio de um juízo de experiência.
Em alguns casos, ocorre exceção a regra e é desnecessária a sua comprovação, sendo as decisões proferidas motivadas pela simples presunção de dano quando, verificados de forma objetiva e concretamente, agressão aos direitos da personalidade ou bens de que sejam titulares uma coletividade, por exemplo: a poluição ambiental.
Na decisão proferida pelo Relator João Batista Goes Ulysséa é verificado um exemplo da situação da exceção a regra:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ACIDENTE AMBIENTAL. VAZAMENTO DE ÓLEO DECORRENTE DE NAUFRÁGIO DE COMBOIO OCEÂNICO NA BAÍA DA BABITONGA. PESCADOR ARTESANAL PREJUDICADO PELO IMPEDIMENTO DO EXERCÍCIO DA SUA PROFISSÃO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INÉPCIA DA INICIAL E CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTES. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE COM BASE NO CONJUNTO PROBATÓRIO PRODUZIDO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, EM TRÂMITE NA JUSTIÇA FEDERAL. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE NOVAS PROVAS. PRELIMINAR RECHAÇADA. Não há inépcia da inicial, nem cerceamento de defesa, quando o julgamento da lide é realizado antecipadamente, sustentado em processo devidamente instruído com prova documental necessária e suficiente para respaldar o livre convencimento motivado do Julgador. ILEGITIMIDADE ATIVA NÃO DEMONSTRADA. EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE PESCADOR ARTESANAL RECONHECIDO PELA PRÓPRIA PARTE RÉ. HABILITAÇÃO DO NOME DA AUTORA NO TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA FIRMADO NO JUÍZO FEDERAL PARA PERCEPÇÃO DE VERBAS ALIMENTARES EM DECORRÊNCIA DO EVENTO DANOSO. PREFACIAL NÃO ACOLHIDA. É despropositada a alegação de ilegitimidade da Autora para realizar requerimento de indenização pelo acidente ambiental, por vazamento de óleo, quando tem sua condição de pescador reconhecida administrativamente pela parte ré. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA PROPRIETÁRIA DA CARGA TRANSPORTADA NÃO VERIFICADA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR. RESPONSABILIZAÇÃO DE TODOS AQUELES QUE POSSUAM INFLUÊNCIA DIRETA OU INDIRETA PARA OCORRÊNCIA DO EVENTO DANOSO. EXEGESE DOS ARTS. 3º, IV, E 4º, VII, DA LEI DE POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (LEI N. 6.938/1981). O direito ambiental brasileiro é regido pelo princípio do poluidor-pagador e, assim, apontando a natureza da responsabilidade pela reparação dos danos ecológicos aos que tenham praticado qualquer atividade que, direta ou indiretamente, exerçam influência na ocorrência da lesão ambiental discutida. EXISTÊNCIA DO DANO I [...]
No tocante aos critérios adotados para aplicação do dano, o meio mais adequado e eficaz é o arbitramento judicial que levará em conta a repercussão e a possibilidade econômica do ofensor, agasalhados por princípios como o da razoabilidade, onde, razoável será tudo aquilo que é sensato, comedido ou moderado, e em face dos motivos que determinaram a sua aplicação será estipulado um valor compatível.
Por fim, é notável em meio aos critérios para sua aplicação, que a doutrina e jurisprudência admitem hoje em dia um caráter punitivo no dano moral, que objetiva atingir dois aspectos importantes, a prevenção e a própria punição, sob a robusta definição de compensar uma dor com determinada alegria, inclusive por meio de pecúnia; no caso dos direitos difusos e coletivos, cessar uma inquietação social por via de uma contraprestação positiva para aquela sociedade, buscando sempre maior harmonização entre os seres que se relacionam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O instituto do dano nunca esteve em tanta evidência no ordenamento jurídico brasileiro como atualmente, principalmente nas relações reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor.
Junto com a evolução social é verificado que surgem demandas que necessitam da tutela em esfera coletiva e foi preciso a adequação das normas para que este objetivo fosse atingido.
Conforme demonstrado, o sujeito coletivamente considerado pode sofrer dano moral e também é detentor de legitimidade e direitos que lançam mão da via coletiva em busca de uma melhor prestação jurisdicional, com a finalidade de cessar a inquietude social motivada pelos sentimentos de comoção ou perdas.
O dano moral coletivo é um instrumento aplicável aos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e dissipa-se dos individuais no tocante aos critérios adotados para a sua devida aplicação, no sentido de que não são levados em consideração os aspectos individuais concernentes aos direitos da personalidade como a honra e a boa fama que tem caráter personalíssimo, e sim, aos valores ético-fundamentais de grande relevância experimentados por determinadas sociedades ou pequenos grupos sociais. Por fim, objetivam melhores condições de vida e o bem estar e preservação da dignidade social.
REFERÊNCIAS
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio - Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva – Edição de Luxo – São Paulo: Jurídica Brasileira, 1998.
ALCARÁ, Marcos. A tutela coletiva do consumidor. Revista jurídica UNIGRAN v. 16 n. 31, Mato Grosso do Sul, Jan./Jun. 2014. Disponível em: <http://www.unigran.br/revista_juridica/ed_atual/artigos/artigo11.pdf.> Acesso em: 17 de fevereiro de 2015.
ALMEIDA, João Batista - A proteção jurídica do consumidor – São Paulo: Saraiva, 2009.
BENJAMIN, Antônio Herman V; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, Distrito Federal, 05 de outubro de 1988. Anexo, p. 1
BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, Distrito Federal, 11 de janeiro de 2002
BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, Distrito Federal, 12 de setembro de 1990. Seção 1, p. 1
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Direito do Consumidor. Recurso Especial nº 1195642 RJ 2010/0094391-6. Relator: Min. Nancy Andrighi, 13 de novembro de 2012. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22829799/recurso-especial-resp-1195642-rj-2010-0094391-6-stj>.
BRASIL, Supremo Tribunal de Justiça. Direito do Consumidor e Administrativo. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 856.378 MG 2006/0117171-3. Relator: Min. Mauro Campbell Marques, 17 de março de 2009. <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4028844/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-856378-mg-2006-0117171-3/inteiro-teor-12213964>.
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Direito do Consumidor. Recurso Especial nº 121067 PR 1997/0013320-6. Relator: Min. Barros Monteiro, 17 de abril de 2001. <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8004376/recurso-especial-resp-121067-pr-1997-0013320-6-stj>.
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Direito Penal. Agravo Regimental no Conflito de Competência nº 27828 SP 1999/0098287-8. Relator: Min. Francisco Falcão, 26 de março de 2003. <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7441406/agravo-regimental-no-conflito-de-competencia-agrg-no-cc-27828-sp-1999-0098287-8>.
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Processo Civil e Direito do Consumidor. Recurso Especial nº 399357 SP 2001/0196900-6. Relatora: Ministra Nancy Andrighi, 23 de setembro de 2008. < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/885363/recurso-especial-resp-805277-rs-2005-0210529-7>.
BRASIL, Tribunal de Justiça do RS. Direito do Consumidor. Apelação Civil nº 70060252079 RS. Relator: Miguel Ângelo da Silva, 27 de maio de 2015. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/194533274/apelacao-civel-ac-70060252079-rs/inteiro-teor-194533290>.
BRASIL, Supremo Tribunal de Justiça. Direito Administrativo. Recurso Especial nº 1057274 RS 2008/0104498-1. Relator: Min. Eliana Calmon, 01 de dezembro de 2009. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19165433/recurso-especial-resp-1057274-rs-2008-0104498-1>.
BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Processual Civil. Apelação Cível nº 20140151991 SC 2014.015199-1. Relator: João Batista Góes Ulysséa, 26 de março de 2014. Disponível em: < http://tj-sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25030784/apelacao-civel-ac-20140151991-sc-2014015199-1-acordao-tjsc j>.
CAHALI, Youssef Said - Dano moral – 3ª Edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 11ª Ed. São Paulo: 2014
CERVANTES, Miguel. Dom Quixote de La Mancha. 1605. p. 536. <http://www.portugues.seed.pr.gov.br/arquivos/File/leit_online/miguel_cervantes.pdf>.
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil do empregador por ato lesivo de empregado na Lei nº 10.406/2002. Revista do Advogado, n. 70, Ano XXIII. São Paulo: 2003.
DOTTI, René Ariel - Proteção a vida e liberdade de informação - Revista dos Tribunais, 1980.
FILOMENO, José Geraldo Brito - Manual de direitos do consumidor – São Paulo: Editora Atlas, 2005.
GOMES JR, Luiz Manoel, FAVRETO, Rogério. Mando de segurança coletivo – legitimidade do objeto – considerações pontuais – Lei 12.016/2009. Páginas de Direito. Porto Alegre, ano 14, nº 1122, 01 de abril de 2014. <http://www.tex.pro.br/home/artigos/262-artigos-abr-2014/6468-mandado-de-seguranca-coletivo-legitimidade-e-objeto-consideracoes-pontuais-lei-n-12-016-2009>
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 13ª ed. São Paulo: Ridel, 2010.
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
LEITE, Gisele. Considerações sobre ato ilícito. UFSC. Florianópolis, 12 de janeiro de 2006. < http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/8632-8631-1-PB.pdf>
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. O dano moral coletivo e o valor da sua reparação. Revista Tribunal Superior do Trabalho. Vol. 78. Nº 4. Brasília, outubro/dezembro de 2012. <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/35831/014_medeiros_neto.pdf?sequence=3>.
NORAT, Markus Samuel Leite. O conceito de consumidor no direito: uma comparação entre as teorias finalista, maximalista e mista. <http://www.cognitiojuris.com/artigos/04/08.html>.
NUNES, Rizzato - Bê-a-bá do consumidor. dicas para compras e reclamações – São Paulo: Método, 2006.
NUNES, Rizzato - Curso de direito do consumidor – 6ª Ed. Rev. Atual. – São Paulo: Saraiva, 2011.
OLIVEIRA, James Eduardo. Código de defesa do consumidor anotado e comentado – doutrina e jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.
ONOFRE, Thaiz Rodrigues. A natureza jurídica do termo de ajustamento de conduta. Jus Navegandi. Teresina, ano 16, n. 2785, 15 de fevereiro de 2011. <http://jus.com.br/artigos/18488>.
SILVA, José Afonso - Curso de direito constitucional positivo – 34ª Edição – São Paulo: Ed. Malheiros, 2010.
SIMÃO, José Fernando. Responsabilidade civil nas relações de consumo. Serie GV law. São Paulo: Saraiva, 2009
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 10ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014
THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 7ª ed. São Paulo: Forense, 2011.
WOLKMER, Antonio Carlos - Fundamentos da história do direito – 7ª Edição – São Paulo: Del Rey, 2012.