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Execução provisória da pena privativa de liberdade e o princípio da presunção de inocência: análise sobre a aplicabilidade do instituto no Brasil a partir da evolução do entendimento do STF

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Agenda 07/04/2016 às 22:17

O artigo tem como objetivo analisar a evolução do entendimento jurisprudencial e as alterações legais referentes à execução provisória da pena no sistema penal brasileiro, mormente diante da recente decisão proferida pelo STF, no bojo do HC 126.292/SP.

1. Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar a evolução do entendimento jurisprudencial e as alterações legais referentes à execução provisória da pena no sistema penal brasileiro, mormente diante da recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em fevereiro do corrente ano, no bojo do Habeas Corpus nº 126.292/SP.

2. O princípio da presunção de inocência no sistema penal brasileiro

O sistema penal brasileiro, claramente com raízes voltadas para uma execução rápida e a imposição imediata da pena de prisão como uma resposta à agressão que o fato delituoso causou à sociedade, sofreu grande mudança com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que consagrou, a partir da estruturação de um sistema de direitos e garantias individuais, o princípio da presunção de não culpabilidade (artigo 5º, inciso LVII).

Pioneiramente positivado no artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, como fruto da Revolução Francesa de 1789, este princípio foi reafirmado no art. 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres e no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ambas de 1948[1], bem como no art. 8º, item 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969.

Com relação especificamente à Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica) há que se destacar a expressa menção à presunção de inocência[2] enquanto não comprovada a culpa do acusado, diferentemente da redação dada ao art. 5º, LVII, da CF/88, que consagra a necessidade do trânsito em julgado da condenação para o reconhecimento da culpa. Entretanto, no meio doutrinário e jurisprudencial, o princípio da presunção de inocência é utilizado como sinônimo do princípio da presunção de não culpabilidade.

Sobre o tema, merece destaque posicionamento adotado, entre outros, por Renato Brasileiro de Lima[3], segundo o qual a Convenção Americana de Direitos Humanos não exige o trânsito em julgado, mas, sim, a comprovação da culpa para ser afastada a dita presunção de inocência. Por meio de uma interpretação sistemática, extrai-se que restaria comprovada a culpa após o exercício do duplo grau de jurisdição. Por outro lado, esse entendimento não pode ser extraído do texto da Constituição Federal de 1988, o qual claramente, como dito, exige o trânsito em julgado da condenação para o afastamento da presunção de não culpabilidade.

A diferença acerca do momento da verificação da culpa, acima exposta, resulta, em verdade, da existência de dois sistemas mundiais para se afastar a presunção de inocência e, consequentemente, possibilitar a imediata execução da pena:  a) o sistema do trânsito em julgado final; e b) o sistema do duplo grau de jurisdição.

Conforme leciona Luiz Flávio Gomes[1]:

“No primeiro sistema, somente depois de esgotados ‘todos os recursos’ (ordinários e extraordinários) é que a pena pode ser executada (salvo o caso de prisão preventiva, que ocorreria teoricamente em situações excepcionalíssimas). No segundo sistema a execução da pena exige dois julgamentos condenatórios feitos normalmente pelas instâncias ordinárias (1º e 2º graus). Nele há uma análise dupla dos fatos, das provas e do direito, leia-se, condenação imposta por uma instância e confirmada por outra.

A quase totalidade dos países ocidentais segue o segundo sistema (duplo grau). A minoria, incluindo-se a Constituição brasileira (art. 5º, inc. LVII), segue o primeiro (do trânsito em julgado). O direito internacional deixa que cada país regule o tema da sua maneira”.

Da leitura do texto constitucional brasileiro, resta clara a adoção do sistema do trânsito em julgado final, mormente porque o Pacto São José da Costa Rica, conforme entendimento predominante, foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro com status supralegal.

Ultrapassado este ponto e considerando o sistema adotado pela Constituição Federal de 1988, sob o enfoque do direito processual penal, o princípio da presunção de inocência ou da presunção de não culpabilidade, nas palavras de Fernando Capez, pode ser assim delineado:

“O princípio da presunção de inocência desdobra-se em três aspectos: a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do processo penal, como paradigma do tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual”[2].

Assim, aplicado no curso do processo penal, tal princípio reconhece “um estado transitório de não-culpabilidade, na medida em que referido status processual permanece enquanto não houver o trânsito em julgado de uma sentença condenatória”[3], representando verdadeiro corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo aplicado com o intuito de preservar a liberdade do indivíduo ao qual se imputa autoria de determinado fato delituoso.

Como bem ressaltado por Felipe Martins Pinto[4], o princípio da presunção da inocência “[...] hasteia um simbólico e relevante papel político, contribuindo para viabilizar o efetivo exercício da democracia, na medida em que representa salutar limite contra arbitrariedades, principalmente contra a utilização da máquina punitiva estatal como instrumento de opressão”.

Justamente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o sistema processual penal brasileiro então vigente, inserido pelo Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941, passou por um lento processo de modificação e adaptação das suas normas ao texto constitucional, reflexo de novas construções doutrinárias e jurisprudenciais.

Nesta esteira, também se pôde verificar grande evolução no que concerne ao instituto da execução provisória da sentença condenatória, o qual tem como base o cumprimento antecipado da pena, antes de proferida decisão da qual não caiba mais recurso, acobertada pelo manto da coisa julgada material.

Embora também utilizada no processo civil, a possibilidade de a execução provisória da pena privativa de liberdade gerar consequências irreversíveis no âmbito penal, no qual merece ser tutelado o direito fundamental à liberdade, acarretou inúmeros debates ao longo dos anos, tanto no âmbito doutrinário como jurisprudencial, sendo possível verificar profundas mudanças sofridas desde a promulgação da Carta Magna, em 1988, conforme será analisado a seguir.

3. Histórico da execução provisória da pena no Brasil

O Código de Processo Penal de 1941 (Decreto-lei nº 3.689/1941), em sua redação originária, previa a prisão do condenado como efeito automático da sentença condenatória recorrível ou da pronúncia, limitando o efeito suspensivo da apelação às hipóteses nas quais era cabível a fiança ou era possível ao réu livrar-se solto[1]. Ademais, existia hipótese de prisão cautelar obrigatória nos crimes em que a lei cominasse pena de reclusão máxima igual ou superior a 8 (oito) anos (prevista nos arts. 312 e 596 do Código de Processo Penal), mesmo nos casos de sentença absolutória de primeiro grau.

Conforme bem destacado por Eugênio Pacelli de Oliveira, dito diploma legal foi “elaborado e construído a partir de um juízo de antecipação de culpabilidade (aqui referida no sentido lato, de responsabilidade penal), na medida em que a fundamentação da custódia (ou prisão) referia-se apenas à lei, e não a uma razão cautelar específica”[2].

Apenas em 1967, por meio da alteração promovida pela Lei nº 5.349/67, foi extirpada do Código Processual Penal brasileiro a prisão cautelar obrigatória prevista nos arts. 312 e 596 do citado diploma legal.

Posteriormente, a Lei nº 5.941/73 (Lei Fleury) promoveu alterações nos arts. 408, 594 e 596 do Código de Processo Penal, possibilitando a concessão de efeito suspensivo à apelação nos casos de fiança, direito do réu de livrar-se solto e também nas hipóteses nas quais o condenado era primário e de bons antecedentes – estas últimas novidades até então.

A Carta Magna, promulgada em 1988, como dito, realizou profundas alterações na matéria ao consagrar a presunção de não culpabilidade até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória e que toda prisão anterior ao trânsito em julgado da condenação deverá se fundar em ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, ressalvadas as hipóteses de transgressão militar ou crime propriamente militar, nos termos do art. 5º, incisos LVII e LXI:

“LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

[...]

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Frise-se, que poucos anos antes da promulgação da Carta Magna, o legislador, por meio da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), já sinalizava o entendimento acerca do necessário trânsito em julgado da condenação para a expedição de guia de recolhimento e, portanto, para o início da execução da pena. Nesse sentido, são os arts. 105 e 106, III, do mencionado diploma legal, ainda em vigor:

Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.

Art. 106. A guia de recolhimento, extraída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a assinará com o Juiz, será remetida à autoridade administrativa incumbida da execução e conterá:

[...]

III - o inteiro teor da denúncia e da sentença condenatória, bem como certidão do trânsito em julgado;

Em que pese o disposto acima, os tribunais pátrios consagravam a possibilidade de executar provisoriamente a pena cominada em sentença penal condenatória, sob o argumento de que, não sendo o réu primário ou possuidor de bons antecedentes, na hipótese de condenação ou pronúncia, a probabilidade de fuga justificaria a prisão para assegurar a aplicação da lei penal.

Sobre a questão, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça editou as Súmulas nº 9[3] e 267[4], respectivamente, em 6 de setembro de 1990 e 22 de maio de 2002, possibilitando a execução provisória de sentença, mesmo quando pendente de julgamento recurso especial e/ou extraordinário, visto que estes não teriam efeito suspensivo (art. 637 do CPP; art. 27, §2º, da Lei 8.038/90; e art. 542, §2º, do CPC), posicionamento também seguido, na época, pelo Supremo Tribunal Federal.

Deste modo, aparentemente, a questão da permissibilidade da execução provisória da pena estava pacificada também na Suprema Corte, como se pode observar da análise das Súmulas nº 716 e 717, aprovadas em sessão plenária realizada em 24/9/2003:

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Súmula 716

Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (DJ de 9/10/2003).

Súmula 717

Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial (DJ de 9/10/2003).

 

Posteriormente, tal posicionamento foi ratificado com a publicação da Resolução nº 19, de 29 de agosto de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, que assim determinava:

Art. 1° A guia de recolhimento provisório será expedida quando da prolação da sentença ou acórdão condenatórios, ainda sujeitos a recurso sem efeito suspensivo, devendo ser prontamente remetida ao Juízo da Execução Criminal.

Dito Conselho solidificou a previsão quanto à aplicabilidade deste instituto, certamente no intuito de rebater as frequentes críticas à morosidade e à impunidade do sistema judiciário[5]. Neste sentido, bem ressaltou Felipe Martins Pinto[6], quando analisou o instituto em 2008:

“Sob o pretexto de se alcançar uma efetividade do jus puniendi, com a mitigação das oportunidades de extinção da punibilidade pela prescrição, tem-se promovido, com grande freqüência, a execução provisória da pena, especialmente da pena privativa de liberdade, após o julgamento do recurso em segundo grau, interrompendo-se a contagem do prazo prescricional e, consequentemente, evitando-se algumas prescrições e satisfazendo-se os constantes anseios sociais por uma presteza na máquina punitiva estatal”.

O entendimento então reinante nos tribunais pátrios, porém, começou a perder adesão. Foi com base no princípio da presunção da inocência e na Convenção Americana de Direitos Humanos que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no bojo do Habeas Corpus nº 89.754/BA (DJ 27/04/2007), cujo Relator era o Ministro Celso de Mello, reformou entendimento no sentido da caracterização de constrangimento ilegal quando não demonstrada a imprescindibilidade de medida constritiva do status libertatis (prisão preventiva), apontando o reconhecimento do direito de recorrer em liberdade e afastando a execução antecipada da sentença condenatória não transitada em julgado.

No ano seguinte, a Lei nº 11.719/2008 revogou o artigo 594[7] do Código de Processo Penal - e com ele a necessidade de o condenado recolher-se ao cárcere para apelar - e, assim, a incidência da Súmula nº 9 do STJ. Afastou-se, dessa forma, a hipótese de prisão ex lege decorrente de sentença condenatória ou de pronúncia, que eram decretadas como simples efeito automático de tais decisões, desde que o acusado não fosse primário ou não tivesse bons antecedentes.

Ademais, a imprescindibilidade de motivação idônea acerca da manutenção, revogação ou substituição da prisão ou de medida restritiva de liberdade anteriormente decretada foi expressamente consignada nos arts. 413, §3º, e 492, I, “e”, ambos do Código de Processo Penal.

Firmou-se o entendimento, portanto, acerca da impossibilidade da execução provisória da sentença penal condenatória, salvo quando atrelada a uma das hipóteses do art. 312 do Código de Processo Penal (fundamentação cautelar). Tal posição, entretanto, ainda encontrava resistência entre os ministros da Suprema Corte.

Opinando pela admissibilidade da execução provisória, argumentava Guilherme de Souza Nucci que o impedimento, neste caso, representaria verdadeiro prejuízo ao condenado, uma vez que, mesmo estando preso, haveria impossibilidade de o réu ser beneficiado com a progressão de regime[8].

Não se deve olvidar, entretanto, que a questão da inadmissibilidade da execução provisória pautava-se na inaplicabilidade deste instituto quando ausentes os requisitos necessários à concessão da prisão preventiva do réu. Assim, existindo fundamentação idônea à manutenção da prisão preventiva do acusado, seria o tempo da prisão considerado como execução provisória da pena, nada impedindo a progressão de regime, desde que cumpridos os requisitos objetivos e subjetivos pertinentes, nos termos das Súmulas nº 716 e 717 da Suprema Corte.

Tanto o é que, no dia 05 de fevereiro de 2009 (acórdão publicada no Diário de Justiça Eletrônico do dia 26/2/2010), o Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 84.078, por sete votos a quatro, decidiu pela concessão da ordem, utilizando como base argumentativa os princípios constitucionais da presunção da inocência, da dignidade da pessoa humana e da ampla defesa, o caráter irreversível da medida em questão e a prevalência dos preceitos veiculados pela Lei nº 7.210/84 sobre o disposto no art. 637 do Código de Processo Penal. Vejamos a ementa do acórdão proferido, tendo em vista sua importância histórica:

 

HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos "crimes hediondos" exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente". 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- "a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição". Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. Ordem concedida.

(HC 84078, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05 PP-01048).

 

Seguindo a orientação firmada no leading case citado, a Suprema Corte também concedeu a ordem nos recursos no HC 91676, 92578, 92691 e 92933, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, e no RHC 93172, de relatoria da ministra Carmen Lúcia. E assim vinha decidindo o Supremo Tribunal Federal, motivo pelo qual as prisões, mesmo na pendência de recursos na via extraordinária, necessitavam de devida fundamentação acerca da excepcionalidade e do preenchimento dos requisitos inerentes à prisão preventiva.

A Lei nº 12.403/2011, reforçando o entendimento acima delineado, parecia ter afastado definitivamente a possibilidade de execução provisória da condenação, nos termos da alteração promovida no caput do art. 283 e da revogação do art. 393, I[9], ambos do Código de Processo Penal:

  “Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Entretanto, em 17 de fevereiro de 2016, a Suprema Corte, por maioria de votos, proferiu decisão, no bojo do Habeas Corpus nº 126.292/SP, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.

Dita decisão representou posicionamento diametralmente oposto ao então construído, mediante verdadeira relativização do princípio da presunção de inocência, sob o argumento de que deveria ser buscado um equilíbrio entre este princípio e a efetividade da função jurisdicional penal.

Por se tratar de tema polêmico, peço vênia aos leitores para transcrever trecho do voto vencedor do Ministro Relator:

“Para o sentenciante de primeiro grau, fica superada a presunção de inocência por um juízo de culpa –  pressuposto inafastável   para condenação –, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso, à revisão por Tribunal de hierarquia imediatamente superior. É nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado [...].

Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. É dizer: os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fática probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa.

Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso   especial e extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então HC 126292/SP observado. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990.

[...]

Realmente, a execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não   compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias.

Nessa trilha, aliás, há o exemplo recente da Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), que, em seu art. 1º, I, expressamente consagra como causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória por crimes nela relacionados quando proferidas por órgão colegiado. É dizer, a presunção de inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado”.

 

O relator ainda teve como respaldo entendimento manifestado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que, a propósito, escreveu:

“No que se refere à presunção de não culpabilidade, seu núcleo essencial impõe o ônus da prova do crime e sua autoria à acusação. Sob esse aspecto, não há maiores dúvidas de que estamos falando de um direito fundamental processual, de âmbito negativo.

Para além disso, a garantia impede, de uma forma geral, o tratamento do réu como culpado até o trânsito em julgado da sentença. No entanto, a definição do que vem a se tratar como culpado depende de intermediação do legislador.

Ou seja, a norma afirma que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da condenação, mas está longe de precisar o que vem a se considerar alguém culpado.

O que se tem, é, por um lado, a importância de preservar o imputado contra juízos   precipitados   acerca   de   sua responsabilidade. Por outro, uma dificuldade de compatibilizar o respeito ao acusado com a progressiva demonstração de sua culpa.

Disso se deflui que o espaço de conformação do legislador é lato. A cláusula não obsta que a lei regulamente os procedimentos, tratando o implicado de forma progressivamente mais gravosa, conforme a imputação evolui.

Por exemplo, para impor a uma busca domiciliar, bastam ‘fundadas razões’ - art. 240, §1º, do CPP. Para tornar implicado o réu, já são necessários a prova da materialidade e indícios da autoria (art. 395, III, do CPP). Para condená-lo é imperiosa a prova além de dúvida razoável.

Como observado por Eduardo Espínola Filho, ‘a presunção de inocência é vária, segundo os indivíduos sujeitos passivos do processo, as contingências da prova e o estado da causa’.

Ou seja, é natural à presunção de não culpabilidade evoluir de acordo com o estágio do procedimento. Desde que não se atinja o núcleo fundamental, o tratamento progressivamente mais gravoso é aceitável. (...)

Esgotadas as instâncias ordinárias com a condenação à pena privativa de liberdade não substituída, tem-se uma declaração, com considerável força de que o réu é culpado e a sua prisão necessária.

Nesse estágio, é compatível com a presunção de não culpabilidade determinar o cumprimento das penas, ainda que pendentes   recursos” (in: Marco Aurélio Mello. Ciência e Consciência, vol. 2, 2015).

 

Por fim, salientou-se voto proferido pela Ministra Ellen Gracie quando do julgamento do HC 85.886 (DJ 28/10/2005), no sentido de que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema”.

Especificamente sobre este último ponto, Eugênio Pacelli de Oliveira já havia salientado parecer ser o Brasil o único país de que se tem notícia a prever o julgamento do processo penal em três instâncias para a execução da sentença condenatória. “Nos demais ordenamentos – a maioria deles essencialmente garantista – privilegia-se o julgamento das instâncias ordinárias, reservando às Cortes Constitucionais ou Tribunais Superiores a excepcional revisão dos julgados”[10].

Em suma, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal possibilita a execução provisória da pena – que, nesse caso, não tem natureza cautelar -, desde que haja acórdão condenatório proferido por órgão colegiado, tendo como argumentos centrais:

a) o fato de a execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não comprometer o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal e, esgotando-se a via de análise fática, mediante decisão condenatória proferida por órgão colegiado, merece relativização o princípio da presunção de inocência;

b) o necessário preenchimento do requisito constitucional inserido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, pertinente à comprovação de repercussão geral para a análise de eventual recurso extraordinário interposto, e o significativo número de recursos improvidos;

c) o fato de que o impedimento de execução provisória de qualquer condenação, enquanto não esgotado definitivamente o julgamento de todos os recursos, ordinários e extraordinários, tem permitido e incentivado a indevida e sucessiva interposição de recursos das mais variadas espécies, com indisfarçados propósitos protelatórios, visando, não raro, à configuração da prescrição da pretensão punitiva ou executória; e

d) a possibilidade de ajuizamento de medidas cautelares de outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou especial como instrumentos inteiramente adequados e eficazes para controlar situações de injustiças ou excessos em juízos condenatórios recorridos.

Frise- se que, embora sem efeito vinculante, dita decisão já repercute nos tribunais pátrios, sendo, inclusive, noticiado pela imprensa a expedição de mandados de prisão com fundamento no citado precedente.

Já em março do corrente ano, o Superior Tribunal de Justiça iniciou o enfretamento do tema após a citada decisão do Supremo Tribunal Federal. O caso concreto analisado (APn nº 675/GO) envolve desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ/MT), condenado pelo STJ, em ação originária, a seis anos de prisão em regime fechado, pelo crime de corrupção passiva. É, pois, caso de competência originária (e, portanto, no qual não haveria duplo grau de jurisdição), ainda não apreciado em razão do pedido de vista da ministra Laurita Vaz, justificado pelo fato de se tratar do primeiro processo a ser analisado após a mudança de entendimento do STF[11]. Dessa forma, resta-nos aguardar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema.

4. Conclusões acerca da mudança de entendimento promovida a partir da decisão proferida no bojo do HC nº 126.292/SP

A decisão proferida pela Suprema Corte, no bojo do Habeas Corpus nº 126.292/SP surpreendeu a todos, juristas e doutrinadores, já que representou a retomada de um posicionamento anteriormente afastado pela própria Corte. Embora não possua efeitos vinculantes, dito entendimento certamente será tomado como norte pelos magistrados e ensejará a expedição de significativo número de mandados de prisão em face daqueles que aguardavam o julgamento dos recursos de natureza extraordinária.

Verdade seja dita, a decisão foi festejada por muitos magistrados e promotores, ávidos por garantir o cumprimento da pena já imposta e confirmada em acórdão de órgão colegiado, evitando-se a tão frequente prescrição da pretensão punitiva ou executória, decorrentes, muitas vezes, do manejo abusivo das vias recursais por parte da defesa do réu.

A favor da possibilidade de execução provisória da pena, Eugênio Pacelli já havia se manifestado no seguinte sentido:

“Excepcionalmente, então, e como ocorre em relação a todo o Direito, até seria possível se admitir a execução provisória, se – e somente se – dúvidas não pairarem sobre o conteúdo da decisão ainda pendente do trânsito em julgado na instância extraordinária. Exemplo: qual seria o risco de uma execução fundada em condenação proferida em primeiro e segundo grau, com ampla produção probatória, incluindo a prova arrolada pela defesa e acrescida da voluntária confissão do acusado? Somem-se a tudo isso: a gravidade do crime, a quantidade da pena aplicada e a inexistência de argumentação recursal minimamente ponderável, tal como ocorre com a insistente oposição de embargos declaratórios, com a única finalidade de prorrogação do momento consumativo do julgado”[1].

Deve-se salientar, entretanto, que a decisão foi alvo de severas críticas, mormente por parte dos defensores de um direito processo penal mais garantista, pautado na própria literalidade do texto constitucional, que exige o trânsito em julgado da condenação para que se possa afastar a presunção de não culpabilidade.

De fato, o processo penal deve pautar-se nos direitos e liberdades básicas do cidadão. Deste modo, importante função desempenha o princípio da presunção da inocência, verdadeira “regra de tratamento do imputado, na medida em que impede a aplicação de medidas judiciais que equiparem ao culpado, especialmente quando representem uma antecipação da pena”[2].

A execução provisória da pena privativa de liberdade constitui, assim, “modalidade anômala de prisão anterior à formação da culpa e, como carece de elementos de cautela, representa afronta à presunção de inocência”[3].

Frise-se que toda a evolução legislativa e jurisprudencial narrada culminou com a edição da Lei nº 12.403/2011, cuja exposição de motivos do anteprojeto já demonstrava a preocupação do legislador em não permitir a execução provisória antes do trânsito em julgado, em consonância com o texto expresso do art. 5º, LVII, da Constituição Federal. Nesse sentido, na Exposição de Motivos, consta o seguinte trecho:

“O projeto sistematiza e atualiza o tratamento da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória, com ou sem fiança. Busca, assim, superar as distorções produzidas no Código de Processo Penal com as reformas que, rompendo com a estrutura originária, desfiguraram o sistema (...) Nessa linha, as principais alterações com a reforma projetada são (...) d) impossibilidade de, antes da sentença condenatória transitada em julgado, haver prisão que não seja de natureza cautelar”

Dessa forma, defende-se a devida observância aos princípios constitucionais, norteadores da aplicação das demais normas jurídicas positivadas.

Ao que parece, porém, a Suprema Corte atuou como legislador positivo ao determinar a relativização da norma insculpida no art. 5º, LVII, da Constituição Federal e afastar a necessidade do trânsito em julgado da condenação para o início de seu cumprimento, sem que houvesse qualquer previsão constitucional ou legal nesse sentido.

É certo que cabe ao legislador estipular novos requisitos limitadores à possibilidade de interposição de recursos, de modo a tornar mais célere o processo penal. A relativização do princípio da inocência sob o argumento de conferir efetividade à jurisdição penal demonstra, em verdade, uma tentativa por parte do Judiciário de resolver o grave problema do sistema recursal penal brasileiro - consistente do grande número de recursos e no prolongamento de feitos, por vezes durante décadas, até o trânsito em julgado da decisão – e, consequentemente, a sensação de impunidade deste decorrente.

Conforme destacado por Pedro Lenza[4], a recente decisão do STF representa verdadeira jurisprudência defensiva, no sentido de limitar o número de recursos que chegam à Suprema Corte. Inclusive, nesse sentido foi exposto no voto do Relator o argumento acerca do uso abusivo e meramente protelatório das vias recursais.

E o pior: possivelmente a decisão surtirá efeito oposto ao desejado, já que, diante da possibilidade de imediata expedição de mandado de prisão em decorrência de acórdão de segundo grau, a defesa do acusado, como no passado, ajuizará medidas cautelares de outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário e/ou especial, ou mesmo habeas corpus, concomitantemente à interposição dos aludidos recursos, sobrecarregando ainda mais o Judiciário.

Merece destaque, neste ponto, entendimento doutrinário no sentido de que a previsão legal de ausência de efeito suspensivo aos recursos extraordinário e especial (Lei nº 8.038/90) apenas poderia ser aplicada em matéria cível, pois no âmbito penal encontra impedimento constitucional, consistente no princípio do estado de inocência (art. 5º, LVII, da CF)[5]. Digno de aplausos dito entendimento, já que interpreta a norma infraconstitucional à luz da Constituição e não o contrário!

Ademais, não se pode olvidar que, diferentemente do que ocorre no âmbito da execução provisória no curso de processo cível (que tem como escopo, eminentemente, questões patrimoniais e/ou passíveis de reparação), a manutenção da prisão do acusado, na hipótese de posterior decisão absolutória ou que determine a nulidade do feito, corresponde à medida incapaz de permitir o retorno ao status quo ante, sendo certo que o cerceamento da liberdade do acusado nessas hipóteses constitui dano irreversível.

Some-se a isto o significativo número de recursos ou mesmo de habeas corpus que são providos na Suprema Corte, de forma que a antecipação da culpa, nos moldes da decisão em questão, acarretará não só o cumprimento mais célere da pena por parte dos culpados como, também, por parte de inocentes. Considerando ainda ser passível de alteração a pena cominada, a aplicação da pena privativa de liberdade e o consequente e inevitável cerceamento da liberdade do acusado – cujo tempo de encarceramento não lhe poderá ser devolvido -, corresponde à flagrante ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Não se pode negar, claro, a necessidade de reformas no sistema recursal brasileiro, principalmente quanto ao estabelecimento de novos marcos interruptivos prescricionais ou à possibilidade de antecipação do trânsito em julgado, de forma a prestigiar a necessária duração razoável do processo – que, inclusive, beneficia aos inocentes – e garantir a extirpação da sensação de impunidade vigente na sociedade brasileira. Entretanto, repito, tal mudança deve ser feita por via legislativa e sempre tendo como norte o texto constitucional.

Mostra-se preocupante, também, o fato de predominar nos tribunais pátrios o entendimento acerca do não cabimento de indenização por danos morais em caso de prisão preventiva posteriormente revogada[6]; o qual, caso aplicado analogicamente à prisão provisória decorrente de sentença condenatória confirmada em segundo grau, acarretará o não reconhecimento do direito à indenização quando a decisão for afastada nas instâncias extraordinárias, salvo nas hipóteses de flagrante erro judiciário ou de prisão além do tempo fixado na sentença.

Certamente, será necessário rever dito posicionamento, já que a hipótese ora aventada (execução provisória da pena) constitui modalidade de cumprimento da pena definitiva, não tendo natureza cautelar. Neste ponto indaga-se: será que o Estado, já com tantos limites orçamentários, terá recursos para pagar indenizações em casos de posterior reconhecimento da ilegalidade da prisão?

Ademais, diante da realidade do sistema prisional brasileiro, a possibilidade de execução provisória mostra-se medida diametralmente oposta as já adotadas no sentido de esvaziamento carcerário.

Não bastasse isso, conforme bem destacado por Luiz Flávio Gomes, o modelo de duplo grau de jurisdição - adotado na decisão proferida no HC 126.292/SP - exige dois julgamentos de mérito para se derrubar a presunção de inocência, tal como previsto no art. 8º, item 2, h, da Convenção Americana de Direitos Humanos[7]. Difere, portanto, das hipóteses nas quais há uma sentença absolutória, seguida de um acórdão condenatório, ou quando há foro por prerrogativa de função.

Vê-se, assim, que a polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal ainda deixa muitos questionamentos e será alvo de intensos debates. Resta-nos esperar os futuros desdobramentos, sempre com a preocupação acerca de possíveis novas relativizações em relação a outros direitos fundamentais.

 

4. Bibliografia

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008.

DELGADO, Yordan Moreira. Impossibilidade da execução provisória da sentença penal condenatória à luz das recentes decisões do STF. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2095, 27 mar. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12542>. Acesso em: 04/11/2009.

GOMES, Luiz Flávio. Execução provisória da pena. STF viola Corte Interamericana. Emenda Constitucional resolveria tudo. Disponível em: <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/307339417/execucao-provisoria-da-pena-stf-viola-corte-interamericana-emenda-constitucional-resolveria-tudo>. Acesso em 06/04/2016.

LENZA, Pedro. Presunção de Inocência: novo entendimento do STF. Retrocesso? HC 126.292. Disponível no endereço eletrônico: <https://www.youtube.com/watch?v=ht8Wu6hiZxs>. Acesso em 07/4/2016.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed., Salvador: Editora Juspodivm, 2015.

LIMA, Renato Brasileiro de. Execução Provisória da Pena. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eQkz 5fB9rr4>. Acesso em 7/4/2016.

MARCHI JÚNIOR, Antônio de Padova; PINTO, Felipe Martins (Coords.). Execução Penal: Constatações, Críticas, Alternativas e Utopias. Curitiba: Juruá, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 17ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2013.

 

Sobre o autor
Ana Flavia Gusmão de Freitas Viana

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-Graduação em Criminologia, Política Criminal e Segurança Pública, na área de Ciências Penais, pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

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