Com o advento do novo Código de Processo Civil, formalizado pela Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, que teve sua vigência aprazada para o dia 18 de março de 2016 por decisão unânime do Plenário do STJ, em sessão administrativa, o sistema legal brasileiro ganha uma nova roupagem e visão acerca do processo civil. Institutos outrora consolidados na prática jurídica deixam de existir ou têm o procedimento profundamente modificado, objetivando a busca da celeridade e da efetividade dos provimentos jurisdicionais que fundamentaram esta impactante alteração legislativa.
Não vem ao caso, por ora, analisar, discutir e relatar a imensa ordem de alterações procedimentais que foram determinadas pela nova lei processual; deixaremos limitado, para fins deste breve estudo, uma observação a respeito de uma nova obrigação legal gerada às pessoas jurídicas de direito público e privadas nacionais. É que o novo Código Processual determina que as empresas públicas e as privadas, exceto aquelas consideradas como microempresas e empresas de pequeno porte, deverão “manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio”, conforme disposto no §1º, do artigo 246, do novo Código Processual.
Esta nova obrigação direcionada às empresas vem disposta no conjunto de procedimentos atinentes às formas de comunicação e cientificação dos atos do processo judicial. Claramente, tal disposição tem o condão de conferir maior celeridade aos processos existente contra empresas, pois a citação e as intimações dispensarão os atos pessoais, já que tais litigantes estarão previamente cadastrados nos sistemas dos Tribunais, e, assim, serão considerados válidos os atos judiciais emitidos mediante a simples remessa eletrônica ao destinatário.
A nova lei define (art. 238) que a citação “é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”. Não é mais o “ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender”, tal qual previsto na lei processual anterior (art. 213). Isso porque a orquestração da defesa do réu não é mais o mote do novo procedimento, que visa, primordialmente, a celebração de formas alternativas de composição das lides, como a conciliação, a mediação e o arbitramento, em detrimento da insistente, complexa e demorada formalização das demandas judiciais.
Com base neste pensamento, que preza pela celeridade e efetividade das ações judiciais, o caput do referido art. 246 dispensa as seguintes formas de se efetivar a citação processual: “I - pelo correio; II - por oficial de justiça; III - pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório; IV - por edital; ou V - por meio eletrônico, conforme regulado em lei”. Substancialmente, observando a relação de formas de citação previstas na legislação anterior (art. 221), não há qualquer alteração, senão a reiteração do que já estava previsto, prevalecendo inclusive a inclusão do inc. V (citação por meio eletrônico), no rito anterior, por força da Lei nº 11.419, de 2006.
No entanto, a partir da vigência da nova lei processual, a citação de empresas, públicas ou privadas, será realizada, preferencialmente, pela forma eletrônica, com base no cadastro nos sistemas de processos eletrônicos. Inclusive as intimações (art. 270), que têm idêntica preferência pela consolidação dos atos na forma eletrônica.
As dúvidas que se erigem dizem respeito às questões formais, do prazo, e das eventuais sanções que as empresas poderão sofrer no caso de descumprimento da referida obrigação, já que a lei processual pouco acrescentou ou descreveu a esse respeito.
O art. 1.051 do novo regramento, expressa que as empresas públicas e privadas “devem cumprir o disposto no art. 246, § 1o, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica, perante o juízo onde tenham sede ou filial”. Verifica-se que a leitura deste texto cria uma nova regra de obrigação, que dá a falsa ideia de limitação de abrangência do art. 246, §1º, pois poder-se-ia concluir que somente as novas empresas públicas e privadas, exceto as micro e pequenas empresas, estariam obrigadas a realizar o seu cadastramento junto ao Poder Judiciário, no prazo de 30 dias, a contar da data da inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica. Consoante esta interpretação, as empresas já consolidadas estariam dispensadas de realizar tal procedimento.
Esta compreensão do tema não é válida, pois o citado art. 1.051 somente complementa a regra do art. 246, §1º, não limitando a sua aplicação. É certo que as novas empresas públicas e privadas criadas após o advento da Lei n. 13.105/2015 terão o prazo de 30 dias para realizar o seu cadastramento junto ao Poder Judiciário local onde tenham sede ou filial a partir da inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica.
Observe-se que a lei processual determinou o prazo de cadastramento das novas empresas, mas nada reporta a respeito das já existentes. Não se pode presumir, pelo texto da nova lei, que também se aplica às empresas antigas a mesma regra disposta às empresas novas, porque as condições jurídicas são diferentes (para as novas, o dies a quo para o registro é a data da inscrição como pessoa jurídica, enquanto para as antigas não há prazo determinado).
A nova lei, ao passo que cria uma obrigação nova, também não expressa qualquer forma de procedimento ordinário para tal mister, situação que, por via de consequência, será sanada pelos regimentos internos de cada Tribunal, o que gera uma evidente insegurança jurídica ao jurisdicionado.
Ora, a lei processual somente expressa que é uma obrigação da empresa realizar o seu registro junto ao “juízo onde tenham sede ou filial”. Silencia se o jurisdicionado deverá realizar tal obrigação somente perante a Justiça comum, ou também perante a Justiça Federal, ou Justiça do Trabalho, eleitoral etc., ou perante todas delas. E, neste sentido, não o fazendo – ou seja, descumprindo literal disposição legal – quais seriam as consequências, já que a lei nada trata a esse respeito?
Neste ponto, merece destaque o fato de que a lei não estabelece ordinariamente qualquer regra de sanção para o descumprimento de tal obrigação, criando uma regra que tem a potencial condição de ser desrespeitada, como tantas outras produzidas no Brasil.
Outra situação percebida diz respeito à eleição do legislador para a limitação da obrigação de cadastro de “empresas” e não “pessoas jurídicas”, conceitos que não podem ser confundidos. O legislador foi claro ao remeter a obrigação do cadastramento somente de empresas, e não toda e qualquer pessoa jurídica.
Sobre esta limitação do tema proposta pelo legislador, é importante destacar que o sistema vigente classifica (art. 40, CC) as pessoas jurídicas em pessoas jurídicas “de direito público, interno ou externo, e de direito privado”. E, dentre as pessoas jurídicas de direito privado, (art. 44, CC), expressa I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações, IV - as organizações religiosas; V - os partidos políticos; e VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.
Por sua vez, as referidas sociedades são divididas em empresariais (art. 966, CC) e civis (art. 981, CC). Portanto, conquanto o legislador pátrio tenha optado por distinguir sociedades empresariais e sociedades civis, possuindo cada uma delas características e objetivos próprios e distintos, não há como se afirmar que a obrigação de cadastramento afeita às primeiras é também direcionada às segundas ou às demais pessoas jurídicas existentes no sistema jurídico vigente.
A lei processual cria, assim, situações distintas para jurisdicionados em grau de semelhança: a pessoa jurídica empresarial tem contra si uma obrigação legal à qual não está sujeita a pessoa jurídica sociedade civil, sem que haja um fundamento jurídico razoável para a existência de tal distinção.
Ao se realizar a análise do fundamento desta nova obrigação legal, observando o seu suporte ideológico, é evidente que o legislador promoveu uma tentativa de prestar maior celeridade aos processos judiciais considerando as estatísticas que apontam o constante aumento de demandas contra empresas que atuam no mercado de consumo. No entanto, esta nova condição não cria, necessariamente, uma fórmula de solução dos conflitos.
Milita em desfavor da nova obrigação o fato de que o legislador criou uma regra que não tem um claro condão de auxiliar na solução dos conflitos judiciais, mas somente facilitar a produção dos atos judiciais, retirando a obrigação da produção pessoal dos mesmos. No entanto, como visto, ao expressar as condições para a exigibilidade da obrigação em discussão, e tentar facilitar a condução dos atos judiciais, o legislador somente criou uma situação de insegurança jurídica, o que, no atual momento jurídico, em face das inovações processuais, deveria ser evitado.
Logicamente a questão é muito recente e deverá passar pelo crivo do Poder Judiciário e, quiçá, do próprio Poder Legislativo, para que a matéria seja resolvida e as inseguranças do jurisdicionado sejam sanadas ou dirimidas.
Por isso, conclui-se que a questão ora analisada não está bem definida na nova lei processual, merecendo maior destaque na sua apreciação tanto pelo legislador quanto pelo Poder Judiciário, evitando-se as inseguranças jurídicas observadas em relação ao jurisdicionado.