Estudos dedicados ao tema do concurso de pessoas consagram-se apenas aos chamados crimes monossubjetivos, uma vez que, nos delitos plurissubjetivos, a multiplicidade de indivíduos na consecução na conduta é parte integrante do tipo penal. Em outros termos, não haverá concurso de pessoas sempre em que se fizer presente uma pluralidade de sujeitos intervindo na execução de um crime, uma vez que existem tipos penais em que a intervenção de mais de uma pessoa é parte constitutiva de sua essência, ou seja, sem a qual aquele tipo penal não irá se estabelecer no plano concreto.
Quando a ação levada a cabo por diversos sujeitos adequar-se perfeitamente ao verbo típico porque ele assim o requer, será o caso de um concurso necessário. Por sua vez, quando vários agentes concorrem para a perpetração de um fato punível, sem que a participação seja exigida no tipo, será o caso de um concurso eventual.
Comumente, observa-se que, na execução dos atos ilícitos, ocorre a intervenção de sujeitos que não realizam propriamente a conduta descrita dos tipos penais. O comportamento desses indivíduos não pode ser subsumido a nenhum tipo penal porque não encontra tradução no conteúdo literal do verbo típico, sua ação é coadjuvante à conduta principal e, consequentemente, não poderia, em tese, ser objeto de punibilidade.
Jiménez Huerta anota que o Direito Penal não pode, entretanto, restringir seu alcance aos indivíduos que realizam a ação que consubstancia o verbo típico, efetivamente lesionando ou colocando em risco bem jurídicos tutelados pelo sistema criminal. Para o autor, devem também estar abarcados em seu âmbito punitivo aqueles que pratiquem ações diversas daquelas que o tipo expressamente menciona, uma vez que em torno da conduta principal orbitam, por vezes, atos acessórios, ora anteriores, ora simultâneos à conduta central.
Essas condutas ganham relevância penal no momento em que, em maior ou menor grau, contribuem para a ação típica, sendo, portanto, inequivocamente antijurídicas. Sua importância é tal que o sistema jurídico falharia de maneira evidente se as ignorasse de seu campo de ação, uma vez ser necessário adequar seu formalismo aos eventos da vida, conforme sublinha Reyes.
Esse objetivo, entretanto, não poderia ser alcançado se o Direito Penal atuasse estritamente em face dos tipos descritos na parte especial. Desta feita, ao legislador coube criar, no caso da participação, assim como da tentativa, “um dispositivo amplificador que permitisse sancionar as atividades daqueles que, sem realizar a conduta descrita no tipo da parte especial, executam atos de cooperação que permitam levá-la a cabo. Essa é a razão pela qual o legislador criou a figura do concurso de pessoas.” (REYES, 1966)
Novoa Montreal ressalta que a regra geral é que o tipo penal faça alusão a apenas um sujeito ativo. Não obstante, é notório que, em muitos casos, os atos ilícitos são praticados por meio da soma de ações diversas de múltiplos indivíduos, razão pela qual seria imprescindível que fossem criadas regras no ordenamento penal que explicitassem de que maneira deveriam ser tratadas as situações em que ocorre o concurso de pessoas e em quais circunstancias poderiam os partícipes ser, efetivamente, considerados como contribuintes à conduta principal.
Nesse intuito, o legislador fez constar no Código Penal normas que buscam “assinalar até que ponto um indivíduo que coopera numa ação típica ou que realiza algum ato que está, de algum forma, relacionado com ele, pode ser vinculado a esse ato e qual é a gravidade de sua intervenção.” (Apud REYES, 1966)
Nessa esteira, Carrara assinala que quando o delito resultar da ação de diversos sujeitos, deverão ser especificadas suas respectivas contribuições, de modo que seja possível imputar-lhes penas proporcionais à gravidade de seus atos, a qual será aferida segundo seu influxo no ato ilícito.
O instituto da participação, lato sensu, foi criado para evitar que ações que correm paralelamente à principal e contribuíram na causalidade objetiva do resultado, fiquem sem punição. A participação promove a amplificação da “base típica do delito concreto a fim de abarcar essas condutas antijurídicas e adicioná-las à sanção cabível.” (FOLCHI, 1960)
Folchi enfatiza a necessidade de distinção entre essa ampliação e aquela promovida pela norma que trata da tentativa, uma vez que, neste último caso, a extensão promovida pelo tipo se dá em relação a ações realizadas pelo mesmo indivíduo que, por razões alheias à sua vontade, não redundaram no ato típico. O dispositivo atinente ao concurso de pessoas assume uma outra lógica, permitindo que sejam encaixadas no limite semântico do tipo penal condutas de sujeitos diversos que, ainda que não tenham realizado o verbo descrito na lei penal, contribuíram de maneira efetiva à sua materialização.
O fundamento principal desse elemento técnico é a necessidade de imputação de responsabilidade, evitando que fiquem impunes ações de evidente cunho antijurídico. Essas condutas ganham, conforme Folchi, um caráter de especial transcendência, evitando-se que a formalidade da letra da lei encubra condutas cuja essência seja, inequivocamente, ilícita. A contrariedade ao direito é trazida a lume quando os sujeitos demonstram adesão ao objetivo comum da realização da empreitada criminosa. Esse é o fundamento de responsabilidade do instituto do concurso de pessoas.
Ao se falar em concurso de pessoas, busca-se, pois, fazer referência à atividade de alguém em conjunção com a de outra pessoa para o atingimento de uma finalidade comum. Deve haver, conforme enfatiza Soler, identidade da infração penal e convergência de intenções entre autor e partícipe aos fins penais.
Parte da doutrina, na qual inserem-se Mayer, Frank e Antón Oneca, entende que instigação e o auxílio são causas de extensão da pena, não do tipo penal. A incongruência é manifesta, uma vez que, na acertada crítica de Folchi, “a pena não pode ser aplicada a condutas atípicas, vez que desse modo se vulneraria o princípio segundo o qual não há delito sem tipicidade. Portanto, quando se sanciona uma conduta acessória, isso ocorre não por extensão da penalidade, mas porque essas normas sobre a participação adquirem um caráter essencial de inescusáveis amplificadores do tipo penal.” (FOLCHI, 1960) A extensão da pena é mera decorrência da prévia extensão do tipo penal.
Nessa mesma linha de entendimento, afirma Bitencourt que “no caso da tentativa, há uma ampliação temporal da figura típica e, no caso da participação, a ampliação é espacial e pessoal da conduta tipificada.” (BITENCOURT, 2003)
Importante ressaltar que as condutas do partícipe e do principal existem uma em razão e em relação à outra. A mensuração do quantum da pena do partícipe se dá em vistas da atividade realizada pelo autor. Essa é a razão da existência de uma sistemática jurídica que promova a ampliação da moldura que guarda a essência do tipo penal, dentro da qual serão subsumidos os atos de todos os sujeitos, uma vez presente uma finalidade psicológica comum, contrária ao direito.
A existência dessas disposições que determinam como o julgador deverá proceder em face de um crime cometido mediante concurso de pessoas é de fundamental importância, pois desse modo é conferido o necessário “rigor científico a esse aspecto do conglomerado fático-delitual, ordenando-o em um sistema orgânico.” (FOLCHI, 1960)
O dispositivo amplificador concernente à participação é um elemento técnico-jurídico que vincula a essência mesma da tipicidade e que completa, por conseguinte, a sua teoria.
Referências Bibliográficas
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. v. 1, 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
FOLCHI, Mario O. La importância de la tipicidad en Derecho Penal. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1960.
REYES, Alfonso. La tipicidad penal. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 1966.
* Anna Cecília Santos Chaves é doutoranda em Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia na Universidade de São Paulo.