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EC 66/2010: a regulamentação do divórcio e o direito de não permanecer casado como pura manifestação das liberdades constitucionais

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Agenda 10/05/2023 às 17:51

A EC 66/2010 inaugurou uma nova conjuntura de privilégio dos direitos e garantias fundamentais, vez que sobrelevada a privacidade dos consortes que decidem romper um projeto de vida em comum plasmado no casamento.

1. INTRODUÇÃO

A aprovação da “PEC do divórcio”, assim chamado o projeto que deu origem à Emenda Constitucional n. 66/20101, sem sombra de dúvidas, trouxe preciosos novos contornos ao Direito de Família, que passa, a partir de agora, a focalizar com muito mais verdade o ser humano.

Destarte, essa seara jurídica, transpassando o mero discurso fincado na teoria, inaugura um estágio de supremacia e de embate real das implicações oriundas das relações familiares, valorizando, na prática, os sentimentos das pessoas envolvidas nos conflitos cotejados, em detrimento do apego a obsoletos formalismos, exacerbados em sua destituição de sentido.

Assim sendo, enfim, atendeu-se aos reclames de grande parcela da comunidade científica e da sociedade, que há muito não compreendiam a razão de o legislador ordinário conservar procedimento que, traduzindo-se em enormes desgastes e constrangimentos para as partes, era também de inexpressiva relevância em termos de resultados práticos.

Ante a inovação constitucional, o presente trabalho ancora-se na defesa quanto à supressão, do ordenamento jurídico pátrio, do instituto da separação, bem como nos valiosos ganhos advindos.


2. A INSTITUIÇÃO DO CASAMENTO E A DISCIPLINA NORMATIVA QUANTO À SUA DISSOLUÇÃO: ESCORÇO EVOLUTIVO

Assentado historicamente sob dogmas religiosos, o casamento, durante muitos séculos, foi tido como a única forma admissível de constituição da família, razão pela qual era igualmente inconcebível imaginar-se a sua dissolução.

Sendo de grande amplitude a influência exercida pela Igreja Católica em diversos setores da sociedade, a máxima “o que Deus uniu o homem não separa” era defendido com absoluto fervor, de modo que a separação de um casal apenas era tolerada no caso de morte de um dos consortes.

Entre nós, o casamento já esteve arraigado intimamente à disciplina religiosa, sob o império das leis canônicas. Aliás, nada obstante a hodierna explícita natureza civil do casamento, de certa maneira, pode-se dizer que o enlace matrimonial encontra-se interligado, ainda que por via oblíqua, às manifestações religiosas.

Nesse certame, importante consignar que mesmo em Estados laicizados, tal qual o Brasil a partir do advento da República (1891), os avanços na política legislativa em prol da dissolubilidade do matrimônio caminharam a passos lentos.

Com efeito, até a instauração da República, em 1889, a única forma de casamento era o religioso. Sendo assim, de forma completamente discriminatória e desproporcional, os não católicos não tinham acesso ao matrimônio2. O casamento civil só surgiu em 1891, juntamente com o conceito de família, identificado com o casamento indissolúvel.

Inaugurada a era republicana, com a laicização do Estado brasileiro, a influência exclusivamente religiosa cedeu espaço à abordagem tipicamente jurídica, de natureza civil, porém não menos estratificada.

Com a edição do Código Civil de 1916, o casamento foi sacralizado como a única forma de constituição da chamada “família legítima”, que gozava de privilégios distintos. A contrario sensu, fora do casamento a família era reputada “ilegítima”, espúria ou adulterina, e não merecia a proteção do ordenamento jurídico familiarista, projetando efeitos, tão somente, no âmbito das relações obrigacionais3.

À época, a família esboçava feição patriarcal, e as regras legais refletiam essa realidade. Em primeiro lugar, nenhuma outra modalidade de convívio afetivo que não fosse o casamento era aceitável. Por conseguinte, o casamento era indissolúvel. Na verdade, o contorno normativo do casamento naquela Codificação revelava, claramente, a marcante influência religiosa sobre a relação de família, praticamente repetindo a normatividade canônica.

A resistência do Estado em admitir outras espécies de relacionamentos era de tal ordem, que a única possibilidade de romper o casamento era o desquite, o qual, todavia, não dissolvia o vínculo matrimonial e, assim, impedia novo casamento.

Mesmo com a entrada em vigor da Lei do Divórcio, em 1977, a visão matrimonializada da família permaneceu. O desquite transformou-se em separação, passando a existir duas formas de por fim ao casamento: a separação e o divórcio. Na tentativa de conservação da família a todo custo, era exigido o decurso de longos prazos, ou a identificação de um culpado pela separação, o qual não podia intentar a ação para dar cabo ao casamento. Nessa esteira, a perda do direito à percepção de alimentos e a exclusão dos apelidos do marido eram penalidades que atingiam o “culpado” pela separação, assim como aquele que simplesmente tomava a iniciativa da ação de separação, mesmo sem a identificação de responsabilidades4.

A promulgação da Constituição Federal de 1988, contudo, reproduzindo as ânsias da sociedade em função das vicissitudes constatadas, alargou o conceito de família para além do casamento, quando então passaram a ser reputadas entidades familiares outros tipos de relacionamento. Dessa forma, foi assegurada especial proteção tanto aos vínculos monoparentais – formados por um dos pais com seus filhos – como à união estável – relação de um homem e de uma mulher não sacralizada pelo matrimônio (CF, art. 226, §3º). Sendo assim, deixou de ser o casamento o único marco a identificar a existência de uma família.

Interessante asseverar que o novo contexto constitucional, realmente, trouxe avanços de notável relevo, principalmente por ter mudado consideravelmente a roupagem do instituto casamento. Com efeito, numa análise comparativa, até a superveniência da atual Carta Magna, o casamento sempre havia sido enxergado pela ótica institucionalista, servindo como uma instituição não só jurídica mas também social, através da qual era constituída a família, plena em regulamentações. Nesse diapasão, em contraposição aos cânones humanitários, eram sobrelevadas as formalidades e prescrições legais, em detrimento da proteção e felicidade das pessoas envolvidas. A Constituição da República de 1988, por sua vez, privilegiou valores essenciais à pessoa humana, tais como a dignidade, a solidariedade social, a igualdade substancial e a liberdade.

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A vigência do Novo Código Civil, iniciada em 2003, entretanto, não correspondeu às expectativas de coadunação com as aspirações preconizadas pelo constituinte de 88. Nessa linha, sem se atentar à necessária compatibilização com os ditames constitucionais, o legislador ordinário pouco inovou quanto ao amparo das entidades familiares em sua multiplicidade, limitando-se a incorporar a legislação que regulava as uniões estáveis, olvidando das famílias monoparentais.

Assim sendo, na contramão da realidade social, o Código Civil restringiu-se a regulamentar, de forma minuciosa e detalhada, exclusivamente o casamento, como se fosse o destino de todos os cidadãos. Nessa ordem de ideias, como acentuou Marcos Colares, o casamento parece fundar-se em um ideal de estabilidade e institucionalização de papéis fixos5.

A faceta sacralizada do casamento, entretanto, que começou a ser diluída com a dissolução extrajudicial (Lei n.º 11.441/07), agora não mais subsiste, ante a alteração empreendida pela EC 66/2010, que, suprimindo a obsoleta separação, afastou de uma vez por todas a identificação de culpas e o decurso de prazos.


3. A EC 66/2010 E A SUA CONGRUÊNCIA COM O ARCABOUÇO CONSTITUCIONAL

Consoante já aludido, este trabalho tem como viga mestra o notável avanço empreendido pela entrada em vigor da EC 66/2010, a qual conferiu a seguinte alteração ao § 6º do art. 226, da Constituição Federal:

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio6

Desse modo, banido o arcaico instituto da separação, é de se impor o reconhecimento do alinhamento aos ditames da Magna Carta.

3.1 Concretização da dignidade da pessoa humana

De matriz constitucional, o princípio da dignidade humana é categorizado como verdadeiro axioma fundante do Estado Democrático de Direito, do qual irradiam todos os demais corolários esculpidos no ordenamento jurídico pátrio, tais como: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, eticidade, solidariedade, dentre outros.

Sua ingerência pode ser catalogada em todos os ramos do Direito, não sendo diferente, pois, no regramento concernente às relações familiares, conforme se observa na menção expressa verberada no art. 226, § 7º7 e no art. 2278, ambos da Constituição Federal de 1988.

Nada obstante, tendo em vista que o nosso sistema normativo não é direcionado apenas por prescrições escritas, mas sobretudo alinhado às hermenêuticas sistemática e teleológica, o princípio da dignidade da pessoa humana traduz-se em real vetor interpretativo, a ser manejado em múltiplas searas, inclusive no que atine à dissolução da sociedade conjugal.

Com efeito, partindo-se da premissa de que o Estado não apenas deve se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade concernente a cada indivíduo, porém, principalmente, deve promover essa dignidade através de condutas positivas, é de se concluir ser irretorquível o direito de todo cidadão de não suportar maiores óbices à desarticulação de uma união que chega ao fim, que não o próprio desgaste que já é imanente a essa situação.

Nessa esteira, antes mesmo de ser introduzida a brilhante inovação representada pela EC 66/2010, não eram poucos os juristas que já apregoavam, com acerto, a facilitação do divórcio como instrumento direto de concretização da dignidade humana. Isto é, nessa visão, vanguardista – levando-se em conta as disposições legais – e, ao mesmo tempo, contemporânea – haja vista o foco humanista do ordenamento jurídico e as vicissitudes sociais – se se constituiria prerrogativa da pessoa humana constituir núcleo familiar, igualmente, lhe é intangível o direito de não manter a entidade formada, sob pena comprometer-lhe a existência digna.

Na mesma linha, para Pablo Stolze Gagliano9, a Emenda Constitucional 66/2010 não estaria privilegiando o fim do matrimônio, mas a dignidade da pessoa humana, constitucionalmente protegida:

O que estamos a defender é que o ordenamento jurídico, numa perspectiva de promoção da dignidade da pessoa humana, garanta meios diretos, eficazes e não-burocráticos para que, diante da derrocada emocional do matrimônio, os seus partícipes possam se libertar do vínculo falido, partindo para outros projetos pessoais de felicidade e de vida.

Nas palavras de José Moacyr Doretto Nascimento e Gustavo Gonçalves Cardozo10, que elogiam a mudança, haveria economia patrimonial e moral:

Além de desburocratizar a desconstituição do enlace matrimonial, a mudança vai gerar grande economia para o brasileiro, que não mais terá que gastar por duas vezes com despesas processuais, cartorárias e honorários de advogado. Ophir Cavalcante, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), destacou essa vantagem dizendo que: "Não há sentido algum que o cidadão tenha que despender custos com a separação judicial e depois gastos adicionais com o divórcio em si. É como se o Estado cartorializasse uma relação que já poderia ter sido encerrada em um primeiro momento". A economia também é moral, pois o divórcio imediato evitará dor e sofrimento para as partes e para os filhos, os maiores prejudicados com a situação.

Destarte, se a desunião é para muitos o caminho em prol da felicidade, e se tal “estado de graça” deve prescindir da demonstração de motivos perante terceiros, nada justificaria a resistência do Estado, ao impor prazos e exigir a identificação de causas para pôr fim ao casamento.

Portanto, ao conduzir o interessado a uma conjectura de bem estar não mais vivenciada na experiência a dois, o divórcio direto instituído pela EC 66/2010 está amparado pelo princípio da dignidade humana.

3.2 Concretização da liberdade

O princípio da liberdade, encartado no art. 5º, II, da Magna Carta11, constitui verdadeira garantia fundamental, cuja supressão é expressamente vedada pelo texto constitucional12.

No âmbito civil, por sua vez, o axioma enfocado é objeto de contemplação em algumas passagens, dentre as quais se inclui: art. 42113, que preconiza a liberdade de contratar.

No contexto das relações familiares, a relevância do princípio da liberdade mostra-se de maneira ainda mais marcante, asseverado, destarte, na liberdade de escolha quanto à constituição ou não de uma entidade familiar, e se tal se dará através do casamento ou da união estável, sendo defesa, pois, a intervenção de pessoa pública ou privada nessa comunhão (art.1.513, CC14); na livre decisão do casal acerca do planejamento familiar (art. 1.565, § 2º, CC15), só intervindo o Estado para propiciar recursos educacionais e informações científicas; na opção pelo regime de bens (art. 1.639, CC16) e na possibilidade de alteração das regras disciplinadoras do regime patrimonial, durante a vigência do casamento (art. 1.639, § 2º17), desde que não se trate de hipótese vedada18; na liberdade de opção entre as vias judicial e extrajudicial para a viabilização do divórcio, uma vez satisfeitos os pressupostos erigidos na Lei n.º 11.441/200719

Nada obstante todos esses exemplos de ingerência do princípio da liberdade, a separação e o divórcio, outrossim, eram categorizados como medidas jurídicas de inspiração garantista, vez que proporcionadoras da própria liberdade de autodeterminação quanto ao direito de não permanecer casado.

Nessa Linha, o ato de casar e o de não se manter casado constituiriam o verso e o reverso da mesma moeda: a liberdade de autodeterminação afetiva. Sob essa perspectiva, Luiz Edson Fachin20 assinala: “Uma história construída a quatro mãos tende ao sentido da permanência. Todavia, a liberdade de casar convive com o espelho invertido da mesma liberdade, a de não permanecer casado”.

Entretanto, malgrado a separação estivesse galgada ao status de instrumento viabilizador da ruptura de um projeto afetivo que não prosperou, em verdade, aquela ferramenta não repercutia com grande ensejo a eficácia dissolutória reclamada. Ocorre que, sendo imanente à separação a imposição de lapso temporal e a indagação sobre outras causas, traduzia-se em perniciosa restrição à obtenção da ruptura da vida conjugal, o que redundava na convolação de estruturas familiares enfermas, casamentos malogrados, convivências conjugais em crise, corrosivas e atentatórias às garantias de cada uma das pessoas envolvidas.

O divórcio, por outro lado, sempre representou, por excelência, a aspiração dos interessados em dar cabo a uma conjectura que, já estando falida de fato, intencionava a sua desintegração por um meio jurídico que não afrontasse a privacidade dos cônjuges, com a discussão sobre a culpa na dissolução do casamento ou exigência de prazos mínimos.

Assim sendo, com a vigência da EC 66/2010, enfim está concretizado o meio mais humanizado e condizente com a liberdade do indivíduo, que não mais encontrará óbices estatais ao término da união conjugal, vez que esse evento, assim como deve ser, estará plasmado unicamente no desaparecimento da confluência de interesses.

Dessa forma, será privilegiada a autodeterminação de cada um para decidir, por si próprio, que a ausência de escopo de comunhão plena de vida é o exclusivo motivo fundante da desunião, razão pela qual essa deve ser facilitada pelo Estado.


4. DUALIDADE DE REGIMES DISSOLUTÓRIOS: SOCIEDADE CONJUGAL VERSUS VÍNCULO MATRIMONIAL-A QUESTÃO DA SEPARAÇÃO

O art. 1.571 do Código Civil elenca as causas terminativas da sociedade conjugal, ao dispor:

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:

I – pela morte de um dos cônjuges;

II – pela nulidade ou anulação do casamento;

III – pela separação judicial;

IV – pelo divórcio.

Complementarmente, o § 1º do dispositivo enfocado assim assevera:

§ 1º. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

Esse acréscimo esposado no § 1º supra reflete o inócuo sistema que elegia duas formas de ruptura do liame marital, ao prescrever a distinção entre término da sociedade conjugal e dissolução do vínculo matrimonial.

Nessa esteira, por sociedade conjugal tinha-se o complexo de direitos e obrigações que formavam a vida em comum dos cônjuges. O casamento, por sua vez, criaria a família legítima ou matrimonial, passando os cônjuges ao estado de casados, como partícipes necessários e exclusivos da sociedade que então se constitui. Dessa forma, o estado de casado seria aquele que gerava direitos e obrigações, de cunho moral, espiritual e econômico, fundados esses preceitos não só nas leis, mas também na moral, na religião e nos bons costumes21.

Destarte, o diploma civil, prescrevendo no § 1º do art. 1.571 que o casamento válido apenas se dissolve por meio da morte ou do divórcio, faz menção ao vínculo matrimonial, ao passo que o caput, conforme já aludido, refere-se à sociedade. Sendo assim, a separação judicial, em que pese colocasse termo à sociedade conjugal, mantinha intacto o vínculo matrimonial, redundando, assim, na vedação de que fossem contraídas novas núpcias.

Nesse certame, durante muito tempo, foi preservada em nosso ordenamento normativo a dualidade de procedimentos com vistas ao encerramento do mesmo matrimônio. Isto é, não sendo a hipótese de morte, anulação ou nulidade, aos consortes era imposta uma desnecessária e desgastante obstaculização. Ocorre que, mesmo estando as partes convencidas da inviabilidade de se manterem unidas, buscando a tutela estatal para se desvencilharem juridicamente uma da outra, aquelas eram obrigadas a enfrentar uma burocracia insuportável, que tinha início a partir da exigência de que, em primeiro lugar, fosse operada a dissolução da sociedade conjugal, através da separação, para que só depois, mediante a apresentação de outro requerimento oficial, o enlace pudesse ser rompido definitivamente, com a dissolução do vínculo matrimonial. Evento esse operado com o divórcio.

Tal se devia à manutenção, em nosso sistema jurídico, de uma etapa intermediária, representada pela separação, cuja finalidade consistia em que, ao obstar a dissolução direta do vínculo conjugal, pudesse ser dada aos consortes a oportunidade de refletirem melhor sobre a decisão de término do casamento.

Desse modo, o referido instituto subsistia ancorado na vaga expectativa de reconciliação dos casais, mas cujas estatísticas de recomposição de pares legalmente separados sempre denotaram números bastante reduzidos, de modo que não se mostrava prático impor primeiramente o pleito da separação22.

Na realidade, antes mesmo da inovação constitucional, a existência da separação no sistema normativo pátrio já era alvo de ferrenhas críticas, ante a sábia compreensão de que aquela figura sobrepujava diretamente o poder de autodeterminação dos cidadãos.

Nesse esteio, assim como o Estado não poderia se opor à escolha dos nubentes de se atarem pelo liame do casamento, igual inteligência deveria ser aplicada quando chegado o momento de constatação quanto ao desaparecimento do espírito afetivo da comunhão plena de vida. Em outras palavras, a liberdade de escolha havia de imperar sempre, devendo ser garantido às pessoas a implementação facilitada tanto do direito de decidir se casar quanto o de não permanecer casado.

Nessa esteira, Maria Berenice Dias23 já considerava totalmente dispensável a separação judicial, por ser essa fruto de um incompreensível conservadorismo já não mais condizente com as substanciais modificações ocorridas no Direito de Família. E, com efeito, nenhuma razão justificaria uma duplicidade de procedimentos a constranger e dificultar a liberdade de ação dos casais, “cujo desejo separatório deve ficar restrito às suas próprias deliberações, e respeito à dignificação das suas relações afetivas”.

Sendo assim, por dissolução da sociedade conjugal era tido o resultado exitoso alcançado em requerimento (judicial ou extrajudicial) de separação. Essa, uma vez obtida, produzia efeitos limitados, na medida em que apenas desobrigava os consortes dos deveres recíprocos conjugais, quais sejam fidelidade e coabitação, além de colocar fim ao regime de bens (art. 1.576,CC24), sem que as partes estivessem libertas da relação jurídica formada pelo casamento, razão pela qual não podiam estabelecer novo matrimônio.

Portanto, os cônjuges separados viam-se imiscuídos em situação extremamente anacrônica e mitigadora de sua liberdade, vez que, se por um lado não mais estavam obrigados a comungarem a lealdade marital, por outro, não podiam casar-se novamente, posto que, destituídos do status de divorciados, mantinham-se vinculados, ainda que a compreensível contragosto.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOMINGOS, Manuela Santos. EC 66/2010: a regulamentação do divórcio e o direito de não permanecer casado como pura manifestação das liberdades constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7252, 10 mai. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48312. Acesso em: 26 dez. 2024.

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