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As presunções em matéria tributária e a casuística do Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco

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Agenda 21/02/2004 às 00:00

O trabalho estuda a utilização das presunções em matéria tributária, inserindo-a especificamente no campo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, procedendo à análise de alguns julgados do então Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco - TATE.

SUMÁRIO : INTRODUÇÃO; CAPÍTULO I- O fenômeno da incidência – A norma jurídica, a obrigação e o crédito tributário; CAPÍTULO II - As presunções, 2.1 Considerações iniciais acerca da verdade e da sua prova, 2.2 Presunções – Conceito, 2.3 Espécies, 2.4 As ficções jurídicas ; - CAPITULO III- Princípios constitucionais infirmados (?), 3.1 Conceito de princípios, 3.2 Classificação dos princípios, 3.3 Os princípios da legalidade e da tipicidade, 3.4 Os princípios da segurança jurídica e da certeza do direito, 3.5 O princípio da capacidade contributiva ; CAPITULO IV - Análise de alguns casos de utilização das presunções em matéria tributária, especificamente na seara do ICMS – a casuística do Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco – TATE, 4.1 Suprimento de caixa, 4.2 Passivo fictício, 4.3 Falta de emissão de documento fiscal, 4.4 Pautas fiscais, 4.5 O fato gerador presumido na substituição tributária "para frente".; CONCLUSÕES ; BIBLIOGRAFIA.


INTRODUÇÃO

O surgimento dos fatos jurídicos, sejam eles de que natureza forem, depende, inafastavelmente, da ocorrência, no mundo fenomênico, das situações, fatos ou conjuntos de fatos que restaram anteriormente descritos na hipótese de incidência de uma determinada norma jurídica.

Assim, só se há falar no surgimento de relações jurídicas e, pois, de pretensões e obrigações, onde haja a incidência da norma jurídica sobre os fatos nela previstos. Esta é a lógica do direito. A lógica do fenômeno da incidência.

Inobstante isso, por vezes o Direito se socorre da existência comprovada e do conhecimento de determinados fatos para deles extrair, por conclusão, a ocorrência de outros fatos, os quais restariam assim indiretamente comprovados, e que constituem o suporte fáctico de certa norma jurídica.

Isto não quer significar que se esteja negando que somente se há falar em fatos jurídicos (lato sensu), onde haja a exata correspondência entre o fato concreto ocorrido no mundo dos fatos e a hipótese de incidência (suporte fáctico) da norma jurídica. De forma alguma.

A ocorrência do fato é certa. Apenas dele não se têm, em termos precisos, provas robustas que levem ao seu conhecimento direto, motivo pelo qual o direito se vale de material probatório relativo a outros fatos, de comprovação inequívoca, que levam à conclusão de que aquel’outro efetivamente ocorreu.

Trata-se das presunções, que assumem papel relevante em matéria tributária, por razões de ordem vária.

A necessidade de recolhimento dos tributos, que constituem a principal fonte de arrecadação para que o Estado possa fazer face ao conjunto de atribuições de que está investido, aliada à utilização de fraudes dos contribuintes para imiscuir-se do recolhimento dos tributos devidos, constituem o fundamento jurídico para a utilização das presunções em matéria tributária, sem prejuízo dos princípios constitucionais e das garantias ao devido processo legal e à ampla defesa por parte dos contribuintes, nos termos da Constituição Federal.

No presente trabalho, objetivamos realizar um estudo sobre a utilização das presunções em matéria tributária, inserindo-a especificamente no campo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, procedendo à análise de alguns julgados do então Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco – TATE.

Para tanto, no primeiro capítulo fazemos uma análise sucinta do fenômeno da incidência (a norma jurídica, a obrigação e o crédito tributário), refletindo para o fato de que somente se há falar em fato jurídico tributário onde haja a exata correspondência entre o fato gerador e a hipótese de incidência prevista numa determinada norma jurídica tributária, extraindo daí a conclusão de que a utilização das presunções não infirma a regra, tratando-se única e exclusivamente de matéria de prova acerca da ocorrência do fato, cuja existência é certa.

No capítulo segundo partimos para o estudo das presunções, apresentando algumas considerações iniciais importantes relativas ao conceito de verdade, o seu conhecimento e a sua prova, para, depois, adentrarmos especificamente no campo das presunções, seu conceito e finalidade, suas espécies, traçando ao final uma análise comparativa com as ficções jurídicas.

O capítulo terceiro trata dos princípios jurídicos que, segundo parte da doutrina, restariam atingidos pela utilização das presunções em matéria tributária. Começamo-lo traçando alguns conceitos esboçados pela doutrina mais autorizada acerca de princípios jurídicos, bem como suas espécies para, ao depois, fazermos uma análise dos princípios da legalidade e da tipicidade, da certeza do direito e da segurança jurídica, e da capacidade contributiva.

No capítulo quarto passamos ao estudo de alguns casos típicos da utilização das presunções em matéria tributária, na esfera do ICMS, como o suprimento de caixa, o passivo fictício, a falta de emissão de documento fiscal, as pautas fiscais – que não constituem presunções – e o polêmico fato gerador presumido na substituição tributária "para a frente", trazendo à colação algumas decisões do então Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco, ali transcritas.

Por fim, procedemos às conclusões do trabalho, opinando pela utilização das presunções em matéria tributária, na esfera do ICMS, observadas determinadas condições, e sem o afastamento dos princípios e garantias constitucionais assegurados pelo ordenamento jurídico.


CAPÍTULO I - O fenômeno da incidência – a norma jurídica, a obrigação e o crédito tributário.

Somente se há falar em obrigação tributária quando determinada situação, fato ou conjunto de fatos hipoteticamente previstos numa regra jurídica tributária, venha(m) efetivamente a ocorrer no mundo concreto dos fatos ou, dizendo de outra forma, sempre que alguém praticar determinado ato jurídico que tenha sido eleito pela regra jurídica tributária como apto a produzir o dever de pagar tributos.

Destarte, a ocorrência, no mundo dos fatos, da situação hipoteticamente prevista na regra jurídica como apta a produzir o dever de pagar tributos, faz surgir uma relação jurídica de caráter obrigacional, onde a pretensão é exercida pela pessoa jurídica de direito público, cabendo o dever de prestá-la ao sujeito passivo, aquele que praticou a conduta ou se encontrava na situação jurídica descrita como hipótese de incidência tributária.

É o fenômeno da incidência – automática e infalível, segundo o qual, nos dizeres sempre atuais de PONTES DE MIRANDA:

"A incidência da lei, pois que se passa no mundo dos pensamentos e nele tem de ser atendida, opera-se no lugar, tempo e outros ‘pontos’ do mundo, em que tenha de ocorrer, segundo as regras jurídicas. É, portanto, infalível. Tal o jurídico, em sua especificidade, frente aos outros processos sociais de adaptação. A incidência ocorre para todos, posto que não a todos interesse: os interessados é que têm de proceder, após ela, atendendo-a, isto é, pautando de tal maneira a sua conduta que essa criação humana, essencial à evolução do homem e à sua permanência em sociedade, continue de existir."

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Bernardo Ribeiro de MORAES, identificando as noções de fato jurídico tributário, relação jurídica tributária e objeto do direito, assim se expressa sobre o tema: "... a obrigação tributária nasce como conseqüência necessária e automática da ocorrência do fato gerador respectivo, vinculando um credor (sujeito ativo tributário) a um devedor (sujeito passivo tributário), tendo em vista um objeto (prestação tributária)."

Assim, diluindo os conceitos, a estrutura da norma jurídica tributária não é diferente das demais normas jurídicas – é a previsão legislativa de um fato que, ao incidir sobre o seu suporte fáctico concreto (fato gerador in concreto), faz nascer o fato jurídico tributário, ou seja, a obrigação tributária, tal qual explicitado no art. 113, § 1.º, do Código Tributário Nacional, assim redigido:

"Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1.º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente." (grifamos)

Portanto, fato jurídico tributário e obrigação tributária se confundem, tratando-se duma só e mesma coisa, nascida com a ocorrência do fato hipoteticamente previsto numa regra jurídica.

Por outro lado, é importante deixar claro que, ontologicamente, as obrigações de natureza tributária não se distinguem das obrigações de direito civil, posto ambas serem o "vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito de outra", exceto pelo fato de que estas últimas têm por fonte imediata a vontade das partes, e como fonte mediata a lei, enquanto que as primeiras têm a lei como sua fonte tanto imediata quanto mediata. Em última análise, portanto, ambas são "projeções da lei, existentes por permissão desta."

Já o crédito tributário representa um plus em relação à obrigação tributária, muito embora dela decorra e tenha a mesma natureza jurídica (art. 139, CTN). Vejamos:

Nos dizeres de Mary Elbe Gomes Queiroz MAIA, após surgida a pretensão do Estado, com a ocorrência do fato gerador do tributo, para que aquela se possa tornar efetiva se faz necessário acrescentar forma e requisitos de certeza, exigibilidade e liquidez ao crédito tributário, "os quais são instrumentalizados por meio do lançamento tributário".

Paulo de Barros CARVALHO sustenta posição completamente diferente. Para ele, impossível falar-se em obrigação sem o correspondente crédito, motivo pelo qual, com a ocorrência no mundo fenomênico da situação descrita hipoteticamente na norma jurídica tributária, nascem, a um só tempo, obrigação e crédito tributário, tratando-se, segundo ele, de uma "relação de absoluta inerência".

Nesta mesma esteira de raciocínio, Bernardo Ribeiro de MORAES destaca que obrigação e crédito tributário fazem parte de uma mesma realidade jurídica. Ocorre que a obrigação, originariamente ilíquida, somente se reveste do requisito de liquidez e exigibilidade após a prática daquele ato da autoridade administrativa – o lançamento – o que gera um direito subjetivo para o sujeito ativo, denominado crédito tributário.

Sem embargo de tal posicionamento, do qual não discordamos, por uma questão meramente metodológica, seguiremos a linha adotada pelo CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, o qual dispõe, em seu art. 142, que "Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível."

É através do lançamento, portanto, que surge o crédito tributário, conferindo a este os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, de forma que o sujeito passivo somente poderá ser compelido a pagar o tributo a partir de quando a pessoa jurídica de direito público proceder à formalização do crédito tributário, mediante o lançamento.

O uso das presunções em matéria tributária não infirma esta lógica inerente ao Direito. Pensamos, acompanhando Maria Rita FERRAGUT, que "a existência do fato jurídico é pressuposto necessário da própria existência da obrigação."

A finalidade das presunções consiste única e exclusivamente em demonstrar-se a existência do fato jurídico tributário por meio de provas indiretamente relacionadas a ele, desde que seja impossível ou impraticável chegar-se ao conhecimento deste através de provas diretas, e atendidos os princípios constitucionais, conforme restará demonstrado mais adiante.


CAPÍTULO II - As presunções

Sumário: 2.1 Considerações iniciais acerca da verdade e da sua prova – 2.2 Presunções - Conceito. – 2.3 Espécies – 2.4 As ficções jurídicas.

2.1 Considerações iniciais acerca da verdade e da sua prova.

Muitos foram aqueles que, ao longo dos séculos, escreveram verdadeiros tratados acerca do que seja a verdade e, neste contexto, a dúvida, inerente ao inquieto espírito humano, persiste e os questionamentos continuam: O que é a verdade? Ela existe? E quanto à verdade absoluta? O que seria o conhecimento da verdade? Esse conhecimento é apreensível pelo ser humano?

No presente trabalho, quer seja porque não consista tal questão ponto fulcral do mesmo, quer porque não ousamos discorrer sobre fundamentos filosóficos sobre a questão da verdade, reduzir-nos-emos a tecer as seguintes considerações:

Não podemos afirmar que a verdade plena seja apreensível ao homem, isto porque o seu conhecimento depende de várias condicionantes, principalmente no que toca aos sujeitos envolvidos, ao momento histórico e ao conjunto de circunstâncias que envolvem o fato a ser conhecido.

Preferimos, assim, falar de uma verdade relativa, ou do ‘conhecimento da verdade’, a verdade do sujeito que apreende o fato no exato momento em que o seu conhecimento chega à sua intelecção, aproximando-a mais do conceito de certeza que, enquanto processo psicológico, decorre do convencimento íntimo do indivíduo acerca da ocorrência ou inocorrência de determinado fato no mundo concreto.

Desta forma, o que seja aceito como verdadeiro para uma pessoa, ou para uma entidade, pode não sê-lo para outra, devido a fatores de ordem vária, inerentes aos sujeitos envolvidos em cada operação.

Neste sentir, calha a transcrição das palavras de Susy Gomes HOFFMAN a respeito:

"Concluímos que no direito, como nas ciências em geral, não buscamos a verdade, que seria a relação total de conhecimento entre o sujeito e o fato a ser desvendado, porque esse não é o conceito da fenomenologia. Assim, buscamos a manifestação do evento, como uma identidade suficiente entre o ocorrido e o que será relatado em linguagem própria do direito, porque somente essa tarefa é possível.

Para que exista um sistema de direito eficaz, é preciso trabalhar com formas possíveis, que possibilitem decisões. A busca da verdade, por ser uma tarefa contínua e infinita, não possibilita a finalização e assim não tornaria o direito possível.

A verdade em essência, por ser inatingível, é parâmetro suficiente para evitar que tomemos por absolutamente verdadeiros quaisquer enunciados, mesmo os científicos.

Todavia, de acordo com o que será apresentado, tal premissa não significa que o direito será algo dissociado da realidade. O direito buscará a identificação entre o ocorrido e o relatado pelos órgãos competentes, identificação essa que será limitada às possibilidades de conhecimento que serão colocadas pelas normas."

A situação se complica ainda mais quando falamos de fatos passados, de modo que esse tal conhecimento relativo fica mais difícil de ser atingido e, por vezes, somente através de meios indiretos a ele chegamos.

Sobre a questão, assevera Maria Rita FERRAGUT:

"Ao referir-se a fatos, a prova deverá evidenciar a correspondência entre a proposição e a manifestação do evento. Por isso, não necessita corresponder aos eventos fenomênicos em si, mas à linguagem que se tem sobre eles. Atingir o evento, que é passado, é impossível, bastando para o mundo jurídico construí-lo de forma a provar sua existência ou inexistência."

Neste contexto, a utilização das presunções surge como uma técnica para que sejam razoavelmente supridas as deficiências probatórias acerca da ocorrência de determinado fato jurídico tributário, cujo conhecimento direto, através da manifestação do evento, mostre-se impossível ou de difícil aferição.

2.2 Presunções - Conceito.

Alguns afirmam que presunção constitui um meio de prova, uma prova indireta. Dissentindo dessa corrente, afirma Leonardo Sperb de PAOLA que meios de prova são os fatos, os acontecimentos do mundo real, os documentos, os depoimentos, os indícios, não podendo um processo mental, como o é o juízo presuntivo, ser inserido em tal categoria.

Para o referido autor, as presunções relativas constituem normas sobre provas, pois que modificam o objeto destas, e não a prova em si mesma considerada.

Neste sentido, o meio de prova propriamente dito é o fato cujo conhecimento se fez de forma direta, sendo "a base do raciocínio presuntivo" (prova em sentido objetivo), enquanto que a presunção representa a expressão da convicção do sujeito sobre a ocorrência do fato indiretamente provado. É a prova em sentido subjetivo.

Entendemos que tais posições devem ser interpretadas de forma sistemática, cada uma delas devendo ser tida por válida, de acordo com algumas ponderações necessárias. Vejamos:

A presunção é o resultado de um processo mental, um processo lógico resultante da associação que se forma entre determinado fato conhecido – o fato-base – cuja existência é certa, e um fato desconhecido, cuja existência é provável- o fato presumido – mas que tem relação direta com aquele.

Ora, o fato de constituir a conseqüência extraída de um processo mental segundo o qual a partir de um fato conhecido se conclui pela ocorrência de um outro fato, não demonstrado diretamente, não lhe retira a condição de meio de prova, mas de objeto de prova, que são os objetos materiais da prova.

Por outro lado, é fora de dúvida que a prova deve ser analisada sob um prisma objetivo, que seriam os fatos diretamente provados, ou os meios através dos quais o sujeito forma a sua convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, e outro subjetivo – a operação mental que desemboca na formação de tal convicção.

Destarte, no nosso entendimento ambas as correntes têm validade jurídica perfeitamente aceitável.

Chega-se ao juízo presuntivo de que o fato desconhecido ocorreu após estabelecer-se uma correlação lógica entre ele e o fato efetivamente ocorrido, de forma que é imprescindível a existência de uma relação de causalidade direta entre o fato conhecido e o presuntivo.

Assim, não é a existência de qualquer fato que será causa jurídica suficiente para a formação de um juízo presuntivo sobre a ocorrência de um outro, àquele indiretamente ligado. Há que existir uma correlação lógica, precisa e segura entre ambos, de forma que seja razoável, plausível inferir-se que o fato presumido efetivamente ocorreu.

Aires F. Barreto e Cléber Giardino nos dão a seguinte lição, in verbis:

"O ato ou processo presuntivo, intelectual que é, ocorre e se esgota no plano do raciocínio. Presta-se a induzir convicção quanto à existência de fato (por definição, desconhecido), dado o reconhecimento da ocorrência de outro, do qual geralmente depende. Firma, assim, a aceitação da veracidade ou verossimilhança do chamado ‘fato suposto’ (fato presumido). (...) As normas que manifestam as chamadas presunções ‘juris et de jure’ (...) não se distinguem de quaisquer outras normas jurídicas. Tal como as demais, instituem ‘direito firme’, procedendo ‘como verdades’; normas que são, revelam-se estranhas à idéia de prova. (...) As impropriamente chamadas presunções ‘juris tantum’ são assim, também, singelas normas jurídicas. Que se dirigem ao aplicador do direito, vale dizer, o responsável pelos atos de declaração, seja da subsunção e da incidência, seja da instauração e eventual extinção dos vínculos jurídicos conseqüentes. (...) Constituem, em síntese, regras jurídicas – com a conotação ou qualidade que lhe atribui a lei – quando impossível verificar-se, pelos instrumentos usuais de prova, a sua não-ocorrência, ou a sua ocorrência de modo diverso."

Por fim, entendemos que, inobstante a validade jurídica acerca de serem as presunções meios de prova ou mesmo normas sobre provas, a discussão a este respeito se torna irrelevante na medida em que elas constituem, efetivamente, "meios geradores de certeza".

2.3 Espécies.

Segundo a doutrina, as presunções se dividem em dois grandes grupos: a) presunções comuns, humanas ou hominis; b) presunções legais ou de direito, que por sua vez se subdividem em relativas, absolutas, e mistas.

As presunções comuns ou humanas (hominis) são as que se baseiam naquilo que normalmente, ordinariamente ocorre no mundo dos fatos, algo que o homem médio infere da associação de determinados fatos.

Já as presunções legais são estabelecidas através de regras jurídicas que sobre elas dispõem, estando subdivididas em:

a)Presunções legais relativas ou juris tantum – são aquelas em que, a partir do conhecimento direto de determinado fato, infere-se, como conclusão lógica, a existência de um outro que, nestes termos, resta indiretamente provado, admitindo-se a produção de prova em sentido contrário, que infirmariam a ocorrência do fato indiretamente provado.

Conforme já ressaltado anteriormente, Leonardo Sperb de PAOLA afirma que as presunções relativas constituem normas sobre provas, pois que modificam o objeto destas, e não a prova em si mesma considerada.

Neste sentido, o meio de prova propriamente dito é o fato cujo conhecimento se fez de forma direta, sendo "a base do raciocínio presuntivo" (prova em sentido objetivo), enquanto que a presunção representa a expressão da convicção do sujeito sobre a ocorrência do fato indiretamente provado. É a prova em sentido subjetivo.

Segundo o referido autor, vistas assim, as presunções relativas não modificam o ônus probatório, antes o afirmam, de forma que ao autor (da ação de direito processual) incumbirá precipuamente comprovar a existência dos fatos constitutivos do seu direito, enquanto ao réu competirá o ônus de provar os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito daquele, nos termos do art. 333 do Código de Processo Civil.

Sustenta ele que a parte prejudicada pela presunção relativa pode valer-se de dois meios para infirmá-la – a produção de prova em sentido contrário, mais usual na prática; ou a impugnação genérica da verossimilhança da presunção, demonstrando a inexistência de relação de causa e efeito entre o fato diretamente provado e aquele produzido por ilação (resultado do processo presuntivo), e que constitui hipótese de incidência de uma regra jurídica qualquer.

Por fim, calha à justa transcrevermos uma preciosa decisão da 1.ª Câmara do Tribunal de Justiça da Bahia, extraída da obra de Maria Rita FERRAGUT, acerca da questão das presunções. Vejamos:

"A simulação que macula o ato jurídico, é normalmente atestada por indícios. Tomando por base o fato conhecido e provado – indício – desenvolvendo uma atividade mental sobre as circunstâncias que cercaram o ato, é que se chegará ao fato desconhecido. O resultado positivo dessa operação é a presunção. Não há de querer o julgador, como regra senão apenas como exceção, a prova cristalina da simulação. Daí por que a apreciação da prova indiciária reclama do magistrado um procedimento atuante, em que a perspicácia e o equilíbrio se combinem, assumindo papel saliente, no exame do conjunto de circunstâncias. Por isso mesmo, os dados da experiência comum são vitais, para o juiz, no manejo desse tipo de prova" (Ac. Unânime da 1.ª Câmara do TJBA, de 08.08.84, na Apelação n.° 409/83, Rel. Des. Paulo Furtado).

b)Presunções legais absolutas ou jure et de jure – são construções jurídicas que não admitem prova em contrário. Assim, tanto quanto as ficções, não constituem matéria de prova da ocorrência dos fatos, pois seu objetivo é justamente eliminar a necessidade de questionamentos acerca desta ocorrência, tratando-se de verdadeiras normas de direito material.

c)Presunções legais mistas – como o próprio nome indica, constituem meio-termo entre a primeira e a segunda espécie de presunções legais, sendo admitida a produção de determinadas provas que infirmem a presunção formada. Exemplo típico de presunção mista é aquela contida na regra do art. 340 do Código Civil de 1916.

2.4 As ficções jurídicas.

Como conjunto de normas utilizadas para regular condutas, proporcionando a paz no seio da sociedade, pertencente portanto ao mundo da cultura, onde impera o primado do dever-ser, o direito cria suas próprias realidades.

Entretanto, o direito não pode dissociar-se completamente da realidade fenomênica, sob pena de deslegitimar-se, e onde não existe legitimidade o direito não pode sobreviver.

Por seu turno, as ficções jurídicas se consubstanciam como prescrições criadas pelo direito distintas da realidade fenomênica.

FERRAGUT assevera que as ficções jurídicas "são regras de direito material que, propositadamente, criam uma verdade legal contrária à verdade natural, fenomênica. Alteram a representação da realidade ao criar uma verdade jurídica que não lhe corresponde, e produzem efeitos jurídicos prescindindo da existência empírica dos fatos típicos que originalmente ensejariam tais fatos."

Para PEREZ DE AYALA, a ficção é criação de uma verdade jurídica distinta da realidade extrajurídica, não necessariamente um falseamento da realidade.

Não se trata de processo lógico-mental formado a partir da associação de um fato diretamente provado com um outro fato, indiretamente provado. Não visa a suprir deficiências probatórias.

Trata-se, portanto, de regra de direito substancial, tanto quanto as presunções legais absolutas, cuja finalidade é a criação de uma verdade jurídica distinta da realidade factual, não guardando relação com as regras de presunção juris tantum, salvo no que respeita ao fato de que ambas terminam por "modificar a realidade diretamente conhecida."

Técnica de uso corrente no direito, v.g. as regras contidas nos arts. 156 e 376 do Código Civil Brasileiro de 1916, entendemos, na esteira do pensamento de Maria Rita FERRAGUT, que a sua utilização no direito tributário não encontra fundamento de validade na Constituição Federal.

Sobre a autora
Mirca de Melo Barbosa

Procuradora do Estado de Pernambuco, Advogada, Pós-Graduanda em Direito Tributário pela Universidade Federal de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Mirca Melo. As presunções em matéria tributária e a casuística do Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 228, 21 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4835. Acesso em: 25 dez. 2024.

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