Não é todo e qualquer litígio que pode ser apreciado pelo juízo arbitral. Nesse sentido, a arbitrabilidade consiste justamente na conditio sine qua non para que uma determinada lide possa ser submetida à arbitragem, e está contida no art. 1º da Lei nº 9.307/1996, que assim dispõe: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
A arbitrabilidade pode ser subjetiva, no que se refere às partes envolvidas, e objetiva, no que tange ao objeto da controvérsia.
1. Arbitrabilidade Subjetiva
A arbitrabilidade subjetiva corresponde à necessidade das partes serem capazes para poderem ser parte na arbitragem.
A capacidade está prevista no art. 1º do Código Civil de 2002[1], e significa a “aptidão, oriunda da personalidade, para adquirir direitos e contrair deveres na vida civil”.[2] Trata-se da capacidade de direito, que é distinta da capacidade de fato, que significa aptidão para o exercício dos direitos, desde que inexistentes as incapacidades relativas ou absolutas, [3] conforme dispõe o Código Civil de 2002.[4]
No que diz respeito à possibilidade das pessoas incapazes, se assistidas ou representadas, e dos entes despersonalizados, de serem parte no processo arbitral, há um dissenso na doutrina.
Inicialmente, no que se refere às pessoas incapazes, Luiz Antonio Scavone Junior entende que podem se valer da arbitragem, desde que devidamente representados ou assistidos, e contanto que a lide trate de direitos patrimoniais disponíveis.[5] Assim, “como os representantes e assistentes estão autorizados a praticar atos de mera administração do patrimônio dos incapazes, contratos que não fujam destes limites poderão conter cláusula arbitral”.[6]
Por outro lado, Francisco José Cahali sustenta que os incapazes, malgrado tenham capacidade para firmar a convenção arbitral, se representados ou assistidos, não o poderiam fazer em virtude de seus direitos serem indisponíveis.[7] E, nos casos que tratarem de mera administração, também não seria possível, uma vez que seria necessária a participação do Ministério Público no processo, vide art. 82, inciso I, do Código de Processo Civil.[8]
Esse é também o entendimento de Carlos Alberto Carmona, que afirma que, “considerando-se que a instituição de juízo arbitral pressupõe a disponibilidade do direito, não pode instaurar processo arbitral aqueles que tenham apenas poderes de administração, bem como os incapazes (ainda que representados ou assistidos)”.[9]
Quanto aos entes despersonalizados (massa falida, espólio, condomínios de edifícios), Carlos Alberto Carmona acredita que podem ser parte na arbitragem, uma vez autorizados, “eis que têm capacidade de ser parte e de estar em juízo, nada impedindo que disponham de seus direitos”.[10]
Nessa mesma esteira é o entendimento de Francisco José Cahali, que ressalta que os entes atípicos necessitariam impreterivelmente de permissão para que possam celebrar a convenção arbitral. Assim, no caso do espólio e da massa falida, seria necessária a autorização judicial ao inventariante e ao administrador. No condomínio, o síndico careceria da permissão da assembleia de condôminos.[11]
2. Arbitrabilidade Objetiva
A arbitrabilidade objetiva consiste na exigência de que o objeto da lide corresponda a um direito patrimonial disponível.
Inicialmente, quanto ao quesito da patrimonialidade, temos que o direito submetido à arbitragem normalmente está vinculado às relações jurídicas de cunho obrigacional, isto é, decorrem dos contratos, dos atos ilícitos e das declarações unilaterais da vontade.[12]
Por outro lado, o direito não patrimonial, que corresponde aos direitos da personalidade, como o direito à vida, à honra, à imagem, ao nome, e ao estado das pessoas, como a capacidade, a interdição, a filiação, o poder familiar, entre outros, não poderá ser objeto de apreciação na arbitragem.[13] As questões de direito penal também estão excluídas da arbitragem.[14] No entanto, as consequências patrimoniais do direito de família e do direito penal são passíveis de serem submetidas ao juízo arbitral.[15] Carlos Alberto Carmona exemplifica a possiblidade de ser objeto da arbitragem o quantum da pensão alimentícia, muito embora o direito de prestar e receber alimentos seja indisponível.[16]
Mas, não basta apenas o caráter patrimonial do direito, ele deve também ser disponível. Isso significa que o titular do direito deve poder cedê-lo ou aliená-lo, sem qualquer restrição.[17] Assim, são “interesses individuais, passíveis de negociação, ou seja, podem ser livremente exercidos pela parte”.[18]
Referências Bibliográficas
[1] CC, “Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.”
[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Vol. 1: Teoria Geral dos Direito Civil. 27ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 153.
[3] JUNIOR, Luiz Antonio Scavone. Manual de Arbitragem. 4ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 21.
[4] CC, “Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos.”
[5] JUNIOR, Luiz Antonio Scavone. Ob. Cit., p. 21.
[6] Idem.
[7] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 2ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 94.
[8] CC, “Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir: I – nas causas em que há interesse de incapazes (...).”
[9] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª Edição. São Paulo: Atlas, 2009, p. 37.
[10] Ibidem, p. 37-38.
[11] CAHALI, Francisco José. Ob. Cit., p. 94.
[12] JUNIOR, Luiz Antonio Scavone. Ob. Cit., p. 23.
[13] CAHALI, Francisco José. Ob. Cit., p. 94-95.
[14] BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem nos Termos da Lei nº 9.307/96. 1ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 12.
[15] Idem.
[16] CARMONA, Carlos Alberto. Ob. Cit., p. 39.
[17] Idem.
[18] CAHALI, Francisco José. Ob. Cit., p. 95.