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A desconsideração inversa da personalidade jurídica

Agenda 28/04/2016 às 14:48

Apesar de a lei não regular expressamente o assunto, doutrina e jurisprudência, já há algum tempo, admitem a existência do instituto o qual se convencionou denominar de "desconsideração inversa da personalidade jurídica".

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho versará principalmente sobre a desconsideração da personalidade em sua modalidade inversa, o qual pode ser definido como o mecanismo jurídico onde o magistrado desconsidera o princípio da autonomia patrimonial, fazendo com que os bens da empresa ou da sociedade possam ser alcançados para solver as dívidas particulares dos sócios, integrantes desta organização.

Já há algum tempo que a doutrina e a jurisprudência vêm regulando matérias que versam sobre aludido instituto jurídico, haja vista, que de forma inversa, trata da dilapidação do patrimônio, agora, não mais da pessoa jurídica e sim da pessoa física a qual, a beira da insolvência civil ou por mero ardil, pugna pelo esvaziamento de seu patrimônio, transferindo-o a empresa em que é proprietária, sócia ou até mesmo possui cotas.

A especial característica do referido instituto é, portanto, a desconsideração da autonomia patrimonial da sociedade ou empresa para que seu patrimônio social possa ser afetado pelas obrigações contraídas por seus sócios, no afã de combater e coibir a utilização fraudulenta do ente societário pelos integrantes da pessoa jurídica.

Interessante destacar a particularidade da desconsideração da personalidade jurídica em relação à tradicional desconsideração da personalidade jurídica, apesar de ser a mesma lógica ou sopro jurídico que as anima.

Com efeito, na desconsideração direta, o magistrado desconsidera o princípio da autonomia patrimonial, nas hipóteses legais, para que os bens particulares dos sócios possam responder pelas dívidas sociais do ente societário.

Nessa circunstância, a proteção ao patrimônio particular, assegurada pela autonomia patrimonial, é afastada, atingindo-se o patrimônio dos sócios.

No entanto, como o direito repudia quaisquer atos lesivos a terceiros, primando antes de mais nada, pela boa fé em todos os atos e negócios jurídicos havidos entre os particulares, trazemos a baila os subterfúgios latentes que muitas vezes, mesmo eivados de máculas, acabam por ludibriar aqueles que possuem direitos de créditos.

Como então, poderemos blindar os negócios jurídicos dessas falcatruas? E no caso de suspeita de fraude, como proceder?

Desta monta, vale destacarmos antes de mais nada, o remédio jurídico que irei elucidar neste trabalho, tendo em vista ser de suma importância quando tratamos do tema da “Desconsideração da Personalidade Jurídica” x “Fraude Contra Credores”, qual seja: - A Ação Pauliana.

2 DO DIREITO EMPRESARIAL

Após o ingresso da Lei n.º 10.406/02 (Código Civil), no ordenamento jurídico e a revogação de parte do Código Comercial de 1850, no Brasil tem-se usado a expressão “Direito Empresarial” ao invés de “Direito Comercial”, o que deu ensejo até a mudança de nomenclatura das disciplinas dos cursos jurídicos.

O Direito Comercial é um ramo histórico do Direito, que surgiu pelas necessidades dos comerciantes não abarcadas pelas normas do Direito Civil.

Poderíamos dizer que o Direito Empresarial é o mesmo que Direito Comercial, mas o Direito Empresarial é mais amplo que este, pois alcança todo exercício profissional de atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços (exceto intelectual). Já, o Direito Comercial alcançava, em sua concepção inicial, apenas os comerciantes que compravam para depois revender.

Nesta senda, entende-se que Direito Comercial é a designação tradicional do ramo jurídico que tem por objeto os meios socialmente estruturados de superação dos conflitos de interesse entre os exercentes de atividades econômicas de produção ou circulação de bens que necessitamos todos para viver. Note-se que não apenas as atividades especificamente comerciais (intermediação de mercadorias, atacado ou varejo), mas também as industriais, bancárias, securitárias, de prestação de serviços e outras, estão sujeitas aos parâmetros (doutrinários, jurisprudenciais e legais) de superação de conflitos estudados pelo direito comercial. Talvez seu nome mais adequado, hoje em dia, fosse direito empresarial. Qualquer que seja a denominação, o direito comercial (mercantil, de empresa ou de negócios) é uma área especializada do conhecimento jurídico. Sua autonomia, como disciplina curricular ou campo de atuação profissional específico, decorre dos conhecimentos extrajurídicos que professores e advogados devem buscar, quando o elegem como ramo jurídico de atuação. Exige-se do comercialista não só o dominar conceitos básicos de economia, administração de empresas, finanças e contabilidade, como principalmente compreender as necessidades próprias do empresário e a natureza de elemento de custo que o direito muitas vezes assume para este. Quem escolhe o direito comercial como sua área de estudo ou trabalho deve estar disposto a contribuir para que o empresário alcance o objetivo fundamental que o motiva na empresa: o lucro. Sem tal disposição, será melhor para o estudioso e profissional do direito, para os empresários e para a sociedade que ele dedique seus esforços a outra das muitas e ricas áreas jurídicas.

No Brasil, a autonomia do direito comercial vem referida na Constituição Federal, que, ao listar as matérias da competência legislativa privativa da União, menciona “direito civil” em separado de “comercial” (CF, art. 22, I). Note-se que não compromete a autonomia do direito comercial a opção do legislador brasileiro de 2002, no sentido de tratar a matéria correspondente ao objeto desta disciplina no Código Civil (Livro II da Parte Especial), já que a autonomia didática e profissional não é minimamente determinada pela legislativa. Também não compromete a autonomia da disciplina a adoção, no direito privado brasileiro, da teoria da empresa. Como visto, a bipartição dos regimes jurídicos disciplinadores de atividades econômicas não deixa de existir, quando se adota o critério da empresarialidade para circunscrever os contornos do âmbito de incidência do direito comercial. Aliás, a teoria da empresa não importa nem mesmo a unificação legislativa do direito privado. Na Espanha, desde 1989, o Código do Comércio incorpora os fundamentos dessa teoria, permanecendo diploma separado do Código Civil.

No Brasil, consideram alguns autores que o Código Civil teria levado á unificação do direito das obrigações. Bem examinada a questão, no entanto, nota-se o desacerto do argumento. Os contratos entre os empresários, no direito brasileiro, em nenhum momento submeteram-se exclusivamente ao Código Civil, bem mesmo depois da propalada unificação. Tome-se o exemplo da insolvência (ou, quando empresário, falência) do comprador. A lei civil estabelece que o vendedor, nesse caso, tem o direito de exigir caução antes de cumprir sua obrigação de entregar a coisa vendida (CC, art. 495). Essa norma nunca regeu, não rege e nem mesmo poderá reger uma compra e venda entre empresários, já que a lei de falência (tanto a de 1945 como a de 2005) dá ao administrador judicial da massa falida do comprador os meios para exigir o cumprimento da avença por parte do vendedor independentemente de prestar a caução mencionada na lei civil. Por outro lado, além das regras específicas que a legislação de direito comercial estabelece para as obrigações nela regidas, não se podem esquecer os princípios aplicáveis aos contratos entre empresários. No direito comercial, o princípio do pleno respeito á autonomia da vontade e do informalismo contratual conferem á disciplina jurídica dos contratos entre empresários nuances que não se estendem á generalidade das obrigações civis. Falar-se, assim, em unificação do direito das obrigações quando ainda sobrevivem, de um lado, regras específicas para os contratos entre empresários e, de outro, princípios próprios para o s negócios jurídicos sujeitos ao direito comercial é inapropriado.

A demonstração irrespondível, porém, de que a autonomia do direito comercial não é compreendida nem pela unificação legislativa do direito privado, bem pela teoria da empresa, encontra-se nos currículos dos cursos jurídicos das faculdades italianas. Já se passaram 60 (sessenta) anos da unificação legislativa e da adoção da teoria da empresa na Itália, e o direito comercial continua sendo tratado lá como disciplina autônoma, com professores e literatura especializados. Até mesmo em reformas curriculares recentes, como a empreendida na Faculdade de Direito de Bolonha a partir do ano letivo de 1996/1997, a autonomia do direito comercial foi amplamente prestigiada.

3 DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A personalidade jurídica, possui como característica básica, o regime jurídico da separação entre o patrimônio da sociedade e do sócio. Em princípio, o exercício de atividade econômica de maneira isolada não é contrário a qualquer valor, ou prejudicial à sociedade. Assim, nada impede que haja a exploração de determinada atividade independentemente da consecução de esforços típica da sociedade. Todavia, a associação de pessoas para consecução da atividade econômica mostrava-se mais benéfica socialmente, pela possibilidade de atingir objetivos inalcançáveis isoladamente através da junção de pessoas, trabalho e capital. Em outras palavras, ainda que a existência de personificação societária de um agrupamento de pessoas também fosse origem de males, as benesses eram, de regra, mais significativas e valorosas socialmente, a influenciar, por conseguinte, o estímulo à personificação pelo próprio ordenamento jurídico.

Assim sendo, a separação entre o patrimônio da sociedade e o do sócio era fundamental para o capitalista dispor-se a correr o risco de investir em qualquer atividade econômica. Apenas a título de exemplo histórico, com a Revolução Industrial, surgiu a necessidade de concentração de grande quantidade de capital para investir na produção de mercadorias em larga escala. Para tal incursão, era indispensável que o patrimônio pessoal do empresário fosse preservado, considerando a possibilidade de fracasso do empreendimento e o excessivo valor de eventuais débitos com credores.

Seja para incentivar a conjugação de esforços entre pessoas para produção de riqueza, seja para limitar o risco a que estavam expostas, o ordenamento jurídico passou a reconhecer personalidade jurídica ao ente formado por essas pessoas, de maneira a imputar a responsabilidade dos atos à sociedade, e não aos sócios. A partir de então, o patrimônio da sociedade era a garantia dos credores, absolutamente dissociado do patrimônio pessoal dos sócios.

Nestes termos, as entidades dotadas de personalidade jurídica, portanto, era um instrumento para que se pudesse alcançar objetivos socialmente proveitosos, pois, ao mesmo tempo em que permitia a obtenção de lucro pelo empresário (proveito individual), permitia a geração de trabalho e emprego, o desenvolvimento econômico das cidades e dos Estados (proveito social), dentre outros.

Outrossim, em contrapartida aos benefícios da consecução da atividade econômica por um agrupamento de pessoas, onde várias pessoas se uniam com a finalidade de atingirem um bem comum, gerava a garantia da integral separação do patrimônio social e do sócio da organização.

4 DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

          Antes de adentrarmos ao tema principal, vale ressaltar os aspectos inerentes a desconsideração da personalidade jurídica a luz do Código Civil Brasileiro.

Nestes termos, levando por base as ponderações até então aduzidas, nota-se ser fácil entendimento que, em razão de vasta independência, bem como de autonomia, em virtude à exclusão da responsabilidade dos sócios, a organização, dotada de personalidade jurídica, por inúmeras vezes, tem-se desviado de seus corolários e finalidades, agindo com intenção de cometer fraudes e atos eivados de desonestidade, gerando, por conseguinte, reações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, que visam coibir tais abusos, gerando o fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica.

Assim sendo, seguindo esta linha de exposição, pode-se assegurar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou a também denominada teoria da penetração, haja vista que com a remoção do véu que cobre a pessoa jurídica, se encontrará os sócios desta.

 Outrossim, aludida teoria também é denominada de disregard theory, a qual surgiu com o escopo primevo de coibir os abusos praticados pelos agentes que, mascarados pelo princípio da separação patrimonial agiam desmedidamente. Tratava-se esta de situação em que se tornava impossível o ressarcimento de prejuízos ocasionados a terceiros, em razão de vários atos ilícitos praticados pelos controladores das pessoas jurídicas, ou ainda pelo simples esvaziamento de bens do patrimônio de suas sociedades que garantissem o pagamento das dívidas sociais.

Com isso, a legislação pátria, buscando a construção da teoria das desconsideração da personalidade jurídica ora em testilha, bem como aprimorando a interpretação abarcada pelo Código Civil de 1916, estabeleceu este expediente repressivo à má utilização do ente moral, tendo em vista a autonomia da pessoa jurídica ante a personalidade e o patrimônio distintos dos sócios que a integram. Sob essa inspiração é que se abriu a possibilidade do Poder Judiciário desconsiderar a personalidade jurídica houver qualquer tipo de desvio de suas finalidades, bem como confusão patrimonial dos bens que integral o patrimônio dos sócios com o da pessoa jurídica, a fim de que a responsabilidade advinda desses atos negociais obscuros seja atribuída aos sócios ou administradores que deverão responder pela malversação com seus bens particulares.

Nestes termos, afirmamos que as pessoas jurídicas, ante a sua abstração no mundo jurídico, e concebidas em razão da imperiosa necessidade dos seres humanos somarem seus esforços para que alcancem os objetivos sociais comuns e maiores, ou seja, buscam na união de esforços o enriquecimento. Nesse sentido, a sempre lembrada lição de Caio Mário, para quem:

A complexidade da vida civil e a necessidade da conjugação de esforços de vários indivíduos para a consecução de objetivos comuns ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam a sua agregação e polarização de suas atividades, sugerem ao Direito equiparar à própria pessoa humana certos agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir personalidade e capacidade de ação aos entes abstratos assim gerados. (PEREIRA, 2001, p. 185)

As pessoas jurídicas cumprem relevante papel nas sociedades, porquanto favorecem o crescimento e o desenvolvimento econômico social. Desnecessário dizer o potencial e a força geradora de postos de trabalho dessas entidades, de arrecadação de tributos de distribuição de renda, de circulação de bens e serviços, enfim, de um ímpio espectro de atuação do qual a sociedade hodierna, sobretudo, não pode prescindir.

Importante destacar que o princípio da função social da empresa foi expressamente referenciado no parágrafo único do art. 116 da Lei n.º 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), vejamos:

Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

[...]

Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

Para estimular a criação de pessoas jurídicas, o direito teve que encontrar uma forma de afastar dos empreendedores o receio de que tal empreitada pudesse colocar em risco sua tranquilidade, ou seja, que seus bens pessoais pudessem ser alcançados pelas obrigações sociais.

A característica fundamental da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é determinar a ineficácia de determinados atos da sociedade, para fins de estender a responsabilidade sobre esses atos aos sócios. Em outras palavras, apesar de determinadas obrigações serem contraídas em nome da sociedade, a responsabilidade perante elas é atribuída aos sócios, em razão da utilização da sociedade para fins não albergados pelo ordenamento jurídico.

A desconsideração da personalidade jurídica não tem por finalidade a invalidação do ato constitutivo da sociedade, nem a dissolução da sociedade, mas a ineficácia de atos realizados pela sociedade, todavia imputáveis aos sócios, em descumprimento à função social da empresa. Os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, todavia, são controversos: divergem sobre ele as teorias subjetiva e objetiva.

Nesse cenário é que surgiu o princípio da autonomia patrimonial, blindando o patrimônio pessoal dos sócios das dívidas da pessoa jurídica. Por óbvio, esse justo princípio encorajou, e muito, a constituição de novas pessoas jurídicas, o que seria, em antes de tudo, sem dúvida, muito benéfico para a sociedade.

Ocorre que, se por um lado, o incentivo à criação de pessoas jurídicas trouxe muitos benefícios socioeconômicos, por outro, teve consequências sociais indesejáveis. Isso porque alguns sócios e empresários começaram a se esconder atrás do véu da pessoa jurídica, utilizando-a para praticar atos abusivos contrários às suas relevantes finalidades jurídicas, sociais e econômicas.

Assim, para combater essas práticas ilícitas, como já informado, o direito anglo saxão concebeu o instituto da desconsideração personalidade jurídica para proteger o patrimônio empresarial dos atos exorbitantes dos sócios. O patrimônio particular dos sócios é que responde, então, pelos seus atos desvirtuados, protegendo-se o patrimônio da pessoa jurídica.

Em momento ulterior, a desconsideração da personalidade jurídica passou a ser empregada também para proteger direitos de terceiros. Isso porque algumas entidades jurídicas passaram a se valer de sua estrutura legal e de sua organização com o propósito incivil de lesar tais pessoas. Tal fato desenhava o quadro fático em que sócios ostentavam polpudo patrimônio e a empresa que integravam, ao contrário, encontrava-se em situação de bancarrota econômica. Sem patrimônio empresarial, as dívidas sociais ficavam inadimplidas, apesar da opulência patrimonial dos sócios.

Segundo Manjinski: “O primeiro processo judicial que efetivamente enfrentou o debate sobre a desconsideração da pessoa jurídica foi o caso “Salomon versus Salomon & Co Ltda” ocorrido na Inglaterra, em 1897”.

Buscava-se a superação da personalidade jurídica, na tentativa de se afastar uma manobra dos sócios da pessoa jurídica, os quais poderiam arguir o direito de preferência no recebimento de créditos, em face da sociedade de possuem quotas, prejudicando por via de consequência os demais credores.

Assim sendo, muito embora aludida tese não tenha vingado, o caso é emblemático em razão da repercussão judicial que ocorrera.

A desconsideração da personalidade jurídica surgiu no ordenamento jurídico brasileiro, primeiramente no microssistema atinte a defesa dos interesses dos consumidores, sendo o primeiro a fazer alusão a referido instituto. Posteriormente, este instituto fora inserido na Lei n.º 8.884/94 (Lei do CADE), em seu art. 18 e no art. 4º da Lei 9.605/98, a qual dispõe a respeito das sanções derivadas de danos cometidos em prejuízo do meio ambiente e, no art. 50 da Lei 10.406/02 (Código Civil).

Assim sendo, insta ressaltar que a desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita veio a tona, com o Código Civil de 2002 (Lei 10.406/02), uma vez que anteriormente somente estava prevista em microssistemas.

Outrossim, a desconsideração da personalidade jurídica, conhecida também como disregard doctrine fora aprovada na I Jornada de Direito Civil, por meio do Enunciado n.º 51 do Conselho da Justiça Federal que aludida teoria fica positivada, junto a lei 10.406/02 (CC), no entanto, ficam mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas que já integram o ordenamento jurídico, não necessitando que hajam mudanças na estrutura do instituto jurídico nos microssistemas que já o continham em seu bojo.

Para se coibir o abuso de direito ou até mesmo qualquer tipo de fraude, utilizando-se do ente dotado de personalidade jurídica, fora criada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a qual age de forma a superar os efeitos que a personalidade jurídica dá aos seus sócios atraindo as responsabilidades contraídas por estes ao seu patrimônio pessoal.

Infere-se que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica busca antes de mais nada, o desvirtuamento da empresa, dotada de personalidade jurídica no intendo de causar eventuais prejuízos a terceiros que com ela efetuam inúmeros tipos de negócios jurídicos.

Constata-se que a atividade empresarial, amparada pelo instituto da personalização, deverá ser conduzida de forma que atinja a sua função social, seguindo os ditames contidos em seus estatutos ou contratos sócias, bem como os princípios éticos que norteiam a sociedade em geral, primando sempre pela boa fé.

Nestes termos, a utilização de forma desconforme aos preceitos acima referendados, tem como consequência o esvaziamento patrimonial da empresa, com o fito de locupletar os sócios que a integral.

Sendo assim, é muito comum que os legítimos credores não consigam localizar patrimônio suficiente afim de saldar os créditos de que são titulares, deixando-os em total desconforto.

Entretanto, a adoção da desconsideração da personalidade jurídica se destaca como o instrumento adequado afim de obstar práticas que visam primeiramente gerar prejuízos a terceiros.

Contudo, a mera demonstração de prejuízo econômico, não é meio apto a ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, isto porque, os requisitos encontram-se enumerados nas leis atinentes a cada caso.

Após analisada a finalidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, mister se faz verificar os seus efeitos.

Verifica-se que desconsideração da personalidade jurídica possui como principal consequência ultrapassar a barreira da autonomia patrimonial existente entre a pessoa jurídica e seus sócios, atingindo consequentemente o patrimônio das pessoas físicas que integraram aludida organização empresarial.

Ademais, é episódico o efeito da desconsideração da personalidade jurídica, pois, não se perdurará para todos os negócios jurídicos celebrados entre a pessoa jurídica e as demais pessoas que integram o mundo dos negócios.

Vale ressaltar, que a desconsideração da personalidade jurídica, não busca dissolver definitivamente a pessoa jurídica em razão de ter praticado atos ilícitos, haja vista que trata-se de uma penalização ao sócio que age de forma a lesar seus credores, bem como inibir adoção de tais práticas pelo mundo empresarial.

No entanto, ainda tratando sobre o tema da aplicação do instituto da desconsideração a personalidade jurídica, necessário se faz transcrever o teor do Enunciado n.º 7 do Conselho da Justiça Federal, o qual fora aprovado na I Jornada de Direito Civil, o qual dispõe que:

só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.

Neste diapasão, constata-se que a desconsideração da personalidade jurídica, não tem como corolário atingir indistintamente todos os integrantes da pessoa jurídica, mas tão somente aos sócios que agiram de forma irregular, ou que contribuíram para esta finalidade, e principalmente aqueles que obtiveram algum tipo de vantagem ilícito com o ato ora em comento.

4.1 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, em se tratando de abuso de direito

Ab initio, insta ressaltar que a matéria atinente ao abuso de direito para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, se caracteriza quando o sócio ou até mesmo o administrador da pessoa jurídica, agindo em virtude da lei, ou  se atendo ao estatuto social da organização, sendo que embora haja autorização para a prática de certo ato como expressão regular do direito conferido, age de modo que acaba por causar prejuízo(s) a terceiro(s).

Isto porque, diversamente da fraude contra credores, no abuso do direito o ato em princípio aparentemente não possui a feição de ilicitude, mas mesmo assim não deve se sobrepor, uma vez que, encontra-se adstrito a sua finalidade social.

Nestes termos, em uma acepção conceitual, conforme anota Koury,  “o abuso de direito corresponde a um ‘mau uso’ do direito, ou seja, ao exercício normal de um direito, estando o seu titular, todavia, desviado do fim econômico social para o qual aquele direito foi criado.”.

Assim sendo, o abuso de direito, pode ser evidenciada, de maneira exemplificativa, quando o sócio majoritário e controlador, de um determinado grupo de empresas deixa de cumprir as obrigações oriundas das sociedades as quais são dependentes, obrigando-as a se submeter aos interesses da organização controladora.

O abuso, no caso em tela, trata-se da intenção em se aproveitar de uma situação de fraude criada, onde, por outro lado, viabilizando-se no final o alcance de outras vantagens ilícitas.

4.2 Teorias da desconsideração da personalidade jurídica - Teoria maior e teoria menor

Ambas as teorias que versam sobre a desconsideração da personalidade jurídica explicam as formulações que existem a partir dos requisitos a serem preenchidos para sua regular aplicação.

Explica Garcia (2009, p. 204) que “a teoria maior tem base sólida e se trata da verdadeira desconsideração, vinculada à verificação do uso fraudulento da personalidade jurídica, ou seja, apresenta requisitos específicos para que seja concretizada”.

Aplicando-se a teoria maior, adotada pelo Código Civil Brasileiro, a desconsideração da personalidade jurídica só surtirá efeitos se por ventura forem preenchidos e demonstrados os requisitos legais, os quais configuram o abuso do direito na utilização da pessoa jurídica por seus sócios.

Por outra banda, Manjinski denota que, para a teoria menor “bastaria para a caracterização da desconsideração a mera comprovação da insolvência da pessoa jurídica, sem aferir nenhum desvio, confusão patrimonial e nem irregularidade do ato”.

Assim sendo, podemos verificar que é muito ampla a hipótese para que haja a desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que basta a mera insolvência para ser aplicada, não se atendo ao preenchimento dos demais requisitos, presumindo-se o abuso de direito no uso da sociedade personificada.

Aludida teoria é aplicada, quando se trata dos sistemas jurídicos protetivos, uma vez que se justifica na impossibilidade de se efetuar a transferência a terceiros dos riscos aplicáveis as atividades exploradas pelas pessoas jurídicas, e, em virtude disso, são os sócios quem se beneficiam das atividade exploradas pela sociedade personificada, devendo por via de consequência, arcar com as obrigações surgidas.

Nestes termos, ressaltamos que é o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Crimes Ambientais que adotam a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica.

Senão vejamos:

Art. 28 da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor): O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Art. 4º da Lei n.º 9.605/98 (Lei que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente): Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

O Código de Defesa do Consumidor, até então vigente, logo em seu art. 28, incluir a conhecida “Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica”, isto porque, o juiz togado poderá efetuar a desconsideração da personalidade jurídica, quando, em prejuízo do consumidor, que é o elo hipossuficiente da relação consumerista, se notar a ocorrência de abuso de direito, infração da lei, fato ou ato ilícito, excesso de poder, ou até mesmo, evidenciar-se a violação do contrato social ou dos estatutos que regem suas funções sociais.

Ademais, também será efetivada a desconsideração da personalidade jurídica quando a sociedade estiver em estado de insolvência, falência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica ocasionada em virtude da má administração. Outrossim, o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor denota a finalidade precípua erigida no diploma processual e material ora em comento, visando antes de tudo, a proteção integral do consumidor, abrangendo hipóteses mais amplas em que se poderá operar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária.

E também, deve-se mencionar, como já dissemos, o abuso de direito disciplinado no caput do  artigo 28 do CDC deve buscar sua interpretação  como o exercício do que por ventura acabe por ferir a finalidade social a que se destina a pessoa jurídica, onde se restará configurado que um titular de direito age de forma mais danoso a outrem.

 Desta forma, de forma elucidativa, o até então mencionado abuso de direito ocorrerá, quando algum fornecedor de bens ou de serviços, galgado na força normativa ou ainda em observância aos estatutos sociais, praticar especificado ato, de maneira à eventualmente lesar o consumidor. Igualmente, abrangerá a teoria em comento, quando ocorrer à infração à lei, onde se poderá tornar o fornecedor responsável pela digressão da lei praticada pela sociedade, vindo a gerar danos de ordem patrimonial ou moral ao(s) consumidor(es).

E, continuando a exemplificação, outra hipótese a ser narrada, que encontra-se disposta no CDC é, quando houver excesso de poder por parte do fornecedor, ou seja, quando os atos causadores da lesão perante o consumidor for ocasionado por pessoa que não detenha poderes específicos previstos no estatuto ou no contrato social, evidenciando-se, nesta situação a responsabilização pessoal e direta do administrador da sociedade personificada.

Insta salientar que a infração a lei, pode ser considerada quando houver violação direta e literal a qualquer dispositivo legal, em virtude da prática de ato quaisquer atos ilícitos, sendo criado obrigatoriamente ao agente, a responsabilidade de reparar os danos promovidos, o que será objeto de determinação e regulação pela legislação civil.

Já o Diploma Civil, em seu art. 50, adota a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que, é necessária a configuração de certos requisitos, os quais serão a seguir analisados.

4.3 Requisitos da desconsideração da personalidade jurídica

Assim sendo, como já fora categoricamente afirmado nas linhas antecedentes, o Diploma Civil diferentemente do Código de Defesa do Consumidor, adotou a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, exigindo-se a mera caracterização da insolvência da pessoa jurídica, para que possa ser aplicado referido instituto.

Neste diapasão, o Código Civil necessita que primeiro sejam preenchidos certos requisitos legais para que possa se aplicar o instituto jurídico da desconsideração da personalidade jurídica.

Com isso, o art. 50 do CC, estabelece que: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Ab initio, insta ressaltar que o juiz de ofício não poderá aplicar a desconsideração da personalidade jurídica, onde se dependerá inicialmente de requerimento do Ministério Público, quando lhe couber intervir nos autos como fiscal da lei, ou como parte interessada no deslinde da demanda.

Vale mencionar também, a desnecessidade de propositura de uma ação autônoma, para que se haja a desconsideração da personalidade jurídica, onde consequentemente, se buscará bens capazes de adimplir o débito, diretamente no patrimônio do sócio que esteja ligado a prática de condutas abusivas que permitam a aplicação da desconsideração.

Assim sendo, é possível que se o requerimento de desconsideração da personalidade jurídica, pelo Ministério Público ou pela própria parte, ocorra na fase de cumprimento de sentença ou inclusive em ação de execução autônoma.

Assim, já é possível evidenciar-se que é requisito para a desconsideração da personalidade jurídica o pedido expresso do interessado na medida, admitindo-se o pedido realizado pelo Ministério Público na qualidade de custos legis, tornando dispensável dispensando, a propositura de ação autônoma para tal finalidade.

Ademais, como requisito principal para a configuração da hipótese de aplicação da desconsideração, apresenta-se o abuso da personalidade jurídica pelos sócios e/ou gestores.

A caracterização do uso abusivo da personalidade jurídica é verificada com a ocorrência do desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, conforme trazido pelo próprio Código Civil no dispositivo citado.

Infere-se que o legislador preferiu indicar a maneira de constatação do abuso da personalidade jurídica, que na verdade trata-se de um verdadeiro abuso de direito na gestão da pessoa jurídica.

Cavalin (2013) cita como exemplos de uso abusivo da pessoa jurídica a constituição de sociedades fictícias; operações societárias com fins dissimulados; celebração de negócios jurídicos espúrios; promiscuidade entre o patrimônio da sociedade e o dos sócios.

Para Farias “o desvio de finalidade tem ampla conotação e sugere uma fuga dos objetivos sociais da pessoa jurídica, deixando um rastro de prejuízo, direto ou indireto, para terceiros ou mesmo para outros sócios da empresa”. (FARIAS, 2009, p. 386)

É possível verificar o desvio de finalidade na hipótese do gestor da pessoa jurídica contrair obrigações cujo objeto seja diverso e até mesmo desnecessário para as atividades exploradas pela sociedade, sem que esta tenha suporte financeiro para cumprir a obrigação.

Seria o caso de uma sociedade cujo objeto social seja a comercialização de gêneros alimentícios, no entanto, seu gestor passar a adquirir terrenos para edificação, sem possuir suporte financeiro para arcar com as obrigações assumidas.

É evidente, neste caso, que o sócio desviou da finalidade social da pessoa jurídica. Em que pese não ser ilícito o fato da pessoa jurídica adquirir imóveis, observa-se que houve abuso do gestor, já que comprometeu o capital social da pessoa jurídica em atividade diversa da explorada.

No tocante a confusão patrimonial, Farias aponta tratar-se da hipótese em que o “sócio utiliza o patrimônio da pessoa jurídica para realizar pagamentos pessoais e vice-versa, atentando contra a separação das atividades entre empresa e sócio”. (FARIAS, 2009, p. 386)

A confusão patrimonial é de fácil constatação, já que basta a verificação de desrespeito da autonomia patrimonial, inerente à pessoa jurídica.

Saliento ainda, que as hipóteses configuradoras do abuso da personalidade jurídica, quais sejam, desvio de finalidade e confusão patrimonial, são tidas pela doutrina e jurisprudência como hipótese objetivas, no sentido de prescindir a demonstração de intuito fraudulento do sócio e/ou gestor na pratica do ato.

Nesta senda, Ramos afirma que: “Hodiernamente, todavia, tem-se tentado estabelecer critérios mais seguros para a aplicação da teoria da desconsideração, sem que seja necessária a prova da fraude, ou seja, sem que seja preciso demonstrar a intenção de usar a pessoa jurídica de forma fraudenta. Adota-se, pois, uma concepção objetivista da disregard doctrine, segundo a qual a caracterização do abuso de personalidade pode ser verificada por meio da analise de dados estritamente objetivos, como o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.” (RAMOS, 2013, p. 407)

Por fim, como síntese da configuração das hipóteses da desconsideração da personalidade jurídica, repercute-se o entendimento de Bruscato que afirma que: “Sempre que o ônus ficar para a pessoa jurídica e a vantagem for para os titulares das quotas sociais ou terceiros por eles beneficiados, embora a aparência de legalidade, estaremos diante de um caso que comporta desconsiderar a personalidade jurídica”. (BRUSCATO, 2008)

Nesta senda, após firmado negócio jurídico, utilizando-se apenas do nome desta, ou, em outras palavras, sem que esta saboreie os benefícios desta relação jurídica, ficando apenas com os encargos, onde mesmo que surja a possível aparência de licitude, se evidencia de forma lidima, a configuração do abuso de direito, onde a prática de tal ato poderá caracterizar as hipóteses da desconsideração da personalidade jurídica.

4.4 Aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária

A aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária gerou diversas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.

Para uns, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito tributário seria inaplicável, em razão da inexistência de expressa previsão legal. Sob essa perspectiva, a legalidade estrita, característica do direito tributário, impediria a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, exceto na hipótese de expressa previsão legal. No direito tributário, o objeto da regulação – direito à liberdade e direito à propriedade - impediria a aplicação da teoria sem expressa previsão legal. Em outras palavras, no direito público somente é permitido o que determina a lei (em oposição ao direito privado, em que é permitido tudo que não é proibido). Os valores da certeza e da segurança jurídica possuem lugar privilegiado nesse entendimento.

Para outros, a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária seria plenamente aplicável, e se daria com fundamento no artigo 135 do Código Tributário Nacional, dentre outros, que possuiriam os elementos centrais da teoria da desconsideração. Sob essa perspectiva, em diversas normas do Código Tributário Nacional haveria previsão para o afastamento de qualquer dificultador da identificação exata e clara do sujeito passivo do tributo, a exemplo do artigo 149, inciso VII. Por conseguinte, a existência de pessoa jurídica a obstaculizar a tributação de pessoa física, efetivo sujeito passivo da obrigação tributária, não impede o Fisco de desconsiderá-la (a pessoa jurídica) para fins de tributação. O Código Tributário Nacional, como visto, permite a desconsideração, a partir da leitura de diversos de seus artigos.

Com o advento do Novo Código Civil em 2002, o artigo 50 fez previsão expressa da desconsideração da personalidade jurídica, razão pela qual se defendeu a aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária com fundamento no mencionado dispositivo. Para os defensores desse entendimento, a desconsideração da personalidade jurídica seria cabível em âmbito tributário, desde que respeitados os pressupostos da lei cível, quais sejam, abuso de personalidade jurídica na forma de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

Por fim, há entendimento pela aplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica com fundamento em que o Direito deve reprimir o uso abusivo das estruturas jurídicas, mesmo sem norma expressa, pois este é um princípio basilar da Teoria Geral do Direito. Sob essa perspectiva, o abuso de direito é um instituto da Teoria Geral do Direito, razão pela qual poderia ser aplicado a qualquer ramo dele. O direito à personalidade jurídica é tutelado juridicamente em razão da necessidade de fomentar a atividade econômica e como paliativo aos riscos corridos pelo empresário na consecução de atividade econômica. Tal direito, entretanto, não deve ser utilizado de maneira abusiva, por exemplo, para fraudar as leis tributárias, pois deixariam de ensejar a proteção do ordenamento jurídico – a desconsideração da personalidade jurídica seria a solução jurídica para o desvio de função da personalidade jurídica.

4.5 Requisitos para desconsideração da personalidade jurídica em direito tributário

Em se tratando de Direito Tributário, os requisitos para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica não se limitam a aqueles previstos no Código Civil de 2002, mas sim, aos decorrentes dos princípios constitucionais, da perspectiva sistêmica de ordenamento jurídico e da essência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Há entendimento no sentido de que os pressupostos de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária são os expressamente previstos no artigo 50 do Código Civil. Nessa linha, o abuso de finalidade e a confusão patrimonial seriam os elementos para, ao caracterizar o abuso da personalidade jurídica, justificar a desconsideração da pessoa jurídica.

As causas ou eventos passíveis de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica seriam o abuso de personalidade caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Ainda que ocorridos outros eventos a caracterizar o desvio de função e, em tese, a ensejar a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, o ordenamento jurídico não poderia coibir o abuso, pois suas características não estariam previstas expressamente na norma cível:

[...] a teoria da desconsideração é sanção à prática do abuso de direito à personalidade jurídica. Nestes termos, ato abusivo é aquele que se exterioriza a partir de seu exercício irregular ou anormal, sendo, de acordo com o art. 187 do CC, aquele que manifestamente excede os limites impostos pelos fins econômicos e sociais do próprio direito em exercício. Apercebendo-se dessas características, o legislador do Código Civil de 2002, no art. 50, resolveu incluir como requisitos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica dois critérios de aferição da conduta abusiva: o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. Assim, em um caso concreto, não haverá abuso à personalidade se não for provada a existência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. (grifo nosso)

Uma interpretação pautada nos princípios constitucionais, bem como no caráter sistemático do ordenamento jurídico, não albergam o entendimento acima. As hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica poderiam não se compatibilizar com os pressupostos prescritos na lei civil, quais sejam, abuso de direito caracterizado pelo desvio de finalidade e pela confusão patrimonial, ou, em outras palavras, nem sempre o abuso do direito previsto no Código Civil será realizado pelos pressupostos acima mencionados. Ademais, nem sempre se trata de abuso, como na possibilidade de ocorrência de fraude à lei, dentre outros exemplos.

Em relação à fraude à lei, no ramo tributário, há entendimento pela inclusão dela como espécie do gênero abuso de direito, ou mesmo pela aplicação da desconsideração aos casos de fraude, sem especificar se se trataria de abuso de direito ou desvio de finalidade.

O entendimento pela aplicação da desconsideração da personalidade jurídica a partir do artigo 50 do Código Civil é restritivo. Percebe-se, aqui, que o apego estrito aos conceitos de abuso de direito, fraude à lei, não podem amesquinhar a aplicação da teoria. A título de exemplo, entendimentos restritivos do ordenamento jurídico, em especial no ramo tributário, podem, a partir da distinção entre abuso de direito e fraude à lei, afirmar a impossibilidade de desconsideração com fundamento naquela (fraude).

Mas o uso da pessoa jurídica para fins ilegítimos, para a realização de ilícito, deve permitir a desconsideração da personalidade jurídica, nos exatos termos utilizados por Alexandre Couto SILVA:

A desconsideração da personalidade jurídica ocorrerá quando o conceito de pessoa jurídica for utilizado para promover fraude, evitar o cumprimento de obrigações, obter vantagens da lei, perpetuar o monopólio, proteger a prática do abuso de direito, propiciar a desonestidade, contrariar a ordem pública e justificar o injusto. Nessas hipóteses, o Judiciário deverá ignorar a pessoa jurídica, considerando-a como associação de pessoas naturais, buscando a justiça. A pessoa jurídica deve ser, obrigatoriamente, utilizada para fins legítimos, e não para negócios escusos, situação em que deverá ser desconsiderada. Entretanto, a desconsideração deve ser a exceção, não a regra.

Os requisitos para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária não são unicamente os previstos no Código Civil de 2002, mas os decorrentes dos princípios constitucionais, da perspectiva sistêmica de ordenamento jurídico e da essência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

A função social da empresa, como corolário da função social da propriedade e princípio constitucionalmente previsto nos artigos 5º, inciso XXIII e 170 da Constituição Federal, é determinante para a análise da desconsideração da personalidade jurídica. A opção por considerar o Código Civil como único a pautar a desconsideração não pressupõe o influxo dos princípios e valores constitucionais no ordenamento jurídico nem o caráter sistemático daquele.

O cumprimento da função social da empresa é indispensável à manutenção do regime jurídico da pessoa jurídica. O descumprimento pela sociedade (pessoa jurídica) dos fins a que está sujeita não deve ser tolerado pelo ordenamento jurídico. O uso da pessoa jurídica para fins que o direito não tolera pode ser realizado por fraude à lei, ou de outras formas, mas, em razão da previsão apenas do abuso do direito, não seria passível de desconsideração em matéria tributária? O entendimento ignora a positividade dos valores albergados constitucionalmente, a função social da empresa, bem como olvida o dever-poder que o Fisco possui de afastar realidades meramente formais.

O ordenamento jurídico entendido como sistema também privilegia a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária a partir de requisitos mais amplos que os previstos no Código Civil. Em outras palavras, aplicar rigorosamente o Código Civil em matéria tributária, no caso da desconsideração, não privilegia uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, ou privilegia de uma maneira restritiva e parcial.

Mesmo a partir de normas positivadas expressamente no ordenamento jurídico, a Constituição Federal, ao assegurar o cumprimento da função social da propriedade (art. 5º, inciso XXIII e artigo 170, inciso III), o Código Tributário Nacional, especificamente no parágrafo único do artigo 116, e genericamente nos artigos 149, inciso VII e outros, não são considerados nessa análise restritiva dos requisitos para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária.

Ao Fisco sempre foi possível, conforme Aldemário Araújo CASTRO, afastar meras formalidades em detrimento da materialidade da obrigação tributária e, em especial, de seu sujeito passivo, nos termos do artigo 149, inciso VII do Código Tributário Nacional.

Pela leitura do dispositivo legal, o ordenamento jurídico tributário sempre proibiu a fraude como meio de afastar a incidência da norma tributária. A interpretação restritiva, pela inclusão apenas do abuso de direito como requisito para a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, não considera, como dito, dispositivos tributários proibitivos da fraude, ou condutas para utilização da pessoa jurídica para fins ilegítimos, dentre outras condutas.

Da mesma maneira, o artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional pretende reprimir “realidades meramente formais ou artificiais (realidades falsas), dificultadores da perfeita identificação do sujeito passivo”, ou o abuso de direito, o que o autoriza a ser fundamento jurídico da desconsideração da personalidade jurídica em âmbito tributário.

Assim, a interpretação sistemática restritiva ou parcial a qual nos referimos anteriormente é considerar apenas o Código Civil, e não o ordenamento jurídico como um todo unitário, como critério para determinação dos pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. A unidade normativa do sistema e a adequação valorativa têm por consequência a necessidade de o sistema coibir práticas contrárias ao direito e, no caso da desconsideração da personalidade jurídica, em descumprimento da função social da empresa ou em utilização daquela para prática de condutas ilícitas.

A filiação ao sistema jurídico românico-germânico, todavia, ainda serve de justificativa para a exigência de normas expressamente positivadas no sistema, e em um específico dispositivo legal. Nesse sentido a advertência de Humberto ÁVILA:

[...] Então, para que servem esses dispositivos? Eles têm uma eficácia prática, porque, no Brasil, em que predomina uma formação positivista, boa parte dos operadores do Direito é – fazendo um paralelo com a filosofia – cética, só acredita vendo, de tal sorte que só há normas se houver a possibilidade de ver onde elas estão. Quando a esses dispositivos, a aplicação serve como uma espécie de bengala: serve de apoio.

Com fundamento na essência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, e ainda numa perspectiva sistemática, na própria doutrina cível o artigo 50 do Código Civil é objeto de restrições. Gustavo TEPEDINO não poupou críticas:

[...] ao contrário do legislador consumerista, o recodificador condicionou a ‘extensão aos bens particulares dos administradores ou sócios dos efeitos de certas determinadas relações jurídicas’ à provocação da parte interessada ou do parquet; ainda mais restritivamente, só possibilitou tal extensão nos casos de ‘confusão patrimonial’ ou abuso, enquanto o CDC, no §5º do art. 28, permite a inobservância do princípio da separação sempre que ele impedir o pleno ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores. (grifo nosso)

Assim, na linha da advertência de TEPEDINO, a expressão acima mencionada pode municiar os que buscam brechas em textos legais para fugir ao adimplemento de obrigações. De volta à essência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mesmo no direito civil e comercial há entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário pela aplicação da desconsideração da personalidade jurídica aos casos de fraude ou abuso do direito.

De forma mais ampla, há entendimento pela aplicação da desconsideração nos casos de desvio de função, caracterizado pelo uso fraudulento ou abusivo do instituto. Isso porque, conforme afirmado pelos autores acima mencionados, a essência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem por fulcro a fraude e o abuso, que são formas de evidenciar o desvio de função, e por finalidade a repressão de tais condutas.

Por outro lado, mesmo em âmbito tributário, não só o abuso ao direito, mas também a fraude à lei é considerada requisito para a desconsideração da personalidade jurídica, bem como a utilização da pessoa jurídica para dificultar a identificação do sujeito passivo e, por conseguinte, para utilizá-la para atingir fins ilegítimos e ilegais. Há ainda entendimento pela inclusão da fraude à lei tributária como espécie do gênero abuso de direito. Enfim, a interpretação literal do Código Civil de 2002 não é empecilho à desconsideração da personalidade jurídica em caso de fraude à lei, ou para afastar “realidades meramente formais ou artificiais (realidades falsas), as quais criam empecilhos no tocante a perfeita identificação do sujeito passivo”, a caracterizar eventual utilização da pessoa jurídica de forma ilegítima e ilegal.

4.6 A desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho

É possível evidenciarmos que as matérias atinentes a desconsideração da personalidade jurídica passou a afigurar como instrumento de grande valia no Direito Pátrio.

Isto porque, A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 2º, §2º, abarca a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, quando várias pessoa jurídicas, muito embora regidas e dotadas de personalidade jurídica própria, tornam para os efeitos da legislação trabalhista, empresas solidariamente responsáveis pelos créditos trabalhistas existentes,  sempre que uma ou mais empresas, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, tornando-se, para os efeitos da relação empregatícia, solidariamente responsáveis, a empresa principal e cada uma das quais se subordinam.

Tendo como suporte as ponderações supra mencionadas, denota-se que a Consolidação das leis do Trabalho não apresenta como fator imprescindível a presença de prova de fraude e nem mesmo de abuso de direito para que empresa, do mesmo grupo da empresa empregadora, seja responsabilizada pelos débitos de ordem trabalhista, sendo considerado este princípio como o do “conditio sine qua non” para haja a responsabilidade solidária de todos os entes que compõe a organização, integrantes do mesmo conglomerado.

Assim sendo, trazemos a colação as lições de Amador Paes de Almeida:

 […] nenhum ramo do direito se mostra tão adequado à aplicação da teoria da desconsideração do que o direito do trabalho, até porque os riscos da atividade econômica, na forma da lei, são exclusivos do empregador […] No direito do trabalho a teoria da desconsideração da pessoa jurídica tem sido aplicada pelos juízes de forma ampla, tanto nas hipóteses de abuso de direito, excesso de poder, como em casos de violação da lei ou do contrato, ou, ainda, na ocorrência de meios fraudulentos, e, inclusive, na hipótese, não rara, de insuficiência de bens da empresa, adotando, por via de consequência, a regra disposta no art. 28 do Código de Proteção ao Consumidor.

Conforme se verifica, pode se assinalar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aplicada de modo abrangente no ramo do Direito do Trabalho. Ao passo que, por oportuno, deve-se registrar o que preleciona o art. 2º, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, onde se busca tão somente, a fixação da responsabilidade solidária entre as organizações que compõem o mesmo grupo econômico na busca da satisfação dos débitos de ordem trabalhista.

Assim sendo, a regra é que o descumprimento dos direitos trabalhistas configuram o “desvio de finalidade”, sendo este um conceito legislativo indeterminado disposto no art. 50 do Código Civil (Lei 10.406/02), onde se permite que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica, com o fito de fazer com que certas e determinadas relações e obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da empresa.

Nestes termos, vejamos os precedentes jurisprudenciais relativos a matéria ora em comento:

Ementa: Desconsideração da Personalidade Jurídica da Executada. Responsabilidade Pessoal do Sócio. O descumprimento dos direitos trabalhistas configura o “desvio de finalidade”, conceito legal indeterminado presente no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, que permite a desconsideração da pessoa jurídica. Logo, exauridas as tentativas de execução contra a pessoa jurídica, cabe deferir o redirecionamento da execução aos sócios da executada. Apelo a que se nega provimento.” (Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região/ Agravo de Petição Nº 0156100-55.1997.5.04.0291/ Relatora Desembargadora Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo/ Julgado em 09.06.2011) (destaquei)

Ementa: Agravo de Petição da Executada. Direcionamento de Execução contra Sócio. Justifica-se o direcionamento da execução contra os sócios da executada, quando exauridas todas as possibilidades de pagamento da dívida, além de ter a empresa encerrado suas atividades sem a satisfação do credor trabalhista. Precedentes. Recurso desprovido.” (Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região/ Agravo de Petição n. 0164400-42.2006.5.04.0662/ Relator Desembargador Denis Marcelo de Lima Molarinho/ Julgado em 24.09.2009) (destaquei)

Nesta senda, pode-se evidenciar que da mesma forma como ocorre no Código de Defesa do Consumidor, a CLT visa oferecer a integral proteção ao elo hipossuficiente da relação laboral, ou seja, ao trabalhador, com vistas a tutelar a igualdade entre as partes que litigam em demandas judiciais da seara trabalhista.

Assim, denota-se que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, no ramo do direito do trabalho, se tenta respaldar a parte mais vulnerável da relação laboral, quando se denotar que houvera o encerramento das atividades da empresa sem antes ter saldado os créditos trabalhistas.

5 DA AÇÃO PAULIANA

Ao estudar aludida ação, estuda-se a própria história do direito, como ciência, em virtude de sua grande importância na evolução do direito como um todo.

Nos primórdios, os devedores nas civilizações antigas respondiam com o próprio corpo por suas obrigações financeiras, sendo que o não cumprimento dessas obrigações colocava-o em uma situação análoga à dos escravos, ocorrendo por tanto, uma execução corporal.

O atual Código Civil manteve o sistema do anterior, segundo o qual a fraude contra credores acarreta a anulabilidade do negócio jurídico.

Não adotou, assim, a tese de que se trataria de ineficácia relativa, defendida por grande parte da doutrina, segundo a qual, demonstrada a fraude ao credor, a sentença não anulará a alienação, mas simplesmente, como nos casos de fraude a execução, declarará a ineficácia do ato fraudatório perante o credor, permanecendo o negócio válido entre os contratantes, o devedor alienante e o terceiro adquirente.

A fraude contra credores, que vicia o’ negócio’ de simples anulabilidade é atacável por ação pauliana ou revocatória, movida pelos credores quirografários (sem garantia). que já o eram ao tem­po da prática desse ato fraudulento que se pretende invalidar.

O direito evoluiu drasticamente nesta seara, sendo que em razão da Lex Poetelia Papiria em Roma e mais tarde do Pacto de San José da Costa Rica, a execução do devedor, transferiu-se de seu corpo para o seu patrimônio, sendo que o devedor não mais poderia ser escravizado ou sofrer qualquer tipo de penalidade que atingisse sua integridade física, ficando o credor, apenas, com o direito de executar seu crédito sobre o patrimônio do devedor.

Nesta senda, deixou o devedor atualmente de responder fisicamente por dívidas oriundas da vida civil, salvo quando se tratar de créditos de natureza alimentar, inclusive por possuir previsão legal na Constituição Federal.

Com a evolução da sociedade e consequentemente do direito, faz se mister que os credores movimentem a máquina judiciária para ver seu direito de crédito resguardado, possuindo o Poder Judiciário por meio de seus procedimentos, o condão de expropriar bens dos devedores. 

Contudo, nem sempre os procedimentos de expropriação contidos no Diploma Processual Civil e principalmente em razão da morosidade no deslinde das ações, o Poder Judiciário tem demonstrado sua ineficiência para evitar que malfeitores consigam burlar a Lei e efetivar suas tramas, com a sede inesgotável de se locupletar em prejuízo daqueles que possuem direitos de crédito.

A fraude contra credores está sempre presente através de qualquer artifício, manobra intencional, utilizada pelo devedor com o intuito de escusar-se do pagamento de sua dívida ao credor, consistente na alienação de bens capazes de satisfazer a pretensão legítima do detentor de um crédito, enquanto que à ação pauliana visa à desconstituição desta alienação fraudulenta e a retomada do objeto (bem imóvel) ao patrimônio do devedor para satisfazer um crédito pré-existente.

O intuito da fraude consiste na intenção do devedor em prejudicar o(s) credor(es), cuidando a própria Lei de estabelecer uma série de casos em que a fraude é presumida, ante a dificuldade da respectiva prova. Assim, a Ação Pauliana, concede ao interessado a faculdade de pleitear á anulação da alienação fraudulenta, possuindo como requisitos para propositura de referida ação o: consilium fraudis e o eventos damni.

O consilim fraudis, segundo Washington de Barros Monteiro “é a má fé, o intuito malicioso de prejudicar”. O eventos damni, segundo o mesmo autor é: “todo ato prejudicial ao credor, por tornar o devedor insolvente, ou por ter sido praticado em estado de insolvência”.

No Brasil, o único requisito exigido é o eventos damni, onde aceita-se que a fraude é presumida com a ocorrência somente ao elemento objetivo.

Nesta senda, a Ação Pauliana tem cabimento ante a ocorrência de qualquer ato fraudulento e lesivo das garantias do credor, que são compostas pelos bens integrantes do patrimônio do devedor, sendo passível de revogação os atos onerosos e gratuitos, alienações em geral, constituições de direito, mormente os reais, remissão de dívidas, pagamento ou garantia de dívidas não vencidas, doações, repúdio de herança entre outros.

Importante indicar que a ação pauliana ou revocatória é por sua natureza jurídica, ação de anulação de ato(s) jurídico(s) lesivo(s) ao interesse de credores. Nesse sentido é o entendimento de José Arnaldo Vitagliano:

No sistema do nosso Direito Civil, a ação pauliana é inquestionavelmente uma ação de anulação; destina-se a revogar o ato lesivo aos interesses dos credores, tem por efeito restituir ao patrimônio do devedor insolvente o bem subtraído, para que sobre o acervo assim integralizado recaia a ação dos credores e obtenham estes a satisfação de seus créditos; em suma, a ação pauliana tende a anulação do ato fraudulento, fazendo reincorporar ao patrimônio do devedor o bem alienado.

A matéria que trata do vício social de fraude contra credores, alvo da ação pauliana ou revocatória, aloca-se entre os artigos 158 e 165 do Código Civil, prevendo as hipóteses permissivas de anulação do negócio jurídico quando verificada situações de presunção de fraude.

Na ocorrência da realização de negócio jurídico de transmissão gratuita ou que propriamente reduzam o devedor à situação de insuficiência de garantias patrimoniais. No entanto, a lei exige o requisito da contemporaneidade, ou seja, o polo ativo deverá necessariamente ser credor à época do ato jurídico objeto de anulação.

Ressalte-se que a ciência pelo devedor de sua redução ao estado de insolvência é dispensável para a anulação do ato pela ação pauliana.

5.1 Legitimidade ativa na propositura da ação pauliana

Só estão legitimados a ajuizar ação pauliana os credores quirografários e que já o eram ao tempo da alienação fraudulenta (art. 158, caput, e §2º - CC).

Os que se tornaram credores depois da alienação já encontraram desfalcado o patrimônio do devedor e mesmo assim negociaram com ele. Nada podem, pois, reclamar.

Os credores com garantia real não podem, em princípio, ajuizá-la porque já existe um bem determinado especialmente afetado à solução da dívida. Se for alienado, o credor privilegiado poderá exercer o direito de sequela, penhorando-o nas mãos de quem quer que esteja. Poderão propô-la, no entanto, se a garantia se tornar insuficiente (art. 158, §1º - CC).

5.2 Legitimidade passiva na propositura da ação pauliana

A ação pauliana deve ser proposta contra o devedor insolvente e também contra a pessoa com quem ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, bem como contra terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé (art. 161, CC).

Em regra a revocatória deve­rá ser intentada contra o devedor insolvente, seja em caso de transmissão gratuita de bens, seja na hipótese de alienação onerosa, tendo-se em vista que tal ação visa tão-somente anular um negócio celebrado em prejuízo do credor.

Mas nada obsta a que seja movida contra a pessoa que com ele veio a efetivar o ato fraudulento ou contra terceiro adquirente de má-fé. Logo, poderá ser proposta contra os que intervieram na fraude contra credores, citando-se todos que nela tiverem tomado pane. “O litisconsór­cio, na ação pauliana, é obrigatório. Não podem as partes dispensá-lo” (RT, 447/147).

Embora o dispositivo legal use o verbo “poderá”, que dá a impressão de ser uma faculdade do credor propor a ação contra todos, na verdade ele assim deverá proceder para que a sentença produza efeitos em relação também aos adquirentes (art. 472, CPC). De nada adianta acionar somente o alienante se o bem se encontra em poder dos adquirentes.

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O contratante ou adqui­rente de boa-fé, sendo o ato a título gratuito, embora não tenha o dever de restituir os frutos percebidos (art. 1.214, CC) nem o de responder pela perda ou deterioração da coisa, a que não deu causa (art. 1.217, CC), tendo, ainda, o direito de ser indenizado pelas benfeitorias úteis e ne­cessárias que fez (art. 1.219, CC).

O adquirente de boa-fé, sendo o negócio oneroso, hipótese em que, com a revogação do ato lesivo e restituição do bem ao patrimônio do devedor, se entregará ao contra­tante acionado a contraprestação que forneceu, em espécie ou no equi­valente.

Quem receber bem do devedor insolvente, por ato oneroso ou gratuito, conhecendo seu estado de insolvência, será obrigado a devolvê-lo, com os frutos percebidos e percipiendos (art. 1.216, CC), tendo, ainda, de indenizar os danos sofridos pela perda ou deterioração da coisa, exceto se demonstrar que eles sobreviriam se ela estivesse em poder do devedor (art. 1.218, CC). Todavia, resguardado estará seu di­reito à indenização das benfeitorias necessárias que, porventura, tiver feito no bem (art. 1.220, CC).

5.3 Decadência da ação pauliana

      

O prazo decadencial para da Ação Pauliana é de 04 (quatro) anos, onde se pleiteará a anulação do negócio jurídico, o qual será contado na seguinte forma: a) no caso da coação, do dia em que ela cessar; b) no caso do erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; c) ato de incapaz, do dia em que cessar a incapacidade.

5.4 Correntes doutrinárias sobre os efeitos da sentença da ação pauliana

Vige tanto na doutrina e na jurisprudência, sobre os efeitos da sentença de procedência do pedido formulado na ação pauliana, que decreta a fraude contra credores. A primeira corrente entende que ela gera apenas e tão-somente a ineficácia relativa do ato, já a segunda a sua anulabilidade.

5.5 Anulabilidade do ato

Quando se discorre a respeito da corrente da doutrina que crê que a Ação Pauliana possui o condão de se anular o ato fraudulento, tornando com que o bem retome ao patrimônio do devedor. Tanto o anterior código civil revogado como o advento do Código Civil de 2002 há menção expressa que são anuláveis os atos praticados em fraude contra credores fazendo que o bem retorne ao patrimônio do devedor.

É notório que os atos praticados mediante fraude em prejuízo dos credores diminuem o patrimônio do devedor, fazendo com que este se torne incapaz de adimplir com seus compromissos, firmados com os credores constituídos previamente, tornando-se, portanto, insolvente.

Ao comentarem o art. 165 do CC Nelson Nery Jr e Rosa Maria Nery elaboram interessante raciocínio em prol da anulabilidade do ato, e assim nos ensinam:

“No Brasil ex vi legis, a fraude contra credores enseja a anulação do negócio fraudulento. Ao escrevermos sobre o tema, num primeiro momento, também pensávamos que se deveria dar à fraude contra credores o tratamento da ineficácia, seduzidos que estávamos pelas idéias importadas, sem reservas do direito civil italiano. (Nery, Vício do ato jurídico e reserva mental, 1983). Posteriormente escrevemos em outro sentido, modificando nossa opinião anterior como a lei brasileira havia adotado, propositadamente, o sistema da anulabilidade do ato ou negócio havido em fraude contra os credores, seria insustentável de lege lata a opinião de que se trataria de ato ou negócio ineficaz.”

A disposição do CC vigente é a de que os atos praticados em fraude contra credores serão anulados e não simplesmente ineficazes, portanto, beneficiarão todos os credores pré-constituídos e não apenas o autor da ação pauliana ou revocatória.

Se o legislador quisesse assemelhar a fraude contra credores com a fraude à execução, de certo o teria feito, porém, pela redação dos artigos que tratam da fraude contra credores é correto se concluir que tais atos serão anuláveis.

Nos sistemas jurídicos que admitem a revogação do negócio jurídico por fraude contra credores, admite-se que o credor retire a voz do devedor (revogação), ao passo que, em nosso sistema jurídico, se permite que o credor, alegando a fraude, peça a decretação da anulação do negócio entre devedor e terceiro. São dois sistemas que se baseiam em concepções diversas, mas que atingem o mesmo resultado prático.

Com o retorno dos bens alienados ao patrimônio do devedor antes considerado insolvente, beneficiando, portanto, todos os credores, como aliás, bem esclarece Sílvio Rodrigues:

A ação revocatória tem por efeito anular os atos praticados em fraude. De modo que julgada procedente a vantagem porventura advinda do ato fraudulento reverte em proveito do acervo sobre o qual se tenha de efetuar o concurso de credores (art. 165 CC). Em outras palavras, o patrimônio do devedor se restaura, restabelecendo-se a garantia original com que contavam os credores. Portanto, os bens alienados voltam ao patrimônio do devedor, as garantias concedidas se aniquilam; e os pagamentos antecipados são devolvidos.

Outro argumento para que a tese da anulabilidade prevaleça, é o de que apenas se torna imprescindível o ajuizamento de ação, com a consequente sentença visando anular o ato fraudulento, sendo absolutamente desnecessária quando o objetivo for ineficácia, como ocorre na fraude de execução.

O próprio STJ acabou por sumular a matéria aderindo claramente à tese da anulabilidade em seu Enunciado 195, nos seguintes termos: “Em termos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra devedores.”

É de se destacar trecho do voto do Min. Antônio de Pádua Ribeiro, proferido em um dos acórdãos que geraram a redação da Súmula 195 do STJ, Corte Especial, EDiv. No Resp 46.192-2-SP, m.v., DJU 05.02.1996: “No caso, porém, há aspecto que, a meu ver, é de difícil superação, porquanto os embargos de terceiros atacam ato de constrição judicial, e a ação pauliana visa, exatamente, à anulação de ato jurídico. É uma ação, cuja sentença a ser proferida, é de caráter constitutivo. Tornar-se difícil conciliar uma ação que visa uma sentença constitutiva com uma outra ação que se objetiva apenas uma sentença de desconstituição de um ato de constrição judicial.”. Assim foi ementado o acórdão no qual foi proferido o voto citado: “Fraude contra credores, Embargos de terceiro/ação pauliana. A fraude é discutível em ação pauliana, e não em embargos de terceiro. Precedentes da 1ª., 3ª., e 4ª., Turmas e da 2ª. Seção do STJ. Embargos de divergência conhecidos pela Corte Especial, mas rejeitados.”

De forma mais sintética, a ação pauliana consiste em uma ação pessoal movida por credores com intenção de anular negócio jurídico feito por devedores insolventes com bens que seriam usados para pagamento da dívida em uma ação de execução, podendo ser ajuizada sem a necessidade de uma ação de execução anterior.

2 DO DIREITO EMPRESARIAL

Após o ingresso da Lei n.º 10.406/02 (Código Civil), no ordenamento jurídico e a revogação de parte do Código Comercial de 1850, no Brasil tem-se usado a expressão “Direito Empresarial” ao invés de “Direito Comercial”, o que deu ensejo até a mudança de nomenclatura das disciplinas dos cursos jurídicos.

O Direito Comercial é um ramo histórico do Direito, que surgiu pelas necessidades dos comerciantes não abarcadas pelas normas do Direito Civil.

Poderíamos dizer que o Direito Empresarial é o mesmo que Direito Comercial, mas o Direito Empresarial é mais amplo que este, pois alcança todo exercício profissional de atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços (exceto intelectual). Já, o Direito Comercial alcançava, em sua concepção inicial, apenas os comerciantes que compravam para depois revender.

Nesta senda, entende-se que Direito Comercial é a designação tradicional do ramo jurídico que tem por objeto os meios socialmente estruturados de superação dos conflitos de interesse entre os exercentes de atividades econômicas de produção ou circulação de bens que necessitamos todos para viver. Note-se que não apenas as atividades especificamente comerciais (intermediação de mercadorias, atacado ou varejo), mas também as industriais, bancárias, securitárias, de prestação de serviços e outras, estão sujeitas aos parâmetros (doutrinários, jurisprudenciais e legais) de superação de conflitos estudados pelo direito comercial. Talvez seu nome mais adequado, hoje em dia, fosse direito empresarial. Qualquer que seja a denominação, o direito comercial (mercantil, de empresa ou de negócios) é uma área especializada do conhecimento jurídico. Sua autonomia, como disciplina curricular ou campo de atuação profissional específico, decorre dos conhecimentos extrajurídicos que professores e advogados devem buscar, quando o elegem como ramo jurídico de atuação. Exige-se do comercialista não só o dominar conceitos básicos de economia, administração de empresas, finanças e contabilidade, como principalmente compreender as necessidades próprias do empresário e a natureza de elemento de custo que o direito muitas vezes assume para este. Quem escolhe o direito comercial como sua área de estudo ou trabalho deve estar disposto a contribuir para que o empresário alcance o objetivo fundamental que o motiva na empresa: o lucro. Sem tal disposição, será melhor para o estudioso e profissional do direito, para os empresários e para a sociedade que ele dedique seus esforços a outra das muitas e ricas áreas jurídicas.

No Brasil, a autonomia do direito comercial vem referida na Constituição Federal, que, ao listar as matérias da competência legislativa privativa da União, menciona “direito civil” em separado de “comercial” (CF, art. 22, I). Note-se que não compromete a autonomia do direito comercial a opção do legislador brasileiro de 2002, no sentido de tratar a matéria correspondente ao objeto desta disciplina no Código Civil (Livro II da Parte Especial), já que a autonomia didática e profissional não é minimamente determinada pela legislativa. Também não compromete a autonomia da disciplina a adoção, no direito privado brasileiro, da teoria da empresa. Como visto, a bipartição dos regimes jurídicos disciplinadores de atividades econômicas não deixa de existir, quando se adota o critério da empresarialidade para circunscrever os contornos do âmbito de incidência do direito comercial. Aliás, a teoria da empresa não importa nem mesmo a unificação legislativa do direito privado. Na Espanha, desde 1989, o Código do Comércio incorpora os fundamentos dessa teoria, permanecendo diploma separado do Código Civil.

No Brasil, consideram alguns autores que o Código Civil teria levado á unificação do direito das obrigações. Bem examinada a questão, no entanto, nota-se o desacerto do argumento. Os contratos entre os empresários, no direito brasileiro, em nenhum momento submeteram-se exclusivamente ao Código Civil, bem mesmo depois da propalada unificação. Tome-se o exemplo da insolvência (ou, quando empresário, falência) do comprador. A lei civil estabelece que o vendedor, nesse caso, tem o direito de exigir caução antes de cumprir sua obrigação de entregar a coisa vendida (CC, art. 495). Essa norma nunca regeu, não rege e nem mesmo poderá reger uma compra e venda entre empresários, já que a lei de falência (tanto a de 1945 como a de 2005) dá ao administrador judicial da massa falida do comprador os meios para exigir o cumprimento da avença por parte do vendedor independentemente de prestar a caução mencionada na lei civil. Por outro lado, além das regras específicas que a legislação de direito comercial estabelece para as obrigações nela regidas, não se podem esquecer os princípios aplicáveis aos contratos entre empresários. No direito comercial, o princípio do pleno respeito á autonomia da vontade e do informalismo contratual conferem á disciplina jurídica dos contratos entre empresários nuances que não se estendem á generalidade das obrigações civis. Falar-se, assim, em unificação do direito das obrigações quando ainda sobrevivem, de um lado, regras específicas para os contratos entre empresários e, de outro, princípios próprios para o s negócios jurídicos sujeitos ao direito comercial é inapropriado.

A demonstração irrespondível, porém, de que a autonomia do direito comercial não é compreendida nem pela unificação legislativa do direito privado, bem pela teoria da empresa, encontra-se nos currículos dos cursos jurídicos das faculdades italianas. Já se passaram 60 (sessenta) anos da unificação legislativa e da adoção da teoria da empresa na Itália, e o direito comercial continua sendo tratado lá como disciplina autônoma, com professores e literatura especializados. Até mesmo em reformas curriculares recentes, como a empreendida na Faculdade de Direito de Bolonha a partir do ano letivo de 1996/1997, a autonomia do direito comercial foi amplamente prestigiada.

3 DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A personalidade jurídica, possui como característica básica, o regime jurídico da separação entre o patrimônio da sociedade e do sócio. Em princípio, o exercício de atividade econômica de maneira isolada não é contrário a qualquer valor, ou prejudicial à sociedade. Assim, nada impede que haja a exploração de determinada atividade independentemente da consecução de esforços típica da sociedade. Todavia, a associação de pessoas para consecução da atividade econômica mostrava-se mais benéfica socialmente, pela possibilidade de atingir objetivos inalcançáveis isoladamente através da junção de pessoas, trabalho e capital. Em outras palavras, ainda que a existência de personificação societária de um agrupamento de pessoas também fosse origem de males, as benesses eram, de regra, mais significativas e valorosas socialmente, a influenciar, por conseguinte, o estímulo à personificação pelo próprio ordenamento jurídico.

Assim sendo, a separação entre o patrimônio da sociedade e o do sócio era fundamental para o capitalista dispor-se a correr o risco de investir em qualquer atividade econômica. Apenas a título de exemplo histórico, com a Revolução Industrial, surgiu a necessidade de concentração de grande quantidade de capital para investir na produção de mercadorias em larga escala. Para tal incursão, era indispensável que o patrimônio pessoal do empresário fosse preservado, considerando a possibilidade de fracasso do empreendimento e o excessivo valor de eventuais débitos com credores.

Seja para incentivar a conjugação de esforços entre pessoas para produção de riqueza, seja para limitar o risco a que estavam expostas, o ordenamento jurídico passou a reconhecer personalidade jurídica ao ente formado por essas pessoas, de maneira a imputar a responsabilidade dos atos à sociedade, e não aos sócios. A partir de então, o patrimônio da sociedade era a garantia dos credores, absolutamente dissociado do patrimônio pessoal dos sócios.

Nestes termos, as entidades dotadas de personalidade jurídica, portanto, era um instrumento para que se pudesse alcançar objetivos socialmente proveitosos, pois, ao mesmo tempo em que permitia a obtenção de lucro pelo empresário (proveito individual), permitia a geração de trabalho e emprego, o desenvolvimento econômico das cidades e dos Estados (proveito social), dentre outros.

Outrossim, em contrapartida aos benefícios da consecução da atividade econômica por um agrupamento de pessoas, onde várias pessoas se uniam com a finalidade de atingirem um bem comum, gerava a garantia da integral separação do patrimônio social e do sócio da organização.

4 DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

          Antes de adentrarmos ao tema principal, vale ressaltar os aspectos inerentes a desconsideração da personalidade jurídica a luz do Código Civil Brasileiro.

Nestes termos, levando por base as ponderações até então aduzidas, nota-se ser fácil entendimento que, em razão de vasta independência, bem como de autonomia, em virtude à exclusão da responsabilidade dos sócios, a organização, dotada de personalidade jurídica, por inúmeras vezes, tem-se desviado de seus corolários e finalidades, agindo com intenção de cometer fraudes e atos eivados de desonestidade, gerando, por conseguinte, reações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, que visam coibir tais abusos, gerando o fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica.

Assim sendo, seguindo esta linha de exposição, pode-se assegurar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou a também denominada teoria da penetração, haja vista que com a remoção do véu que cobre a pessoa jurídica, se encontrará os sócios desta.

 Outrossim, aludida teoria também é denominada de disregard theory, a qual surgiu com o escopo primevo de coibir os abusos praticados pelos agentes que, mascarados pelo princípio da separação patrimonial agiam desmedidamente. Tratava-se esta de situação em que se tornava impossível o ressarcimento de prejuízos ocasionados a terceiros, em razão de vários atos ilícitos praticados pelos controladores das pessoas jurídicas, ou ainda pelo simples esvaziamento de bens do patrimônio de suas sociedades que garantissem o pagamento das dívidas sociais.

Com isso, a legislação pátria, buscando a construção da teoria das desconsideração da personalidade jurídica ora em testilha, bem como aprimorando a interpretação abarcada pelo Código Civil de 1916, estabeleceu este expediente repressivo à má utilização do ente moral, tendo em vista a autonomia da pessoa jurídica ante a personalidade e o patrimônio distintos dos sócios que a integram. Sob essa inspiração é que se abriu a possibilidade do Poder Judiciário desconsiderar a personalidade jurídica houver qualquer tipo de desvio de suas finalidades, bem como confusão patrimonial dos bens que integral o patrimônio dos sócios com o da pessoa jurídica, a fim de que a responsabilidade advinda desses atos negociais obscuros seja atribuída aos sócios ou administradores que deverão responder pela malversação com seus bens particulares.

Nestes termos, afirmamos que as pessoas jurídicas, ante a sua abstração no mundo jurídico, e concebidas em razão da imperiosa necessidade dos seres humanos somarem seus esforços para que alcancem os objetivos sociais comuns e maiores, ou seja, buscam na união de esforços o enriquecimento. Nesse sentido, a sempre lembrada lição de Caio Mário, para quem:

A complexidade da vida civil e a necessidade da conjugação de esforços de vários indivíduos para a consecução de objetivos comuns ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam a sua agregação e polarização de suas atividades, sugerem ao Direito equiparar à própria pessoa humana certos agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir personalidade e capacidade de ação aos entes abstratos assim gerados. (PEREIRA, 2001, p. 185)

As pessoas jurídicas cumprem relevante papel nas sociedades, porquanto favorecem o crescimento e o desenvolvimento econômico social. Desnecessário dizer o potencial e a força geradora de postos de trabalho dessas entidades, de arrecadação de tributos de distribuição de renda, de circulação de bens e serviços, enfim, de um ímpio espectro de atuação do qual a sociedade hodierna, sobretudo, não pode prescindir.

Importante destacar que o princípio da função social da empresa foi expressamente referenciado no parágrafo único do art. 116 da Lei n.º 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), vejamos:

Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

[...]

Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

Para estimular a criação de pessoas jurídicas, o direito teve que encontrar uma forma de afastar dos empreendedores o receio de que tal empreitada pudesse colocar em risco sua tranquilidade, ou seja, que seus bens pessoais pudessem ser alcançados pelas obrigações sociais.

A característica fundamental da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é determinar a ineficácia de determinados atos da sociedade, para fins de estender a responsabilidade sobre esses atos aos sócios. Em outras palavras, apesar de determinadas obrigações serem contraídas em nome da sociedade, a responsabilidade perante elas é atribuída aos sócios, em razão da utilização da sociedade para fins não albergados pelo ordenamento jurídico.

A desconsideração da personalidade jurídica não tem por finalidade a invalidação do ato constitutivo da sociedade, nem a dissolução da sociedade, mas a ineficácia de atos realizados pela sociedade, todavia imputáveis aos sócios, em descumprimento à função social da empresa. Os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, todavia, são controversos: divergem sobre ele as teorias subjetiva e objetiva.

Nesse cenário é que surgiu o princípio da autonomia patrimonial, blindando o patrimônio pessoal dos sócios das dívidas da pessoa jurídica. Por óbvio, esse justo princípio encorajou, e muito, a constituição de novas pessoas jurídicas, o que seria, em antes de tudo, sem dúvida, muito benéfico para a sociedade.

Ocorre que, se por um lado, o incentivo à criação de pessoas jurídicas trouxe muitos benefícios socioeconômicos, por outro, teve consequências sociais indesejáveis. Isso porque alguns sócios e empresários começaram a se esconder atrás do véu da pessoa jurídica, utilizando-a para praticar atos abusivos contrários às suas relevantes finalidades jurídicas, sociais e econômicas.

Assim, para combater essas práticas ilícitas, como já informado, o direito anglo saxão concebeu o instituto da desconsideração personalidade jurídica para proteger o patrimônio empresarial dos atos exorbitantes dos sócios. O patrimônio particular dos sócios é que responde, então, pelos seus atos desvirtuados, protegendo-se o patrimônio da pessoa jurídica.

Em momento ulterior, a desconsideração da personalidade jurídica passou a ser empregada também para proteger direitos de terceiros. Isso porque algumas entidades jurídicas passaram a se valer de sua estrutura legal e de sua organização com o propósito incivil de lesar tais pessoas. Tal fato desenhava o quadro fático em que sócios ostentavam polpudo patrimônio e a empresa que integravam, ao contrário, encontrava-se em situação de bancarrota econômica. Sem patrimônio empresarial, as dívidas sociais ficavam inadimplidas, apesar da opulência patrimonial dos sócios.

Segundo Manjinski: “O primeiro processo judicial que efetivamente enfrentou o debate sobre a desconsideração da pessoa jurídica foi o caso “Salomon versus Salomon & Co Ltda” ocorrido na Inglaterra, em 1897”.

Buscava-se a superação da personalidade jurídica, na tentativa de se afastar uma manobra dos sócios da pessoa jurídica, os quais poderiam arguir o direito de preferência no recebimento de créditos, em face da sociedade de possuem quotas, prejudicando por via de consequência os demais credores.

Assim sendo, muito embora aludida tese não tenha vingado, o caso é emblemático em razão da repercussão judicial que ocorrera.

A desconsideração da personalidade jurídica surgiu no ordenamento jurídico brasileiro, primeiramente no microssistema atinte a defesa dos interesses dos consumidores, sendo o primeiro a fazer alusão a referido instituto. Posteriormente, este instituto fora inserido na Lei n.º 8.884/94 (Lei do CADE), em seu art. 18 e no art. 4º da Lei 9.605/98, a qual dispõe a respeito das sanções derivadas de danos cometidos em prejuízo do meio ambiente e, no art. 50 da Lei 10.406/02 (Código Civil).

Assim sendo, insta ressaltar que a desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita veio a tona, com o Código Civil de 2002 (Lei 10.406/02), uma vez que anteriormente somente estava prevista em microssistemas.

Outrossim, a desconsideração da personalidade jurídica, conhecida também como disregard doctrine fora aprovada na I Jornada de Direito Civil, por meio do Enunciado n.º 51 do Conselho da Justiça Federal que aludida teoria fica positivada, junto a lei 10.406/02 (CC), no entanto, ficam mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas que já integram o ordenamento jurídico, não necessitando que hajam mudanças na estrutura do instituto jurídico nos microssistemas que já o continham em seu bojo.

Para se coibir o abuso de direito ou até mesmo qualquer tipo de fraude, utilizando-se do ente dotado de personalidade jurídica, fora criada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a qual age de forma a superar os efeitos que a personalidade jurídica dá aos seus sócios atraindo as responsabilidades contraídas por estes ao seu patrimônio pessoal.

Infere-se que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica busca antes de mais nada, o desvirtuamento da empresa, dotada de personalidade jurídica no intendo de causar eventuais prejuízos a terceiros que com ela efetuam inúmeros tipos de negócios jurídicos.

Constata-se que a atividade empresarial, amparada pelo instituto da personalização, deverá ser conduzida de forma que atinja a sua função social, seguindo os ditames contidos em seus estatutos ou contratos sócias, bem como os princípios éticos que norteiam a sociedade em geral, primando sempre pela boa fé.

Nestes termos, a utilização de forma desconforme aos preceitos acima referendados, tem como consequência o esvaziamento patrimonial da empresa, com o fito de locupletar os sócios que a integral.

Sendo assim, é muito comum que os legítimos credores não consigam localizar patrimônio suficiente afim de saldar os créditos de que são titulares, deixando-os em total desconforto.

Entretanto, a adoção da desconsideração da personalidade jurídica se destaca como o instrumento adequado afim de obstar práticas que visam primeiramente gerar prejuízos a terceiros.

Contudo, a mera demonstração de prejuízo econômico, não é meio apto a ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, isto porque, os requisitos encontram-se enumerados nas leis atinentes a cada caso.

Após analisada a finalidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, mister se faz verificar os seus efeitos.

Verifica-se que desconsideração da personalidade jurídica possui como principal consequência ultrapassar a barreira da autonomia patrimonial existente entre a pessoa jurídica e seus sócios, atingindo consequentemente o patrimônio das pessoas físicas que integraram aludida organização empresarial.

Ademais, é episódico o efeito da desconsideração da personalidade jurídica, pois, não se perdurará para todos os negócios jurídicos celebrados entre a pessoa jurídica e as demais pessoas que integram o mundo dos negócios.

Vale ressaltar, que a desconsideração da personalidade jurídica, não busca dissolver definitivamente a pessoa jurídica em razão de ter praticado atos ilícitos, haja vista que trata-se de uma penalização ao sócio que age de forma a lesar seus credores, bem como inibir adoção de tais práticas pelo mundo empresarial.

No entanto, ainda tratando sobre o tema da aplicação do instituto da desconsideração a personalidade jurídica, necessário se faz transcrever o teor do Enunciado n.º 7 do Conselho da Justiça Federal, o qual fora aprovado na I Jornada de Direito Civil, o qual dispõe que:

só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.

Neste diapasão, constata-se que a desconsideração da personalidade jurídica, não tem como corolário atingir indistintamente todos os integrantes da pessoa jurídica, mas tão somente aos sócios que agiram de forma irregular, ou que contribuíram para esta finalidade, e principalmente aqueles que obtiveram algum tipo de vantagem ilícito com o ato ora em comento.

4.1 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, em se tratando de abuso de direito

Ab initio, insta ressaltar que a matéria atinente ao abuso de direito para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, se caracteriza quando o sócio ou até mesmo o administrador da pessoa jurídica, agindo em virtude da lei, ou  se atendo ao estatuto social da organização, sendo que embora haja autorização para a prática de certo ato como expressão regular do direito conferido, age de modo que acaba por causar prejuízo(s) a terceiro(s).

Isto porque, diversamente da fraude contra credores, no abuso do direito o ato em princípio aparentemente não possui a feição de ilicitude, mas mesmo assim não deve se sobrepor, uma vez que, encontra-se adstrito a sua finalidade social.

Nestes termos, em uma acepção conceitual, conforme anota Koury,  “o abuso de direito corresponde a um ‘mau uso’ do direito, ou seja, ao exercício normal de um direito, estando o seu titular, todavia, desviado do fim econômico social para o qual aquele direito foi criado.”.

Assim sendo, o abuso de direito, pode ser evidenciada, de maneira exemplificativa, quando o sócio majoritário e controlador, de um determinado grupo de empresas deixa de cumprir as obrigações oriundas das sociedades as quais são dependentes, obrigando-as a se submeter aos interesses da organização controladora.

O abuso, no caso em tela, trata-se da intenção em se aproveitar de uma situação de fraude criada, onde, por outro lado, viabilizando-se no final o alcance de outras vantagens ilícitas.

4.2 Teorias da desconsideração da personalidade jurídica - Teoria maior e teoria menor

Ambas as teorias que versam sobre a desconsideração da personalidade jurídica explicam as formulações que existem a partir dos requisitos a serem preenchidos para sua regular aplicação.

Explica Garcia (2009, p. 204) que “a teoria maior tem base sólida e se trata da verdadeira desconsideração, vinculada à verificação do uso fraudulento da personalidade jurídica, ou seja, apresenta requisitos específicos para que seja concretizada”.

Aplicando-se a teoria maior, adotada pelo Código Civil Brasileiro, a desconsideração da personalidade jurídica só surtirá efeitos se por ventura forem preenchidos e demonstrados os requisitos legais, os quais configuram o abuso do direito na utilização da pessoa jurídica por seus sócios.

Por outra banda, Manjinski denota que, para a teoria menor “bastaria para a caracterização da desconsideração a mera comprovação da insolvência da pessoa jurídica, sem aferir nenhum desvio, confusão patrimonial e nem irregularidade do ato”.

Assim sendo, podemos verificar que é muito ampla a hipótese para que haja a desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que basta a mera insolvência para ser aplicada, não se atendo ao preenchimento dos demais requisitos, presumindo-se o abuso de direito no uso da sociedade personificada.

Aludida teoria é aplicada, quando se trata dos sistemas jurídicos protetivos, uma vez que se justifica na impossibilidade de se efetuar a transferência a terceiros dos riscos aplicáveis as atividades exploradas pelas pessoas jurídicas, e, em virtude disso, são os sócios quem se beneficiam das atividade exploradas pela sociedade personificada, devendo por via de consequência, arcar com as obrigações surgidas.

Nestes termos, ressaltamos que é o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Crimes Ambientais que adotam a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica.

Senão vejamos:

Art. 28 da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor): O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Art. 4º da Lei n.º 9.605/98 (Lei que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente): Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

O Código de Defesa do Consumidor, até então vigente, logo em seu art. 28, incluir a conhecida “Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica”, isto porque, o juiz togado poderá efetuar a desconsideração da personalidade jurídica, quando, em prejuízo do consumidor, que é o elo hipossuficiente da relação consumerista, se notar a ocorrência de abuso de direito, infração da lei, fato ou ato ilícito, excesso de poder, ou até mesmo, evidenciar-se a violação do contrato social ou dos estatutos que regem suas funções sociais.

Ademais, também será efetivada a desconsideração da personalidade jurídica quando a sociedade estiver em estado de insolvência, falência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica ocasionada em virtude da má administração. Outrossim, o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor denota a finalidade precípua erigida no diploma processual e material ora em comento, visando antes de tudo, a proteção integral do consumidor, abrangendo hipóteses mais amplas em que se poderá operar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária.

E também, deve-se mencionar, como já dissemos, o abuso de direito disciplinado no caput do  artigo 28 do CDC deve buscar sua interpretação  como o exercício do que por ventura acabe por ferir a finalidade social a que se destina a pessoa jurídica, onde se restará configurado que um titular de direito age de forma mais danoso a outrem.

 Desta forma, de forma elucidativa, o até então mencionado abuso de direito ocorrerá, quando algum fornecedor de bens ou de serviços, galgado na força normativa ou ainda em observância aos estatutos sociais, praticar especificado ato, de maneira à eventualmente lesar o consumidor. Igualmente, abrangerá a teoria em comento, quando ocorrer à infração à lei, onde se poderá tornar o fornecedor responsável pela digressão da lei praticada pela sociedade, vindo a gerar danos de ordem patrimonial ou moral ao(s) consumidor(es).

E, continuando a exemplificação, outra hipótese a ser narrada, que encontra-se disposta no CDC é, quando houver excesso de poder por parte do fornecedor, ou seja, quando os atos causadores da lesão perante o consumidor for ocasionado por pessoa que não detenha poderes específicos previstos no estatuto ou no contrato social, evidenciando-se, nesta situação a responsabilização pessoal e direta do administrador da sociedade personificada.

Insta salientar que a infração a lei, pode ser considerada quando houver violação direta e literal a qualquer dispositivo legal, em virtude da prática de ato quaisquer atos ilícitos, sendo criado obrigatoriamente ao agente, a responsabilidade de reparar os danos promovidos, o que será objeto de determinação e regulação pela legislação civil.

Já o Diploma Civil, em seu art. 50, adota a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que, é necessária a configuração de certos requisitos, os quais serão a seguir analisados.

4.3 Requisitos da desconsideração da personalidade jurídica

Assim sendo, como já fora categoricamente afirmado nas linhas antecedentes, o Diploma Civil diferentemente do Código de Defesa do Consumidor, adotou a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, exigindo-se a mera caracterização da insolvência da pessoa jurídica, para que possa ser aplicado referido instituto.

Neste diapasão, o Código Civil necessita que primeiro sejam preenchidos certos requisitos legais para que possa se aplicar o instituto jurídico da desconsideração da personalidade jurídica.

Com isso, o art. 50 do CC, estabelece que: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Ab initio, insta ressaltar que o juiz de ofício não poderá aplicar a desconsideração da personalidade jurídica, onde se dependerá inicialmente de requerimento do Ministério Público, quando lhe couber intervir nos autos como fiscal da lei, ou como parte interessada no deslinde da demanda.

Vale mencionar também, a desnecessidade de propositura de uma ação autônoma, para que se haja a desconsideração da personalidade jurídica, onde consequentemente, se buscará bens capazes de adimplir o débito, diretamente no patrimônio do sócio que esteja ligado a prática de condutas abusivas que permitam a aplicação da desconsideração.

Assim sendo, é possível que se o requerimento de desconsideração da personalidade jurídica, pelo Ministério Público ou pela própria parte, ocorra na fase de cumprimento de sentença ou inclusive em ação de execução autônoma.

Assim, já é possível evidenciar-se que é requisito para a desconsideração da personalidade jurídica o pedido expresso do interessado na medida, admitindo-se o pedido realizado pelo Ministério Público na qualidade de custos legis, tornando dispensável dispensando, a propositura de ação autônoma para tal finalidade.

Ademais, como requisito principal para a configuração da hipótese de aplicação da desconsideração, apresenta-se o abuso da personalidade jurídica pelos sócios e/ou gestores.

A caracterização do uso abusivo da personalidade jurídica é verificada com a ocorrência do desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, conforme trazido pelo próprio Código Civil no dispositivo citado.

Infere-se que o legislador preferiu indicar a maneira de constatação do abuso da personalidade jurídica, que na verdade trata-se de um verdadeiro abuso de direito na gestão da pessoa jurídica.

Cavalin (2013) cita como exemplos de uso abusivo da pessoa jurídica a constituição de sociedades fictícias; operações societárias com fins dissimulados; celebração de negócios jurídicos espúrios; promiscuidade entre o patrimônio da sociedade e o dos sócios.

Para Farias “o desvio de finalidade tem ampla conotação e sugere uma fuga dos objetivos sociais da pessoa jurídica, deixando um rastro de prejuízo, direto ou indireto, para terceiros ou mesmo para outros sócios da empresa”. (FARIAS, 2009, p. 386)

É possível verificar o desvio de finalidade na hipótese do gestor da pessoa jurídica contrair obrigações cujo objeto seja diverso e até mesmo desnecessário para as atividades exploradas pela sociedade, sem que esta tenha suporte financeiro para cumprir a obrigação.

Seria o caso de uma sociedade cujo objeto social seja a comercialização de gêneros alimentícios, no entanto, seu gestor passar a adquirir terrenos para edificação, sem possuir suporte financeiro para arcar com as obrigações assumidas.

É evidente, neste caso, que o sócio desviou da finalidade social da pessoa jurídica. Em que pese não ser ilícito o fato da pessoa jurídica adquirir imóveis, observa-se que houve abuso do gestor, já que comprometeu o capital social da pessoa jurídica em atividade diversa da explorada.

No tocante a confusão patrimonial, Farias aponta tratar-se da hipótese em que o “sócio utiliza o patrimônio da pessoa jurídica para realizar pagamentos pessoais e vice-versa, atentando contra a separação das atividades entre empresa e sócio”. (FARIAS, 2009, p. 386)

A confusão patrimonial é de fácil constatação, já que basta a verificação de desrespeito da autonomia patrimonial, inerente à pessoa jurídica.

Saliento ainda, que as hipóteses configuradoras do abuso da personalidade jurídica, quais sejam, desvio de finalidade e confusão patrimonial, são tidas pela doutrina e jurisprudência como hipótese objetivas, no sentido de prescindir a demonstração de intuito fraudulento do sócio e/ou gestor na pratica do ato.

Nesta senda, Ramos afirma que: “Hodiernamente, todavia, tem-se tentado estabelecer critérios mais seguros para a aplicação da teoria da desconsideração, sem que seja necessária a prova da fraude, ou seja, sem que seja preciso demonstrar a intenção de usar a pessoa jurídica de forma fraudenta. Adota-se, pois, uma concepção objetivista da disregard doctrine, segundo a qual a caracterização do abuso de personalidade pode ser verificada por meio da analise de dados estritamente objetivos, como o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.” (RAMOS, 2013, p. 407)

Por fim, como síntese da configuração das hipóteses da desconsideração da personalidade jurídica, repercute-se o entendimento de Bruscato que afirma que: “Sempre que o ônus ficar para a pessoa jurídica e a vantagem for para os titulares das quotas sociais ou terceiros por eles beneficiados, embora a aparência de legalidade, estaremos diante de um caso que comporta desconsiderar a personalidade jurídica”. (BRUSCATO, 2008)

Nesta senda, após firmado negócio jurídico, utilizando-se apenas do nome desta, ou, em outras palavras, sem que esta saboreie os benefícios desta relação jurídica, ficando apenas com os encargos, onde mesmo que surja a possível aparência de licitude, se evidencia de forma lidima, a configuração do abuso de direito, onde a prática de tal ato poderá caracterizar as hipóteses da desconsideração da personalidade jurídica.

4.4 Aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária

A aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária gerou diversas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.

Para uns, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito tributário seria inaplicável, em razão da inexistência de expressa previsão legal. Sob essa perspectiva, a legalidade estrita, característica do direito tributário, impediria a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, exceto na hipótese de expressa previsão legal. No direito tributário, o objeto da regulação – direito à liberdade e direito à propriedade - impediria a aplicação da teoria sem expressa previsão legal. Em outras palavras, no direito público somente é permitido o que determina a lei (em oposição ao direito privado, em que é permitido tudo que não é proibido). Os valores da certeza e da segurança jurídica possuem lugar privilegiado nesse entendimento.

Para outros, a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária seria plenamente aplicável, e se daria com fundamento no artigo 135 do Código Tributário Nacional, dentre outros, que possuiriam os elementos centrais da teoria da desconsideração. Sob essa perspectiva, em diversas normas do Código Tributário Nacional haveria previsão para o afastamento de qualquer dificultador da identificação exata e clara do sujeito passivo do tributo, a exemplo do artigo 149, inciso VII. Por conseguinte, a existência de pessoa jurídica a obstaculizar a tributação de pessoa física, efetivo sujeito passivo da obrigação tributária, não impede o Fisco de desconsiderá-la (a pessoa jurídica) para fins de tributação. O Código Tributário Nacional, como visto, permite a desconsideração, a partir da leitura de diversos de seus artigos.

Com o advento do Novo Código Civil em 2002, o artigo 50 fez previsão expressa da desconsideração da personalidade jurídica, razão pela qual se defendeu a aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária com fundamento no mencionado dispositivo. Para os defensores desse entendimento, a desconsideração da personalidade jurídica seria cabível em âmbito tributário, desde que respeitados os pressupostos da lei cível, quais sejam, abuso de personalidade jurídica na forma de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

Por fim, há entendimento pela aplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica com fundamento em que o Direito deve reprimir o uso abusivo das estruturas jurídicas, mesmo sem norma expressa, pois este é um princípio basilar da Teoria Geral do Direito. Sob essa perspectiva, o abuso de direito é um instituto da Teoria Geral do Direito, razão pela qual poderia ser aplicado a qualquer ramo dele. O direito à personalidade jurídica é tutelado juridicamente em razão da necessidade de fomentar a atividade econômica e como paliativo aos riscos corridos pelo empresário na consecução de atividade econômica. Tal direito, entretanto, não deve ser utilizado de maneira abusiva, por exemplo, para fraudar as leis tributárias, pois deixariam de ensejar a proteção do ordenamento jurídico – a desconsideração da personalidade jurídica seria a solução jurídica para o desvio de função da personalidade jurídica.

4.5 Requisitos para desconsideração da personalidade jurídica em direito tributário

Em se tratando de Direito Tributário, os requisitos para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica não se limitam a aqueles previstos no Código Civil de 2002, mas sim, aos decorrentes dos princípios constitucionais, da perspectiva sistêmica de ordenamento jurídico e da essência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Há entendimento no sentido de que os pressupostos de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária são os expressamente previstos no artigo 50 do Código Civil. Nessa linha, o abuso de finalidade e a confusão patrimonial seriam os elementos para, ao caracterizar o abuso da personalidade jurídica, justificar a desconsideração da pessoa jurídica.

As causas ou eventos passíveis de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica seriam o abuso de personalidade caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Ainda que ocorridos outros eventos a caracterizar o desvio de função e, em tese, a ensejar a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, o ordenamento jurídico não poderia coibir o abuso, pois suas características não estariam previstas expressamente na norma cível:

[...] a teoria da desconsideração é sanção à prática do abuso de direito à personalidade jurídica. Nestes termos, ato abusivo é aquele que se exterioriza a partir de seu exercício irregular ou anormal, sendo, de acordo com o art. 187 do CC, aquele que manifestamente excede os limites impostos pelos fins econômicos e sociais do próprio direito em exercício. Apercebendo-se dessas características, o legislador do Código Civil de 2002, no art. 50, resolveu incluir como requisitos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica dois critérios de aferição da conduta abusiva: o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. Assim, em um caso concreto, não haverá abuso à personalidade se não for provada a existência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. (grifo nosso)

Uma interpretação pautada nos princípios constitucionais, bem como no caráter sistemático do ordenamento jurídico, não albergam o entendimento acima. As hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica poderiam não se compatibilizar com os pressupostos prescritos na lei civil, quais sejam, abuso de direito caracterizado pelo desvio de finalidade e pela confusão patrimonial, ou, em outras palavras, nem sempre o abuso do direito previsto no Código Civil será realizado pelos pressupostos acima mencionados. Ademais, nem sempre se trata de abuso, como na possibilidade de ocorrência de fraude à lei, dentre outros exemplos.

Em relação à fraude à lei, no ramo tributário, há entendimento pela inclusão dela como espécie do gênero abuso de direito, ou mesmo pela aplicação da desconsideração aos casos de fraude, sem especificar se se trataria de abuso de direito ou desvio de finalidade.

O entendimento pela aplicação da desconsideração da personalidade jurídica a partir do artigo 50 do Código Civil é restritivo. Percebe-se, aqui, que o apego estrito aos conceitos de abuso de direito, fraude à lei, não podem amesquinhar a aplicação da teoria. A título de exemplo, entendimentos restritivos do ordenamento jurídico, em especial no ramo tributário, podem, a partir da distinção entre abuso de direito e fraude à lei, afirmar a impossibilidade de desconsideração com fundamento naquela (fraude).

Mas o uso da pessoa jurídica para fins ilegítimos, para a realização de ilícito, deve permitir a desconsideração da personalidade jurídica, nos exatos termos utilizados por Alexandre Couto SILVA:

A desconsideração da personalidade jurídica ocorrerá quando o conceito de pessoa jurídica for utilizado para promover fraude, evitar o cumprimento de obrigações, obter vantagens da lei, perpetuar o monopólio, proteger a prática do abuso de direito, propiciar a desonestidade, contrariar a ordem pública e justificar o injusto. Nessas hipóteses, o Judiciário deverá ignorar a pessoa jurídica, considerando-a como associação de pessoas naturais, buscando a justiça. A pessoa jurídica deve ser, obrigatoriamente, utilizada para fins legítimos, e não para negócios escusos, situação em que deverá ser desconsiderada. Entretanto, a desconsideração deve ser a exceção, não a regra.

Os requisitos para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária não são unicamente os previstos no Código Civil de 2002, mas os decorrentes dos princípios constitucionais, da perspectiva sistêmica de ordenamento jurídico e da essência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

A função social da empresa, como corolário da função social da propriedade e princípio constitucionalmente previsto nos artigos 5º, inciso XXIII e 170 da Constituição Federal, é determinante para a análise da desconsideração da personalidade jurídica. A opção por considerar o Código Civil como único a pautar a desconsideração não pressupõe o influxo dos princípios e valores constitucionais no ordenamento jurídico nem o caráter sistemático daquele.

O cumprimento da função social da empresa é indispensável à manutenção do regime jurídico da pessoa jurídica. O descumprimento pela sociedade (pessoa jurídica) dos fins a que está sujeita não deve ser tolerado pelo ordenamento jurídico. O uso da pessoa jurídica para fins que o direito não tolera pode ser realizado por fraude à lei, ou de outras formas, mas, em razão da previsão apenas do abuso do direito, não seria passível de desconsideração em matéria tributária? O entendimento ignora a positividade dos valores albergados constitucionalmente, a função social da empresa, bem como olvida o dever-poder que o Fisco possui de afastar realidades meramente formais.

O ordenamento jurídico entendido como sistema também privilegia a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária a partir de requisitos mais amplos que os previstos no Código Civil. Em outras palavras, aplicar rigorosamente o Código Civil em matéria tributária, no caso da desconsideração, não privilegia uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, ou privilegia de uma maneira restritiva e parcial.

Mesmo a partir de normas positivadas expressamente no ordenamento jurídico, a Constituição Federal, ao assegurar o cumprimento da função social da propriedade (art. 5º, inciso XXIII e artigo 170, inciso III), o Código Tributário Nacional, especificamente no parágrafo único do artigo 116, e genericamente nos artigos 149, inciso VII e outros, não são considerados nessa análise restritiva dos requisitos para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária.

Ao Fisco sempre foi possível, conforme Aldemário Araújo CASTRO, afastar meras formalidades em detrimento da materialidade da obrigação tributária e, em especial, de seu sujeito passivo, nos termos do artigo 149, inciso VII do Código Tributário Nacional.

Pela leitura do dispositivo legal, o ordenamento jurídico tributário sempre proibiu a fraude como meio de afastar a incidência da norma tributária. A interpretação restritiva, pela inclusão apenas do abuso de direito como requisito para a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, não considera, como dito, dispositivos tributários proibitivos da fraude, ou condutas para utilização da pessoa jurídica para fins ilegítimos, dentre outras condutas.

Da mesma maneira, o artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional pretende reprimir “realidades meramente formais ou artificiais (realidades falsas), dificultadores da perfeita identificação do sujeito passivo”, ou o abuso de direito, o que o autoriza a ser fundamento jurídico da desconsideração da personalidade jurídica em âmbito tributário.

Assim, a interpretação sistemática restritiva ou parcial a qual nos referimos anteriormente é considerar apenas o Código Civil, e não o ordenamento jurídico como um todo unitário, como critério para determinação dos pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. A unidade normativa do sistema e a adequação valorativa têm por consequência a necessidade de o sistema coibir práticas contrárias ao direito e, no caso da desconsideração da personalidade jurídica, em descumprimento da função social da empresa ou em utilização daquela para prática de condutas ilícitas.

A filiação ao sistema jurídico românico-germânico, todavia, ainda serve de justificativa para a exigência de normas expressamente positivadas no sistema, e em um específico dispositivo legal. Nesse sentido a advertência de Humberto ÁVILA:

[...] Então, para que servem esses dispositivos? Eles têm uma eficácia prática, porque, no Brasil, em que predomina uma formação positivista, boa parte dos operadores do Direito é – fazendo um paralelo com a filosofia – cética, só acredita vendo, de tal sorte que só há normas se houver a possibilidade de ver onde elas estão. Quando a esses dispositivos, a aplicação serve como uma espécie de bengala: serve de apoio.

Com fundamento na essência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, e ainda numa perspectiva sistemática, na própria doutrina cível o artigo 50 do Código Civil é objeto de restrições. Gustavo TEPEDINO não poupou críticas:

[...] ao contrário do legislador consumerista, o recodificador condicionou a ‘extensão aos bens particulares dos administradores ou sócios dos efeitos de certas determinadas relações jurídicas’ à provocação da parte interessada ou do parquet; ainda mais restritivamente, só possibilitou tal extensão nos casos de ‘confusão patrimonial’ ou abuso, enquanto o CDC, no §5º do art. 28, permite a inobservância do princípio da separação sempre que ele impedir o pleno ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores. (grifo nosso)

Assim, na linha da advertência de TEPEDINO, a expressão acima mencionada pode municiar os que buscam brechas em textos legais para fugir ao adimplemento de obrigações. De volta à essência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mesmo no direito civil e comercial há entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário pela aplicação da desconsideração da personalidade jurídica aos casos de fraude ou abuso do direito.

De forma mais ampla, há entendimento pela aplicação da desconsideração nos casos de desvio de função, caracterizado pelo uso fraudulento ou abusivo do instituto. Isso porque, conforme afirmado pelos autores acima mencionados, a essência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem por fulcro a fraude e o abuso, que são formas de evidenciar o desvio de função, e por finalidade a repressão de tais condutas.

Por outro lado, mesmo em âmbito tributário, não só o abuso ao direito, mas também a fraude à lei é considerada requisito para a desconsideração da personalidade jurídica, bem como a utilização da pessoa jurídica para dificultar a identificação do sujeito passivo e, por conseguinte, para utilizá-la para atingir fins ilegítimos e ilegais. Há ainda entendimento pela inclusão da fraude à lei tributária como espécie do gênero abuso de direito. Enfim, a interpretação literal do Código Civil de 2002 não é empecilho à desconsideração da personalidade jurídica em caso de fraude à lei, ou para afastar “realidades meramente formais ou artificiais (realidades falsas), as quais criam empecilhos no tocante a perfeita identificação do sujeito passivo”, a caracterizar eventual utilização da pessoa jurídica de forma ilegítima e ilegal.

4.6 A desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho

É possível evidenciarmos que as matérias atinentes a desconsideração da personalidade jurídica passou a afigurar como instrumento de grande valia no Direito Pátrio.

Isto porque, A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 2º, §2º, abarca a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, quando várias pessoa jurídicas, muito embora regidas e dotadas de personalidade jurídica própria, tornam para os efeitos da legislação trabalhista, empresas solidariamente responsáveis pelos créditos trabalhistas existentes,  sempre que uma ou mais empresas, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, tornando-se, para os efeitos da relação empregatícia, solidariamente responsáveis, a empresa principal e cada uma das quais se subordinam.

Tendo como suporte as ponderações supra mencionadas, denota-se que a Consolidação das leis do Trabalho não apresenta como fator imprescindível a presença de prova de fraude e nem mesmo de abuso de direito para que empresa, do mesmo grupo da empresa empregadora, seja responsabilizada pelos débitos de ordem trabalhista, sendo considerado este princípio como o do “conditio sine qua non” para haja a responsabilidade solidária de todos os entes que compõe a organização, integrantes do mesmo conglomerado.

Assim sendo, trazemos a colação as lições de Amador Paes de Almeida:

 […] nenhum ramo do direito se mostra tão adequado à aplicação da teoria da desconsideração do que o direito do trabalho, até porque os riscos da atividade econômica, na forma da lei, são exclusivos do empregador […] No direito do trabalho a teoria da desconsideração da pessoa jurídica tem sido aplicada pelos juízes de forma ampla, tanto nas hipóteses de abuso de direito, excesso de poder, como em casos de violação da lei ou do contrato, ou, ainda, na ocorrência de meios fraudulentos, e, inclusive, na hipótese, não rara, de insuficiência de bens da empresa, adotando, por via de consequência, a regra disposta no art. 28 do Código de Proteção ao Consumidor.

Conforme se verifica, pode se assinalar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aplicada de modo abrangente no ramo do Direito do Trabalho. Ao passo que, por oportuno, deve-se registrar o que preleciona o art. 2º, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, onde se busca tão somente, a fixação da responsabilidade solidária entre as organizações que compõem o mesmo grupo econômico na busca da satisfação dos débitos de ordem trabalhista.

Assim sendo, a regra é que o descumprimento dos direitos trabalhistas configuram o “desvio de finalidade”, sendo este um conceito legislativo indeterminado disposto no art. 50 do Código Civil (Lei 10.406/02), onde se permite que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica, com o fito de fazer com que certas e determinadas relações e obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da empresa.

Nestes termos, vejamos os precedentes jurisprudenciais relativos a matéria ora em comento:

Ementa: Desconsideração da Personalidade Jurídica da Executada. Responsabilidade Pessoal do Sócio. O descumprimento dos direitos trabalhistas configura o “desvio de finalidade”, conceito legal indeterminado presente no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, que permite a desconsideração da pessoa jurídica. Logo, exauridas as tentativas de execução contra a pessoa jurídica, cabe deferir o redirecionamento da execução aos sócios da executada. Apelo a que se nega provimento.” (Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região/ Agravo de Petição Nº 0156100-55.1997.5.04.0291/ Relatora Desembargadora Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo/ Julgado em 09.06.2011) (destaquei)

Ementa: Agravo de Petição da Executada. Direcionamento de Execução contra Sócio. Justifica-se o direcionamento da execução contra os sócios da executada, quando exauridas todas as possibilidades de pagamento da dívida, além de ter a empresa encerrado suas atividades sem a satisfação do credor trabalhista. Precedentes. Recurso desprovido.” (Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região/ Agravo de Petição n. 0164400-42.2006.5.04.0662/ Relator Desembargador Denis Marcelo de Lima Molarinho/ Julgado em 24.09.2009) (destaquei)

Nesta senda, pode-se evidenciar que da mesma forma como ocorre no Código de Defesa do Consumidor, a CLT visa oferecer a integral proteção ao elo hipossuficiente da relação laboral, ou seja, ao trabalhador, com vistas a tutelar a igualdade entre as partes que litigam em demandas judiciais da seara trabalhista.

Assim, denota-se que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, no ramo do direito do trabalho, se tenta respaldar a parte mais vulnerável da relação laboral, quando se denotar que houvera o encerramento das atividades da empresa sem antes ter saldado os créditos trabalhistas.

5 DA AÇÃO PAULIANA

Ao estudar aludida ação, estuda-se a própria história do direito, como ciência, em virtude de sua grande importância na evolução do direito como um todo.

Nos primórdios, os devedores nas civilizações antigas respondiam com o próprio corpo por suas obrigações financeiras, sendo que o não cumprimento dessas obrigações colocava-o em uma situação análoga à dos escravos, ocorrendo por tanto, uma execução corporal.

O atual Código Civil manteve o sistema do anterior, segundo o qual a fraude contra credores acarreta a anulabilidade do negócio jurídico.

Não adotou, assim, a tese de que se trataria de ineficácia relativa, defendida por grande parte da doutrina, segundo a qual, demonstrada a fraude ao credor, a sentença não anulará a alienação, mas simplesmente, como nos casos de fraude a execução, declarará a ineficácia do ato fraudatório perante o credor, permanecendo o negócio válido entre os contratantes, o devedor alienante e o terceiro adquirente.

A fraude contra credores, que vicia o’ negócio’ de simples anulabilidade é atacável por ação pauliana ou revocatória, movida pelos credores quirografários (sem garantia). que já o eram ao tem­po da prática desse ato fraudulento que se pretende invalidar.

O direito evoluiu drasticamente nesta seara, sendo que em razão da Lex Poetelia Papiria em Roma e mais tarde do Pacto de San José da Costa Rica, a execução do devedor, transferiu-se de seu corpo para o seu patrimônio, sendo que o devedor não mais poderia ser escravizado ou sofrer qualquer tipo de penalidade que atingisse sua integridade física, ficando o credor, apenas, com o direito de executar seu crédito sobre o patrimônio do devedor.

Nesta senda, deixou o devedor atualmente de responder fisicamente por dívidas oriundas da vida civil, salvo quando se tratar de créditos de natureza alimentar, inclusive por possuir previsão legal na Constituição Federal.

Com a evolução da sociedade e consequentemente do direito, faz se mister que os credores movimentem a máquina judiciária para ver seu direito de crédito resguardado, possuindo o Poder Judiciário por meio de seus procedimentos, o condão de expropriar bens dos devedores. 

Contudo, nem sempre os procedimentos de expropriação contidos no Diploma Processual Civil e principalmente em razão da morosidade no deslinde das ações, o Poder Judiciário tem demonstrado sua ineficiência para evitar que malfeitores consigam burlar a Lei e efetivar suas tramas, com a sede inesgotável de se locupletar em prejuízo daqueles que possuem direitos de crédito.

A fraude contra credores está sempre presente através de qualquer artifício, manobra intencional, utilizada pelo devedor com o intuito de escusar-se do pagamento de sua dívida ao credor, consistente na alienação de bens capazes de satisfazer a pretensão legítima do detentor de um crédito, enquanto que à ação pauliana visa à desconstituição desta alienação fraudulenta e a retomada do objeto (bem imóvel) ao patrimônio do devedor para satisfazer um crédito pré-existente.

O intuito da fraude consiste na intenção do devedor em prejudicar o(s) credor(es), cuidando a própria Lei de estabelecer uma série de casos em que a fraude é presumida, ante a dificuldade da respectiva prova. Assim, a Ação Pauliana, concede ao interessado a faculdade de pleitear á anulação da alienação fraudulenta, possuindo como requisitos para propositura de referida ação o: consilium fraudis e o eventos damni.

O consilim fraudis, segundo Washington de Barros Monteiro “é a má fé, o intuito malicioso de prejudicar”. O eventos damni, segundo o mesmo autor é: “todo ato prejudicial ao credor, por tornar o devedor insolvente, ou por ter sido praticado em estado de insolvência”.

No Brasil, o único requisito exigido é o eventos damni, onde aceita-se que a fraude é presumida com a ocorrência somente ao elemento objetivo.

Nesta senda, a Ação Pauliana tem cabimento ante a ocorrência de qualquer ato fraudulento e lesivo das garantias do credor, que são compostas pelos bens integrantes do patrimônio do devedor, sendo passível de revogação os atos onerosos e gratuitos, alienações em geral, constituições de direito, mormente os reais, remissão de dívidas, pagamento ou garantia de dívidas não vencidas, doações, repúdio de herança entre outros.

Importante indicar que a ação pauliana ou revocatória é por sua natureza jurídica, ação de anulação de ato(s) jurídico(s) lesivo(s) ao interesse de credores. Nesse sentido é o entendimento de José Arnaldo Vitagliano:

No sistema do nosso Direito Civil, a ação pauliana é inquestionavelmente uma ação de anulação; destina-se a revogar o ato lesivo aos interesses dos credores, tem por efeito restituir ao patrimônio do devedor insolvente o bem subtraído, para que sobre o acervo assim integralizado recaia a ação dos credores e obtenham estes a satisfação de seus créditos; em suma, a ação pauliana tende a anulação do ato fraudulento, fazendo reincorporar ao patrimônio do devedor o bem alienado.

A matéria que trata do vício social de fraude contra credores, alvo da ação pauliana ou revocatória, aloca-se entre os artigos 158 e 165 do Código Civil, prevendo as hipóteses permissivas de anulação do negócio jurídico quando verificada situações de presunção de fraude.

Na ocorrência da realização de negócio jurídico de transmissão gratuita ou que propriamente reduzam o devedor à situação de insuficiência de garantias patrimoniais. No entanto, a lei exige o requisito da contemporaneidade, ou seja, o polo ativo deverá necessariamente ser credor à época do ato jurídico objeto de anulação.

Ressalte-se que a ciência pelo devedor de sua redução ao estado de insolvência é dispensável para a anulação do ato pela ação pauliana.

5.1 Legitimidade ativa na propositura da ação pauliana

Só estão legitimados a ajuizar ação pauliana os credores quirografários e que já o eram ao tempo da alienação fraudulenta (art. 158, caput, e §2º - CC).

Os que se tornaram credores depois da alienação já encontraram desfalcado o patrimônio do devedor e mesmo assim negociaram com ele. Nada podem, pois, reclamar.

Os credores com garantia real não podem, em princípio, ajuizá-la porque já existe um bem determinado especialmente afetado à solução da dívida. Se for alienado, o credor privilegiado poderá exercer o direito de sequela, penhorando-o nas mãos de quem quer que esteja. Poderão propô-la, no entanto, se a garantia se tornar insuficiente (art. 158, §1º - CC).

5.2 Legitimidade passiva na propositura da ação pauliana

A ação pauliana deve ser proposta contra o devedor insolvente e também contra a pessoa com quem ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, bem como contra terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé (art. 161, CC).

Em regra a revocatória deve­rá ser intentada contra o devedor insolvente, seja em caso de transmissão gratuita de bens, seja na hipótese de alienação onerosa, tendo-se em vista que tal ação visa tão-somente anular um negócio celebrado em prejuízo do credor.

Mas nada obsta a que seja movida contra a pessoa que com ele veio a efetivar o ato fraudulento ou contra terceiro adquirente de má-fé. Logo, poderá ser proposta contra os que intervieram na fraude contra credores, citando-se todos que nela tiverem tomado pane. “O litisconsór­cio, na ação pauliana, é obrigatório. Não podem as partes dispensá-lo” (RT, 447/147).

Embora o dispositivo legal use o verbo “poderá”, que dá a impressão de ser uma faculdade do credor propor a ação contra todos, na verdade ele assim deverá proceder para que a sentença produza efeitos em relação também aos adquirentes (art. 472, CPC). De nada adianta acionar somente o alienante se o bem se encontra em poder dos adquirentes.

O contratante ou adqui­rente de boa-fé, sendo o ato a título gratuito, embora não tenha o dever de restituir os frutos percebidos (art. 1.214, CC) nem o de responder pela perda ou deterioração da coisa, a que não deu causa (art. 1.217, CC), tendo, ainda, o direito de ser indenizado pelas benfeitorias úteis e ne­cessárias que fez (art. 1.219, CC).

O adquirente de boa-fé, sendo o negócio oneroso, hipótese em que, com a revogação do ato lesivo e restituição do bem ao patrimônio do devedor, se entregará ao contra­tante acionado a contraprestação que forneceu, em espécie ou no equi­valente.

Quem receber bem do devedor insolvente, por ato oneroso ou gratuito, conhecendo seu estado de insolvência, será obrigado a devolvê-lo, com os frutos percebidos e percipiendos (art. 1.216, CC), tendo, ainda, de indenizar os danos sofridos pela perda ou deterioração da coisa, exceto se demonstrar que eles sobreviriam se ela estivesse em poder do devedor (art. 1.218, CC). Todavia, resguardado estará seu di­reito à indenização das benfeitorias necessárias que, porventura, tiver feito no bem (art. 1.220, CC).

5.3 Decadência da ação pauliana

      

O prazo decadencial para da Ação Pauliana é de 04 (quatro) anos, onde se pleiteará a anulação do negócio jurídico, o qual será contado na seguinte forma: a) no caso da coação, do dia em que ela cessar; b) no caso do erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; c) ato de incapaz, do dia em que cessar a incapacidade.

5.4 Correntes doutrinárias sobre os efeitos da sentença da ação pauliana

Vige tanto na doutrina e na jurisprudência, sobre os efeitos da sentença de procedência do pedido formulado na ação pauliana, que decreta a fraude contra credores. A primeira corrente entende que ela gera apenas e tão-somente a ineficácia relativa do ato, já a segunda a sua anulabilidade.

5.5 Anulabilidade do ato

Quando se discorre a respeito da corrente da doutrina que crê que a Ação Pauliana possui o condão de se anular o ato fraudulento, tornando com que o bem retome ao patrimônio do devedor. Tanto o anterior código civil revogado como o advento do Código Civil de 2002 há menção expressa que são anuláveis os atos praticados em fraude contra credores fazendo que o bem retorne ao patrimônio do devedor.

É notório que os atos praticados mediante fraude em prejuízo dos credores diminuem o patrimônio do devedor, fazendo com que este se torne incapaz de adimplir com seus compromissos, firmados com os credores constituídos previamente, tornando-se, portanto, insolvente.

Ao comentarem o art. 165 do CC Nelson Nery Jr e Rosa Maria Nery elaboram interessante raciocínio em prol da anulabilidade do ato, e assim nos ensinam:

“No Brasil ex vi legis, a fraude contra credores enseja a anulação do negócio fraudulento. Ao escrevermos sobre o tema, num primeiro momento, também pensávamos que se deveria dar à fraude contra credores o tratamento da ineficácia, seduzidos que estávamos pelas idéias importadas, sem reservas do direito civil italiano. (Nery, Vício do ato jurídico e reserva mental, 1983). Posteriormente escrevemos em outro sentido, modificando nossa opinião anterior como a lei brasileira havia adotado, propositadamente, o sistema da anulabilidade do ato ou negócio havido em fraude contra os credores, seria insustentável de lege lata a opinião de que se trataria de ato ou negócio ineficaz.”

A disposição do CC vigente é a de que os atos praticados em fraude contra credores serão anulados e não simplesmente ineficazes, portanto, beneficiarão todos os credores pré-constituídos e não apenas o autor da ação pauliana ou revocatória.

Se o legislador quisesse assemelhar a fraude contra credores com a fraude à execução, de certo o teria feito, porém, pela redação dos artigos que tratam da fraude contra credores é correto se concluir que tais atos serão anuláveis.

Nos sistemas jurídicos que admitem a revogação do negócio jurídico por fraude contra credores, admite-se que o credor retire a voz do devedor (revogação), ao passo que, em nosso sistema jurídico, se permite que o credor, alegando a fraude, peça a decretação da anulação do negócio entre devedor e terceiro. São dois sistemas que se baseiam em concepções diversas, mas que atingem o mesmo resultado prático.

Com o retorno dos bens alienados ao patrimônio do devedor antes considerado insolvente, beneficiando, portanto, todos os credores, como aliás, bem esclarece Sílvio Rodrigues:

A ação revocatória tem por efeito anular os atos praticados em fraude. De modo que julgada procedente a vantagem porventura advinda do ato fraudulento reverte em proveito do acervo sobre o qual se tenha de efetuar o concurso de credores (art. 165 CC). Em outras palavras, o patrimônio do devedor se restaura, restabelecendo-se a garantia original com que contavam os credores. Portanto, os bens alienados voltam ao patrimônio do devedor, as garantias concedidas se aniquilam; e os pagamentos antecipados são devolvidos.

Outro argumento para que a tese da anulabilidade prevaleça, é o de que apenas se torna imprescindível o ajuizamento de ação, com a consequente sentença visando anular o ato fraudulento, sendo absolutamente desnecessária quando o objetivo for ineficácia, como ocorre na fraude de execução.

O próprio STJ acabou por sumular a matéria aderindo claramente à tese da anulabilidade em seu Enunciado 195, nos seguintes termos: “Em termos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra devedores.”

É de se destacar trecho do voto do Min. Antônio de Pádua Ribeiro, proferido em um dos acórdãos que geraram a redação da Súmula 195 do STJ, Corte Especial, EDiv. No Resp 46.192-2-SP, m.v., DJU 05.02.1996: “No caso, porém, há aspecto que, a meu ver, é de difícil superação, porquanto os embargos de terceiros atacam ato de constrição judicial, e a ação pauliana visa, exatamente, à anulação de ato jurídico. É uma ação, cuja sentença a ser proferida, é de caráter constitutivo. Tornar-se difícil conciliar uma ação que visa uma sentença constitutiva com uma outra ação que se objetiva apenas uma sentença de desconstituição de um ato de constrição judicial.”. Assim foi ementado o acórdão no qual foi proferido o voto citado: “Fraude contra credores, Embargos de terceiro/ação pauliana. A fraude é discutível em ação pauliana, e não em embargos de terceiro. Precedentes da 1ª., 3ª., e 4ª., Turmas e da 2ª. Seção do STJ. Embargos de divergência conhecidos pela Corte Especial, mas rejeitados.”

De forma mais sintética, a ação pauliana consiste em uma ação pessoal movida por credores com intenção de anular negócio jurídico feito por devedores insolventes com bens que seriam usados para pagamento da dívida em uma ação de execução, podendo ser ajuizada sem a necessidade de uma ação de execução anterior.

6 DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Ab initio, com a intenção de sedimentar os conceitos basilares no tocante ao instituto jurídico em comento, faz-se mister compreender a verdadeiro significado de pessoa jurídica, a partir dos preceitos estruturados tanto pela lei, quanto pela doutrina.

Impende assinalar, como já exaustivamente fora demonstrado no presente trabalho, que a pessoa jurídica é taxada como uma ficção jurídica, ou seja, ela não existe fisicamente, mas sim de forma fictícia, permitindo com que os empresários enfrentem as vicissitudes, bem como a álea das práticas comerciais, uma vez que para que se possa criar um ente dotado de personalidade jurídica, tal como um comércio ou até mesmo uma indústria, os sócios proprietários se expõem a riscos de várias matizes, que podem resultar em dilapidação do patrimônio de cada um desses, gerando um verdadeiro desestímulo as práticas empresarias.

Ainda no tema da desconsideração da personalidade jurídica, vale ressaltar que o Direito Brasileiro contempla a hipótese de se aplicar a teoria em seu modo inverso. Tratando-se de medida em que se afasta a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, onde, de modo contrário, ocorre à desconsideração da personalidade propriamente dita, onde se pugna pelo alcance do ente coletivo e seu patrimônio social, responsabilizando a pessoa jurídica pelas obrigações do sócio que a integra.

Ocorre que, da mesma forma que uma sociedade empresária pode ser utilizada fraudulentamente, desviando seu patrimônio para particulares, com o intuito de lesar credores observa-se que pessoas físicas, com objetivo de não cumprir obrigações creditícias e também esconder ou desviar bens do cônjuge, vem se utilizando, de maneira irregular, da blindagem que a autonomia patrimonial traz às pessoas jurídicas, transferindo bens pessoais para esta e consequentemente não respondendo pelas suas obrigações.

Lecionando sobre a Desconsideração Inversa, Ana Caroline Santos Ceolin, ensina:

Denomina-se “desconsideração inversa” o instrumento jurídico que permite prescindir da personalidade e da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para responsabilizá-la por obrigação pessoal do sócio. Enquanto a teoria da desconsideração da pessoa jurídica propriamente dita aplica-se as hipóteses em que se pretende responsabilizar pessoalmente os sócios por atos praticados em nome da sociedade, a denominada “desconsideração inversa” busca atingir o ente coletivo, onerando o seu patrimônio por dividas pessoais de seus membros.

Outrossim, Fábio Ulhoa Coelho preleciona que: “A fraude que a desconsideração inversa coíbe é, basicamente, o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle”.

E também, Mônica Gusmão assevera: “É o caso, por exemplo, do casal que se separa e o cônjuge sócio transfere seus bens à sociedade para fraudar a partilha ou esvaziar seu patrimônio quando demandado por eventual credor, por dívida particular”.

Com esta manobra, o devedor consegue continuar a utilizar seus bens, já que detém o controle da pessoa jurídica. Tampouco os credores conseguem cobrar as dívidas numa possível execução, pois os bens estão protegidos pela autonomia patrimonial da pessoa jurídica, fazendo-se necessário utilizar-se da desconsideração inversa para poder alcançá-los.

Conforme se pode compreender da obra de Ana Caroline Santos Ceolin, não é sempre que um sócio transfere bens pessoais para a sociedade que ele estaria cometendo um ato ilícito, até porque a lei permite a alienação de bens entre sócio e sociedade. O problema ocorre quando esta transferência acarreta um prejuízo a terceiros, transparecendo a real intenção do sócio alienante, que de fato é se abster de suas obrigações pessoais.

Ao encontro dos ensinamentos de Ceolin, Gladston Mamede é enfático, quando em sua obra, discorre sobre a confusão patrimonial. Apesar da licitude, a princípio, na alienação de um bem pessoal do sócio para a sociedade, estes negócios devem ser evitados a fim de que não cause um embaralhamento de bens e obrigações entre sócio e sociedade, ocasionando, por conseguinte, uma afronta aos princípios que sustentam o artifício jurídico da pessoa jurídica.

Segundo Marlon Tomazette, para ocorrer a Desconsideração Inversa, responsabilizando a sociedade, faz-se necessário visualizar a fraude ou a confusão patrimonial.

A integralização dos bens particulares dos sócios no patrimônio empresarial pode ser vista como conduta configuradora de fraude, instituto jurídico que apresenta requisitos distintos da desconsideração da personalidade jurídica.

A fraude pode ser contra credores, à execução ou de execução.

A fraude contra credores é instituto de direito material e está prevista nos art. 158 a 165 do Código Civil. Ocorre quando o devedor insolvente, ou em estado de insolvência, pratica atos de transmissão gratuita, onerosa ou remissão de dívidas capazes de lesar direitos do credor. São, portanto, atos que maculam o negócio jurídico, porquanto visam prejudicar direitos creditórios de terceiros.

Em obra coordenada por Ricardo Fiuza, Maria Helena Diniz afirma que “a fraude contra credores constitui prática maliciosa, pelo devedor, de atos que desfalcam seu patrimônio, com o fim de coloca-lo a salvo de uma execução por dívidas em detrimento dos direitos creditórios alheios.

A caracterização da fraude contra credores exige que o ato praticado pelo devedor tenha sido realizado em estado de insolvência, ou que o leve a essa condição, e que essa conduta possa afetar direitos creditórios alheios.

Além disso, cumulativamente, exige-se que o ato esteja maculado pela má fé, ou seja, que o devedor tenha praticado, sozinho ou em conluio com terceiros, ato com o propósito de prejudicar direito creditício alheio. A doutrina chama esses requisitos de eventus damni (ato prejudical ao credor) e consilium fraudis (má fé).

Em sede de definição, pode-se afirmar, então, que a fraude contra credores consubstancia atos praticados pelo devedor insolvente, ainda não acionado judicialmente, visando lesar o credor futuramente, mediante a alienação de seus bens ou direitos.

Ao comentarem a fraude contra credores, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que: “a fraude pauliana ocorre quando houver ato de liberalidade, alienação ou oneração de bens ou direitos, capaz de levar o devedor á insolvência.

Para esses autores, a configuração da fraude contra credores exige a satisfação cumulativa dos seguintes requisitos: Credor quirografário, anteriormente do crédito, ocorrência de dano ao credor e insolvência do devedor por meio de ato de alienação ou oneração. A ciência da consequência do ato e o conluio entre devedor e adquirente são desnecessários para a existência do instituto de que se cuida.

O negócio jurídico celebrado com o escopo de lesar direitos do credor padece de vício e é passível de anulabilidade mediante o manejo de ação pauliana ou de ação revocatória, a ser ajuizada pelo credor quirografário (sem garantias), titular de crédito anterior à alienação ou à oneração.

Com efeitos, poderão ser anulados, pelos credores quirografários, os negócios jurídicos de transmissão gratuita ou onerosa de bens realizados por devedores insolventes ou que os reduzam á tal condição, ainda que o ignorem, por meio da ação pauliana, a qual visa provimento judicial declaratório positivo que reconheça a existência de vício do negócio jurídico (nulidade relativa), impedindo a consumação da fraude contra o credor quirografário.

Importante destacar que a ação pauliana pode ser ajuizada apenas pelo demandante que já era credor ao tempo da alienação fraudenta lesiva, sendo certo que ela não visa à satisfação direta do crédito, mas tão somente restabelecer a garantia patrimonial, impedindo o total esvaziamento patrimonial do devedor, de modo que o credor possa lograr êxito em eventual futura execução, já que haverá bens a serem excutidos.

A fraude à execução é instituto do direito processual, assim como a fraude de execução, sendo que os atos praticados sob essa incivil inspiração são ineficazes, podendo ser declarados incidentalmente, ex officio ou a requerimento da aprte, por simples petição, prescindindo, portanto, de ação declaratória ou constitutiva específica.

Os requisitos para configuração da fraude à execução são o conhecimento judicial ou extrajudicial do devedor de que seus bens encontram-se na iminência de sofrerem constrição judicial, a existência de intenção direta de lesar e causar prejuízos ao devedor e a ausência ou diminuição do ativo ou aumento do passivo, ainda que de foram artificiosa ou simulada.

Importante destacar que segundo o Tribunal Superior de Justiça, o registro da penhora do bem alienado ou a prova da má fé do terceiro adquirente devem ser demonstrados para que seja reconhecida judicialmente a fraude á execução.

Embora haja tecidas considerações sumárias acerca da fraude contra credores, fraude de execução e fraude à execução para se evidenciar que a moldura fática desses institutos tem particularidades que as distinguem do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, na sua forma tradicional (direta) ou inversa (indireta).

Destarte, distintas as molduras fáticas e diversos os contornos jurídicos, não se pode acolher a tese de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica seja um atalho, uma via preguiçosa, para se alcançar o mesmo fim da ação pauliana da fraude contra credores.

Não custa pontuar que a ação pauliana da fraude contra credores á ação autônoma cujo legitimado ativo é o credor quirografário, sem garantia real, ao passo que o trabalhador titular de créditos derivados da legislação do trabalho inferiores a cento e cinquenta salários mínimos, inclusive, e os decorrentes de acidentes de trabalho, é credor privilegiado, e não quirografário por causa da classificação dos créditos contidos na Lei n.º 11.101/05.

Sob essa perspectiva, então, quer se analise a questão sob o ângulo das molduras fáticas dos institutos, quer se reflita a partir dos seus requisitos distintos, o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica é instituto jurídico distinto das várias espécies de fraudes acima tratadas, especialmente a fraude contra credores, não podendo ser considerada, portanto, um atalho para a ação pauliana.

6.1 Da omissão legislativa e o papel da jurisprudência e da doutrina

A desconsideração inversa da personalidade jurídica ainda não foi objeto de regramento legislativo. Sua aplicação é obra da jurisprudência e da doutrina.

Esse silencia legislativo quase foi superado. Isso porque a comissão de juristas instituída pelo ato do presidente do Senado Federal n.º 379/09, destinada a elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, fez incluir em seu art. 63, parágrafo único, o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

No Capítulo II do referido anteprojeto, intitulado incidente de desconsideração da personalidade jurídica, havia a previsão do instituto da desconsideração do instituto da desconsideração direta e inversa da personalidade jurídica.

O art. 62 do anteprojeto disciplinava a desconsideração tradicional da personalidade jurídica, ao dispor que:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica.

Já o parágrafo único do art. 63 do anteprojeto, como afirmado, trazia regra acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica, ao prescrever que:

Art. 63. A desconsideração da personalidade jurídica obedecerá ao procedimento previsto nesta Seção.

Parágrafo único. O procedimento desta Seção é aplicável também nos casos em que a desconsideração é requerida em virtude de abuso de direito por parte do sócio.

Ocorre que o transcrito parágrafo único do art. 63 do anteprojeto, bem como seu caput, foram suprimidos, não constando mais no Projeto de Lei do Senado n.º 166/2010.

Depois das alterações apresentadas pelo senador Valter Pereira no relatório geral do Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, este contempla apenas regras concernentes á desconsideração da personalidade jurídica, em sua forma tradicional, quais sejam:

Art. 77. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na foram da lei o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.

Parágrafo único. O incidente da desconsideração da personalidade jurídica:

I – pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio;

II – é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também da execução fundada em título executivo extrajudicial.

Art. 78. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis.

Diante do silencia do legislador, a jurisprudência, ladeada pela doutrina, tem se valido da já comentada regra do art. 50 do Código Civil, que autoriza, em caso de abuso da personalidade jurídica, a desconsideração da personalidade jurídica em sua forma tradicional, para fundamentar também a aplicação desse instituto em sua modalidade inversa.

Com efeito, a utilização da pessoa jurídica, com o escopo de frustrar credores mediante a estratégia da integralização dos bens particulares dos sócios no acervo social, configura confusão patrimonial que, por sua vez, caracteriza o abuso de personalidade de que trata teoria maior do art. 50 do Código Civil.

A regra basilar, de que já se cuidou, é a de que o patrimônio social é distinto do patrimônio individual, de modo que, por força do princípio da autonomia patrimonial, apenas os bens da pessoa jurídica respondem por suas dívidas sociais e somente os bens particulares dos sócios respondem por suas dividas particulares.

Há uma incomunicabilidade patrimonial decorrente do princípio da autonomia patrimonial que blinda os patrimônios social e individual, de sorte que os bens particulares não podem ser alcançados pelas dívidas sociais e os bens sociais não podem ser afetados pelas dívidas particulares.

Há regras jurídicas, já citadas nesta obra, que autorizam a relativização dessa blindagem. Especialmente o Código Civil, em seu art. 50, vai permitir que isso ocorra em caso de desvio de finalidade da personalidade jurídica e de confusão patrimonial dos bens sociais e individuais.

Sobretudo nessa segunda hipótese, confusão patrimonial, repousa o substrato fático no qual se tem louvado jurisprudência e doutrina para admitir a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Antes de se trazer os apontamentos da jurisprudência e da doutrina, faz-se necessário informar que algumas vozes afirmam que não existem duas espécies de desconsideração da personalidade jurídica: A desconsideração tradicional (direta) da personalidade jurídica e a desconsideração inversa (indireta) da personalidade jurídica.

Outra questão importante que precisa ficar esclarecida é que o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica tem sido aplicado largamente nas demandas civis, especialmente nas relativas ao direito de família. Ao que tudo indica, foi nesse segmento jurídico que pioneiramente aplicou-se a disregard doctrine em sua vertente inversa.

Aliás, é bom destacar, a decisão paradigmática em matéria de desconsideração inversa da personalidade jurídica é da lavra da ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, no Recurso Especial n.º 948.117, sobre a qual depois serão tecidos alguns comentários, cuja matéria controvertida é de natureza civil.

Isabela Campos Vidigal assim se pronuncia sobre esse campo de incid~ecnia da desconsideração inversa da personalidade jurídica:

Referida teoria tem especial aptidão para incidir sobre o Direito de Família, no qual a mais variada gama de expedientes ardilosos envolvendo a pessoa jurídica é empregada com vistas a fraudar a meação do cônjuge ou convivente e a minorar, artificialmente, a obrigação de prestar alimentos. Os exemplos mais comuns de aplicação da desconsideração inversa são as hipóteses de aquisição de bens próprios do casamento em nome da empresa, da transferência ardilosa dos bens matrimoniais para o acervo patrimonial da sociedade e da instituição de pró-labore em valores ínfimos.

Há incontáveis decisões judiciais que reconhecem a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica no âmbito do direito civil. Pela importância paradigmática, serão tecidos comentários acerca da já referida decisão proferida pela ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, relatora do Recurso Especial n.º 948.117-MS.

Segundo revela o relatório exarado pela ministra em seu voto, Francisco Alves Corrêa Neto ajuizou ação de cobrança em face de Carlos Alberto Tavares da Silva, deduzindo pretensão de recebimento de R$18.990,00 (dezoito mil novecentos e noventa reais), em valores de 30 de março de 1995.

Julgado procedente o pedido condenatório, diante do não cumprimento espontâneo da decisão, Carlos Alberto iniciou execução do título executivo judicial. Em decorrência do não recebimento do valor devido e da inexistência de bens penhoráveis do executado, por meio de decisão interlocutória, o juízo monocrático determinou a desconsideração inversa da personalidade jurídica da empresa TZ Leilões Rurais e Comércio de Carnes LTDA.

Carlos Alberto Tavares da Silva e sua esposa faziam parte do quadro societário da empresa TZ Leilões Rurais e Comércio de Carnes LTDA., dela participando por meio de capital integralizado por quantia de cinco mil reais e amis veículo de alto valor comercial, o qual era utilizado pelos executados apenas para fins particulares.

Diante do conjunto fático probatório, especialmente da alegada insuficiência financeira dos executados que contrastava claramente com o veículo de alto valor econômico de uso apenas particular dos executados, bem como da lesão dos direitos creditórios do exequente aliada à ausência de bens penhoráveis dos devedores, o juízo concluiu que a personalidade jurídica estava sendo usada de forma abusiva.

A confusão patrimonial, ou seja, a integralização dos bens particulares de Carlos Alberto Tavares da Silva e de sua esposa no patrimônio da empresa TZ Leilões Rurais e Comércio de Carnes LTDA., no caso do veículo de alto valor comercial, autorizaram a relativização da autonomia patrimonial para que os bens sociais respondessem pela dívida particular consubstanciada no título judicial exequendo.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica foi, então, a medida jurídica adequada utilizada pelo juízo singular para impedir o abuso da personalidade jurídica caracterizada pela confusão patrimonial, de modo que o veículo de alto valor comercial, aparentemente de propriedade da sociedade, pudesse ser penhorado e alienado para fins de satisfação do crédito reconhecido no título exequendo em favor de Francisco Alves.

Insatisfeito com a decisão interlocutória, Carlos Alberto interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sob o argumento da admissibilidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica quando o devedor utilizar a empresa ou sociedade á qual integra para ocultar seus bens, os quais seriam devidamente penhorados caso estivessem em seu patrimônio particular.

Contra a decisão proferida no bojo do agravo de instrumento, foram opostos embargos de declaração, os quais foram improvidos. Em seguida, foi interposto o recurso especial, oportunidade em que Carlos Alberto declinou suas razões contrárias á desconsideração inversa da personalidade jurídica.

O recorrente apresentou várias teses jurídicas em seu recurso, especialmente a de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica carece de normatização extensiva, do art. 50 do Código Civil, como fez o juízo singular.

À unanimidade, foi negado provimento ao recurso especial. A ministra Nancy Andrighi afirmou em seu voto que a controvérsia limitava-se em se saber se o art. 50 do Código Civil autorizava ou não a aplicação do instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Importante de início apresentar a definição de desconsideração inversa da personalidade jurídica contida no voto da ministra, bem como evidenciar a finalidade jurídica que ela vislumbra na desconsideração da personalidade, quer em sua forma tradicional, quer em sua feição inversa:

De início, impende ressaltar que a desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio.

Conquanto a consequência de sua aplicação seja inversa, sua razão de ser é a mesma da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita: combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. Em sua forma inversa, mostra-se como um instrumento hábil para combater a prática de transferência de bens para a pessoa jurídica sobre o qual o devedor detém controle, evitando com isso a excussão de seu patrimônio pessoal.

Depois de apresentar a definição, ratio e consequências da desconsideração inversa da personalidade jurídica, a ministra avança para enfrentar a principal tese jurídica do recorrente, de que inexiste previsão normativa a amparar a desconsideração inversa da personalidade jurídica e que ela não pode ser reduzida a partir de uma interpretação extensiva do art. 50 do Código Civil.

Nancy Andrighi inicia suas razões decisórias argumentando que descabe uma interpretação meramente literal do art. 50 do Código Civil para se extrair desse preceito regra que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica apenas em sua forma tradicional.

Segundo a ministra, há que se fazer uma interpretação teleológica do art. 50 do Código Civil, porquanto essa exegese está em sintonia com a telos da disregar doctrine que, como já discorreu, é impedir o abuso da personalidade jurídica instrumentalizado por meio da confusão patrimonial ou do desvio de finalidade.

Restringe-se a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica apenas à hipótese de esvaziamento do patrimônio da empresa ou da sociedade, desconsideração direta, é olvidar o espírito que a anima e desprezar seu conteúdo e alcance ético e axiológico.

O entendimento lançado pela ministra Nancy Andrighi em seu voto acerca da admissibilidade da desconsideração da personalidade jurídica na forma inversa no ordenamento jurídico brasileiro, por aplicação teleológica do art. 50 do Código Civil, passou a ser adotado em incontáveis julgados por todo o Brasil.

Segundo a ministra, o instituto da desconsideração inversa encontra assento nos princípios éticos e jurídicos intrínsecos a esse instituto, bem como em seu telos e ratio. Em suas palavras:

Assim procedendo, verifica-se que a finalidade maior da disregard doctrine, contida no referido preceito legal, é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. A utilização indevida da personalidade jurídica da empresa pode, outrossim, compreender tanto a hipótese de o sócio esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica para fraudar terceiros, quanto no caso de ele esvaziar o seu patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integralizar na pessoa jurídica, ou seja, transferir seus bens ao ente societário, de modo a ocultá-los de terceiros.

Feitas essas considerações, tem-se que a interpretação teleológica do art. 50 do CC/02 legitima a inferência de ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma.

6.2 Do esvaziamento do patrimônio da pessoa jurídica

Levando-se em consideração o objeto da disregard doctrine, a qual consiste no desestímulo da utilização de forma indevida do da empresa por seus sócios, onde também se vislumbra nas hipóteses em que o sócio esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza a pessoa jurídica. Aplicar-se-á, nesta senda, a interpretação finalística ao art. 50 do Diploma Civil então vigente, sendo possível a aplicação da então denominada desconsideração inversa da personalidade jurídica, visando atingir os bens que integram o patrimônio da sociedade em virtude de dívidas contraídas pelo sócio controlador, desde que preenchidos os requisitos inscritos na lei.

Apesar disso, vale citar exige-se muita cautela do Magistrado para se aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, principalmente quando se trata de sua aplicação na modalidade inversa, isto por que, em ambas as formas, a desconsideração da personalidade jurídica se configura como uma medida em caráter excepcional. Sendo assim, o Magistrado estará autorizado a remover a fumaça que encobre os sócios da pessoa jurídica, somente quando forem evidenciados pressupostos relativos ao abuso de direito ou a fraude contra credores, devidamente prelecionados pelo art. 50 do CC.

Realmente, somente em se tratando de casos caracterizados pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, é que o juiz encontra-se autorizado a decidir, por meio de requerimento da parte ou do Ministério Público, quando se tratar de hipóteses em que lhe permitem intervir nos autos da ação, que os efeitos de determinadas relações obrigacionais sejam alastradas aos bens particulares dos administradores ou sócios da empresa, dotada de personalidade jurídica. E também, em se tratando da desconsideração inversa da personalidade jurídica se exige, além da prova de insolvência, que seja demonstrada outros dois requisitos, sendo eles, a confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração) ou o desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração).

Desse modo, os sócios da pessoa jurídica, passam a exercer suas atividades empresariais no mundo dos negócios. Onde, pessoa jurídica, dotada de personalidade adstrita aos seus sócios afigura-se como verdadeiro escudo para estes, que muitas vezes é onde se ocultam os protagonistas das relações jurídicas obrigacionais. Logo, no ordenamento jurídico brasileiro, existem 02 (duas) espécies de pessoas, quais sejam as pessoas naturais dos sócios e as pessoas jurídicas. Assim, segundo o saudoso doutrinador Clóvis Beviláqua, “a pessoa jurídica, como sujeito de direito, do mesmo modo que no ponto de vista sociológico, é uma realidade social, uma formação orgânica investida de direitos pela ordem jurídica, a fim de realizar certos fins humanos”.

No mesmo sentido, de forma a reforçar tudo o que acima consta, trazemos a colação as ponderações apresentadas por Freddie Didier Júnior et all de que:

A pessoa jurídica é, portanto, um instrumento técnico-jurídico desenvolvido para facilitar a organização da atividade econômica. Se assim é, o caráter de instrumentalidade implica o condicionamento do instituto ao pressuposto do atingimento do fim jurídico a que se destina. A pessoa jurídica é técnica criada para o exercício da atividade econômica e, portanto, para o exercício do direito de propriedade. A chamada função social da  pessoa jurídica (função social da empresa) é corolário da função social da propriedade, já tão estudada e expressamente prevista na Constituição Federal. O estudo da desconsideração da personalidade jurídica, portanto, deve iniciar-se desta premissa: é indispensável a análise funcional do instituto da pessoa jurídica, a partir da análise também funcional do direito de propriedade, para que se possa compreender corretamente a desconsideração, que, em teoria geral do direito, é sanção aplicada a ato ilícito (no caso, a utilização abusiva da personalidade jurídica).

Vale realçar Código Civil adota a denominação de pessoa jurídica, em razão de esta ser mais expressiva, traduzindo a natureza particular deste segundo gênero de pessoas. Isto porque, a pessoa jurídica encontra-se na sociedade, que lhe atribui a essência que necessita para substituir e desenvolver-se, motivo pelo qual existe apenas em se tratando de matérias jurídicas.

Neste diapasão, se faz necessário lançar mão das lições de Sílvio Rodrigues, principalmente quando leciona que “pessoas jurídicas são entidades a que a lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com personalidade diversa dos indivíduos que os compõem, capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil”.

Nesta seara, o anterior Diploma Civil de 1916, demonstra o fortalecimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a qual já trazia em seu bojo, disposições, conforme se verifica no texto do artigo 20, a seguirtranscrito: “Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”.

Diante do silêncio do legislador, a jurisprudência, ladeada pela doutrina, tem se valido da já comentada regra do art. 50 do Código Civil, que autoriza, em caso de abuso de personalidade jurídica, a desconsideração jurídica em sua forma tradicional, para fundamentar também a aplicação desse instituto em sua modalidade inversa.

Com efeito, a utilização da pessoa jurídica, com o escopo de frustrar credores mediante a estratégia da integralização dos bens particulares dos sócios no acervo social, configura confusão patrimonial que, por sua vez, caracteriza o abuso de personalidade de que trata a teoria maior do art. 50 do Código Civil já transcrito.

A regra basilar, de que já se cuidou, é a de que o patrimônio social é distinto do patrimônio individual, de modo que, por força do princípio da autonomia patrimonial, apenas os bens da pessoa jurídica respondem por suas dívidas sociais e somente os bens particulares dos sócios respondem por suas dívidas particulares.

Há uma incomunicabilidade patrimonial decorrente do princípio da autonomia patrimonial que blinda os patrimônios social e individual, de sorte que os bens particulares não podem ser alcançados pelas dívidas sociais e os bens sociais não podem ser afetados pelas dívidas particulares.

Há regras jurídicas, já citadas nesta obra, que autorizam a relativização dessa blindagem. Especialmente o Código Civil, em seu art. 50, vai permitir que isso ocorra em caso de desvio de finalidade da personalidade jurídica e de confusão patrimonial dos bens sociais e individuais.

Sobretudo, nessa segunda hipótese, confusão patrimonial, repousa o substrato fático no qual se tem louvado jurisprudência e doutrina para admitir a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Antes de trazer os apontamentos da jurisprudência e da doutrina, faz-se necessário informar que algumas vozes afirmam que não existem duas espécies de desconsideração da personalidade jurídica: A desconsideração tradicional (direta) da personalidade jurídica e a desconsideração inversa (indireta) da personalidade jurídica.

Nesse sentido, afirma Isabela Campos Vidigal que:

[...] a teoria da desconsideração da personalidade jurídica consiste em instrumento voltado ao combate de todos os abusos decorrentes da má utilização da estrutura formal da pessoa jurídica. Desse modo, os efeitos decorrentes da aplicação da desconsideração podem gerar tanto a responsabilidade do sócio quanto da sociedade, o que irá depender da espécie de abuso combatido in casu. (VIDIGAL, 2012, p. 27)

Mais adiante, afirma ainda a citada autora, taxativamente, que:

Destarte, conclui-se que, em verdade, a teoria da desconsideração é única, e, dependendo da espécie do abuso, produzirá efeitos no que diz respeito aos sócios ou à pessoa jurídica, podendo, portanto, ser considerada como uma via de mão única, como parece identificar o douto Rolf Madaleno. (VIDIGAL, 2012, p.27).

Rolf Madaleno, citado por Vidigal, pontua acerca dessa questão que:

Assim visto, em conclusão narrativa, sociedade e sócios podem responder pelo uso abusivo, fraudulento ou simulado da sociedade, direta e inversamente, ora atingindo os bens sociais, ora responsabilizando os sócios e até a sociedade, quando se tratar de utilizá-la abusivamente, no maldoso afã de fugir escancaradamente ao dever pessoal de alimentação (VIDIGAL, 2012, p. 27).

Analisando-se as ponderações dos dois autores, verifica-se que para eles não há uma dualidade do instituto da desconsideração da personalidade, uma desconsideração direta e uma desconsideração inversa, mas tão somente um único instituto que pode direcionar os efeitos da relativização da autonomia patrimonial para o patrimônio social ou para o patrimônio particular.

Não obstante os posicionamentos acima, doutrina e jurisprudência majoritárias entendem pela existência da desconsideração da personalidade jurídica em suas formas direta (tradicional) e inversa. Isso ficará evidente nas informações que serão trazidas adiante.

Apesar de não haver norma vigente tratando expressamente do tema, como já acima referendado, a jurisprudência e a doutrina já admitem tal espécie de "desconsideração" em situações excepcionais.

A 3ª Turma do STJ, no REsp 948.117-MS, julgado em 22.06.2010, por meio da Ministra Nancy Andrighi ponderou: "Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma".

Contrariamente, na desconsideração inversa, embora a sua aplicação tenha também o escopo de coibir fraudes, nela o juiz olvida o princípio da autonomia patrimonial para afetar os bens da sociedade ou da empresa, para que estes responsam pelas obrigações particulares dos sócios. Nessa situação, a blindagem do patrimônio societário, igualmente protegida pela autonomia patrimonial, é afastada, alcançando-se o patrimônio da pessoa jurídica.

Acerca do instituto em comento, Fábio Ulhoa Coelho assim o define:

Trata-se de responsabilizar a sociedade por dívidas do sócio, caso este, para perpetrar fraudes a seus próprios credores, transfere seus bens para a empresa, continuando a frui-los livremente [...]. A desconsideração inversa pode vir a ser medida de extrema utilidade em matéria de Direito de Família, considerando a possibilidade de um dos cônjuges transferir bens de valor para a empresa que integre, com o escopo de fraudar futura partilha.


A aplicação da desconsideração inversa, da mesma forma que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, não visa a anulação da personalidade jurídica, mas apenas a declaração da ineficácia para determinado ato. (COELHO, 1999, p. 45)

Convém tecer algumas considerações acerca da ratio da desconsideração inversa da personalidade jurídica, a qual se identifica com a mesma da desconsideração tradicional, disciplinada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Embora já sedimentada a denominação, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, não parece adequado o nome atribuído: “Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica”.

Isto porque, não há propriamente desconsideração nessas situações e sim transferência fraudulenta de bens por parte do devedor a terceiro. Tais casos devem ser tratados como fraude (contra credores ou de execução, conforme o caso) ou como simulação. O fato de o terceiro ser uma pessoa jurídica da qual é sócio o devedor não descaracteriza o ato de transferência como fraude ou simulação. E a fraude contra credores tem requisitos próprios para a sua configuração, variáveis conforme a alienação seja gratuita ou onerosa.

Ademais conforme o caso, os efeitos também são variáveis. A fraude contra credores tem como efeito a ANULAÇÃO, enquanto a fraude de execução a ineficácia e a simulação a NULIDADE.

No que versa à desconsideração inversa da personalidade jurídica, denota-se que a mesma trata-se de medida em que há gera por conseguinte, o afastamento da autonomia patrimonial da empresa, com o condão de ocorrer à desconsideração da personalidade propriamente dita, com a finalidade de atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, visando responsabilizar a pessoa jurídica pelas obrigações pessoais do sócio.

Outrossim, não é considerado como suficiente apenas a simples verificação de insolvência da pessoa jurídica, situação em que não se amolda a ocorrência de fraude na utilização da separação patrimonial.

Insta salientar, o tema em comento, como dito anteriormente, se apresenta como instrumento capaz de coibir a utilização da pessoa jurídica para fins ilícitos que a pressupõe, uma vez que caso o credor da organização não puder fazer prova da fraude perpetrada, suportará este os danos oriundos da insolvência da devedora.

Isto porque, caso não haja quaisquer desvirtuamento da função social da pessoa jurídica, não há fundamento legal para que ocorra sua desconsideração.

Assim sendo, o primeiro a tratar do tema da desconsideração da personalidade jurídica fora o Prof. Fábio Konder Comparato,  demonstrando com muita propriedade seguinte lição: “Aliás, essa desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no sentido da responsabilidade do controlador por dívidas da sociedade controlada, mas também em sentido inverso, ou seja, no da responsabilidade desta última por atos do seu controlador. A jurisprudência americana, por exemplo, já firmou o princípio de que os contratos celebrados pelo sócio único, ou pelo acionista largamente majoritário, em benefício da companhia, mesmo quando não foi a sociedade formalmente parte no negócio, obrigam o patrimônio social, uma vez demonstrada a confusão patrimonial de facto”.

E no mesmo sentido, continua o mestre das Arcadas destacando que, relativamente ao entendimento jurisprudencial brasileiro que: “Tem-se desconsiderado, com frequência, a personalidade jurídica das sociedades constituídas unicamente de marido e mulher, sob a alegação de nulidade. Mas tal hipótese é, propriamente, de despersonalização e não de desconsideração da pessoa jurídica”.

Outrossim, a fraude que rechaçada pela desconsideração da personalidade jurídica em sua modalidade invertida é, principalmente, o desvio dos bens, onde o devedor de forma doloso transfere, seus bens para a sociedade a qual integra como sócio e possui o total controle, continuando a usufruí-los, mesmo mais integrando seu patrimônio de direito, e sim da organização a qual controla.

Inicialmente, aqueles que detém títulos de crédito não poderão responsabilizá-lo, no que tange a eventual execução de referidos bens, uma vez que integram o acervo patrimonial do ente dotado de personalidade jurídica. Nesta senda, evidencia-se, que a aplicação na prática da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica, busca blindar a prática de fraudes em face dos credores do sócio, o qual, com a intenção de lançar de burlar o sistema jurídico ordinário, lança mão da prática da transferência dos bens que integram seu patrimônio pessoal ao da pessoa jurídica que controla.

Vale também refutar que aludido instituto, aplicar-se-á, quando verificada que houvera a transferência do patrimônio pessoal do sócio para a pessoa jurídica.

Ademais, sabe-se que privadas as diligências no tocante a busca de bens, o sócio de forma ardilosa irá efetuar retiradas do patrimônio da organização que integra no patamar necessário a mantença do padrão de vida seu ou de seus familiares, deixando seus credores a míngua.

Outrossim, torna-se necessário analisar os posicionamentos jurisprudenciais oriundos dos Tribunais de Justiça de nosso pais, sendo utilizados como verdadeiro arrimo, porquanto, ao demonstrarem seu posicionamento sobre determinadas situações jurídicas, amoldam-se normas de caráter genérico e abstratas traçando novos nortes a serem seguidos pelos legisladores.

Nestes termos, podemos verificar:

Ementa: Agravo de Instrumento. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Possibilidade. Assim, diante das inúmeras e infrutíferas tentativas de localizar bens em nome dos executados capazes de garantir o juízo executório, bem como da confusão havida entre o patrimônio de seu sócio majoritário, ao lado de sua esposa, e da sociedade que o mesmo integra, possível afigura-se a desconsideração inversa da personalidade jurídica determinada na origem.  Em decisão monocrática, dou provimento ao agravo de instrumento.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Vigésima Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 70041914102/ Rel. Desembargador Glênio José Wasserstein Hekman/ Julgado em 04.04.2011)  (destaquei)

Ementa: Apelação Cível. Locação. Embargos de Terceiros. Penhora. Desconsideração de Personalidade Jurídica Reconhecida, na forma inversa. Existência de dados fáticos que autorizam a incidência do instituto. Possibilidade da penhora de bens da empresa autorizada diante das circunstâncias excepcionais comprovadas nos autos e já destacadas pela sentença, que vai confirmada por seus fundamentos. APELO IMPROVIDO.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - Décima Sexta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70017992256/ Rel. Desembargadora Helena Ruppenthal Cunha/ Julgado em 07.03.2007) (destaquei)

Assim sendo, com a ausência da separação da pessoa jurídica da pessoa natural de seu sócio, deixando claro qual patrimônio pertence a cada uma das pessoas supra mencionadas, bem como a responsabilidade de cada um, gerou-se por conseguinte, estabeleceu-se por sua vez, uma ampla forma de utilização indevida da pessoa jurídica, sendo instrumento de fraude para prejudicar terceiros.

É juridicamente recomendável que a decretação da desconsideração da personalidade jurídica não implique no sacrifício absoluto do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, cuja fruição deve ser assegurada, ainda que não seja com a mesma amplitude do módulo cognitivo, que a exige por causa da res dúbia.

O art. 78 do Projeto do Novo Código de Processo Civil tenta apaziguar tormentoso dissenso jurisprudencial e doutrinário ao dispor que sócio, terceiro ou pessoa jurídica deverá ser citado para se manifestar em 15 (quinze) dias sobre o requerimento da desconsideração da personalidade jurídica, bem como para, no mesmo prazo, requerer as provas cabíveis.

Importante reafirmar que a desconsideração da personalidade jurídica, segundo o art. 77 do citado projeto, poderá ser realizada em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título extrajudicial.

O Projeto do Novo Código de Processo Civil, ao que tudo indica, tenta conciliar as exigências de se assegurar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa sem desprezar a lógica e os princípios éticos e jurídicos da disregard doctrine.

Cabe asseverar que a desconsideração da personalidade jurídica em sua modalidade inversa, possui como principal aspecto que a autoriza o desvio da autonomia patrimonial da sociedade personificada, para, de forma contrária a desconsideração da personalidade jurídica originária, alcançar o patrimônio da pessoa jurídica, conferindo responsabilidade a esta por meio de obrigações do sócio desta.

No entanto, em virtude de da aplicação na modalidade inversa, sua existência é idêntica a da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, a qual busca evitar a utilização indevida da empresa dotada de personalidade jurídica por seus sócios, onde, em se tratando de sua modalidade inversa, revela-se como um meio capaz de desestimular a prática da transferência dos bens integrantes do acervo patrimonial do sócio a empresa o qual este detém o controle, evitando por via de consequência a excussão de seu patrimônio pessoal.

6.3 Da desconsideração inversa da personalidade jurídica e execução trabalhista

O Código Civil de 2002 apresentou uma pauta axiológica de despatrimonialização, socialização e solidarização do direito. Balizam essas diretrizes os princípios da eticidade, da socialidade, da operabilidade e da concretude.

Energizado pelo princípio da socialidade, o imperativo da função social da empresa alcançou maior densidade normativa no âmbito do Código Civil em vigor. Por meio de suas cláusulas gerais, o Estatuto Civilista imantou seus institutos jurídicos, tais como os contratos, a propriedade, a empresa, entre outros, ao vetor legitimante da função social.

A delimitação jurídico semântica do que se convencionou chamar de função social não é pacífica no Direito. Para uma linha argumentativa, a função social da empresa pode ser deduzida, basicamente, a partir da função social da propriedade privada, mantendo com esta, portanto, uma relação de dependência. Já para outra corrente reflexiva, a função social da empresa apresenta autonomia lógico legal, sendo, desse modo, princípio independente, dedutível de outas regras e princípios constitucionais.

É inegável o reconhecimento do Constituinte Originário da relevância social, jurídica e econômica da empresa. Tanto isso é verdade que a livre iniciativa é princípio fundante do Estado Democrático de Direito, prevista no art. 1º, IV da Constituição da República de 1988, ladeado por outro que se encontra no mesmo endereço legislativo, o dos valores sociais do trabalho.

Interpretação mais restritiva pode conduzir à exegese de que a função social da empresa é extraível pura e simplesmente da função social da propriedade privada. Nada obstante a inegável força desse fundamento, a sua densidade normativa é, contudo, mais rarefeita. Isso se percebe mais facilmente quando se almeja extrair dessa interpretação balizas argumentativas atinentes á desconsideração da personalidade jurídica, na sua forma inversa ou direta.

Sob outra perspectiva hermenêutica mais expansiva, pode-se, porém, colher em vários outros dispositivos constitucionais elementos que desvelam o imperativo jurídico da função social da empresa. Para tanto, necessário se faz deitar com mais vagar e circunspeção o olhar sobre o Texto Constitucional, para dele colher novos elementos argumentativos. Assim procedendo, as raízes da função social da empresa ganham maior robustez, profundidade e consistência jurídica.

Nessa linha de raciocínio, a delimitação semântica da função social da empresa passa, então, pela exigência de respeito e deferência a um complexo de valores, princípios e regras constitucionais. Essa visão, como se nota, está para além da tese jurídica de que a função social da empresa pode ser suficientemente compreendida a partir de uma simples dedução da propriedade privada.

Por evidente que, sob a segunda óptica, a ideia síntese de função social da empresa torna-se mais complexa e a identificação de seu sentido, alcance e fronteiras vai exigir do intérprete e aplicador do Direito maior esforço hermenêutico.

Quando a empresa deixa de se guiar pelos princípios da boa fé objetiva, da eticidade, da socialidade, da operabilidade e da concretude, como sucede nas condutas de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, que importam em lesão e prejuízos ao credor trabalhista, ela despreza o imperativo da função social, autorizando a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, em sua forma tradicional ou inversa.

Os argumentos favoráveis á aplicação da desconsideração direta da personalidade jurídica já foram declinados em outra oportunidade. Tratar-se-á, doravante, do cabimento de sua forma inversa na execução trabalhista.

Antes de tudo, é importante ressaltar que não existe dispositivo legal expresso acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica, ao contrário da desconsideração da personalidade jurídica, cujos balizamentos normativos básicos são o art. 50 do Código Civil (Teoria Maior) e o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (Teoria Menor).

Assim sendo, a lacuna normativa na fase de execução trabalhista autoriza a aplicação subsidiária da Lei de Execução Fiscal, Lei n.º 6.830/80, conforme regra contida no art. 889 da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo a qual:

Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

Omissa a Lei de Execução Fiscal, poderá ser aplicado, então, como fonte subsidiária, o Código de Processo Civil. A aplicação desse Código ou da Lei de Execução Fiscal exige a ocorrência das regras com os princípios, com as regras e com os fins do processo trabalhista.

Interessante destacar que autores há que sustentem que deve ser observada a seguinte ordem em caso de omissão legislativa em matéria de execução trabalhista: Primeiro deve se buscar, na Lei de Execução Fiscal, as regras supletivas. Sendo essa lei omissa, dever-se-á, em seguida, procurar no Código de Processo Civil as regras supletórias.

A lei de Execução Fiscal ou o Código de Processo Civil serão aplicados em decorrência da inequívoca omissão da Consolidação das Leis do Trabalho acerca da matéria.

Neste momento, em razão do recorte epistemológico desta obra e da existência de lacuna normativa no Texto Consolidado, se faz prescindível e desnecessária, aqui, a discussão aprofundada sobre a interpretação evolutiva do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Como se sabe, há correntes de pensamentos que defendem que devem ser aplicadas regras de outros estatutos jurídicos, não apenas em caso de lacuna normativa da Consolidação das Leis do Trabalho, mas também em situações de lacunas axiológicas e ontológicas.

O argumento central dessa importante linha de raciocínio repousa na tese jurídica de que o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho foi concebido, originalmente em 1943, ano de publicação dessa lei, apenas como cláusula de contenção.

A mens legis do art. 769 do Texto Consolidado era impedir a aplicação indiscriminada das regras contidas no então vigente Código de Processo Civil de 1939, as quais, de ordinário, eram menos benéficas aos trabalhadores do que as regras celetistas.

Em razão da vedação do non liquet, que proíbe o magistrado de não decidir alegando ausência de lei, o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho autorizou o julgador a se socorrer das regras do Código de Processo Civil de 1939 somente quando omisso o Texto Consolidado. Interessante observar que já houve ocasião em que o processo romano autorizava o non liquet diante da ausência de regra.

Contudo, contemporaneamente interpretação evolutiva do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho acolhe a tese de que, ainda que não omissa essa lei, poderá o julgador se valer de regras de outros diplomas legais, sobretudo o Código de Processo Civil, quando sua incidência propiciar maior efetividade da legislação social trabalhista, constitucional ou infraconstitucional.

Importante destacar que não se pode transferir ao trabalhador os riscos e os prejuízos decorrentes do empreendimento e da falta de diligência dos sócios de se fiscalizarem mutuamente. Se um dos sócios transfere bens pessoais para o patrimônio social ou para outra pessoa jurídica, não pode o credor trabalhista ver seu crédito inadimplido sob a alegação de que deve provar o instituto fraudulento ou de que a pessoa jurídica não pode suportar os ônus decorrentes dos atos ilícitos exorbitantes de seus sócios.

Admitir essas teses jurídicas invocando, entre outros, a necessidade de exaurimento absoluto do devido processo legal, seria uma forma de premiar o sócio infrator que descurou da boa fé objetiva, da função social da empresa e punir o credor trabalhista negando-lhe o reconhecimento do trabalho como direito social fundamental. Além disso, seria grave violação ao princípio constitucional da legalidade, art. 5º, II e ao princípio celetista da alteridade, art. 2º da CLT, porquanto os riscos do empreendimento são do tomador de serviços.

Neste diapasão, torna-se muito frágil o argumento de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica não pode ser aplicada na execução trabalhista porque carece de previsão normativa. Muito antes pelo contrário, como se mostrará no item seguinte. Por meio de interpretação sistemática, são identificadas vários argumentos jurídicos que justificam sua aplicação no processo executivo trabalhista.

6 DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Ab initio, com a intenção de sedimentar os conceitos basilares no tocante ao instituto jurídico em comento, faz-se mister compreender a verdadeiro significado de pessoa jurídica, a partir dos preceitos estruturados tanto pela lei, quanto pela doutrina.

Impende assinalar, como já exaustivamente fora demonstrado no presente trabalho, que a pessoa jurídica é taxada como uma ficção jurídica, ou seja, ela não existe fisicamente, mas sim de forma fictícia, permitindo com que os empresários enfrentem as vicissitudes, bem como a álea das práticas comerciais, uma vez que para que se possa criar um ente dotado de personalidade jurídica, tal como um comércio ou até mesmo uma indústria, os sócios proprietários se expõem a riscos de várias matizes, que podem resultar em dilapidação do patrimônio de cada um desses, gerando um verdadeiro desestímulo as práticas empresarias.

Ainda no tema da desconsideração da personalidade jurídica, vale ressaltar que o Direito Brasileiro contempla a hipótese de se aplicar a teoria em seu modo inverso. Tratando-se de medida em que se afasta a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, onde, de modo contrário, ocorre à desconsideração da personalidade propriamente dita, onde se pugna pelo alcance do ente coletivo e seu patrimônio social, responsabilizando a pessoa jurídica pelas obrigações do sócio que a integra.

Ocorre que, da mesma forma que uma sociedade empresária pode ser utilizada fraudulentamente, desviando seu patrimônio para particulares, com o intuito de lesar credores observa-se que pessoas físicas, com objetivo de não cumprir obrigações creditícias e também esconder ou desviar bens do cônjuge, vem se utilizando, de maneira irregular, da blindagem que a autonomia patrimonial traz às pessoas jurídicas, transferindo bens pessoais para esta e consequentemente não respondendo pelas suas obrigações.

Lecionando sobre a Desconsideração Inversa, Ana Caroline Santos Ceolin, ensina:

Denomina-se “desconsideração inversa” o instrumento jurídico que permite prescindir da personalidade e da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para responsabilizá-la por obrigação pessoal do sócio. Enquanto a teoria da desconsideração da pessoa jurídica propriamente dita aplica-se as hipóteses em que se pretende responsabilizar pessoalmente os sócios por atos praticados em nome da sociedade, a denominada “desconsideração inversa” busca atingir o ente coletivo, onerando o seu patrimônio por dividas pessoais de seus membros.

Outrossim, Fábio Ulhoa Coelho preleciona que: “A fraude que a desconsideração inversa coíbe é, basicamente, o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle”.

E também, Mônica Gusmão assevera: “É o caso, por exemplo, do casal que se separa e o cônjuge sócio transfere seus bens à sociedade para fraudar a partilha ou esvaziar seu patrimônio quando demandado por eventual credor, por dívida particular”.

Com esta manobra, o devedor consegue continuar a utilizar seus bens, já que detém o controle da pessoa jurídica. Tampouco os credores conseguem cobrar as dívidas numa possível execução, pois os bens estão protegidos pela autonomia patrimonial da pessoa jurídica, fazendo-se necessário utilizar-se da desconsideração inversa para poder alcançá-los.

Conforme se pode compreender da obra de Ana Caroline Santos Ceolin, não é sempre que um sócio transfere bens pessoais para a sociedade que ele estaria cometendo um ato ilícito, até porque a lei permite a alienação de bens entre sócio e sociedade. O problema ocorre quando esta transferência acarreta um prejuízo a terceiros, transparecendo a real intenção do sócio alienante, que de fato é se abster de suas obrigações pessoais.

Ao encontro dos ensinamentos de Ceolin, Gladston Mamede é enfático, quando em sua obra, discorre sobre a confusão patrimonial. Apesar da licitude, a princípio, na alienação de um bem pessoal do sócio para a sociedade, estes negócios devem ser evitados a fim de que não cause um embaralhamento de bens e obrigações entre sócio e sociedade, ocasionando, por conseguinte, uma afronta aos princípios que sustentam o artifício jurídico da pessoa jurídica.

Segundo Marlon Tomazette, para ocorrer a Desconsideração Inversa, responsabilizando a sociedade, faz-se necessário visualizar a fraude ou a confusão patrimonial.

A integralização dos bens particulares dos sócios no patrimônio empresarial pode ser vista como conduta configuradora de fraude, instituto jurídico que apresenta requisitos distintos da desconsideração da personalidade jurídica.

A fraude pode ser contra credores, à execução ou de execução.

A fraude contra credores é instituto de direito material e está prevista nos art. 158 a 165 do Código Civil. Ocorre quando o devedor insolvente, ou em estado de insolvência, pratica atos de transmissão gratuita, onerosa ou remissão de dívidas capazes de lesar direitos do credor. São, portanto, atos que maculam o negócio jurídico, porquanto visam prejudicar direitos creditórios de terceiros.

Em obra coordenada por Ricardo Fiuza, Maria Helena Diniz afirma que “a fraude contra credores constitui prática maliciosa, pelo devedor, de atos que desfalcam seu patrimônio, com o fim de coloca-lo a salvo de uma execução por dívidas em detrimento dos direitos creditórios alheios.

A caracterização da fraude contra credores exige que o ato praticado pelo devedor tenha sido realizado em estado de insolvência, ou que o leve a essa condição, e que essa conduta possa afetar direitos creditórios alheios.

Além disso, cumulativamente, exige-se que o ato esteja maculado pela má fé, ou seja, que o devedor tenha praticado, sozinho ou em conluio com terceiros, ato com o propósito de prejudicar direito creditício alheio. A doutrina chama esses requisitos de eventus damni (ato prejudical ao credor) e consilium fraudis (má fé).

Em sede de definição, pode-se afirmar, então, que a fraude contra credores consubstancia atos praticados pelo devedor insolvente, ainda não acionado judicialmente, visando lesar o credor futuramente, mediante a alienação de seus bens ou direitos.

Ao comentarem a fraude contra credores, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que: “a fraude pauliana ocorre quando houver ato de liberalidade, alienação ou oneração de bens ou direitos, capaz de levar o devedor á insolvência.

Para esses autores, a configuração da fraude contra credores exige a satisfação cumulativa dos seguintes requisitos: Credor quirografário, anteriormente do crédito, ocorrência de dano ao credor e insolvência do devedor por meio de ato de alienação ou oneração. A ciência da consequência do ato e o conluio entre devedor e adquirente são desnecessários para a existência do instituto de que se cuida.

O negócio jurídico celebrado com o escopo de lesar direitos do credor padece de vício e é passível de anulabilidade mediante o manejo de ação pauliana ou de ação revocatória, a ser ajuizada pelo credor quirografário (sem garantias), titular de crédito anterior à alienação ou à oneração.

Com efeitos, poderão ser anulados, pelos credores quirografários, os negócios jurídicos de transmissão gratuita ou onerosa de bens realizados por devedores insolventes ou que os reduzam á tal condição, ainda que o ignorem, por meio da ação pauliana, a qual visa provimento judicial declaratório positivo que reconheça a existência de vício do negócio jurídico (nulidade relativa), impedindo a consumação da fraude contra o credor quirografário.

Importante destacar que a ação pauliana pode ser ajuizada apenas pelo demandante que já era credor ao tempo da alienação fraudenta lesiva, sendo certo que ela não visa à satisfação direta do crédito, mas tão somente restabelecer a garantia patrimonial, impedindo o total esvaziamento patrimonial do devedor, de modo que o credor possa lograr êxito em eventual futura execução, já que haverá bens a serem excutidos.

A fraude à execução é instituto do direito processual, assim como a fraude de execução, sendo que os atos praticados sob essa incivil inspiração são ineficazes, podendo ser declarados incidentalmente, ex officio ou a requerimento da aprte, por simples petição, prescindindo, portanto, de ação declaratória ou constitutiva específica.

Os requisitos para configuração da fraude à execução são o conhecimento judicial ou extrajudicial do devedor de que seus bens encontram-se na iminência de sofrerem constrição judicial, a existência de intenção direta de lesar e causar prejuízos ao devedor e a ausência ou diminuição do ativo ou aumento do passivo, ainda que de foram artificiosa ou simulada.

Importante destacar que segundo o Tribunal Superior de Justiça, o registro da penhora do bem alienado ou a prova da má fé do terceiro adquirente devem ser demonstrados para que seja reconhecida judicialmente a fraude á execução.

Embora haja tecidas considerações sumárias acerca da fraude contra credores, fraude de execução e fraude à execução para se evidenciar que a moldura fática desses institutos tem particularidades que as distinguem do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, na sua forma tradicional (direta) ou inversa (indireta).

Destarte, distintas as molduras fáticas e diversos os contornos jurídicos, não se pode acolher a tese de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica seja um atalho, uma via preguiçosa, para se alcançar o mesmo fim da ação pauliana da fraude contra credores.

Não custa pontuar que a ação pauliana da fraude contra credores á ação autônoma cujo legitimado ativo é o credor quirografário, sem garantia real, ao passo que o trabalhador titular de créditos derivados da legislação do trabalho inferiores a cento e cinquenta salários mínimos, inclusive, e os decorrentes de acidentes de trabalho, é credor privilegiado, e não quirografário por causa da classificação dos créditos contidos na Lei n.º 11.101/05.

Sob essa perspectiva, então, quer se analise a questão sob o ângulo das molduras fáticas dos institutos, quer se reflita a partir dos seus requisitos distintos, o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica é instituto jurídico distinto das várias espécies de fraudes acima tratadas, especialmente a fraude contra credores, não podendo ser considerada, portanto, um atalho para a ação pauliana.

6.1 Da omissão legislativa e o papel da jurisprudência e da doutrina

 

A desconsideração inversa da personalidade jurídica ainda não foi objeto de regramento legislativo. Sua aplicação é obra da jurisprudência e da doutrina.

Esse silencia legislativo quase foi superado. Isso porque a comissão de juristas instituída pelo ato do presidente do Senado Federal n.º 379/09, destinada a elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, fez incluir em seu art. 63, parágrafo único, o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

No Capítulo II do referido anteprojeto, intitulado incidente de desconsideração da personalidade jurídica, havia a previsão do instituto da desconsideração do instituto da desconsideração direta e inversa da personalidade jurídica.

O art. 62 do anteprojeto disciplinava a desconsideração tradicional da personalidade jurídica, ao dispor que:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica.

Já o parágrafo único do art. 63 do anteprojeto, como afirmado, trazia regra acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica, ao prescrever que:

Art. 63. A desconsideração da personalidade jurídica obedecerá ao procedimento previsto nesta Seção.

Parágrafo único. O procedimento desta Seção é aplicável também nos casos em que a desconsideração é requerida em virtude de abuso de direito por parte do sócio.

 

Ocorre que o transcrito parágrafo único do art. 63 do anteprojeto, bem como seu caput, foram suprimidos, não constando mais no Projeto de Lei do Senado n.º 166/2010.

Depois das alterações apresentadas pelo senador Valter Pereira no relatório geral do Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, este contempla apenas regras concernentes á desconsideração da personalidade jurídica, em sua forma tradicional, quais sejam:

Art. 77. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na foram da lei o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.

Parágrafo único. O incidente da desconsideração da personalidade jurídica:

I – pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio;

II – é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também da execução fundada em título executivo extrajudicial.

Art. 78. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis.

Diante do silencia do legislador, a jurisprudência, ladeada pela doutrina, tem se valido da já comentada regra do art. 50 do Código Civil, que autoriza, em caso de abuso da personalidade jurídica, a desconsideração da personalidade jurídica em sua forma tradicional, para fundamentar também a aplicação desse instituto em sua modalidade inversa.

Com efeito, a utilização da pessoa jurídica, com o escopo de frustrar credores mediante a estratégia da integralização dos bens particulares dos sócios no acervo social, configura confusão patrimonial que, por sua vez, caracteriza o abuso de personalidade de que trata teoria maior do art. 50 do Código Civil.

A regra basilar, de que já se cuidou, é a de que o patrimônio social é distinto do patrimônio individual, de modo que, por força do princípio da autonomia patrimonial, apenas os bens da pessoa jurídica respondem por suas dívidas sociais e somente os bens particulares dos sócios respondem por suas dividas particulares.

Há uma incomunicabilidade patrimonial decorrente do princípio da autonomia patrimonial que blinda os patrimônios social e individual, de sorte que os bens particulares não podem ser alcançados pelas dívidas sociais e os bens sociais não podem ser afetados pelas dívidas particulares.

Há regras jurídicas, já citadas nesta obra, que autorizam a relativização dessa blindagem. Especialmente o Código Civil, em seu art. 50, vai permitir que isso ocorra em caso de desvio de finalidade da personalidade jurídica e de confusão patrimonial dos bens sociais e individuais.

Sobretudo nessa segunda hipótese, confusão patrimonial, repousa o substrato fático no qual se tem louvado jurisprudência e doutrina para admitir a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Antes de se trazer os apontamentos da jurisprudência e da doutrina, faz-se necessário informar que algumas vozes afirmam que não existem duas espécies de desconsideração da personalidade jurídica: A desconsideração tradicional (direta) da personalidade jurídica e a desconsideração inversa (indireta) da personalidade jurídica.

Outra questão importante que precisa ficar esclarecida é que o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica tem sido aplicado largamente nas demandas civis, especialmente nas relativas ao direito de família. Ao que tudo indica, foi nesse segmento jurídico que pioneiramente aplicou-se a disregard doctrine em sua vertente inversa.

Aliás, é bom destacar, a decisão paradigmática em matéria de desconsideração inversa da personalidade jurídica é da lavra da ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, no Recurso Especial n.º 948.117, sobre a qual depois serão tecidos alguns comentários, cuja matéria controvertida é de natureza civil.

Isabela Campos Vidigal assim se pronuncia sobre esse campo de incid~ecnia da desconsideração inversa da personalidade jurídica:

Referida teoria tem especial aptidão para incidir sobre o Direito de Família, no qual a mais variada gama de expedientes ardilosos envolvendo a pessoa jurídica é empregada com vistas a fraudar a meação do cônjuge ou convivente e a minorar, artificialmente, a obrigação de prestar alimentos. Os exemplos mais comuns de aplicação da desconsideração inversa são as hipóteses de aquisição de bens próprios do casamento em nome da empresa, da transferência ardilosa dos bens matrimoniais para o acervo patrimonial da sociedade e da instituição de pró-labore em valores ínfimos.

Há incontáveis decisões judiciais que reconhecem a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica no âmbito do direito civil. Pela importância paradigmática, serão tecidos comentários acerca da já referida decisão proferida pela ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, relatora do Recurso Especial n.º 948.117-MS.

Segundo revela o relatório exarado pela ministra em seu voto, Francisco Alves Corrêa Neto ajuizou ação de cobrança em face de Carlos Alberto Tavares da Silva, deduzindo pretensão de recebimento de R$18.990,00 (dezoito mil novecentos e noventa reais), em valores de 30 de março de 1995.

Julgado procedente o pedido condenatório, diante do não cumprimento espontâneo da decisão, Carlos Alberto iniciou execução do título executivo judicial. Em decorrência do não recebimento do valor devido e da inexistência de bens penhoráveis do executado, por meio de decisão interlocutória, o juízo monocrático determinou a desconsideração inversa da personalidade jurídica da empresa TZ Leilões Rurais e Comércio de Carnes LTDA.

Carlos Alberto Tavares da Silva e sua esposa faziam parte do quadro societário da empresa TZ Leilões Rurais e Comércio de Carnes LTDA., dela participando por meio de capital integralizado por quantia de cinco mil reais e amis veículo de alto valor comercial, o qual era utilizado pelos executados apenas para fins particulares.

Diante do conjunto fático probatório, especialmente da alegada insuficiência financeira dos executados que contrastava claramente com o veículo de alto valor econômico de uso apenas particular dos executados, bem como da lesão dos direitos creditórios do exequente aliada à ausência de bens penhoráveis dos devedores, o juízo concluiu que a personalidade jurídica estava sendo usada de forma abusiva.

A confusão patrimonial, ou seja, a integralização dos bens particulares de Carlos Alberto Tavares da Silva e de sua esposa no patrimônio da empresa TZ Leilões Rurais e Comércio de Carnes LTDA., no caso do veículo de alto valor comercial, autorizaram a relativização da autonomia patrimonial para que os bens sociais respondessem pela dívida particular consubstanciada no título judicial exequendo.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica foi, então, a medida jurídica adequada utilizada pelo juízo singular para impedir o abuso da personalidade jurídica caracterizada pela confusão patrimonial, de modo que o veículo de alto valor comercial, aparentemente de propriedade da sociedade, pudesse ser penhorado e alienado para fins de satisfação do crédito reconhecido no título exequendo em favor de Francisco Alves.

Insatisfeito com a decisão interlocutória, Carlos Alberto interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sob o argumento da admissibilidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica quando o devedor utilizar a empresa ou sociedade á qual integra para ocultar seus bens, os quais seriam devidamente penhorados caso estivessem em seu patrimônio particular.

Contra a decisão proferida no bojo do agravo de instrumento, foram opostos embargos de declaração, os quais foram improvidos. Em seguida, foi interposto o recurso especial, oportunidade em que Carlos Alberto declinou suas razões contrárias á desconsideração inversa da personalidade jurídica.

O recorrente apresentou várias teses jurídicas em seu recurso, especialmente a de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica carece de normatização extensiva, do art. 50 do Código Civil, como fez o juízo singular.

À unanimidade, foi negado provimento ao recurso especial. A ministra Nancy Andrighi afirmou em seu voto que a controvérsia limitava-se em se saber se o art. 50 do Código Civil autorizava ou não a aplicação do instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Importante de início apresentar a definição de desconsideração inversa da personalidade jurídica contida no voto da ministra, bem como evidenciar a finalidade jurídica que ela vislumbra na desconsideração da personalidade, quer em sua forma tradicional, quer em sua feição inversa:

De início, impende ressaltar que a desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio.

 

Conquanto a consequência de sua aplicação seja inversa, sua razão de ser é a mesma da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita: combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. Em sua forma inversa, mostra-se como um instrumento hábil para combater a prática de transferência de bens para a pessoa jurídica sobre o qual o devedor detém controle, evitando com isso a excussão de seu patrimônio pessoal.

 

Depois de apresentar a definição, ratio e consequências da desconsideração inversa da personalidade jurídica, a ministra avança para enfrentar a principal tese jurídica do recorrente, de que inexiste previsão normativa a amparar a desconsideração inversa da personalidade jurídica e que ela não pode ser reduzida a partir de uma interpretação extensiva do art. 50 do Código Civil.

Nancy Andrighi inicia suas razões decisórias argumentando que descabe uma interpretação meramente literal do art. 50 do Código Civil para se extrair desse preceito regra que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica apenas em sua forma tradicional.

Segundo a ministra, há que se fazer uma interpretação teleológica do art. 50 do Código Civil, porquanto essa exegese está em sintonia com a telos da disregar doctrine que, como já discorreu, é impedir o abuso da personalidade jurídica instrumentalizado por meio da confusão patrimonial ou do desvio de finalidade.

Restringe-se a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica apenas à hipótese de esvaziamento do patrimônio da empresa ou da sociedade, desconsideração direta, é olvidar o espírito que a anima e desprezar seu conteúdo e alcance ético e axiológico.

O entendimento lançado pela ministra Nancy Andrighi em seu voto acerca da admissibilidade da desconsideração da personalidade jurídica na forma inversa no ordenamento jurídico brasileiro, por aplicação teleológica do art. 50 do Código Civil, passou a ser adotado em incontáveis julgados por todo o Brasil.

Segundo a ministra, o instituto da desconsideração inversa encontra assento nos princípios éticos e jurídicos intrínsecos a esse instituto, bem como em seu telos e ratio. Em suas palavras:

Assim procedendo, verifica-se que a finalidade maior da disregard doctrine, contida no referido preceito legal, é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. A utilização indevida da personalidade jurídica da empresa pode, outrossim, compreender tanto a hipótese de o sócio esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica para fraudar terceiros, quanto no caso de ele esvaziar o seu patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integralizar na pessoa jurídica, ou seja, transferir seus bens ao ente societário, de modo a ocultá-los de terceiros.

Feitas essas considerações, tem-se que a interpretação teleológica do art. 50 do CC/02 legitima a inferência de ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma.

6.2 Do esvaziamento do patrimônio da pessoa jurídica

 

Levando-se em consideração o objeto da disregard doctrine, a qual consiste no desestímulo da utilização de forma indevida do da empresa por seus sócios, onde também se vislumbra nas hipóteses em que o sócio esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza a pessoa jurídica. Aplicar-se-á, nesta senda, a interpretação finalística ao art. 50 do Diploma Civil então vigente, sendo possível a aplicação da então denominada desconsideração inversa da personalidade jurídica, visando atingir os bens que integram o patrimônio da sociedade em virtude de dívidas contraídas pelo sócio controlador, desde que preenchidos os requisitos inscritos na lei.

Apesar disso, vale citar exige-se muita cautela do Magistrado para se aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, principalmente quando se trata de sua aplicação na modalidade inversa, isto por que, em ambas as formas, a desconsideração da personalidade jurídica se configura como uma medida em caráter excepcional. Sendo assim, o Magistrado estará autorizado a remover a fumaça que encobre os sócios da pessoa jurídica, somente quando forem evidenciados pressupostos relativos ao abuso de direito ou a fraude contra credores, devidamente prelecionados pelo art. 50 do CC.

Realmente, somente em se tratando de casos caracterizados pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, é que o juiz encontra-se autorizado a decidir, por meio de requerimento da parte ou do Ministério Público, quando se tratar de hipóteses em que lhe permitem intervir nos autos da ação, que os efeitos de determinadas relações obrigacionais sejam alastradas aos bens particulares dos administradores ou sócios da empresa, dotada de personalidade jurídica. E também, em se tratando da desconsideração inversa da personalidade jurídica se exige, além da prova de insolvência, que seja demonstrada outros dois requisitos, sendo eles, a confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração) ou o desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração).

Desse modo, os sócios da pessoa jurídica, passam a exercer suas atividades empresariais no mundo dos negócios. Onde, pessoa jurídica, dotada de personalidade adstrita aos seus sócios afigura-se como verdadeiro escudo para estes, que muitas vezes é onde se ocultam os protagonistas das relações jurídicas obrigacionais. Logo, no ordenamento jurídico brasileiro, existem 02 (duas) espécies de pessoas, quais sejam as pessoas naturais dos sócios e as pessoas jurídicas. Assim, segundo o saudoso doutrinador Clóvis Beviláqua, “a pessoa jurídica, como sujeito de direito, do mesmo modo que no ponto de vista sociológico, é uma realidade social, uma formação orgânica investida de direitos pela ordem jurídica, a fim de realizar certos fins humanos”.

No mesmo sentido, de forma a reforçar tudo o que acima consta, trazemos a colação as ponderações apresentadas por Freddie Didier Júnior et all de que:

A pessoa jurídica é, portanto, um instrumento técnico-jurídico desenvolvido para facilitar a organização da atividade econômica. Se assim é, o caráter de instrumentalidade implica o condicionamento do instituto ao pressuposto do atingimento do fim jurídico a que se destina. A pessoa jurídica é técnica criada para o exercício da atividade econômica e, portanto, para o exercício do direito de propriedade. A chamada função social da  pessoa jurídica (função social da empresa) é corolário da função social da propriedade, já tão estudada e expressamente prevista na Constituição Federal. O estudo da desconsideração da personalidade jurídica, portanto, deve iniciar-se desta premissa: é indispensável a análise funcional do instituto da pessoa jurídica, a partir da análise também funcional do direito de propriedade, para que se possa compreender corretamente a desconsideração, que, em teoria geral do direito, é sanção aplicada a ato ilícito (no caso, a utilização abusiva da personalidade jurídica).

Vale realçar Código Civil adota a denominação de pessoa jurídica, em razão de esta ser mais expressiva, traduzindo a natureza particular deste segundo gênero de pessoas. Isto porque, a pessoa jurídica encontra-se na sociedade, que lhe atribui a essência que necessita para substituir e desenvolver-se, motivo pelo qual existe apenas em se tratando de matérias jurídicas.

Neste diapasão, se faz necessário lançar mão das lições de Sílvio Rodrigues, principalmente quando leciona que “pessoas jurídicas são entidades a que a lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com personalidade diversa dos indivíduos que os compõem, capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil”.

Nesta seara, o anterior Diploma Civil de 1916, demonstra o fortalecimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a qual já trazia em seu bojo, disposições, conforme se verifica no texto do artigo 20, a seguirtranscrito: “Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”.

Diante do silêncio do legislador, a jurisprudência, ladeada pela doutrina, tem se valido da já comentada regra do art. 50 do Código Civil, que autoriza, em caso de abuso de personalidade jurídica, a desconsideração jurídica em sua forma tradicional, para fundamentar também a aplicação desse instituto em sua modalidade inversa.

Com efeito, a utilização da pessoa jurídica, com o escopo de frustrar credores mediante a estratégia da integralização dos bens particulares dos sócios no acervo social, configura confusão patrimonial que, por sua vez, caracteriza o abuso de personalidade de que trata a teoria maior do art. 50 do Código Civil já transcrito.

A regra basilar, de que já se cuidou, é a de que o patrimônio social é distinto do patrimônio individual, de modo que, por força do princípio da autonomia patrimonial, apenas os bens da pessoa jurídica respondem por suas dívidas sociais e somente os bens particulares dos sócios respondem por suas dívidas particulares.

Há uma incomunicabilidade patrimonial decorrente do princípio da autonomia patrimonial que blinda os patrimônios social e individual, de sorte que os bens particulares não podem ser alcançados pelas dívidas sociais e os bens sociais não podem ser afetados pelas dívidas particulares.

Há regras jurídicas, já citadas nesta obra, que autorizam a relativização dessa blindagem. Especialmente o Código Civil, em seu art. 50, vai permitir que isso ocorra em caso de desvio de finalidade da personalidade jurídica e de confusão patrimonial dos bens sociais e individuais.

Sobretudo, nessa segunda hipótese, confusão patrimonial, repousa o substrato fático no qual se tem louvado jurisprudência e doutrina para admitir a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Antes de trazer os apontamentos da jurisprudência e da doutrina, faz-se necessário informar que algumas vozes afirmam que não existem duas espécies de desconsideração da personalidade jurídica: A desconsideração tradicional (direta) da personalidade jurídica e a desconsideração inversa (indireta) da personalidade jurídica.

Nesse sentido, afirma Isabela Campos Vidigal que:

[...] a teoria da desconsideração da personalidade jurídica consiste em instrumento voltado ao combate de todos os abusos decorrentes da má utilização da estrutura formal da pessoa jurídica. Desse modo, os efeitos decorrentes da aplicação da desconsideração podem gerar tanto a responsabilidade do sócio quanto da sociedade, o que irá depender da espécie de abuso combatido in casu. (VIDIGAL, 2012, p. 27)

Mais adiante, afirma ainda a citada autora, taxativamente, que:

Destarte, conclui-se que, em verdade, a teoria da desconsideração é única, e, dependendo da espécie do abuso, produzirá efeitos no que diz respeito aos sócios ou à pessoa jurídica, podendo, portanto, ser considerada como uma via de mão única, como parece identificar o douto Rolf Madaleno. (VIDIGAL, 2012, p.27).

Rolf Madaleno, citado por Vidigal, pontua acerca dessa questão que:

Assim visto, em conclusão narrativa, sociedade e sócios podem responder pelo uso abusivo, fraudulento ou simulado da sociedade, direta e inversamente, ora atingindo os bens sociais, ora responsabilizando os sócios e até a sociedade, quando se tratar de utilizá-la abusivamente, no maldoso afã de fugir escancaradamente ao dever pessoal de alimentação (VIDIGAL, 2012, p. 27).

Analisando-se as ponderações dos dois autores, verifica-se que para eles não há uma dualidade do instituto da desconsideração da personalidade, uma desconsideração direta e uma desconsideração inversa, mas tão somente um único instituto que pode direcionar os efeitos da relativização da autonomia patrimonial para o patrimônio social ou para o patrimônio particular.

Não obstante os posicionamentos acima, doutrina e jurisprudência majoritárias entendem pela existência da desconsideração da personalidade jurídica em suas formas direta (tradicional) e inversa. Isso ficará evidente nas informações que serão trazidas adiante.

Apesar de não haver norma vigente tratando expressamente do tema, como já acima referendado, a jurisprudência e a doutrina já admitem tal espécie de "desconsideração" em situações excepcionais.

A 3ª Turma do STJ, no REsp 948.117-MS, julgado em 22.06.2010, por meio da Ministra Nancy Andrighi ponderou: "Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma".

Contrariamente, na desconsideração inversa, embora a sua aplicação tenha também o escopo de coibir fraudes, nela o juiz olvida o princípio da autonomia patrimonial para afetar os bens da sociedade ou da empresa, para que estes responsam pelas obrigações particulares dos sócios. Nessa situação, a blindagem do patrimônio societário, igualmente protegida pela autonomia patrimonial, é afastada, alcançando-se o patrimônio da pessoa jurídica.

Acerca do instituto em comento, Fábio Ulhoa Coelho assim o define:

Trata-se de responsabilizar a sociedade por dívidas do sócio, caso este, para perpetrar fraudes a seus próprios credores, transfere seus bens para a empresa, continuando a frui-los livremente [...]. A desconsideração inversa pode vir a ser medida de extrema utilidade em matéria de Direito de Família, considerando a possibilidade de um dos cônjuges transferir bens de valor para a empresa que integre, com o escopo de fraudar futura partilha.


A aplicação da desconsideração inversa, da mesma forma que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, não visa a anulação da personalidade jurídica, mas apenas a declaração da ineficácia para determinado ato. (COELHO, 1999, p. 45)

Convém tecer algumas considerações acerca da ratio da desconsideração inversa da personalidade jurídica, a qual se identifica com a mesma da desconsideração tradicional, disciplinada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Embora já sedimentada a denominação, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, não parece adequado o nome atribuído: “Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica”.

Isto porque, não há propriamente desconsideração nessas situações e sim transferência fraudulenta de bens por parte do devedor a terceiro. Tais casos devem ser tratados como fraude (contra credores ou de execução, conforme o caso) ou como simulação. O fato de o terceiro ser uma pessoa jurídica da qual é sócio o devedor não descaracteriza o ato de transferência como fraude ou simulação. E a fraude contra credores tem requisitos próprios para a sua configuração, variáveis conforme a alienação seja gratuita ou onerosa.

Ademais conforme o caso, os efeitos também são variáveis. A fraude contra credores tem como efeito a ANULAÇÃO, enquanto a fraude de execução a ineficácia e a simulação a NULIDADE.

No que versa à desconsideração inversa da personalidade jurídica, denota-se que a mesma trata-se de medida em que há gera por conseguinte, o afastamento da autonomia patrimonial da empresa, com o condão de ocorrer à desconsideração da personalidade propriamente dita, com a finalidade de atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, visando responsabilizar a pessoa jurídica pelas obrigações pessoais do sócio.

Outrossim, não é considerado como suficiente apenas a simples verificação de insolvência da pessoa jurídica, situação em que não se amolda a ocorrência de fraude na utilização da separação patrimonial.

Insta salientar, o tema em comento, como dito anteriormente, se apresenta como instrumento capaz de coibir a utilização da pessoa jurídica para fins ilícitos que a pressupõe, uma vez que caso o credor da organização não puder fazer prova da fraude perpetrada, suportará este os danos oriundos da insolvência da devedora.

Isto porque, caso não haja quaisquer desvirtuamento da função social da pessoa jurídica, não há fundamento legal para que ocorra sua desconsideração.

Assim sendo, o primeiro a tratar do tema da desconsideração da personalidade jurídica fora o Prof. Fábio Konder Comparato,  demonstrando com muita propriedade seguinte lição: “Aliás, essa desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no sentido da responsabilidade do controlador por dívidas da sociedade controlada, mas também em sentido inverso, ou seja, no da responsabilidade desta última por atos do seu controlador. A jurisprudência americana, por exemplo, já firmou o princípio de que os contratos celebrados pelo sócio único, ou pelo acionista largamente majoritário, em benefício da companhia, mesmo quando não foi a sociedade formalmente parte no negócio, obrigam o patrimônio social, uma vez demonstrada a confusão patrimonial de facto”.

E no mesmo sentido, continua o mestre das Arcadas destacando que, relativamente ao entendimento jurisprudencial brasileiro que: “Tem-se desconsiderado, com frequência, a personalidade jurídica das sociedades constituídas unicamente de marido e mulher, sob a alegação de nulidade. Mas tal hipótese é, propriamente, de despersonalização e não de desconsideração da pessoa jurídica”.

Outrossim, a fraude que rechaçada pela desconsideração da personalidade jurídica em sua modalidade invertida é, principalmente, o desvio dos bens, onde o devedor de forma doloso transfere, seus bens para a sociedade a qual integra como sócio e possui o total controle, continuando a usufruí-los, mesmo mais integrando seu patrimônio de direito, e sim da organização a qual controla.

Inicialmente, aqueles que detém títulos de crédito não poderão responsabilizá-lo, no que tange a eventual execução de referidos bens, uma vez que integram o acervo patrimonial do ente dotado de personalidade jurídica. Nesta senda, evidencia-se, que a aplicação na prática da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica, busca blindar a prática de fraudes em face dos credores do sócio, o qual, com a intenção de lançar de burlar o sistema jurídico ordinário, lança mão da prática da transferência dos bens que integram seu patrimônio pessoal ao da pessoa jurídica que controla.

Vale também refutar que aludido instituto, aplicar-se-á, quando verificada que houvera a transferência do patrimônio pessoal do sócio para a pessoa jurídica.

Ademais, sabe-se que privadas as diligências no tocante a busca de bens, o sócio de forma ardilosa irá efetuar retiradas do patrimônio da organização que integra no patamar necessário a mantença do padrão de vida seu ou de seus familiares, deixando seus credores a míngua.

Outrossim, torna-se necessário analisar os posicionamentos jurisprudenciais oriundos dos Tribunais de Justiça de nosso pais, sendo utilizados como verdadeiro arrimo, porquanto, ao demonstrarem seu posicionamento sobre determinadas situações jurídicas, amoldam-se normas de caráter genérico e abstratas traçando novos nortes a serem seguidos pelos legisladores.

Nestes termos, podemos verificar:

 

Ementa: Agravo de Instrumento. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Possibilidade. Assim, diante das inúmeras e infrutíferas tentativas de localizar bens em nome dos executados capazes de garantir o juízo executório, bem como da confusão havida entre o patrimônio de seu sócio majoritário, ao lado de sua esposa, e da sociedade que o mesmo integra, possível afigura-se a desconsideração inversa da personalidade jurídica determinada na origem.  Em decisão monocrática, dou provimento ao agravo de instrumento.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Vigésima Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 70041914102/ Rel. Desembargador Glênio José Wasserstein Hekman/ Julgado em 04.04.2011)  (destaquei)

 

Ementa: Apelação Cível. Locação. Embargos de Terceiros. Penhora. Desconsideração de Personalidade Jurídica Reconhecida, na forma inversa. Existência de dados fáticos que autorizam a incidência do instituto. Possibilidade da penhora de bens da empresa autorizada diante das circunstâncias excepcionais comprovadas nos autos e já destacadas pela sentença, que vai confirmada por seus fundamentos. APELO IMPROVIDO.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - Décima Sexta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70017992256/ Rel. Desembargadora Helena Ruppenthal Cunha/ Julgado em 07.03.2007) (destaquei)

Assim sendo, com a ausência da separação da pessoa jurídica da pessoa natural de seu sócio, deixando claro qual patrimônio pertence a cada uma das pessoas supra mencionadas, bem como a responsabilidade de cada um, gerou-se por conseguinte, estabeleceu-se por sua vez, uma ampla forma de utilização indevida da pessoa jurídica, sendo instrumento de fraude para prejudicar terceiros.

É juridicamente recomendável que a decretação da desconsideração da personalidade jurídica não implique no sacrifício absoluto do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, cuja fruição deve ser assegurada, ainda que não seja com a mesma amplitude do módulo cognitivo, que a exige por causa da res dúbia.

O art. 78 do Projeto do Novo Código de Processo Civil tenta apaziguar tormentoso dissenso jurisprudencial e doutrinário ao dispor que sócio, terceiro ou pessoa jurídica deverá ser citado para se manifestar em 15 (quinze) dias sobre o requerimento da desconsideração da personalidade jurídica, bem como para, no mesmo prazo, requerer as provas cabíveis.

Importante reafirmar que a desconsideração da personalidade jurídica, segundo o art. 77 do citado projeto, poderá ser realizada em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título extrajudicial.

O Projeto do Novo Código de Processo Civil, ao que tudo indica, tenta conciliar as exigências de se assegurar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa sem desprezar a lógica e os princípios éticos e jurídicos da disregard doctrine.

Cabe asseverar que a desconsideração da personalidade jurídica em sua modalidade inversa, possui como principal aspecto que a autoriza o desvio da autonomia patrimonial da sociedade personificada, para, de forma contrária a desconsideração da personalidade jurídica originária, alcançar o patrimônio da pessoa jurídica, conferindo responsabilidade a esta por meio de obrigações do sócio desta.

No entanto, em virtude de da aplicação na modalidade inversa, sua existência é idêntica a da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, a qual busca evitar a utilização indevida da empresa dotada de personalidade jurídica por seus sócios, onde, em se tratando de sua modalidade inversa, revela-se como um meio capaz de desestimular a prática da transferência dos bens integrantes do acervo patrimonial do sócio a empresa o qual este detém o controle, evitando por via de consequência a excussão de seu patrimônio pessoal.

6.3 Da desconsideração inversa da personalidade jurídica e execução trabalhista

O Código Civil de 2002 apresentou uma pauta axiológica de despatrimonialização, socialização e solidarização do direito. Balizam essas diretrizes os princípios da eticidade, da socialidade, da operabilidade e da concretude.

Energizado pelo princípio da socialidade, o imperativo da função social da empresa alcançou maior densidade normativa no âmbito do Código Civil em vigor. Por meio de suas cláusulas gerais, o Estatuto Civilista imantou seus institutos jurídicos, tais como os contratos, a propriedade, a empresa, entre outros, ao vetor legitimante da função social.

A delimitação jurídico semântica do que se convencionou chamar de função social não é pacífica no Direito. Para uma linha argumentativa, a função social da empresa pode ser deduzida, basicamente, a partir da função social da propriedade privada, mantendo com esta, portanto, uma relação de dependência. Já para outra corrente reflexiva, a função social da empresa apresenta autonomia lógico legal, sendo, desse modo, princípio independente, dedutível de outas regras e princípios constitucionais.

É inegável o reconhecimento do Constituinte Originário da relevância social, jurídica e econômica da empresa. Tanto isso é verdade que a livre iniciativa é princípio fundante do Estado Democrático de Direito, prevista no art. 1º, IV da Constituição da República de 1988, ladeado por outro que se encontra no mesmo endereço legislativo, o dos valores sociais do trabalho.

Interpretação mais restritiva pode conduzir à exegese de que a função social da empresa é extraível pura e simplesmente da função social da propriedade privada. Nada obstante a inegável força desse fundamento, a sua densidade normativa é, contudo, mais rarefeita. Isso se percebe mais facilmente quando se almeja extrair dessa interpretação balizas argumentativas atinentes á desconsideração da personalidade jurídica, na sua forma inversa ou direta.

Sob outra perspectiva hermenêutica mais expansiva, pode-se, porém, colher em vários outros dispositivos constitucionais elementos que desvelam o imperativo jurídico da função social da empresa. Para tanto, necessário se faz deitar com mais vagar e circunspeção o olhar sobre o Texto Constitucional, para dele colher novos elementos argumentativos. Assim procedendo, as raízes da função social da empresa ganham maior robustez, profundidade e consistência jurídica.

Nessa linha de raciocínio, a delimitação semântica da função social da empresa passa, então, pela exigência de respeito e deferência a um complexo de valores, princípios e regras constitucionais. Essa visão, como se nota, está para além da tese jurídica de que a função social da empresa pode ser suficientemente compreendida a partir de uma simples dedução da propriedade privada.

Por evidente que, sob a segunda óptica, a ideia síntese de função social da empresa torna-se mais complexa e a identificação de seu sentido, alcance e fronteiras vai exigir do intérprete e aplicador do Direito maior esforço hermenêutico.

Quando a empresa deixa de se guiar pelos princípios da boa fé objetiva, da eticidade, da socialidade, da operabilidade e da concretude, como sucede nas condutas de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, que importam em lesão e prejuízos ao credor trabalhista, ela despreza o imperativo da função social, autorizando a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, em sua forma tradicional ou inversa.

Os argumentos favoráveis á aplicação da desconsideração direta da personalidade jurídica já foram declinados em outra oportunidade. Tratar-se-á, doravante, do cabimento de sua forma inversa na execução trabalhista.

Antes de tudo, é importante ressaltar que não existe dispositivo legal expresso acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica, ao contrário da desconsideração da personalidade jurídica, cujos balizamentos normativos básicos são o art. 50 do Código Civil (Teoria Maior) e o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (Teoria Menor).

Assim sendo, a lacuna normativa na fase de execução trabalhista autoriza a aplicação subsidiária da Lei de Execução Fiscal, Lei n.º 6.830/80, conforme regra contida no art. 889 da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo a qual:

Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

Omissa a Lei de Execução Fiscal, poderá ser aplicado, então, como fonte subsidiária, o Código de Processo Civil. A aplicação desse Código ou da Lei de Execução Fiscal exige a ocorrência das regras com os princípios, com as regras e com os fins do processo trabalhista.

Interessante destacar que autores há que sustentem que deve ser observada a seguinte ordem em caso de omissão legislativa em matéria de execução trabalhista: Primeiro deve se buscar, na Lei de Execução Fiscal, as regras supletivas. Sendo essa lei omissa, dever-se-á, em seguida, procurar no Código de Processo Civil as regras supletórias.

A lei de Execução Fiscal ou o Código de Processo Civil serão aplicados em decorrência da inequívoca omissão da Consolidação das Leis do Trabalho acerca da matéria.

Neste momento, em razão do recorte epistemológico desta obra e da existência de lacuna normativa no Texto Consolidado, se faz prescindível e desnecessária, aqui, a discussão aprofundada sobre a interpretação evolutiva do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Como se sabe, há correntes de pensamentos que defendem que devem ser aplicadas regras de outros estatutos jurídicos, não apenas em caso de lacuna normativa da Consolidação das Leis do Trabalho, mas também em situações de lacunas axiológicas e ontológicas.

O argumento central dessa importante linha de raciocínio repousa na tese jurídica de que o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho foi concebido, originalmente em 1943, ano de publicação dessa lei, apenas como cláusula de contenção.

A mens legis do art. 769 do Texto Consolidado era impedir a aplicação indiscriminada das regras contidas no então vigente Código de Processo Civil de 1939, as quais, de ordinário, eram menos benéficas aos trabalhadores do que as regras celetistas.

Em razão da vedação do non liquet, que proíbe o magistrado de não decidir alegando ausência de lei, o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho autorizou o julgador a se socorrer das regras do Código de Processo Civil de 1939 somente quando omisso o Texto Consolidado. Interessante observar que já houve ocasião em que o processo romano autorizava o non liquet diante da ausência de regra.

Contudo, contemporaneamente interpretação evolutiva do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho acolhe a tese de que, ainda que não omissa essa lei, poderá o julgador se valer de regras de outros diplomas legais, sobretudo o Código de Processo Civil, quando sua incidência propiciar maior efetividade da legislação social trabalhista, constitucional ou infraconstitucional.

Importante destacar que não se pode transferir ao trabalhador os riscos e os prejuízos decorrentes do empreendimento e da falta de diligência dos sócios de se fiscalizarem mutuamente. Se um dos sócios transfere bens pessoais para o patrimônio social ou para outra pessoa jurídica, não pode o credor trabalhista ver seu crédito inadimplido sob a alegação de que deve provar o instituto fraudulento ou de que a pessoa jurídica não pode suportar os ônus decorrentes dos atos ilícitos exorbitantes de seus sócios.

Admitir essas teses jurídicas invocando, entre outros, a necessidade de exaurimento absoluto do devido processo legal, seria uma forma de premiar o sócio infrator que descurou da boa fé objetiva, da função social da empresa e punir o credor trabalhista negando-lhe o reconhecimento do trabalho como direito social fundamental. Além disso, seria grave violação ao princípio constitucional da legalidade, art. 5º, II e ao princípio celetista da alteridade, art. 2º da CLT, porquanto os riscos do empreendimento são do tomador de serviços.

Neste diapasão, torna-se muito frágil o argumento de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica não pode ser aplicada na execução trabalhista porque carece de previsão normativa. Muito antes pelo contrário, como se mostrará no item seguinte. Por meio de interpretação sistemática, são identificadas vários argumentos jurídicos que justificam sua aplicação no processo executivo trabalhista.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito é fundamental ao acesso universal à justiça proclamado pela Constituição da República brasileira de 1988, gerou a atração para o Estado Juiz o dever de prestar ao jurisdicionado uma tutela jurisdicional integral. Isso significa que a efetividade das decisões judiciais, materializada na entrega do bem jurídico pleiteado em juízo pelo demandante, constitui direito fundamental do cidadão e exigência do Estado Democrático de Direito.

É importante destacar que não há, em nosso ordenamento jurídico, legislação específica que aborde a Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica, mas apenas decisões jurisprudenciais que entendem a sua aplicação. No entanto, merece registro o fato de que a Desconsideração Inversa encontra-se, atualmente, em grande estágio de amadurecimento.

Alguns princípios regentes da execução em geral, e da execução trabalhista em particular, informa essa busca, tais como os princípios da igualdade de tratamento das partes, da primazia do credor trabalhista, da utilidade da execução para o credor e da não prejudicialidade do devedor. Eles cumprem papel relevante nessa difícil tarefa.

A satisfação do direito trabalhista no bojo do processo executivo trabalhista é um dos maiores, senão o maior desafio da Justiça do Trabalho atualmente. Com frequência, inúmeros devedores trabalhistas se utilizam de estratagemas para se furtar ao dever de respeito à legislação social trabalhista e ao cumprimento da decisão judicial, tal com sucede com o desvirtuamento finalístico de importantes institutos jurídicos.

Com efeito, a personalidade jurídica tem sido utilizada de forma abusiva por muitos empregadores com o propósito de impedir a fruição, pelos trabalhadores, de seus direitos trabalhistas. Desprezando a função social da empresa e da boa-fé, o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, e o seu emprego como forma de obstaculizar a satisfação dos créditos dos credores têm sido recorrentes.

Para enfrentar essa e outras situações, a Justiça do Trabalho passou a empregar nas execuções trabalhistas a desconsideração da personalidade jurídica, com base na Teoria Menor, com o propósito de assegurar a efetivação dos direitos materiais trabalhistas e garantir o resultado útil do processo. Na aplicação desse instituto, o magistrado trabalhista desconsidera episodicamente o princípio da autonomia patrimonial para que os bens particulares dos sócios possam responder pelas dívidas sociais.

A Justiça do Trabalho tem aplicado a teoria Menor para realizar a desconsideração direta da personalidade jurídica no bojo da execução trabalhistas por causa da ordinária hipossuficiência ou vulnerabilidade do trabalhador, da evidência de que seria muito difícil para ele provar que os sócios da sociedade praticaram atos abusivos e fraudulentos, da alteridade e do fato de que o crédito pretendido pelo trabalhador tem natureza alimentar.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica tem sido aplicada atualmente pelos regionais trabalhistas e pelo Tribunal Superior do Trabalho. Há quem sustente que não há duas espécies de desconsideração, uma direta e uma inversa. Por meio dela, o magistrado desconsidera o princípio da autonomia patrimonial para que os bens sociais possam ser alcançados para solver dívidas particulares de seus sócios, com o escopo de coibir fraudes e abuso de personalidade.

Dessa forma, há que se assegurar aos executados o exercício desses direitos e garantias processuais fundamentais. Por outro lado, a pretexto de se respeitar o devido processo legal e o amplo exercício do contraditório à execução trabalhista, sobretudo num contexto fraudulento.

De fato, os princípios éticos e jurídicos da disregard doctrine, o imperativo da função social das empresas, os princípios civilistas da eticidade e da socialidade, os princípios da execução trabalhista e o reconhecimento e a proteção social do valor do trabalho justificam a aplicação da desconsideração inversa na execução trabalhista.

Está sedimentada no Superior Tribunal de Justiça a desconsideração inversa ou direta da personalidade jurídica, independente de ação própria, podendo ser efetivada no bojo do processo de execução falimentar, desde que satisfeitos os requisitos legais. Isso porque a desconsideração trata de um incidente processual, e não de processo incidente.

A inexigibilidade de ação própria, porém, não representa autorização para desrespeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, porquanto aos afetados pela desconsideração inversa deverá ser assegurada oportunidade processual para impugnar, por meio de instrumentos processuais idôneos, recursos, embargos, impugnação ao cumprimento de sentença e medida judicial constritiva.

Diante disso, convém ressaltar que a jurisprudência pátria, em harmônico entendimento com a doutrina, acolheu a Desconsideração da Personalidade Jurídica em sua forma inversa.

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Sobre o autor
Victor Olivi Bailão

Formado em Administração de Empresas e Direito, pós graduado em Controladoria e Finanças.<br><br>

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