1) Introdução
Não é propósito deste estudo definir o poder normativo da Justiça do Trabalho, examinar sua natureza e discutir sua conveniência em nosso sistema como meio de solução dos conflitos coletivos de trabalho. A tarefa da qual procurarei me desincumbir é a de estudar seus limites materiais, diante das modificações introduzidas pela Constituição Federal de 1988 quando trata desse poder, especialmente em razão das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal delimitando seu alcance.
Esse intento, no entanto, exige que se verifiquem, ainda que superficialmente, questões que concernem à natureza jurídica do poder normativo, pois seu enquadramento como atividade própria do Poder Judiciário ou do Legislativo influi, sem dúvida, na sua delimitação material. Procurarei fazer esse estudo, dando ênfase especialmente à utilização da eqüidade nas decisões normativas, conceito-chave para a investigação que proponho.
Não será exagero, assim, fazer uma resumida distinção da atuação da Justiça do Trabalho nos conflitos coletivos, bem como um breve relato do surgimento do poder normativo em nosso sistema constitucional, para estabelecer com clareza qual o objeto de nosso estudo. É necessário não confundir o chamado poder normativo com outras competências específicas da Justiça do Trabalho quando soluciona conflitos coletivos de trabalho, pois nem sempre, nessa intervenção, esse ramo especializado do Judiciário está no exercício de um poder normativo.
2) Definição do poder normativo da Justiça do Trabalho
A diferenciação doutrinária é por demais conhecida. A intervenção da Justiça do Trabalho nos conflitos coletivos se faz por meio de sentenças proferidas em dissídios coletivos, que se distinguem em dissídios de natureza jurídica e econômica. São jurídicos os "conflitos fundados em norma preexistente em torno da qual divergem as partes, quer para sua aplicação, quer para sua interpretação" [1]. Sua finalidade é a interpretação do Direito, mas sempre diante de um caso concreto. Como lembra pedro vidal neto, em sua monografia sobre o poder normativo da Justiça do Trabalho, "é a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica. Trata-se de uma ação de natureza declaratória perfeitamente compatível com os princípios processuais comuns" [2]. São ações coletivas declaratórias, inseridas na atividade jurisdicional própria do Poder Judiciário. Não estamos ainda no campo do poder normativo.
Nos dissídios coletivos, muitas vezes a Justiça do Trabalho se vê na necessidade de examinar atos de trabalhadores e empregadores relacionados ao direito de greve. A greve é, por definição, um movimento coletivo de paralisação do trabalho. A abusividade no exercício desse direito, a ação patronal ilegal o impedindo, a necessidade de manutenção de serviços essenciais à população são matérias que decorrem da natureza coletiva desses conflitos. Adequado, assim, o exame dessas questões em sede de uma ação coletiva, ainda que se possa dissentir das regras relacionadas à competência funcional originária para o conhecimento do dissídio coletivo decorrente de greve. Novamente é pedro vidal neto quem destaca que "a hipótese é de ação coletiva de natureza declaratória. Não se trata de interpretação de lei em tese, mas de interpretação da lei frente a um caso concreto: uma determinada greve" [3]. A sentença, no caso, é meramente declaratória, caracterizando típica atuação do poder jurisdicional da Justiça do Trabalho. Também aqui não ingressamos no terreno do poder normativo.
É nos chamados dissídios coletivos de natureza econômica que podemos falar em poder normativo da Justiça do Trabalho. Como preleciona o eminente Ministro orlando teixeira da costa, essa competência normativa é "o poder atribuído pela Constituição (art. 114) à Justiça do Trabalho, para conciliar e julgar dissídios coletivos de natureza econômica, estabelecendo normas e condições para todos os integrantes de categorias empregada e empregadora afins, quando as mesmas, manifestando antagonismos e divergências, recusam-se a resolvê-los mediante negociação coletiva ou arbitragem" [4].
Nos dissídios coletivos de natureza econômica, denominação nem por todos aceita, pois restritiva quanto à abrangência da matéria ali debatida, a Justiça do Trabalho não realiza típica atividade jurisdicional. Sabe-se que a jurisdição se caracteriza pela aplicação do direito já existente a um caso concreto. Como ensina o nosso grande processualista cândido rangel dinamarco, ao tratar dos escopos da jurisdição, "dessa destinação do poder estatal sub specie jurisdictionis, decorre uma característica muito visível, que é a sua aplicação a casos concretos. Não é mais lícito pensar nessa concreção como manifestação de restrições individualistas ao exercício da jurisdição (se bem seja assim a estrutura fundamental da sua disciplina positiva ainda em tempos atuais), mas parece indubitável que a jurisdição não tem vocação às generalizações ou ao abstrato, como é próprio da função legislativa" [5].
Não é hora de debater tão polêmico conceito, nem de aprofundar qual o papel do juiz no exercício da atividade jurisdicional. Mas qualquer que seja a corrente doutrinária, não se nega à jurisdição sua função típica de aplicadora e não criadora do direito. Quando no exercício do poder normativo, no entanto, a Justiça do Trabalho foge desse papel, pois cria direito novo, cria norma nova, abstrata e genérica, buscando a solução de conflitos econômicos ou de interesse entre categorias de trabalhadores e empregadores.
Nesse trabalho, portanto, ao falar dos limites do poder normativo da Justiça do Trabalho, estarei tratando apenas do exercício dessa atividade específica de criação de novas condições de trabalho na solução dos conflitos coletivos de natureza econômica que não são resolvidos pela negociação direta e pela arbitragem. Estão fora dessa análise os dissídios coletivos de natureza jurídica e os que tratam da aplicação da lei de greve, em que a atividade da Justiça do Trabalho é eminentemente jurisdicional.
3) Breve histórico do poder normativo
O poder normativo da Justiça do Trabalho nasceu junto com ela, ainda na sua fase administrativa. Faz parte do processo de implantação da legislação trabalhista de nítido caráter corporativista, que tanto entusiasmava o novo governo que assumia a direção do País no início da década de 1930. Como bem assevera josé augusto rodrigues pinto, o corporativismo nas relações de trabalho era "peça fundamental da integração Estado/empresa, envolvendo o trabalho, fator essencial ao desenvolvimento desta última. Por isso, o traço mais forte do nosso modelo legislativo saiu da Carta del Lavoro italiana, de 1927, que consolidou a autorização ao Judiciário para criar condições de trabalho, fundando-se no princípio da eqüidade que deveria presidir a solução dos conflitos de interesses entre as categorias profissionais e econômicas" [6].
Já com a criação, por Lindolfo Collor, primeiro Ministro do Trabalho do Brasil, em 1932, de Comissões Mistas de Conciliação entre empregados e empregadores, e do Conselho Nacional do Trabalho, buscava-se uma solução para os conflitos coletivos de trabalho. Em 1936 foi remetida mensagem presidencial à Câmara dos Deputados com o anteprojeto de criação da Justiça do Trabalho, que deu origem à famosa polêmica entre Oliveira Viana, um dos responsáveis pela elaboração do projeto, e Waldemar Ferreira, seu relator na Comissão de Constituição e Justiça, que tinha como um dos pontos mais controvertidos exatamente a previsão de competência normativa para o órgão que se criava.
Em 1939, o Dec.-lei n. 1.237, de 1939, deu organização à Justiça do Trabalho, como órgão administrativo, prevendo a competência normativa para os Conselhos Regionais do Trabalho, no julgamento de dissídios coletivos. O art. 94 do mencionado Dec.-lei balizava o conteúdo dessas decisões ao estabelecer que "na falta de disposição expressa de lei ou de contrato, as decisões da Justiça do Trabalho deverão fundar-se nos princípios gerais do direito, especialmente do direito social, e na eqüidade, harmonizando os interesses dos litigantes com os da coletividade, de modo que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público". É a primeira referência legal à solução dos conflitos de interesse pela Justiça do Trabalho, que não se limita a um juízo legal, podendo a autoridade decidir por um juízo de eqüidade.
Em 1946, a Constituição que redemocratizou o País incorporou a Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, mantendo o que já havia sido estabelecido no Dec.-lei n. 9.797, do mesmo ano. Na Carta de 1946, definiu-se a competência da Justiça do Trabalho para conciliar e julgar dissídios individuais e coletivos do trabalho, com expressa previsão, no seu art. 123, § 2.º, de um poder normativo, nos seguintes termos: "A lei especificará os casos em que as decisões nos dissídios coletivos poderão estabelecer normas e condições de trabalho". A competência normativa é agora expressa, ainda que condicionada à previsão da legislação ordinária.
A Constituição Federal de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969, manteve integralmente o texto da Carta de 1946, substituindo apenas o vocábulo "casos" pela palavra "hipóteses". A Justiça do Trabalho manteve sua competência para estabelecer novas condições de trabalho, quando autorizada pela lei ordinária.
Na Constituição Federal de 1988, significativa alteração sofreu a regra que previa essa competência normativa. O art. 114 do novo texto constitucional dispõe sobre a competência da Justiça do Trabalho na solução dos conflitos coletivos de trabalho dizendo, no seu § 2.º, que "recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho".
A modificação é significativa. O poder normativo, exercido nos casos especificados pela lei, passaria apenas a respeitar as disposições convencionais e legais mínimas. Alargou-se o poder normativo da Justiça do Trabalho, que agora tem apenas um limite mínimo a ser respeitado, ou permanece ele ainda limitado por outros parâmetros fornecidos pelo ordenamento jurídico. É essa a questão que esse trabalho passa a enfrentar.
4) Os limites do poder normativo no sistema constitucional anterior a 1988
Não parece haver dúvida de que o poder normativo da Justiça do Trabalho, nas Constituições de 1946 e 1967, com a Emenda n. 1, de 1969, sofria limitações da lei ordinária. A referência era expressa no texto constitucional, pois o legislador ordinário iria especificar em que hipóteses a Justiça do Trabalho poderia criar novas normas e condições de trabalho no julgamento dos dissídios coletivos.
Há que se considerar, no entanto, como bem registra o Ministro orlando teixeira da costa, que "essas hipóteses jamais foram sistematicamente enumeradas por qualquer lei, o que levou os Tribunais a um esforço de pesquisa e de exegese, para encontrar a autorização legislativa quanto ao uso dessa competência..." [7]. Em raras oportunidades se encontrava lei tratando da matéria, podendo ser lembrada a regra do art. 766 da CLT, quando se refere a "dissídios sobre estipulação de salários", como um desses casos isolados em que o poder normativo podia ser exercido por expressa autorização da lei. Na maioria dos casos, no entanto, a competência normativa era desenvolvida por um esforço de interpretação a fim de descobrir a autorização legal necessária.
Essas dificuldades fizeram com que a doutrina apresentasse concepções diversas sobre a limitação do poder normativo àquela época. Aproveitando-se do estudo aprofundado da matéria realizado pelo Professor e Magistrado pedro vidal neto [8], talvez quem mais tenha cuidado desse tema sob o ângulo jurídico, verifica-se que parte considerável da doutrina tinha a convicção de que o âmbito de atuação do poder normativo da Justiça do Trabalho era o mesmo das convenções coletivas. Cita o Professor Pedro Vidal Neto o entendimento de Rezende Puech, para quem havia identidade do campo de ação da convenção coletiva e da sentença normativa, pois ambas cobriam a mesma lacuna. Sustentava esse entendimento o papel desempenhado pelos dois mecanismos de solução dos conflitos coletivos de trabalho, já que a sentença normativa era o sucedâneo da convenção coletiva malograda. Dessa forma, aquilo que poderia ser objeto de convenção coletiva também poderia ser objeto de decisão da Justiça do Trabalho. A autorização legal se encontrava exatamente na obrigatoriedade da negociação coletiva (art. 616 e parágrafos) para a instauração do dissídio coletivo.
Essa interpretação foi contestada por doutrinadores como Wilson de Souza Campos Batalha, Eduardo Gabriel Saad e Antonio Lamarca, que apresentavam concepção restritiva do poder normativo. Para Batalha, o poder normativo estava restrito às chamadas cláusulas salariais, como as de reajustes e suas cláusulas acessórias, concernentes à data-base, aos critérios aplicáveis aos empregados admitidos posteriormente, à data de vigência e outras da mesma natureza. Segundo batalha, citado por pedro vidal neto, à Justiça do Trabalho "não foi deferida competência para fixar normas além das normas legais e muito menos para modificar ou alterar cláusulas dos contratos existentes ou do direito consuetudinário laboral" [9].
lamarca, lembra pedro vidal neto, é taxativo: "o poder normativo da Justiça do Trabalho limita-se à cláusula salarial, porquanto o legislador não editou lei regulamentadora, senão da parte salarial" [10]. Havendo política salarial estabelecendo índices oficiais de reajustes salariais, o poder normativo é meramente administrativo e se restringe a atos homologatórios de índices oficiais.
A posição intermediária parece que acabou prevalecendo na doutrina e na jurisprudência. O próprio Professor pedro vidal neto é defensor dessa concepção, observando não ser possível a decisão da Justiça do Trabalho, de caráter heterônomo, ter a mesma extensão que o poder negocial das partes: "As partes podem ajustar validamente a concessão de número indefinido de benefícios de toda a sorte, não conferidas ao trabalhador por lei. Não se vê com que fundamento a sentença normativa poderia impor benefícios cuja obrigatoriedade não é estatuída pela própria lei e que não tenham sido voluntariamente acatadados" [11].
Por outro lado, lembra o eminente Professor, nem toda autorização legal está expressa no ordenamento jurídico. Afirmando que o poder normativo é uma modalidade do poder jurisdicional comum, quando orientado para o preenchimento das lacunas do ordenamento jurídico, e fazendo uso da chamada doutrina dos poderes implícitos, pedro vidal neto delimita a amplitude do poder normativo da Justiça do Trabalho com o seguinte enunciado: "à Justiça do Trabalho cabe dar eficácia às normas trabalhistas em vigor, aplicando-as e interpretando-as em conformidade com suas finalidades e com os princípios do ordenamento jurídico; em conseqüência, tem competência para dispor as normas complementares necessárias à efetiva atuação do direito positivo vigente" [12]. Trata-se de um comando implícito da norma, que podia ser revelado pelo poder normativo, visando concretizar direitos previstos no ordenamento que encontravam obstáculos para serem concretizados. É o esforço hermenêutico ressaltado por Orlando Teixeira da Costa, servindo o poder normativo para realizar o direito objetivo.
A jurisprudência forneceu exemplos demonstrando a preponderância desse entendimento. A estabilidade provisória da mulher gestante foi consagrada em sentenças normativas como meio para assegurar à trabalhadora o gozo da licença-maternidade prevista na lei. A fixação do adicional de horas extras na sentença normativa também era admitida, até pelo Supremo Tribunal Federal, em razão de a lei utilizar a expressão "pelo menos", quando estabelece os percentuais para o trabalho extraordinário. A estabilidade ao menor em idade de alistamento militar, ao trabalhador acidentado, o abono de falta ao estudante nos dias de exames escolares e a comunicação escrita do motivo da dispensa são exemplos da aceitação do critério intermediário defendido pela maior parte de nossos doutrinadores.
O poder normativo passou, assim, a ser exercido como mecanismo de integração da lei, por autorização implícita desta. Seus limites eram indefinidos, mas poderíamos dizer que, ao contrário do que estabelecia a Constituição então vigente, eram eles muito mais negativos do que positivos, não se admitindo a competência normativa da Justiça do Trabalho apenas quando houvesse clara restrição legal.
5) A Constituição Federal de 1988
Sensível mudança na compreensão do poder normativo da Justiça do Trabalho surgiu com a redação do § 2.º do art. 114 da atual Constituição Federal. Como já visto, o novo preceito autoriza a Justiça do Trabalho a criar novas condições de trabalho, respeitados os patamares mínimos fixados em lei ou convenção coletiva. A modificação causou repercussão imediata na doutrina.
O Ministro orlando teixeira da costa, no artigo já citado, considera que o esforço hermenêutico exigido pela Constituição anterior "agora não se faz mais necessário, pois o texto constitucional não subordinou o estabelecimento de ''normas e condições'' à existência de qualquer especificação de lei precedente. Concedeu, pura e simplesmente, à Justiça do Trabalho, o poder de estabelecer normas e condições, exigindo apenas, afora obediência às limitações inerentes ao princípio da harmonia e independência dos poderes, respeito às disposições convencionais ou legais mínimas de proteção ao trabalho" [13].
Lembra ainda o saudoso Ministro do TST que não há sequer restrição quanto à natureza da norma, podendo a Justiça do Trabalho no exercício dessa competência excepcional estabelecer novas condições de trabalho e normas de natureza contratual, obrigando os sindicatos que participam do processo.
O mais novo Ministro do TST, Ives Gandra da Silva Martins Filho, também considera superada a disputa hermenêutica existente até 1988. Afirma ives gandra que, pela nova redação do art. 114, § 2.º, da Constituição Federal, "o poder normativo da Justiça do Trabalho saiu fortalecido e, de certa forma, ampliado, uma vez que não sujeito quer à limitação da lei ordinária ao seu exercício, quer à interpretação castrativa levada a cabo pelo Pretório Excelso" [14]. Para o eminente ex-Procurador e atual Magistrado, os limites do poder normativo são fixados pelos patamares constitucional e legal que estabelecem os direitos mínimos do trabalhador, e pelo teto que representa a justa retribuição ao capital, de que trata o art. 766 da CLT. Do limite ao teto, degraus serão ultrapassados como resultado da atividade do Magistrado do Trabalho, baseada na eqüidade e no bom-senso, que decidirá como legislador, sem apoiar-se em norma jurídica.
Assevera ives gandra que "nesse sentido, no período inicial de implantação da nova ordem constitucional, em que muitos dispositivos constitucionais carecem da legislação que os tornem aplicáveis, mormente na orla trabalhista, teremos um poder normativo da JT ainda mais amplo, pois inexistindo as leis complementares (que seriam limitações ao exercício desse poder), caberá aos tribunais trabalhistas realizarem a integração das normas constitucionais de eficácia limitada, no âmbito das categorias para as quais estabelecerem novas condições de trabalho" [15].
Ainda que continue não admitindo a atividade de caráter legislativo da Justiça do Trabalho no exercício do poder normativo, Pedro Vidal Neto reconhece que as novas disposições constitucionais a respeito da matéria alargaram o campo de atuação da Justiça do Trabalho nos dissídios coletivos de natureza econômica. Lembrando as concepções doutrinárias anteriores à Carta de 1988, afirma pedro vidal neto que "a luz do novo texto constitucional torna-se extreme de dúvidas que as decisões normativas poderão regular toda a matéria pertinente às convenções coletivas de trabalho" [16]. Sua limitação estaria apenas nos patamares mínimos fixados em lei ou convenção coletiva, observando pedro vidal neto que dentro desses limites deve o poder normativo "ser informado por critérios de oportunidade e conveniência, assim como pelas exigências da eqüidade" [17].
Para o então Ministro Corregedor do Tribunal Superior do Trabalho, luiz josé guimarães falcão, também houve um alargamento do campo de atuação normativa da Justiça do Trabalho. Diz o eminente Magistrado que "examinando-se os dispositivos da atual Constituição, nota-se claramente que o Constituinte de 1988 decidiu alterar substancialmente o sistema anterior substituindo o poder normativo condicionado e restritivo por outro mais livre e amplo. Fosse a intenção instituir um poder normativo condicionado não precisaria alterar o texto da Constituição anterior" [18].
Busca o Ministro guimarães falcão distinguir a atividade legislativa como algo diverso do poder normativo, para caracterizá-la como nítida atuação jurisdicional da Justiça do Trabalho, afirmando que "a função legislativa do Congresso Nacional configura os direitos e condições legais mínimos de proteção. A partir desse piso, a Constituição autoriza a função normativa da Justiça do Trabalho, com fundamento na eqüidade, desde que o poder se exerça estritamente nos limites da instituição de normas e de condições de trabalho..." [19].
Esse mesmo entendimento, com pequenas discrepâncias, aparece em vários outros doutrinadores, podendo-se mesmo afirmar que é preponderante a posição de que houve um alargamento da competência normativa da Justiça do Trabalho. Mas juristas de renome se posicionaram de forma contrária. arion sayão romita é o mais contundente entre eles. Para o Professor do Rio de Janeiro, "não é exato que, para o poder normativo da Justiça do Trabalho, à luz da Constituição de 1988, o céu é o limite" [20]. Diz romita que "realmente, a Constituição explicitou o mínimo, mas esse procedimento não autoriza a ilação de que ela deixou de consagrar limite máximo para o exercício da competência normativa" [21].
Segundo sua concepção, o poder normativo da Justiça do Trabalho continua a ter limites mínimos e máximos. Os mínimos, expressamente referidos no texto constitucional. Os máximos acham-se implicitamente fixados por fontes materiais e formais. As fontes materiais são representadas por valores constitucionalmente consagrados, como o direito de propriedade, da livre iniciativa e da livre concorrência. As fontes formais encontram-se nos arts. 5.º, II, e 49, XI, da Constituição Federal. O primeiro assegura o direito fundamental de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O segundo estabelece que o Congresso Nacional deve zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes. Resulta da interpretação desses dois preceitos que, havendo texto de lei regulando determinada matéria, a competência normativa respeitará o comando legal, não podendo ampliar nem reduzir a garantia ali estabelecida. Na ausência de texto legal, afirma romita, haverá o intérprete que concluir pela impossibilidade do exercício do poder normativo, diante de duas considerações essenciais: "a) o Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito (Constituição, art. 1.º) e este, como se sabe, é o Estado que se submete à lei (lei em sentido formal); b) no exercício da competência normativa, o Judiciário Trabalhista não pode, sem violação da ordem constitucional, usurpar a atribuição legislativa do Poder respectivo, ante o respeito, que se lhe exige, ao disposto no art. 2.º da Constituição, segundo o qual os Poderes da União são independentes e harmônicos entre si" [22]. Encerra romita observando que o poder normativo deve ser exercido "com respeito à lei e nos limites impostos pela lei" [23].
Também Otávio Bueno Magano considera o poder normativo da Justiça do Trabalho, na nova ordem constitucional, limitado ao ordenamento jurídico. Definindo essa competência especializada como típica atividade jurisdicional, pois do contrário estaria o Poder Judiciário invadindo área do Poder Legislativo, magano afirma que a Constituição de 1988 apenas extinguiu a compartimentação do campo de atuação do poder normativo que antes existia. Não há mais que esperar o legislador ordinário indicar qual a matéria possível de ser decidida pela Justiça do Trabalho nos conflitos coletivos. A descompartimentalização "não significa, contudo, mudança na natureza da atividade, a cargo da Justiça do Trabalho, que continua a ser jurisdicional. Mais pormenorizadamente há de se dizer que, ao julgar dissídios coletivos de natureza econômica, cabe-lhes apenas aplicar normas latentes do ordenamento jurídico" [24]. São os comandos implícitos da lei, que embasavam a atuação normativa da Justiça do Trabalho ainda no sistema constitucional anterior a 1988. Faz o Professor Magano inclusive uma analogia com o poder regulamentar do executivo, que jamais pode confrontar a lei, lembrando estudo feito nesse sentido pelo Ministro do TST Manoel Mendes de Freitas.
Com efeito, o Ministro Manoel Mendes de Freitas, em interessante trabalho, faz uma análise comparativa do poder normativo da Justiça do Trabalho e do poder regulamentar do Chefe do Executivo, lembrando que o decreto regulamentar está, na hierarquia das normas, em posição inferior à da lei, não podendo conter disposições que a contrariem ou que tenham conteúdo inovador. No uso do poder regulamentar, o Chefe do Poder Executivo limita-se a torná-las mais claras e, portanto, de execução mais fácil. Quando se trata de um regulamento autônomo, a atividade do Chefe do Executivo é caracteristicamente criadora, destinando-se aos espaços vazios da lei.
Observa o Ministro do TST que é semelhante a natureza do poder normativo da Justiça do Trabalho. Destacando que essa atividade normativa continua limitada, pois não pode ser exercida contra a lei, lembra o eminente Magistrado que "o poder normativo da Justiça do Trabalho é excepcional, como o é, também, o poder normativo do Chefe do Poder Executivo da União, eis que envolvem ambos exercício de atribuições que são típicas do Poder Legislativo. Basta, pois, que se considerem as razões da separação dos poderes do Estado, para que se compreenda logo que é impossível o confronto entre os dois Poderes quando idêntica a matéria versada na atividade normativa de ambos" [25].
Para o Ministro manoel mendes, no entanto, há um grande espaço regulamentador para a atuação normativa da Justiça do Trabalho. Trata-se de uma atividade "com discreto conteúdo criador, na qual o juiz do trabalho, pelo seu conhecimento especializado e contato permanente com os conflitos do trabalho, fica em ótima posição para completar a legislação trabalhista, explicitando-a e tornando-a ainda mais adequada às áreas específicas de cada categoria no período de interesse da decisão normativa" [26].