O presente estudo pretende demonstrar a possibilidade de se condenar a CEF ao pagamento dos honorários de sucumbência nas execuções das sentenças de ações que versem sobre o FGTS.
o parágrafo 4º do artigo 20 do código processo civil, modificado em 13 de dezembro de 1994 trouxe a previsão legal dos honorários em execução por títulos judicial ou extrajudicial.
O legislador ao modificar o Código de Processo Civil, pretendeu acabar imediatamente com o litígio, evitando protelação. Se a parte paga espontaneamente o que deve, após sentença judicial condenatória, fica isenta de novos honorários.
Este entendimento é pacífico na nossa jurisprudência e doutrina, senão vejamos:
"A reforma promovida no § 4º do art. 20 do CPC pelo advento da Lei n.º Lei n.º 8.952, de 13.12.1994, direcionada à efetividade da jurisdição, afastou, de fato, quaisquer dúvidas quanto ao cabimento de fixação de honorários advocatícios na EXECUÇÃO forçada, embargada ou não, de título executivo JUDICIAL ou extrajudicial" (TRF 2ª Região – Rel. JUIZ SERGIO SCHWAITZER - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2002.02.01.038407-1 - DJU DATA : 18/02/2003)
"O processo de execução também implica em despesas para as partes. Desta sorte, na execução em si, pretendendo o executado quitar a sua dívida, deve faze-lo com custas e honorários, independentemente daqueles da sucumbência, se o título for judicial. Não obstante, havendo a oposição de embargos na execução, novos honorários e custas devem ser fixados em favor do vencedor desse debate. Conclui-se, assim, ser possível contar custas e honorários na execução e nos embargos contra o mesmo devedor executado (art. 20, § 4º, do CPC)." (Curso de Direito Processual Civil – LUIZ FUX – Ed. Forense – pág. 455 – 1ª edição 2001)
O Art. 1-D da Lei 9494/97 introduzido pela MP 2180-35/2001, determinou que não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda pública nas execuções não embargadas.
A CEF é empresa pública, que são pessoas jurídicas de direito privado, que integram a administração indireta do Estado, por isso, não podem ser confundidas e nem se entender que sejam parte da Fazenda Pública.
Demonstrado que, por imposição legal, é correta a condenação da CEF em honorários de sucumbência em execução por Título Judicial, mesmo não embargado, depara-se com a Medida Provisória 2.164-41/2001, que tenta barrar tal situação.
A Medida Provisória 2.164-41/2001, que em seu art. 9ª introduziu o art. 29-C na Lei federal 8.036/90 determina que não haverá condenação em honorários advocatícios nas ações entre o FGTS e os titulares das contas, in verbis:
"Art. 9º A Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 29-C. Nas ações entre o FGTS e os titulares de contas vinculadas, bem como naquelas em que figurem os respectivos representantes ou substitutos processuais, não haverá condenação em honorários advocatícios"
Clara está, pois, a inconstitucionalidade da norma citada, o que passamos a demonstrar.
ART. 5º CAPUT DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - Princípio da isonomia
"O principio da igualdade é de conteúdo pluridimencional, postulando várias exigências, sendo que, no fundo, o que se pretende evitar é o arbítrio, mediante uma diferenciação de tratamento irrazoável, a que falte inequivocamente apoio material e constitucional objectivo." (Supremo Tribunal Administrativo de Portugal Nº do Documento SA12003061801188 Rel. Adérito Santos - Lisboa, 18/06/2003)
Diz o art. 5º "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"
Em se tratando da Fazenda Pública ou de pessoa jurídica prestadora de serviço público, é aceito que o legislador possa conceder-lhes prerrogativas só por esse motivo. Essa concepção decorre da perspectiva da Administração como supremacia de poder, de Administração vertical, na relação com o indivíduo.
As prerrogativas não são algo inerente, só por ser Estado. Assim, qualquer prerrogativa, mesmo atribuída a entidade de direito público, tem que estar justificada por uma finalidade razoável. Sem uma finalidade justa, a prerrogativa torna-se desvio ou abuso do poder de legislar.
"Coube, coincidentemente, ao hoje Advogado-Geral da União, Doutor Gilmar Ferreira Mendes, em seu livro Controle de Constitucionalidade (São Paulo: saraiva, 1990, p. 38-54), desenvolver com clareza o tema da inconstitucionalidade de lei por excesso ou desvio de poder. O controle de constitucionalidade, sob esse prisma, tem por objeto "aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade, isto é, de se proceder à censura sobre a adequação e a exigibilidade do ato legislativo". A lei não é um ato exclusivamente político, livre ou discricionário, quanto ao fim a atingir, mas vinculado aos princípios de razoabilidade e proporcionalidade (prudência e senso de limites, na doutrina italiana). O próprio princípio da igualdade – diz o referido autor -, "enseja uma sindicância que transcende a simples verificação de eventual tratamento discriminatório entre diferentes sujeitos, permitindo aferir se, ‘nella disciplina obiettive delle fattispecie, abbiano creato disparità di situazioni non giustificate da diseguaglianze di fatto (...) se le leggi siano sfornite di giustificazione o al contrario abbiano una idonea ragione’" (Pierandrei).
Na doutrina brasileira, busca o Prof. Gilmar a opinião de Seabra Fagundes, que considera "a extensão da teoria do desvio de poder – originária e essencialmente dirigida aos procedimentos dos órgãos executivos, aos atos do poder legiferante – da maior importância num sistema político de Constituição rígida, em que se comete ao Congresso a complementação do pensamento constitucional nos mais variados setores da vida social, econômica ou financeira". Da jurisprudência, são citados precedentes do Supremo Tribunal Federal, concluindo o autor que "também entre nós, procede-se, não raras vezes, à aferição da legitimidade das leis restritivas tendo em vista a sua necessidade, adequação e proporcionalidade (‘justa medida’)"." (TRF - 1ª Região - Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA - APELAÇÃO CÍVEL 2001.37.00.006412-9/MA - 16 de dezembro de 2002)
A Lei deve estar vinculada ao interesse público, e não ao interesse ocasional da Administração, como no caso da Medida Provisória ora atacada.
Portanto, os atos da Administração pública devem sempre seguir o princípio da proporcionalidade para que se contenham as condutas, atos e decisões dos agentes que extrapolem os limites adequados, com vistas aos interesses da administração pública.
Portanto, apesar da aceitabilidade da supremacia da Administração Pública sobre o indivíduo, o art. 9ª da MP 2.164-41/2001 na parte que introduz o art. 29-C na Lei 8.36/90, é inconstitucional por não respeitar o princípio da igualdade, no tocante a proporcionalidade e razoabilidade.
"Na hipótese em que o comportamento lesivo da boa-fé se materializa ou culmina na emanação de um acto administrativo, há ilegalidade desse acto, nada distinguindo neste plano a boa-fé, enquanto subprincípio concretizador da ideia de justiça, dos demais princípios constitucionais e legais que presidem à actividade administrativa, como a igualdade, a proporcionalidade, a imparcialidade, etc" (Supremo Tribunal Administrativo de Portugal Nº do Documento SA12003061801188 Rel. Adérito Santos - Lisboa, 18 de Junho de 2003).
ART. 5º LIV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - Principio do devido processo legal
"LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal"
Atualmente a doutrina tem defendido o princípio do Devido Processo Legal Substantivo, que é o controle pelo judiciário, fundamentado na Constituição, do processo legislativo no sentido de poder afastar a aplicabilidade das Leis com conteúdo arbitrário e desarrazoado, como forma de limitar a conduta do legislador.
A Lei que não possui uma finalidade legítima deve, desde já, ser afastada do ordenamento jurídico pelo judiciário, com a declaração de sua ilegitimidade, por força do princípio do devido processo legal substantivo.
"A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas da admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade
. Essa nova orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal no princípio da reserva legal proporcional, pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos e necessidade de sua utilização. Em juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador" (GILMAR MENDES FERREIRA - Direitos Fundamentais e controle de Constitucionalidade - Celso Bastos Editor - 1998 pg 68)Portanto, não se mostra razoável ou proporcional uma Medida Provisória que visa retirar o direito aos honorários de sucumbência, única e exclusivamente em ações referentes ao FGTS.
ART. 37 CAPUT DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - Princípio da Impessoalidade
"Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte"
Segundo Soares Amora em seu Dicionário da Língua portuguesa, pag.525, Ed.Saraiva, 4ª Edição, 1998, pessoal "é o que se refere ou pertence a pessoa, individual".
O Princípio da impessoalidade tem fundamento na intenção de que a Administração deve tratar igualmente aos indivíduos, sem privilegiar um em detrimento de outros.
"para que haja verdadeira impessoalidade, deve a administração voltar-se exclusivamente para o interesse público" (pg. 13 JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO - Manual de Direito Administrativo - Ed. Lumen Juris - 7ª Edição - 2001)
"a administração poderia ter o interesse secundário de resistir ao pagamento de indenizações, ainda que procedentes, ou de denegar pretensões bem fundadas que os administrados lhe fizessem, ou de cobrar tributos ou tarifas por valores exagerados. Estaria, por tal modo, defendendo interesses apenas seus, enquanto pessoa, enquanto entidade animada do propósito de despender o mínimo de recursos e abarrotar-se deles ao máximo. Não estaria, entretanto, atendendo ao interesse público, ao interesse primário, isto é, àquele que a lei aponta como sendo o interesse da coletividade" (Curso de direito administrativo. 5 ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 22).
Ao ser incluído o art. 29-C na Lei 8.036/90 através do art. 9ª da MP 2.164-41/2001, foi afrontado, claramente o princípio da impessoalidade que deve nortear todos os atos da Administração Pública, vez que a CEF foi privilegiada, em detrimento de uma extensa gama de indivíduos.
ART. 62 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (antiga e nova redação)
"Art. 62 - Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias"
redação do art. 62 conforme EC 32 de 11/09/2001
"Art. 62 - Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional"
Não há o menor vestígio de urgência e relevância, pressupostos necessários para a edição de medida provisória.
O sentido léxico das palavras urgente e relevante são, respectivamente, o que urge, não se pode esperar e o que é importante.
Segundo nossa melhor doutrina, para existir relevância, a matéria a ser regulada por Medida Provisória deve ser de tal forma importante "que açambarque um interesse público fundamental, superior, inconfundível, inigualável, cuja regulação mereça prioridade", já a urgência "é aquela que não pode esperar, que demanda solução imediata, sob pena de não acudir ou socorrer a situação de fato posta." (Carlos Ramos - Da medida provisória - Livraria Del Rey Editora - Pg. 142 - 1994).
O texto constitucional não permite outra interpretação que não seja a de que as circunstâncias motivadoras para edição de media provisória deva ser relevante e urgente, sendo que estes dois pressupostos estejam presentes em conjunto.
Está patente à inexistência de urgência e relevância para a inclusão do art. 9ª na MP 2.164-41/2001, que restringe o direito do advogado receber honorários pelo seu trabalho.
É assente que a relevância e urgência faz parte do poder discricionário da Administração, não cabendo ao poder Judiciário julgar a oportunidade desses pressupostos.
Porém, cabe ressaltar a decisão do STF que impôs uma exceção a esse entendimento, dizendo que "os requisitos de relevância e urgência, em regra, somente deverão ser analisados, primeiramente pelo próprio Presidente da República, no momento da edição da medida provisória, e, posteriormente, pelo Congresso Nacional, que poderá deixar de convertê-la em lei, por ausência dos pressupostos constitucionais. Excepcionalmente, porém, quando presentes desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar, por flagrante inocorrência da urgência e relevância, poderá o Poder Judiciário adentrar a esfera discricionária do Presidente da República, garantindo-se a supremacia constitucional" (STF - Rel. Sepulveda Pertence - Pleno - ADInMC 162-DF - DJU 19/09/1997 - ADInMc 1.753-DF DJU 16/04/1998).
No caso em tela, o abuso do poder de legislar, e a flagrante falta de urgência e relevância para extirpar do advogado o direito de receber honorários pelo seu trabalho, faz com que o judiciário possa afastar a incidência da norma ora atacada.
ART. 133 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
"Art. 133 - O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei"
A indispensabilidade do advogado não é absoluta, existindo pequenas exceções em que o jus postulandi pode ser exercido pela parte (juizados especiais, Justiça do Trabalho).
Acontece que em ações do FGTS que não são intentadas perante os Juizados Especiais Federal, a presença do advogado se faz necessária.
Assim, desarrazoado se mostra o titular da conta do FGTS ter que contratar um advogado para fazer valer seus direitos (que por óbvio foi desrespeitado ou pela CEF, gestora do FTGS ou pela administração pública) e, após o exercício do seu mister fique o profissional tolhido de receber a remuneração pelo seu trabalho ou, dependendo do caso, a parte ser ressarcida do que já pagou ao seu procurador.
Portanto, clara está a afronta a indispensabilidade do advogado à administração da justiça.
Bem resumiu toda situação debatida no presente trabalho, o DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA do TRF da 1ª Região, na APELAÇÃO CÍVEL 001.37.00.006412-9/MA:
"A Caixa Econômica Federal, na administração do FGTS, está prestando um serviço público. Não se vincula ao disposto no art. 173, § 1º, II, da Constituição, mas nem por isso pode ser contemplada com qualquer prerrogativa tirada da cartola pelo legislador. A prerrogativa tem que atender a uma finalidade justa. Na questão do FGTS, as prerrogativas estatais já ultrapassaram os limites da razoabilidade. É imposto, na via administrativa, além do parcelamento, um desconto sobre o montante devido. Na via judicial, a Caixa tem isenção de custas e dispensa de depósito para ingressar com ação rescisória. A dispensa do pagamento de honorários – e nem se diga que, como no mandado de segurança, beneficia as duas partes, porque de antemão o legislador (provisório) sabia que a grande beneficiada seria a entidade estatal – é desvio e excesso do poder de legislar.
Entendo, pois, que o art. 29-C da Lei n. 8.036/90, incluído pela Medida Provisória n. 2.164-40, de 26.07.2001, violou os artigos 5º, caput (princípio da isonomia), e 37, caput (princípios da impessoalidade e moralidade) da Constituição, além dos princípios, implícitos, da proporcionalidade e da razoabilidade."
Neste mesmo sentido:
"1. O acórdão foi expresso ao condenar a Caixa ao pagamento de honorários, sem contudo, trazer as razões que levaram a considerar inconstitucional o art. 29/C da Lei n° 8.036/90. Omissão que passa a ser suprida.
2. O art. 29/C da Lei n° 8.036/90 fere a CF por ofensa ao princípio da igualdade, ao estabelecer uma diferenciação arbitrária e sem finalidade lícita.
3. Embargos acolhidos." (Turma Recursal de Goias - Relatora : Juíza IONILDA MARIA CARNEIRO PIRES - Recurso Cível JEF n° 2003.35.00.700433-8 - 6 de abril de 2003)
Ainda, a macular a MP 2.164-41 de 24 de agosto de 2001, está a EC 32 de 11 de setembro de 2001, que ao alterar o art. 62 da CF, vedou a edição de MP sobre matéria processual civil (art. 62, §1º, inciso I, b). Nota-se que a MP foi editada quinze dias antes da emenda constitucional, que, se válida fosse, impediria a sua edição e, assim, não suprimiria dos advogados o direito de receber honorários de sucumbência.
É de se notar o açodamento com qual a MP 2.164-41 foi editada, vez que era de conhecimento do Poder Executivo a intenção do legislador de impedir a inclusão de matéria processual civil em medida provisória.
Portanto, de tudo acima exposto é de se concluir que é inconstitucional o art. 9º da MP 2.164-41/2001. Assim, é cabível, não somente a condenação da CEF ao pagamento dos honorários de sucumbência nas execuções de títulos judiciais, bem como em todos os procedimentos que envolvam o FGTS.