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Reestruturação da empresa: estudo luso-brasileiro

Agenda 12/05/2016 às 13:39

O presente artigo consiste em uma breve análise do processo de reestruturação de empresas disposto no Código de Insolvência e Recuperação de Empresa de Portugal, contraposto com a sistemática da recuperação judicial instituída no Brasil (Lei n.11.101/05)

Introdução

O objetivo do presente artigo é tratar da execução da recuperação de empresas no Direito brasileiro enfatizando, especialmente, a modalidade judicia, com base na Lei n. 11.101/05, assim como a do processo especial de revitalização de empresas, inserido na legislação portuguesa em 2012.

O tema ainda é relativamente novo nos dois países. Em Portugal, na forma proposta pelo Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) e no Brasil, pois a Lei de Falência e Recuperação Judicial e Extrajudicial tem pouco mais de uma década. Ademais, vivemos uma crise econômica que abate o mundo, evidenciando a fragilidade da economia global e seus reflexos no mundo empresarial.

A priori, será exposto um breve painel da evolução do direito falimentar e recuperacional ao longo do tempo e, com base nesta exposição, a pesquisa será desdobrada para observar acerca da recuperação de empresas em Portugal e no Brasil.

Posteriormente, examinar-se-ão, sucintamente, as linhas fundamentais da recuperação disposta na legislação vigente nos dois países e, ao final, far-se-á um comparativo entre ambos os processos, levantando-se possíveis discordâncias.

1. Evolução histórica

É preciso que se faça uma análise da evolução do sistema concursal em sua completude, iniciando-se do instituto da falência para atingir, por fim, o instituto da recuperação judicial.

De acordo com SERRA[1], o primeiro conceito de falência baseava-se na ideia que se tratava de simples oposição de dois sujeitos ou dois grupos de sujeitos: os credores, a quem se deveria pagar; e o falido, que deveria ser punido.

Até então não se entendia que a empresa pudesse abarcar sujeitos e interesses múltiplos, diferentes dos interesses evidentes dos credores e devedores instituídos na realização do crédito. Buscava-se tão somente à liquidação patrimonial, sem se observar outras consequências da falência da empresa

A partir da Revolução Industrial ocorreu uma mudança significativa no conceito do processo falimentar, notadamente com o reconhecimento da empresa como um bem pertencente à coletividade e, por conseguinte, com a introdução nos regimes da falência de institutos que objetivavam a preservação da empresa.

Conforme se explanará melhor ao longo deste trabalho, há uma pluralidade de interesses de sujeitos diversos que giram na órbita da empresa. Ressaltam-se, por exemplo, o do Estado e entes públicos, permitindo a continuidade da arrecadação tributária, o dos trabalhadores com a preservação dos empregos diretos e indiretos, e, por fim, o interesse público no desenvolvimento econômico e na livre concorrência.

1.1. Em Portugal

Mister destacar que, em Portugal, antes de 2012, o regime falimentar era tratado pelo Código de Processo Civil, ainda sob o prisma de falência-liquidação, ou seja, buscava-se tão somente efetivar o pagamento aos credores e punir os devedores. De acordo com SERRA[2], os Decretos-lei n. 177/86 e 10/90 introduziram, embora de forma incipiente, respectivamente, o processo especial de recuperação da empresa e de proteção de credores.

A partir da vigência do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e Falência (CPEREF), houve um avanço no conceito de falência, já com intuito saneador, eis que também previsto um processo de recuperação de empresas, embora prioritariamente acerca da falência.

O Código de Recuperação e Insolvência de Empresa (CIRE), aboliu o instituto da recuperação ao determinar que o único processo cabível é o da insolvência, sendo a recuperação uma das suas finalidades, in verbis:

Artigo 1º:

Finalidade do processo de Insolvência

O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do patrimônio de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente. (Segundo a 6ª versão do CIRE, alterado pelo DL n.º 185/2009, de 12/08.)” (GRIFOU-SE)

A recuperação de empresa era uma simples possibilidade inserida no plano de insolvência que, ainda, não era dotada de eficiência prática. Isso porque, até então, a aprovação de tal plano implicava o trânsito em julgado da sentença da declaração de insolvência, o exaurimento do prazo para impugnação da lista de credores reconhecidos e a realização da assembleia para apreciar o relatório.

A partir da alteração sofrida no CIRE, introduzida pela Lei n. 16/2012, foi criado o processo especial de revitalização, tratado nos artigos 17º-A a 17º-I, tratado no item 2.

2.2. No Brasil

Na época do Brasil Império, regra geral, os comerciantes que passassem por dificuldades financeiras renegociavam suas dívidas com seus credores de forma amigável. Essa prática habitual fez surgir o Decreto n. 3.308/1864, que reconhecia a validade de tais acordos e instituía requisitos para seu cumprimento. Entretanto, o Decreto n. 3.516/1865, no ano seguinte, passou a proibir os acordos extrajudiciais para recomposição de dívidas. Apenas em 1890, com o Decreto n. 917/1890, reestabeleceu-se a permissão da concordata extrajudicial.[3]

Em virtude de diversas fraudes instigadas pela concordada extrajudicial, em 1908, tornou-se a vedá-la, inclusive após a entrada em vigor da Lei n.7.661/45, que regulamentou o processo falimentar por cerca de sessenta anos.

Apesar de ter vigorado por tempo considerável, mencionado diploma legal não atendia a função a que se propunha, visto que na prática não se recuperava a empresa e, por vezes, a demora na tramitação do processo gerava prejuízos irrecuperáveis, visto que, quando os bens remanescentes eram levados à praça, ocorria sua total depreciação.

Com a Constituição Federal de 1988, houve uma mudança no panorama da falência no Brasil, com a consolidação do princípio da preservação da empresa, pois, se a empresa permanece no exercício de suas funções sociais, passa a ser a principal forma de dar eficácia a vários outros princípios, bem como de concretizar a finalidade constitucional da ordem econômica, isto é, a de garantir a todos uma existência digna.

A empresa tem a obrigação de colocar-se em aquiescência com os interesses da sociedade a que serve e por quem é servida, pois as decisões tomadas repercutem muito o objeto estabelecido em estatuto e são projetadas na vida da sociedade como um todo.

A Lei n.11.101/05 é quem regula a falência do empresário e da sociedade empresária, a recuperação judicial e a extrajudicial.

2. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO

Conforme mencionado anteriormente, o Código de Insolvência e Recuperação de Empresa foi alterado com a publicação Lei n. 16/2012, de 20 de abril de 2012, que criou o processo especial de revitalização, tratado nos artigos 17º-A a 17º-I.

O legislador português objetivou, acredita-se, atribuir mais celeridade aos processos de insolvência e, consequentemente, torná-los mais eficientes. Ainda, há claramente a opção pela dominação da recuperação em face do processo falimentar. De acordo com o art. 1º, do CIRE, contrapondo-se à versão anterior supratranscrita.

Artigo 1.º:

Finalidade do processo de insolvência

1 - O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do patrimônio do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. 

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2 - Estando em situação econômica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I.” (Segundo a 7ª versão do CIRE, alterado pela Lei n. 16/2012, de 20/04)

Observa-se que na redação anterior do mencionado dispositivo legal do CIRE, a finalidade do processo era a liquidação do patrimônio de um devedor insolvente, ao passo que a atual redação estabelece que tal objetivo é a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência. Ocasionalmente, é possível haver coincidência de ambas as situações, ou seja, a satisfação dos credores se dará com a liquidação patrimonial, apesar de que esta não seja mais a regra. O maior desafio será identificar, face a um caso concreto, se a empresa é merecedora ou não da recuperação.

Estabelece o art. 17º-A, do CIRE, o processo especial de revitalização segundo o qual o devedor que se encontre em situação de economia difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabeleça negociações com os respectivos credores de modo a concluir acordos tendentes à sua revitalização.

Para que isso ocorra é preciso que o devedor comprove que encontra-se numa situação de economia difícil, conforme estabelecido no art. 17º-B, ou seja, que enfrenta dificuldades para cumprir, de maneira pontual, as suas obrigações, especificamente por faltar liquidez ou por não conseguir obter crédito.

Ainda, a insolvência deve ser iminente, embora não consumada, posto que também se exige que o devedor ateste possuir condições necessárias para a sua recuperação.

O art. 17º-C, do mesmo Diploma, traz os requisitos para o requerimento do processo especial de revitalização. O processo tem início com a manifestação de vontade escrita do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, objetivando a aprovação de um plano de recuperação. Esta declaração deverá ser datada e assinada por todos os subscritores e, em seguida, o devedor deverá:

1) comunicar que pretende iniciar as negociações tendentes à sua recuperação ao juiz do Tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, o administrador judicial provisório.

2) logo em seguida, deverão ser enviadas ao Tribunal as cópias dos documentos elencados no art. 24º, do CIRE, que ficarão à disposição na Secretaria para consulta dos credores, enquanto durar o processo.

Por sua vez, o art. 17º-D, ocupa-se da tramitação do processo, estabelecendo que o devedor, após cientificado do despacho que nomeia o administrador judicial, deve comunicar logo, e por carta registrada, a todos os seus credores que não tenham subscrito a declaração já mencionada, convidando-os a participarem das negociações em curso.

Os credores terão o prazo de vinte dias, contados a partir do despacho que nomeia o administrador, para reclamar créditos. O administrador provisório analisará as reclamações num prazo de cinco dias para elaborar uma lista provisória de créditos. A lista será então publicada e, não havendo, converter-se-á em definitiva.

Qualquer credor que resolva participar das negociações, assim como os declarantes, possuem o prazo de dois meses para concluí-las, podendo este ser prorrogado por uma só vez e por apenas um mês.

Conforme o art. 17º-D estabelece, durante as negociações, o devedor deverá prestar toda informação relacionada aos seus credores e ao administrador judicial, sob pena de ser civilmente responsabilizado. Os administradores do devedor poderão ser solidariamente responsáveis pelos prejuízos oriundos da falta ou incorreção de alguma informação.

Em relação aos efeitos, determina o art. 17º-E que o despacho que nomeia o administrador judicial impede a instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, enquanto durarem as negociações, suspendem-se as ações em curso com idêntica finalidade, abolindo-se estas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação. Aqui encontra-se o principal atrativo do processo especial de revitalização.

No que tange à conclusão das negociações, esta poderá ocorrer uma de duas situações, quais sejam, a aprovação ou a recusa do plano de recuperação.

A aprovação poderá se dar por unanimidade ou não.

Verificada a aprovação unânime por todos os credores, o plano deverá ser assinado e juntado aos autos, com todos os documentos comprobatórios da sua aprovação, atestada pelo administrador judicial, para homologação ou recusa pelo juiz. Caso o plano seja homologado, passa a produzir efeitos imediatamente.

Outra hipótese é a ocorrência da aprovação do plano de recuperação por maioria de votos. Aqui, considera-se aprovado se, estando presentes ou representados credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, obtiver-se mais de dois terços da totalidade dos votos e mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados. É possível que o juiz faça constar no cálculo os créditos que tenham sido impugnados, caso haja a probabilidade de tais créditos serem reconhecidos. Nessa hipótese, o juiz deve decidir pela homologação ou recusa do plano no prazo de dez dias após tê-lo recebido.

Todos os credores ficam vinculados à decisão do juiz, mesmo que não tenham participado nas negociações.

No caso de encerramento do processo negocial sem a aprovação do plano de recuperação, que poderá ocorrer quando da ausência de acordo, se o credor ou a maioria dos devedores concluírem antecipadamente que não será possível obter uma transação ou, finalmente, se o prazo for ultrapassado. Lembre-se que o plano deverá ser concluído em dois meses, prorrogável por uma única vez por mais um mês.

Nessa suposição, é possível é que o devedor ainda não esteja em situação de insolvência, o que ocasionará o fim do processo e a consequente extinção de todos os seus efeitos. Mas, se o devedor já estiver insolvente, o juiz deve declará-lo num prazo de três dias.

Compete ao administrador judicial, na mesma ocasião em que comunica ao juiz a conclusão das negociações sem a aprovação de um plano, emitir um parecer sobre se o devedor se encontra em estado de insolvência. Em caso afirmativo, o processo especial de revitalização será apensado ao processo de insolvência.

Conforme apreendido pela leitura dos arts. 17º-A a 17º-G, o processo especial de insolvência impede o devedor de recorrer ao mesmo por um prazo de dois anos.

Finalmente, se ocorrer de os credores terem financiado a atividade do devedor, no curso do prazo, colocando à disposição capital para a sua revitalização, aqueles terão a garantia do privilégio creditório mobiliário geral, conferido antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores.

3. A RECUPERAÇÃO JUDICIAL NO BRASIL

O sistema de recuperação de empresa brasileiro é normatizado desde 2005, pela Lei n. 11.101, que inseriu a recuperação judicial, nos arts. 47 a 74, e a recuperação extrajudicial, nos arts. 161 a 167. Ainda, a mesma lei estabelece nos arts. 168 a 178, tipos penais e as respectivas sanções aplicáveis tanto à falência, quanto às duas modalidades de recuperação, assim como um procedimento especial para recuperação de micro e pequenas empresas.

3.1. Princípios

Importante salientar, de início, alguns dos princípios implícitos contidos na Lei de Falências: a) o da preservação da empresa, princípio este que é a concretização do princípio constitucional da sua função social, constituindo-se a empresa uma fonte geradora de riqueza, emprego e renda; b) o da separação do conceito de empresa e de empresário, isto é, não há confusão entre a pessoa natural e/ou jurídica que compõem ou controlam a empresa; c) o da recuperação das sociedades e empresários, também advindo de sua função social; d) o da retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis, objetivando que não se promova o dispêndio de recursos financeiros e sociais com empreendimentos inviáveis; e) o da segurança jurídica; f) o da proteção dos trabalhadores; g) o da redução do custo do crédito no mercado financeiro, já que a alteração na classificação dos créditos no processo concursal deve fazer com que haja a preservação das garantias; h) o da celeridade processual; i) o da participação ativa dos credores; l) o da desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte; m) o do rigor na punição de crimes relacionados à falência.[4]

3.2. Objetivos da Lei n. 11.101/05 quanto à recuperação judicial

De acordo com o disposto no art. 47 da referida Lei, a recuperação judicial tem por finalidade facilitar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, oportunizando a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, gerando, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estimulo à atividade econômica.

3.3. Sujeitos e Requisitos

Os arts. 1º e 2º, da Lei n. 11.101/05 dispõem que os sujeitos da falência e da recuperação judicial e extrajudicial são os empresários e as sociedades empresárias, excluídas as sociedades de economia mista, as instituições financeiras públicas ou privadas, as cooperativas de crédito, os consórcios, as entidades de previdência complementar, as sociedades operadoras de planos de saúde, as sociedades seguradoras, as sociedades de capitalização e outras entidades legalmente comparadas.

Estas exclusões referidas acima se justificam em razão do impacto econômico que o processo falimentar ou de recuperação destes entes traria à sociedade como um todo. Essas sociedades possuem um processo de execução concursal regulado em leis próprias.

Acerca da exclusão das empresas públicas e das sociedades de economia mista, as justificativas, de forma sintética, são os seguintes: a) são empresas com interesses vinculados ao governo, sobre as quais o Estado possui o controle administrativo e diretivo; b) operam sob as regras de direito privado, porém em alguns pontos gozam de certas prerrogativas que não abarcam as pessoas privadas; c) são de capital inteira (empresas públicas) ou parcialmente (sociedades de economia mista) governamental e d) representam intervenção do Estado nas atividades empresariais, as quais, via de regra, cabem à iniciativa privada.

As sociedades civis de prestação de serviços referentes ao exercício de atividade legalmente regulamentada estão também excluídas, tais como as sociedades advocatícias, em que vários advogados se unem e prestam serviços não individuais.

No que se refere à recuperação judicial, também podem pleiteá-la o cônjuge sobrevivente, os herdeiros do devedor, o inventariante ou o sócio remanescente, conforme determina o parágrafo único, do art. 48.

O caput do mesmo dispositivo legal preconiza que poderá requerer a recuperação judicial o devedor que, ao tempo do pedido, exerça suas atividades há mais de dois anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: a) não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença, transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; b) não ter, há menos de cinco anos , obtido concessão de recuperação judicial; c) não ter, há menos de oito anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial (aplicável apenas às micro e pequenas empresas) e d) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na referida Lei.

3.4. Meios de recuperação

O art. 50, da Lei n. 11.101/05, elenca um rol exemplificativo de meios de recuperação que podem ser utilizados no plano, com destaque para a concessão de prazos e condições especiais para pagamento de obrigações vencidas e vincendas; a cisão, incorporação, fusão ou transformação da sociedade; a alteração do controle societário; a constituição de sociedade de credores; o aumento do capital social; a venda parcial dos bens e o usufruto da empresa.

3.5. Pedido de processamento da recuperação judicial

No art. 51 está determinado o que deve instruir a petição inicial do processo de recuperação judicial, especialmente: a) a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; b) as demonstrações contábeis relativas aos três últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido; c) a relação nominal completa dos credores, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente e d)  a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito.

A intenção do legislador foi instruir o processo com toda documentação necessária para se fundar a real crise econômico-financeira da empresa que busca a sua recuperação judicial. Ainda, trata-se de maneira de publicizar os documentos que nortearão o plano de recuperação, acessíveis tanto para o juiz competente quanto aos demais credores e interessados, sendo também instrumento legítimo para que se ateste a viabilidade da empresa em crise.

Em termos a documentação exigida, o juiz determinará o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato, nomeará administrador judicial. Ademais, determinará também a dispensa de certidões negativas a fim de que o devedor exerça suas atividades; a suspensão de todas as ações contra o devedor; a apresentação de contas mensais por este enquanto perdurar a recuperação judicial; a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento.

3.6. Pedido de processamento

De acordo com ARAÚJO[5], o plano de recuperação constitui a mais importante peça do processo judicial, pois é nele que serão estabelecidos e apresentados argumentos que convençam tanto o juiz quanto os credores da viabilidade do procedimento. Ainda, é nele que se concretizarão (ou não, em caso de recusa) os objetivos buscados pela Lei, conforme visto no item 3.2, máxime no que se refere à preservação da empresa e ao cumprimento da sua função social.

Preceitua o art. 53 que o plano de recuperação deverá ser apresentado pelo devedor em juízo em prazo improrrogável de sessenta dias da publicação da decisão que deferir o processamento judicial, sob pena de convolação em falência.

Em relação aos créditos trabalhistas, estabelece o art. 54 que o plano de recuperação não poderá prever prazo superior a um ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. O plano também não poderá prever prazo superior a trinta dias, para o pagamento de até cinco salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação.

Dentro do prazo de trinta dias qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação, prazo este contado da publicação da relação de credores. Neste caso, o juiz convocará a assembleia geral de credores para decidir acerca do plano de recuperação, conforme se depreende da leitura dos art. 55 e 56.

Implicará na novação dos créditos anteriores ao pedido e na obrigação o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, a aprovação do plano, observando-se que, na alienação de bem objeto de garantia real, a suspensão da garantia ou substituição somente serão admitidas se autorizadas expressamente pelo credor titular da mesma.

Distribuído o pedido de recuperação judicial, conforme determina o art. 66, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, à exceção de evidente utilidade, reconhecida pelo juiz, após oitiva do Comitê, excetuando-se as alienações já previstas no plano de recuperação.

Mister destacar, ainda, que o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano, o qual se encerrará até dois anos após a concessão. Com a finalização de tal prazo, qualquer credor poderá requerer a execução específica ou mesmo a falência, conforme preceituam os  arts. 61 e 62.

4. Considerações finais

Ao se analisar a recuperação de empresas, tanto no ordenamento jurídico brasileiro quanto no português, deve-se partir do princípio de que nem toda empresa é merecedora de ser recuperada, visto que há sempre alguém a pagar por isso, seja na forma de investimentos, seja na composição de eventuais perdas.

De maneira geral, o ônus da reorganização das empresas recai sobre a sociedade em sua completude, porque o crédito bancário e os produtos e serviços oferecidos e consumidos encarecem, pois, parte do juro dos preços se destina a socializar os efeitos da recuperação de empresas, notadamente em tempos de crise econômica.

Logo, mesmo em homenagem ao princípio da função social da empresa, ou aos interesses dos trabalhadores, do fisco e da sociedade, deve-se ter em mente que a recuperação de empresas pode ser tão prejudicial a estes quanto a própria insolvência.

Neste ponto, faz-se necessário dotar os operadores do Direito de conhecimentos técnicos específicos para analisarem a viabilidade ou não da recuperação.

Por fim, o Poder Judiciário deve ser rigoroso na seleção e indicação dos administradores judiciais, visto que é de competência destes analisar o histórico contábil e a situação econômica da empresa, traçando, a partir daí, o plano de recuperação. Por conseguinte, o sucesso da recuperação está intimamente relacionado à capacidade técnica do administrador judicial.

Referências bibliográficas

 ARAÚJO, Paulo Jeyson Gomes. Recuperação Judicial. Disponível em <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081103105248438&mode=print>.

BRASIL. Lei 11.101/05.

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva: 2008. vol. 3.

LAMY FILHO, Alfredo. A empresa – formação e evolução – responsabilidade social. In: SANTOS, Theophilo de Azeredo (Coord.). Novos estudos de direito comercial em homenagem a Celso Barbi Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

MATOS, Daniel Oliveira. Recuperação extrajudicial de empresas. InÂmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 92, set. 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10243&revista_caderno=8>.

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PORTUGAL. Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e Falência. Disponível em:http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=85&tabela=leis&ficha=1&pagina=1>

SERRA, Catarina. A falência no quadro da tutela jurisdicional dos direitos de crédito: o problema da natureza do processo de liquidação aplicável à insolvência no direito português. Coimbra: Almedina, 2009.

________. O novo regime português da insolvência: uma introdução. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2010.
SOUSA, Douglas Cavallini de. Os avanços da nova lei de falências. InÂmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 52, abr. 2008. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2724>.


[1] SERRA, Catarina. A falência no quadro da tutela jurisdicional dos direitos de crédito: o problema da natureza do processo de liquidação aplicável à insolvência no direito português. Coimbra: Almedina, 2009.

[2] SERRA, Catarina. A falência no quadro da tutela jurisdicional dos direitos de crédito: o problema da natureza do processo de liquidação aplicável à insolvência no direito português. Coimbra: Almedina, 2009.

[3] MATOS, Daniel Oliveira. Recuperação extrajudicial de empresas. InÂmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 92, set. 2011.

[4] SOUSA, Douglas Cavallini de. Os avanços da nova lei de falências. InÂmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 52, abr. 2008.

[5] ARAÚJO, Paulo Jeyson Gomes.  Recuperação Judicial. Disponível em <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081103105248438&mode=print>

Sobre a autora
Larissa Cantanhêde do Lago

Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza/1998. Advogada OAB/CE 12.747, desde 1998. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade de Fortaleza. Professora e Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Maranhense São José dos Cocais. Secretária-Conciliadora do 1º CEJUSC – Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de Timon(MA)/Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Mestranda em Direito Público Convênio Forum e Universidade Portucalense.

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