INTRODUÇÃO
O Estado tem como finalidade a consecução do bem comum – conjunto de necessidades gerais da coletividade, essenciais a um existir digno–, e deve, para tanto, assegurar a efetivação dos direitos e garantias fundamentais.
Nessa missão de viabilizar seus preceitos e garantir a construção e o desenvolvimento de uma sociedade livre, justa e solidária, sem pobreza e marginalização, com reduzidos índices de desigualdade social e regional[1], o Estado deve amparar-se em mecanismos e estruturas destinadas a concretização de seus objetivos. Para isso, necessita de recursos financeiros, indispensáveis ao funcionamento da máquina e essenciais a promoção de suas finalidades.
É fundamental, para obtenção de recursos financeiros, que o Estado seja dotado de "poderes" específicos para este fim, e a Constituição Federal de 1988, pilar estrutural do Estado, garantiu aos entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) os atributos necessários à obtenção de dinheiro para que proporcionem saúde, educação, justiça, segurança à população. Tais recursos, como regra, são obtidos de forma derivada, ou seja, derivam do patrimônio da própria população, dos contribuinte, que, em virtude de Lei, realizam a transferência de parcela de seus patrimônios individuais para a consecução do bem comum.
Evidentemente, a Constituição Federal disciplinou e delimitou os poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para instituir, cobrar e fiscalizar exações fiscais, atribuindo-lhes competência tributária, foco do presente trabalho.
CONCEITO DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
A Constituição Federal não cria tributos, mas sim outorga competência para que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio de lei, o façam. Desse modo, é possível afirmar que competência tributária é o poder ou aptidão, outorgado constitucionalmente aos entes políticos, para que editem leis que instituam tributos.
Nesse sentido leciona Eduardo Sabbag: “A competência tributária é a habilidade privativa e constitucionalmente atribuída ao ente político para que este, com base na lei, proceda à instituição da exação tributária[2]”.
Não obstante, é o entendimento de Luciano Amaro que leciona:
[...] o poder de criar tributos é repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhe é assinalada pela Constituição. Temos assim a competência tributária — ou seja, a aptidão para criar tributos — da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir o seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição. A competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisões sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência, não obstante o legislador esteja submetido a vários balizamentos.[3]
A Constituição Federal atribui à competência tributária aos entes políticos em seus artigos 153 a 156, e outorga a cada qual o poder de instituir e cobrar exações tributárias, devendo às pessoas jurídicas de Direito Público atuar nos ditames constitucionais, bem como nos limites de suas respectivas parcelas de poder.
A competência tributária se distingue da competência legislativa plena, artigo 6º do Código Tributário Nacional[4], também denominada de competência concorrente, vez que esta é genérica, pois atribui aos entes políticos a competência para legislarem sobre matérias de Direito Tributário, consoante delineia o artigo 24 da Constituição Federal[5], já a competência tributária é restrita à atribuição constitucional do poder de instituição de tributos. Não se tratando do foco do presente trabalho, cumpre apenas mencionar que a competência legislativa concorrente está sistematizada no artigo 24, §§ 1º ao 4º, da Constituição Federal[6].
Outrossim, a competência tributária não se confunde com capacidade tributária ativa, sendo certo que a primeira é política e refere-se a possibilidade de instituição de tributos, quando a segunda decorre da primeira e possui natureza estritamente administrativa e refere-se as funções de arrecadação e fiscalização de tributos, bem como a execução de leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária.
Ademais, para o exercício da competência tributária o ente federado deve observar os estritos ditames constitucionais, levando em conta a finalidades da administração pública e os objetivos republicanos.
Nessa esteira a lição de Roque Antonio Carrazza:
A conclusão a tirar, portanto, é que a República reconhece a todas as pessoas o direito de só serem tributadas em função do superior interesse do Estado. Os tributos só podem ser criados e exigidos por razões públicas. Em consequência, o dinheiro obtido com a tributação deve ter destinação pública, isto é, deve ser preordenado à mantença da res pública[7].
Patente o conceito de competência tributária, se evidenciando ainda a finalidade de tal competência, outorgada pela Constituição, que por sua vez demonstra indissociável vontade popular, em virtude de emanar do povo qualquer forma de poder ou competência, para ver atendidas as razões e necessidades públicas, visando o bem comum.
Desta forma, há que se analisar em seguida, as características da competência tributária.
Características da competência tributária
1. Facultatividade
Como acima declinado, o exercício do poder atribuído constitucionalmente ao ente político é uma faculdade, não uma imposição feita pela Carta Maior, ficando ao crivo de cada ente, utilizando-se dos juízos de oportunidade, conveniência política e econômica, decidir quanto ao exercício da competência tributária. Nessa esteira, cabe mencionar o exemplo do Imposto sobre Grandes Fortunas previsto na Constituição Federal de 1988[8], que nunca foi instituído.
Não obstante, a disposição contida no artigo 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal[9] prever ao ente federado, em seu plano de gestão fiscal, um suposto dever na instituição de todos os tributos de competência do respectivo ente, sob pena de imposição da sanção contida no parágrafo único[10] do citado dispositivo legal.
Tal norma deve ser interpretada com cuidado, de modo que seria inadequado dizer que o ente federado estaria obrigado a instituir todos os tributos que lhe for competente, vez que deve haver um juízo de viabilidade, ou seja, a intenção do legislador foi estimular a instituição de tributos economicamente viáveis, cuja competência não havia sido exercida.
Nesse diapasão, nas palavras de Ricardo Alexandre: “contraria o espírito da LRF obrigar à criação de um tributo cuja arrecadação seria menor que o custo decorrente da instituição e administração”[11].
Em suma, trata-se a facultatividade de uma característica da competência tributária, não se tratando o dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal “mecanismo efetivo de obrigatoriedade”[12].
2. Indelegabilidade
Trata-se a indelegabilidade de importante característica da competência tributária, vez que é vedado ao ente político outorgar a competência que lhe é conferida constitucionalmente, a outro ente, para que este institua tributos.
Mesmo estanque[13], sua delegação não é permitida, vedação que está contida no artigo 7º do Código Tributário Nacional:
Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.
No entanto, cumpre ressaltar aqui, o que foi brevemente esposado acima, quanto a capacidade tributária ativa, mencionada no dispositivo em comento, quanto as funções de arrecadar e fiscalizar tributos, tratando-se de parcela estritamente administrativa da competência tributária, podendo ser delegada a outra pessoa jurídica de Direito Público.
Frise-se, que tal delegação não se confunde com a delegação da competência tributária, mas sim da capacidade tributária ativa, o que se consubstancia no §3º do dispositivo em comento, o qual vale transcrever: “Art. 7º. [...] § 3º. Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos”.
Tal transferência é comum em nosso ordenamento jurídico, podendo-se tomar como exemplo a transferência da atribuição de exigir determinado tributo, como as contribuições profissionais ou corporativas (art. 149, “caput”, da Constituição Federal), feito pela União à algumas autarquias, entidades corporativas, tais como o CREA, CRC e CRM, para cobrar referido tributo dos profissionais vinculados à entidade.
Cabe mencionar ainda, que recebendo a delegação da capacidade tributária ativa, o ente recebe ainda os privilégios e garantias processuais da fazenda pública, conforme dispõem os artigos 7º, § 1º, CTN[14] e o artigo 119[15] do mesmo diploma legal.
Portanto, a competência para instituir tributos é privativa do ente político ao qual a constituição outorgou tal atribuição.
3. Irrenunciabilidade
Não pode o ente político renunciar a competência que lhe foi outorgada constitucionalmente, em que pese sua faculdade em instituir ou não determinado tributo, o ente não pode renunciar a competência tributária, seja no todo ou em parte.
As pessoas políticas não podem abrir mão do direito que lhes foi outorgado constitucionalmente, essencial à subsistência desses, fato esse bem elucidado por Roque Antônio Carraza que em sua obra leciona:
As normas constitucionais que arquitetam e partilharam as competências tributárias são inalteráveis por normas infraconstitucionais, como já tratamos de demonstrar. Em resumo, o modelo tributário brasileiro não pode mudar a grado seja do Legislador ordinário de cada pessoa política, seja (o que é muito mais grave) do Fisco, ao qual só é permitido cumprir a lei que lhe diz respeito[16].
Portanto, falece ao ente político o direito de renunciar a tributação de determinado fato, inscrito em sua esfera de competência, sendo juridicamente ineficaz o ato de disposição, unilateral e definitiva, de sua respectiva competência tributária para criar tributos.
4. Incaducabilidade
A Incaducabilidade de competência tributária está relacionada processo de criação da norma, a qual não se submete a qualquer lapso temporal, ou seja, é incaducável, face a inexistência de prazo para o exercício dessa.
Note-se ainda, que o artigo 8º do Código Tributário Nacional prevê: “Art. 8º O não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído”.
Cabe aqui citar os ensinamentos do professor Roque Antonio Carrazza que diz:
Assim é por duas razões que supomos inafastáveis. A primeira: a Constituição, ao conferir ao Poder Legislativo a competência para legislar, não fez qualquer menção no sentido de que esta faculdade deveria ser utilizada até um dado marco temporal, sob pena de caducidade. A Segunda: o ato de legislar envolve, sempre e necessariamente, uma alteração da ordem jurídica em vigor, ou seja, um inovação normativa. É próprio da lei prever ou disciplinar situações que ainda não foram alvo de leis anteriores. Afinal, a lei sempre inova inauguralmente a ordem jurídica, construindo o direito positivo. O Poder Legislativo, enquanto expede leis, exercita uma competência que a Constituição lhe outorgou, e que, até aquele momento, não havia exercitado. [17]
Por conseguinte, se a competência para legislar (“lato sensu”) é incaducável, igualmente o é a competência tributária, isto é, para legislar sobre tributos, compreendida naquela[18]. Logo, o não exercício da competência não torna o direito de exercê-la preclusivo, podendo ser exercida pelo ente federado a qualquer tempo.
CONCLUSÃO
Por todo exposto, verificamos que o exercício da competência tributária, poder atribuído constitucionalmente à União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios, para angariar recursos financeiros indispensáveis à promoção do bem comum, é uma faculdade, todavia é indelegável, intransferível e irrenunciável, podendo ser exercida a qualquer tempo pelo ente político, obstada, no entanto, a sua ampliação para além dos ditames constitucionais.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 6. ed. são Paulo: Método, 2012.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm>. Acesso em 09. fev. 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 09. fev. 2016.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 31ª ed. - São Paulo : Saraiva, 2012.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 9. Ed. – São Paulo: Método, 2012.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
NOTAS
[1] CONSTITUIÇÃO FEDERAL/1988 – Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
[2] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 339.
[3] AMARO, Luciano. Direito Tributário. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 93.
[4] Art. 6º A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei.
[5] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário [...]
[6] Art. 24. § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
[7] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p 76.
[8] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...] VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
[9] Lei 101, de 04 de maio de 2000 – Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.
[10] Art. 11. - Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.
[11] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 6ª ed. São Paulo: Método, 2012. p. 182.
[12] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 341.
[13] Código Tributário Nacional – Art. 8º O não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.
[14] Art. 7º. [...] § 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir.a que a Constituição a tenha atribuído.
[15] Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento.
[16] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 757.
[17] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 753.
[18] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 753.