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Novo Código de Processo Civil: reflexões sobre liberdade, igualdade e mudanças de paradigmas

Agenda 21/05/2016 às 18:14

O presente artigo objetiva analisar alguns aspectos inovadores do CPC/2015 sob o prisma constitucional da liberdade e da igualdade.

RESUMO

O presente artigo objetiva analisar alguns aspectos inovadores do CPC/2015, como os negócios processuais e o contraditório efetivo, sob o prisma constitucional da liberdade e da igualdade. Busca, outrossim, fazer uma breve elucidação sobre o modelo cooperativo, baseado na comparticipação, no diálogo e na boa-fé objetiva, requisitos essenciais para que o Novo Código de Processo Civil seja visto e aplicado através de uma nova perspectiva.

Palavras-chave: Novo código de processo civil. Liberdade. Igualdade. Mudanças de paradigmas. Modelo cooperativo.

1. INTRODUÇÃO

O Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) preconiza, em seu artigo 1º, que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”. Busca-se, com isso, um processo justo e democrático, alicerçado pelos preceitos constitucionais e marcado pelo diálogo e comparticipação entre todos os sujeitos da relação processual.

Procura-se, outrossim, reduzir o exacerbado protagonismo judicial, permitindo às partes maior influência na condução do processo, o qual passa a ser policêntrico, com decisões tomadas a partir da manifestação democrática de seus participantes e não mais de forma distante e isolada pelo magistrado.

Esta ampliação da participação das partes pode ser percebida através dos negócios processuais, inovação trazida pelo CPC/2015 que consiste em convenções relativas ao processo e ao procedimento adotado, compreendendo uma poderosa ferramenta para a obtenção da liberdade e da igualdade nas demandas judiciais.

Vê-se que a liberdade, quando aplicada no campo processual, dá ensejo ao princípio do respeito ao autorregramento da vontade das partes no processo, isto é, o direito que as partes possuem de autogerir-se sem restrições que sejam desarrazoadas. Dessa forma, o CPC/2015, ao impedir o protagonismo judicial, amplia os poderes participativos dos litigantes, sendo-lhes possível, através dos negócios processuais, convencionar sobre ônus, poderes, faculdades e deveres referentes ao processo, bem como eleger o melhor procedimento a ser adotado em determinado caso concreto.

Esta adequação procedimental é capaz de conferir uma maior qualidade na prestação jurisdicional, uma vez que a norma abstrata, por mais bem intencionada que seja, não foi criada para solucionar uma determinada situação específica. Ao conceder este grau de liberdade às partes, é possível, portanto, que se construa um provimento jurisdicional mais efetivo, legítimo e sem surpresas, marcado pela comparticipação de todos os sujeitos da relação processual.

Além disso, a flexibilização procedimental também é capaz de conferir a igualdade substancial entre os litigantes, pois se o procedimento for moldado apropriadamente às particularidades de um determinado caso concreto, a decisão poderá ser mais justa e democrática, de acordo com as disposições constitucionais. Isso porque a modelagem procedimental, ajustada pelas partes e fiscalizada pelo juiz, levará em consideração as diferenças materiais existentes entre os sujeitos processuais.

O contraditório efetivo também assume um importante papel na obtenção da igualdade no processo, pois estimula a participação de todos os litigantes, fazendo com que estes contribuam de forma equânime para a construção das decisões judiciais. Atua, pois, como garantia de influência e de não surpresa.

O Novo CPC também inova ao fomentar o modelo cooperativo, baseado na colaboração de todos os sujeitos processuais (juiz, partes, procuradores, Ministério Público, Defensoria Pública, etc.), os quais devem agir com boa-fé, lealdade, honestidade e integridade. É o modelo marcado pelo diálogo, pela interação e pela comparticipação. Destarte, cada participante, possuidor de seu papel, concorre de maneira ética e transparente para a formação do provimento jurisdicional.

Todas essas inovações são essenciais para que o CPC/2015 seja visto e aplicado através de uma nova perspectiva, devendo ser vencidos obstáculos culturais e antigos paradigmas para que os reais objetivos deste novo diploma sejam efetivamente alcançados.

2. LIBERDADE

“Faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a própria determinação; Poder de agir, no seio de uma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas; Independência, autonomia.” (FERREIRA, 2004, p. 1.204). Esta é a definição de liberdade trazida pelo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.

Por este conceito, percebe-se que o homem é livre quando é capaz de fazer suas escolhas de forma consciente, de eleger o caminho apto a realizar suas potencialidades.

A Constituição Federal, em seu catálogo dos direitos fundamentais, elenca diversas formas de liberdade, como a liberdade de expressão, de pensamento, de crença, de ir e vir, dentre outras.  Nota-se, pois, que é um direito fundamental de conteúdo amplo e complexo, sendo um dos pressupostos de um Estado Democrático de Direito.

Um dos componentes do princípio da liberdade e, portanto, instrumento para a realização e concretização deste princípio, é a autonomia privada ou o autorregramento da vontade, que consiste na capacidade que tem o indivíduo de determinar seu próprio comportamento, de fazer suas escolhas, de decidir o que é bom ou ruim para si.

Quando aplicado no âmbito processual, o princípio da liberdade dá ensejo ao princípio do respeito ao autorregramento da vontade das partes no processo, isto é, o direito que as partes possuem de autorregular-se, no âmbito processual, sem restrições que sejam injustificadas ou não razoáveis.

O Código de Processo Civil de 1973, que abarcou o princípio inquisitivo, conferiu protagonismo à figura do juiz, responsável pela maior parte da atividade processual. Em suma, o magistrado passou a possuir maiores poderes para conduzir o processo, havendo um espaço limitado para que as partes pudessem exercer sua autonomia da vontade.

Com o Novo Código de Processo Civil, entretanto, o legislador buscou reduzir o exacerbado protagonismo judicial, permitindo às partes maiores poderes na condução do processo, visando um modelo baseado na cooperação.

2.1 Autorregramento da vontade no processo e modelo cooperativo

Primeiramente, é forçoso esclarecer que o autorregramento da vontade no processo não é ilimitado, pois o respeito à liberdade das partes deve conviver com os poderes do órgão jurisdicional. Assim, o modelo cooperativo se caracteriza por conciliar a autonomia da vontade com o exercício do poder jurisdicional do Estado, não havendo, portanto, uma extirpação da atuação judicial, mas sim uma efetiva ampliação da participação das partes no processo.

Segundo Didier Júnior (2015, p. 22), “o processo cooperativo nem é processo que ignora a vontade das partes, nem é processo em que o juiz é um mero espectador de pedra”.

O artigo 6º do CPC/2015 estabelece que todos os atores da relação processual devem cooperar entre si para que seja obtida uma decisão de mérito justa e efetiva, em tempo razoável. Logo, a atuação deve ser conjunta e cada sujeito, possuidor de seu papel, deve concorrer à sua maneira para a formação do provimento jurisdicional.

Sobre a colaboração entre as partes, é importante elucidar que o modelo cooperativo não se baseia em um ideal poético ou romântico, baseado na crença ingênua de que os litigantes irão colaborar solidariamente com a parte contrária na defesa de um interesse antagônico. Pensando de forma realista, é difícil esperar que este comportamento se concretize, já que o indivíduo, quando busca o Judiciário para defender seus interesses, deseja que sua pretensão seja julgada procedente pelo Estado-juiz. Quer, portanto, ganhar.

Falar em um processo cooperativo é, na verdade, falar em um processo justo, democrático, comparticipativo, em que todos os sujeitos processuais colaboram para a solução da lide, agindo de forma leal, com honestidade, probidade e boa-fé. É o processo em que o contraditório é efetivo, pois todas as partes atuam com paridade de armas e oportunidades, influenciando a decisão de forma equitativa.

Assim, quando o Novo CPC preconiza, em seu artigo 1º, que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”, procura estabelecer um processo justo e democrático, baseado nos preceitos constitucionais. Um processo marcado pelo diálogo entre todos os sujeitos da relação processual, não sendo permitido ao juiz decidir sem antes dar às partes a oportunidade de desenvolver o contraditório dialético, com a garantia da não surpresa. Busca-se, com isso, estabelecer uma verdadeira comunidade de trabalho orquestrada pela ideia de colaboração.

O juiz (“guardião da lei”) torna-se um verdadeiro interlocutor que aceita a cooperação para a formação da decisão, e não um simples representante do Poder Público que, do alto, emite um pronunciamento vinculante. Em tal sentido, o diálogo garante a democratização do processo e impede que o princípio do iura novit curia seja fonte de uma atitude autoritária ou de um instrumento de opressão. (TROCKER, 1974, apud THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 181)

Democratizar a prestação jurisdicional é, pois, permitir às partes uma maior participação no processo e uma real influência na decisão a ser proferida pelo Estado-juiz.

2.2 Liberdade e negócios processuais

Uma das formas de se manifestar o autorregramento da vontade das partes é através dos negócios processuais, ou seja, através das convenções relativas ao processo e ao procedimento adotado.

É importante distinguir, desde já, os negócios processuais dos acordos obtidos no processo. Estes correspondem a um acerto entre as partes, através de concessões recíprocas, com a finalidade de pôr fim ao litígio e possui como objeto o próprio direito material. O negócio processual, por sua vez, não visa solucionar o conflito existente, mas sim “regulamentar, nos moldes desejados pelas partes, o próprio método de solução, isto é, o exercício da jurisdição. É instrumento do próprio instrumento.” (ALMEIDA, 2015, p. 258)

Assim, os negócios processuais visam conceder maior autonomia às partes, com a possibilidade de se adequar o procedimento às necessidades do caso concreto, dando ensejo, com isso, ao princípio da adequação procedimental.

O princípio da adequação (...) impõe a exigência de que os procedimentos devem ser os mais adequados possíveis (às peculiaridades da causa, às necessidades do direito material, às pessoas dos litigantes, etc.) para que, mediante uma prestação jurisdicional eficiente, a tutela jurisdicional possa ser realmente efetiva. (REDONDO, 2015, p. 272)

Através deste princípio, há a possibilidade de se construir um processo mais artesanal, com um procedimento moldado às necessidades e peculiaridades do caso em análise, afastando-se a rigidez e a automatização procedimental. Evita-se, com essa maleabilidade, uma espécie de fordismo processual, marcado pela padronização, repetição e inflexibilidade de procedimento, o que impossibilita um processo individualmente ajustado aos contornos reais de um caso específico.

Destarte, o que se busca com este modelo flexível é uma maior racionalidade, efetividade e qualidade na prestação jurisdicional, pois uma norma abstrata, por melhor que se apresente, não foi criada para solucionar especificamente determinado caso concreto. Ora, uma roupa confeccionada por uma grande marca nem sempre se adequa ao corpo do cliente. Diferentemente ocorre quando uma costureira faz a vestimenta sob medida, capaz de dar o caimento adequado.  

(...) além de não se poder exigir do legislador a estruturação de tantos procedimentos especiais quantas sejam as situações carentes de tutela, jamais seria possível criar procedimentos ou técnicas processuais que se ajustassem perfeitamente às variadas situações de direito material, pois essas, ainda que possam ser visualizadas em abstrato, sempre estão na dependência das circunstâncias do caso concreto. (MARINONI, 2015, p. 145-146)

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Além disso, através da transparência, da boa-fé, da cooperação, da interação e amplo diálogo entre os sujeitos da relação processual, o provimento jurisdicional ganha maior legitimidade e, portanto, melhor aceitação das partes. Afinal, como aduz Marinoni (2015, p. 141), “a legitimidade do exercício do poder estatal, e assim da decisão judicial, depende da oportunização à participação àqueles que podem sofrer seus efeitos”.

De qualquer forma, é importante lembrar que esta flexibilização é opcional, fruto de uma convenção entre os litigantes e jamais de uma imposição.

Quanto maior a participação democrática das partes no processo, com ampla dialética destas, tendo o processo como fecundo campo de valorização do Estado Democrático de Direito, maior legitimidade ganhará a decisão final. Máximas, também, serão as possibilidades de aceitação das partes da decisão final proferida, abalizada pelo diálogo permanente. (DUARTE, 2014, p. 3)

O CPC/2015 manteve vários negócios jurídicos típicos anteriormente previstos no CPC/1973, como, por exemplo, convenção sobre eleição de foro, sobre suspensão do processo e sobre distribuição do ônus da prova.

Todavia, trouxe em seu artigo 190 uma cláusula geral de atipicidade de negócios processuais, dando ampla liberdade às partes para celebrar convenções no âmbito do processo. Segundo este dispositivo, se a demanda versar sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Conforme anotado nos enunciados nº 19 e 21 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, “são admissíveis os seguintes negócios processuais bilaterais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo bilateral de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para não promover execução provisória” e “acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais”. Não são admissíveis, todavia, acordos para a modificação da competência absoluta e para supressão da primeira instância, consoante enunciado nº 20 do FPPC.

O juiz somente poderá recusar a aplicação dos negócios processuais no caso de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou contrato no qual alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade (CPC/2015, artigo 190, PU). Trata-se aqui do papel fiscalizatório do magistrado, em que a regra é a aceitação da convenção feita entre as partes e sua consequente eficácia, somente excepcionada nas hipóteses acima elencadas.

Liberdade não significa insegurança para as partes, nem arbítrio do juiz. Representa, simplesmente, inexistência de rigidez e previsão legal de padrões flexíveis, segundo as especificidades da situação, sem que isso implique violação às garantias do devido processo constitucional. (BEDAQUE, 2011, p. 435)

Conclui-se que por maior que seja a liberdade dos litigantes no momento de realizar negócios processuais, é imprescindível uma devida fiscalização para que haja sempre a preservação das garantias fundamentais do processo. Logo, vê-se que o exercício da autonomia da vontade das partes em matéria processual não é ilimitado.

O novo CPC, fundado na concepção da democracia participativa, estrutura-se de modo a permitir maior valorização da vontade dos sujeitos processuais, a quem se confere a possibilidade de promover o autorregramento de suas situações processuais. As convenções ou negócios processuais despontam como mais uma medida de flexibilização e de adaptação procedimental, adequando o processo à realidade do caso submetido à análise judicial. As negociações processuais constituem meios de se obter maior eficiência processual, reforçando o devido processo legal, na medida em que permitem que haja maior adequação do processo à realidade do caso. (CUNHA, 2015, p. 58)

Por fim, em relação ao momento da celebração do negócio processual, admite-se que este ocorra antes ou durante o processo. Logo, as partes podem estabelecer regras processuais em um contrato celebrado antes mesmo de existir o conflito, bem como convencionar estas regras durante o trâmite processual, em qualquer etapa.

2.2.1 Calendário Processual

Inspirado nas experiências francesa e italiana, o calendário processual, previsto no artigo 191 do CPC/2015, é uma espécie de negócio processual em que as partes, juntamente com o juiz, estabelecem um cronograma sobre o procedimento a ser adotado, preestabelecendo datas para o cumprimento dos atos processuais (contestação, réplica, perícia, audiência, etc.). Funciona, portanto, como um roteiro de atividades em que se dispensa a intimação das partes sobre os atos que foram anteriormente agendados.

Este calendário só poderá ser fixado de comum acordo entre os litigantes e o magistrado, não podendo ser imposto por qualquer dos sujeitos do processo sem a anuência dos demais. Outrossim, os prazos nele previstos só poderão ser modificados em hipóteses excepcionais e devidamente justificadas, pois se assim não o fosse, restaria comprometida a eficiência e credibilidade do próprio instituto. Em outras palavras, não seria coerente permitir que as datas pré-fixadas para a prática dos atos pudessem ser alteradas a qualquer tempo e por qualquer razão, pois afetaria a estabilidade, a previsibilidade e a razoável duração do trâmite processual. 

Percebe-se que com esta calendarização pode-se ter noção da possível durabilidade do processo, através de uma previsão cronológica do momento em que deverá ser prolatada a sentença de mérito. Sua vantagem consiste, portanto, em permitir a razoável duração do feito, ao evitar atos protelatórios e reduzir o “tempo morto” ou “buracos negros” em sua tramitação, ou seja, aqueles períodos de tempo em que não há prazo correndo para nenhuma das partes, bem como garantir a organização e a previsibilidade da marcha processual.

Sustentou-se, todavia, que a fixação deste calendário poderia atrapalhar o julgamento dos processos de acordo com a ordem cronológica, nos termos do artigo 12 do CPC/2015. Pensou-se que se a sentença deve ser proferida em obediência à ordem cronológica de conclusão dos processos, não haveria como convencionar, em um calendário, uma data preestabelecida para a prolação da sentença de mérito, pois haveria a possibilidade de se “furar a fila” dos feitos conclusos.

Duas soluções para a referida problemática foram inclusive propostas por Cunha (2015, p. 53): ou se entenderia que a sentença é um ato que não pode ser inserido no calendário processual ou ficaria estabelecido neste calendário que a sentença seria proferida em uma audiência designada para tanto, esta sim com data pré-fixada, pois a sentença proferida em audiência pode ser excluída da ordem cronológica de conclusões, conforme preconiza o artigo 12, §2º, I do CPC/2015.

Contudo, esta celeuma chegou ao fim antes mesmo de o CPC/2015 entrar em vigor, pois a Lei nº 13.256, de 04 de fevereiro de 2016, alterou a obrigatoriedade do julgamento dos processos em ordem cronológica de conclusão, passando o artigo 12 a ter a seguinte redação: “Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.” Dessa forma, a obediência à ordem cronológica de conclusão dos feitos mudou de obrigatória para preferencial.

Outra problemática que diz respeito aos negócios processuais e, portanto, aos supracitados calendários, é a questão da sua efetiva utilização pela comunidade jurídica, ou seja, se estes novos institutos terão ampla aceitação e se serão desfrutados a partir de um novo olhar acerca do processo.

O calendário inserido por negócio processual, e não por imposição judicial, apresenta-se como uma tendência positiva, uma vez que é fruto do diálogo e do consenso, capazes de propiciar a diminuição de controvérsias processuais e a legitimação da escolha procedimental. Por outro lado, pode enfrentar o obstáculo cultural da sociedade brasileira e, especialmente, da comunidade jurídica, de pouco ativismo por parte dos jurisdicionados e menor propensão à resolução do conflito por decisões consensuais dos litigantes. Somente a vigência do novo código poderá revelar se o calendário tornar-se-á um mecanismo processual que cairá no gosto dos operadores do direito ou será relegado como outras ferramentas processuais promissoras, pouco adotadas na prática. (ALMEIDA, 2015, p. 267-268)

De fato, para que as inovações trazidas pelo Novo CPC não se tornem infrutíferas, é necessário que o processo seja visto através de uma nova perspectiva e que os negócios processuais sejam firmados a partir da ideia de cooperação e solidariedade, mesmo que as partes busquem resultados diversos, a fim de que a solução do litígio ocorra da forma mais justa e equânime possível.

Todavia, em que pese a gama de especulações sobre a efetiva e esperada utilização dos negócios processuais e, por consequência, dos referidos calendários, esta resposta somente poderá ser dada com o tempo, após a vigência do CPC/2015.

3. IGUALDADE

 A Constituição Federal, em seu artigo 5º, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à (...) igualdade (...)”, consagrando não apenas a igualdade formal, mas também o direito à igualdade material ou substancial.

O que se busca, com este princípio, é a igualdade de tratamento, de direitos e de possibilidades, sendo vedadas diferenciações arbitrárias e incoerentes, baseadas em critérios não justificáveis e incompatíveis com os valores constitucionais.

Ao tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na justa medida de suas desigualdades, busca-se a aplicação da igualdade substancial, afinada com os valores da Constituição Federal, já que não se mostra sensato tratar uniformemente aqueles que se encontram em condições provenientes de fatos desiguais e nem dar tratamento desigual àqueles que se encontram em idêntica situação. Com isso, protege-se quem figura em condição de desvantagem, bem como se evitam distinções irracionais e desconexas. 

Assim como o princípio da liberdade, o princípio da igualdade também se aplica no âmbito processual, podendo ser analisado, de acordo com Marinoni (2015, p. 179), sob dois prismas: igualdade no processo e pelo processo. A primeira hipótese refere-se ao equilíbrio que deve existir entre as posições jurídicas dos sujeitos processuais, os quais devem atuar com equivalência de armas e oportunidades, influenciando a decisão de forma equitativa. Deve haver, portanto, o contraditório efetivo, dialético, que oportunize a todos, de forma isonômica, a possibilidade de influenciar no provimento jurisdicional. A igualdade pelo processo, por sua vez, refere-se à igualdade diante dos resultados processuais produzidos, ou seja, ao tratamento igualitário diante das decisões judiciais. Assim, casos similares devem ser tratados de forma uniforme, havendo estreita ligação com o sistema de precedentes estabelecido pelo CPC/2015.

Alguns autores, como Abreu (2015, p. 200), falam ainda sobre a igualdade ao processo, referindo-se ao equilíbrio e paridade de condições no acesso aos órgãos jurisdicionais, esclarecendo que a todos deve ser garantido o acesso à justiça, independentemente de condição social, econômica, geográfica, etc.

3.1 Igualdade e contraditório efetivo

O CPC/1973, em seu artigo 125, I, prevê que o juiz, ao dirigir o processo, deve assegurar às partes igualdade de tratamento. Esta isonomia refere-se à ideia do processo justo em que há tratamento equilibrado entre seus sujeitos, não se buscando uma igualdade meramente formal, mas sim material. Destarte, justificam-se, por exemplo, a concessão da gratuidade judiciária para os pobres na forma da lei, a prioridade na tramitação de feitos em que figure como parte pessoa idosa e os prazos diferenciados para a Fazenda Pública.

O CPC/2015, procurando instituir um processo baseado nos preceitos constitucionais, foi além do estabelecido no artigo 125, I, do CPC/1973, e dispôs, em seu artigo 7º, que é “assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”.

Dessa forma, às partes deverá ser garantido um tratamento igualitário e ao juiz caberá assegurar que o desempenho das faculdades, meios de defesa, ônus e deveres processuais dos litigantes ocorra de forma equilibrada, com isonomia de oportunidade e de influência no provimento jurisdicional.

O magistrado deverá, portanto, zelar pelo contraditório efetivo, dialético, dinâmico, responsável por fazer com que as partes tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas razões. Deverá, ademais, observar e reparar eventuais disparidades capazes de afetar este contraditório como, por exemplo, inferioridades ligadas à carência de recursos e de informações ou dificuldades geradas pela representação de um causídico menos experiente ou preparado.

Assim, para que o processo seja realmente democrático, deve haver um clima de colaboração e uma conduta baseada na lealdade e na boa-fé não apenas por parte dos litigantes, mas também por parte do juiz, a quem cabe o dever de esclarecimento, de diálogo, de prevenção e auxílio aos sujeitos da relação processual. Procura-se, com essa comparticipação, permitir que o magistrado esclareça fatos e situações jurídicas, contribuindo para a mitigação das desigualdades substanciais entre os litigantes. Além disso, possibilita que a decisão seja fruto do diálogo, da discussão e que, por isso, seja desprovida de dúvidas, obscuridades ou surpresas, já que o juiz não poderá decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar.

Vê-se que o contraditório deixa de ser caracterizado por aquela ideia simplista do dizer e contradizer formal entre as partes, passando a ser entendido como o direito de participação na construção do provimento jurisdicional, isto é, como garantia de influência e de não surpresa na formação das decisões. Vincula, portanto, as partes e o juiz.

Em outras palavras, a participação dos sujeitos do processo deve servir para efetivamente influenciar e contribuir para a fundamentação do provimento jurisdicional, produzindo-se, com isso, um processo policêntrico, afastado da ideia do protagonismo judicial, em que as decisões são tomadas de forma distante e solipsista pelo magistrado. 

Fortalece-se a percepção de que um debate bem construído, qualificado pela comparticipação, é capaz de reduzir o tempo processual e de formar decisões mais bem elaboradas, livres de surpresas e nebulosidades, acarretando uma maior aceitação das partes – pois participaram de todo o processo de construção do provimento jurisdicional – e a consequente diminuição de recursos.

É fácil ver que o Código projetado, para implantar o processo justo, cuida de resguardar os predicamentos determinados pela Constituição, dos quais merecem destaque a supremacia das regras constitucionais e a observância de um contraditório efetivo, qualificado pelos princípios da não surpresa e da cooperação entre as partes e o juiz. Com isso, se empenha em democratizar a prestação jurisdicional, permitindo às partes não só a simples audiência bilateral, mas assegurando-lhes a possibilidade de uma real influência no caminho da formação do provimento jurisdicional. (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 184)

Fica claro, portanto, que o Novo Código de Processo Civil alberga a concepção do contraditório como garantia de influência e de não surpresa, objetivando a comunicação aberta e argumentativa entre todos os sujeitos processuais, os quais devem agir com lealdade, boa-fé e probidade, trabalhando de forma comparticipativa (mesmo que buscando resultados diversos) para a formação de um processo justo e democrático.

3.2 Igualdade e negócios processuais

Como visto anteriormente, os negócios processuais permitem que haja uma adequação do procedimento às necessidades e peculiaridades do caso concreto. Em razão dessa flexibilidade, tem-se tanto uma maior participação das partes no processo, como uma melhor adaptação do procedimento aos contornos de uma situação específica, o que possibilita a redução das desigualdades materiais existente entre os litigantes.

Isso porque o procedimento não é visto como uma cadeia de atos destituída de um fim, mas como um caminho para a efetiva realização do direito material. Ou seja, fortalece-se a percepção de que se o procedimento for moldado adequadamente às exigências de um determinado caso concreto, a decisão será justa, democrática e efetiva, em consonância com os ditames constitucionais, uma vez que todos participam e fazem valer suas razões, influenciando de forma equitativa o provimento jurisdicional. 

O engessamento procedimental, por mais que esteja atrelado à ideia de segurança jurídica, pode acabar travando o trâmite de um feito, uma vez que foi pensado abstratamente. Caso isso ocorra, não pode ser rechaçada a hipótese de adaptação de procedimento, pois o objetivo processual é alcançar a pacificação social, que pode ser plenamente concebida a partir dos negócios processuais. Como elucida Bedaque (2011, p. 18), “a técnica processual deve ser observada não como um fim em si mesmo, mas para possibilitar que os objetivos, em função dos quais ela se justifica, sejam alcançados”. Assim, a obtenção do direito material não pode ser prejudicada em razão de formalidades excessivas.

Note-se, ainda, que a ideia de uniformidade procedimental está atrelada à concepção de igualdade meramente formal, pois um único procedimento é utilizado para atender a todos indistintamente. Ou seja, é dado o mesmo tratamento a todos os sujeitos, de modo uniforme, padronizado, independentemente de suas diferenças concretas. Esta uniformização pode dificultar a atuação do juiz em prol das diferenças materiais e das particularidades de uma determinada situação. Em contrapartida, caso haja uma participação democrática de todos os sujeitos da relação processual, com diálogo e comparticipação, a modelagem de procedimento, ajustada entre estes próprios sujeitos e fiscalizada pelo magistrado, pode ser capaz de dirimir distinções substanciais existentes entre eles, sendo possível um provimento jurisdicional efetivo, justo e equânime, que atenda aos preceitos constitucionais.

Segundo Marinoni (2015, p. 161), a ideia de procedimento único, que seria capaz de atender a todas as situações de direito material, é abandonada quando se percebe que o processo não pode ser indiferente ou neutro em relação ao direito material, aos direitos fundamentais e aos fins do Estado constitucional.

(...) torna-se fácil constatar que o procedimento, nessa nova dimensão, liga-se claramente a um processo que serve a um Estado que, além de não mais desejar simplesmente declarar a lei e tratar as pessoas e as coisas de uma só forma, mostra-se preocupado com a devida participação dos litigantes na formação do judicium, com o acesso à justiça, com a efetiva tutela do direito material e com a participação do povo no poder e na tutela dos direitos fundamentais. (MARINONI, 2015, p. 162)

Em suma, quanto mais adequado for o procedimento para que sejam tutelados os direitos de natureza substancial, mais efetiva será a prestação jurisdicional.

Além disso, o juiz deverá exercer seu papel fiscalizatório e recusar a aplicação do negócio processual no qual um dos participantes se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. Como elucida Yarshell (2015, p. 68), “não se pode admitir que uma das partes – por sua proeminência econômica ou de outra natureza – imponha regras processuais que lhe sejam mais vantajosas, consideradas as peculiaridades de cada caso”. Destarte, percebe-se que por maior que seja a liberdade dos litigantes no momento de convencionar negócios processuais, é fundamental que exista uma supervisão a fim de que se preservem as garantias fundamentais do processo, dentre elas a igualdade real entre as partes.

4. MUDANÇAS DE PARADIGMAS

À época do Estado Liberal, entendia-se que este deveria interferir o mínimo possível na esfera das relações privadas, a fim de que fosse garantida a liberdade e a autonomia dos cidadãos. Dessa forma, a lei era aplicada de forma indistinta para todos, sustentando-se a ideia de igualdade meramente formal, sendo vedado ao juiz interpretar a lei em face da realidade social. Isso porque a liberdade era vista como o bem supremo dos homens, o que impossibilitava a atuação do Estado para intervir diante das necessidades sociais.

Após a Segunda Guerra Mundial, tornou-se imprescindível atrelar à lei os ideais de justiça e de direitos fundamentais, que foram incorporados às Constituições, e a partir desta nova perspectiva, o Estado passou a ser mais atuante e interventor, buscando tutelar os interesses gerais da sociedade e não mais somente os interesses privados entre os particulares.

Com essa publicização, o juiz, por ser a personificação do Estado no processo, passou a assumir a função de protagonista da relação processual, com a justificativa de ser o responsável por manejar o processo a serviço do interesse público, da justiça e do bem-estar social. Na verdade, esta concepção estatalista baseava-se na crença de que o Estado (em especial o Estado-juiz) teria o condão de resolver todas as mazelas da sociedade.

Contudo, este modelo publicista e estatalista sofreu várias críticas ao longo do tempo por comprimir a participação das partes na formação do provimento jurisdicional, bem como por ensejar decisões arbitrárias e apreciações subjetivas, muitas vezes justificadas pelo livre convencimento do juiz.

Note-se que o Código de Processo Civil de 1973 conferiu esse protagonismo à figura do magistrado, que passou a assumir maiores poderes na condução do processo, sobrando um espaço limitado para que as partes pudessem exercer sua autonomia da vontade.

O Código de Processo Civil de 2015, todavia, busca reduzir este paradigma exacerbadamente publicista e o excessivo protagonismo judicial, permitindo às partes maiores poderes na condução das demandas judiciais, objetivando um provimento jurisdicional baseado na democracia, no diálogo e na comparticipação. Afinal, não seria coerente afastar a participação dos litigantes na decisão se são eles os que sofrem os seus efeitos.

O processo (falo aqui do processo jurisdi­cional, mas essa observação serve também ao processo legislativo) deve servir como meca­nismo de controle da produção das decisões judiciais. E por quê? Por pelo menos duas razões: a primeira, porque, como cidadão, eu tenho direitos, e, se eu os tenho, eles me devem ser garantidos pelo tribunal, por meio de um processo; a segunda, porque, sendo o processo uma questão de democracia, eu devo com ele poder participar da construção das decisões que me atingirão diretamente (de novo: isso serve tanto para o âmbito político como para o jurídico). Somente assim é que farei frente a uma dupla exigência da legitimidade, a media­ção entre as autonomias pública e privada. Sou autor e destinatário de um provimento. Por isso é que tenho direito de participar efetivamente do processo. (STRECK, 2015, p. 36)

Com o Novo Código também se abandona a ideia do contraditório como o simples dizer e contradizer formal entre as partes, passando a ser entendido como o direito de participar da construção da decisão, isto é, como garantia de influência e de não surpresa, vinculando tanto as partes como o juiz.

O CPC/2015 busca, outrossim, garantir a igualdade material entre os litigantes, prevendo a possibilidade de procedimentos diferenciados, ajustados pelas partes, capazes de moldar concretamente o processo às necessidades e peculiaridades de um caso específico. Desta forma, os negócios processuais passam a ser aliados na construção de decisões mais bem elaboradas, formuladas com a participação de todos e pautadas na democracia e nos preceitos constitucionais.

Fortalece-se o processo policêntrico, afastado da ideia do protagonismo judicial, em que as decisões são tomadas de forma distante e solipsista pelo magistrado.  O juiz passa, a partir de então, a ser um verdadeiro administrador e interlocutor no processo, responsável pelo dever de esclarecimento, de diálogo, de prevenção e auxílio aos sujeitos da relação processual. Ele dialoga, conversa, escuta, interage e não se isola ou se coloca em pedestais.

Como coloca Theodoro Júnior (2015, p. 77), “percebe-se a tendência de superação tanto do modelo liberal, de esvaziamento do poder do juiz, quanto do modelo social autoritativo, de exercício solitário de aplicação compensadora do Direito pelo juiz”.

Almeja-se, ademais, dirimir comportamentos não cooperativos dos sujeitos processuais, incentivando-se a boa-fé e a eticidade e desestimulando-se atitudes hostilizadas de disputa, embasadas no atrito. Assim, cada sujeito, possuidor de seu papel, concorre de forma ética e honrada na formação do provimento jurisdicional, mesmo que buscando resultados distintos.  Em suma, busca-se estabelecer uma verdadeira comunidade de trabalho baseada nos ideais de colaboração e solidariedade.

Conforme preconiza o artigo 5º do CPC/2015, aquele que de qualquer maneira participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. Ou seja, deve manter uma conduta íntegra, proba e ética, baseada na confiança e em consonância com os mandamentos constitucionais. Os sujeitos deverão, assim, colaborar para a solução do litígio, desviando-se de comportamentos abusivos que vão de encontro às finalidades processuais.

O processo visto sob o prisma cooperativo é, portanto, aquele em que todos os sujeitos colaboram para a solução da lide, dialogando, interagindo e agindo com lealdade, integridade e boa-fé.

É o processo baseado nos preceitos constitucionais e marcado pelo diálogo, pela comparticipação, pelo contraditório efetivo e dialético como garantia de influência e de não surpresa no provimento jurisdicional.

Todo este arcabouço soa, de fato, esplendente, encantador e promissor, porém uma reflexão merece ser feita: é imprescindível perceber que de nada adiantam essas inúmeras alterações trazidas pelo CPC/2015 se este continuar a ser visto, pensado e aplicado com a mesma ótica adotada sob a égide do CPC/1973. É forçoso que sejam vencidos obstáculos culturais e que sejam quebrados paradigmas que não se adequam mais a essa nova realidade para que sejam efetivamente alcançados os reais objetivos do Novo Código de Processo Civil. O processo deve ser, sobretudo, percebido como forma de se alcançar uma maior racionalidade, efetividade e qualidade na prestação jurisdicional. Como alerta Redondo (2015, p. 277), “O novo Código deve ser lido com novos olhos. Não há como caminhar para frente mirando-se o retrovisor”. E conclui Yarshell (2015, p. 80), “(...) depende do esforço e da boa vontade de todos os envolvidos o sucesso ou o fracasso das novas disposições. Só então saberemos se caminhamos, de fato, para uma nova Era”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) busca instituir um processo civil democrático e justo, embasado nos preceitos constitucionais e marcado pela comparticipação e diálogo entre todos os sujeitos da relação processual.

Busca, ademais, limitar o excessivo protagonismo judicial, dando maiores poderes às partes na condução do processo e permitindo que estas influenciem de forma concreta as decisões judiciais, através do contraditório efetivo.

Esta maior participação das partes pode ser vista através dos negócios processuais, uma novidade trazida pelo CPC/2015 que consiste em convenções sobre ônus, poderes, faculdades e deveres referentes ao processo, bem como na possibilidade de adequação do procedimento às necessidades e peculiaridades de um caso concreto.

Neste artigo, essas inovações trazidas pelo Novo CPC foram analisadas sob o prisma constitucional da liberdade e da igualdade. No tocante à liberdade, viu-se que o princípio do respeito ao autorregramento da vontade das partes no processo amplia os poderes participativos dos litigantes e, através dos negócios processuais, é possível que as próprias partes elejam e convencionem o procedimento mais adequado à situação específica em que se encontram. Com este grau de liberdade e de participação, aumentam-se as chances de se estabelecer um provimento jurisdicional mais efetivo, democrático, sem surpresas e legítimo.

Viu-se, outrossim, que a flexibilização procedimental é capaz de conferir a igualdade substancial entre os litigantes, uma vez que se o procedimento, ajustado pelas partes e fiscalizado pelo juiz, for moldado adequadamente às exigências e peculiaridades de um determinado caso concreto, poderá levar em consideração as diferenças materiais existentes entre os sujeitos processuais, fazendo com que a decisão seja proferida de forma justa e democrática, em consonância com os ditames previstos na nossa Constituição Federal. Além disso, o contraditório efetivo e dialético, que vincula tanto as partes como o magistrado, faz com que todos os litigantes influenciem de forma equitativa e equilibrada o provimento jurisdicional.

Elucidou-se, ademais, a noção de modelo cooperativo, marcado pela comparticipação, em que todos os sujeitos processuais (juiz, partes, procuradores, Ministério Público, Defensoria Pública, etc.) colaboram para a solução da lide, agindo com boa-fé, lealdade, honestidade e probidade. Frisou-se que é o modelo marcado pelos preceitos constitucionais, pelo diálogo, pela interação, pelo consenso e pelo contraditório efetivo como garantia de influência e de não surpresa. Destarte, cada sujeito processual, possuidor de seu papel, concorre de maneira ética e transparente – mesmo que busque resultados diversos – para a formação do provimento jurisdicional. Busca-se, com isso, dirimir comportamentos não cooperativos, incentivando-se a boa-fé e a eticidade e desestimulando-se atitudes abusivas e hostilizadas de disputa, embasadas no atrito e na deslealdade.

Conclui-se, pois, que todas essas inovações fazem com que o Novo Código de Processo Civil seja esperado de forma otimista e promissora. Todavia, o processo justo, democrático, embasado nos preceitos constitucionais e marcado pelo diálogo e comparticipação só será efetivamente alcançado se houver a mudança de pensamento da comunidade jurídica, se forem vencidos obstáculos culturais e abandonados antigos paradigmas processuais, pois estas inúmeras alterações, por mais bem intencionadas que sejam, só não se tornarão inócuas se o CPC/2015 for pensado e aplicado sob uma nova perspectiva, diferente da adotada sob a égide do CPC/1973.

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Sobre a autora
Gabriella Pantoja

Servidora Pública da Justiça Federal no Rio Grande do Norte; Possui especialização em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp; Possui Extensão Universitária em Filosofia Prática pelo curso de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.<br>

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