Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Extradição e discricionariedade

Agenda 22/05/2016 às 12:51

O presente trabalho visa abordar o tema da extradição, de grande controvérsia no Direito Internacional. O artigo terá como objeto explanar os princípios e normas que regem o tema no Brasil e suas consequências nas relações internacionais.

RESUMO: O presente trabalho visa abordar o tema da extradição, de grande controvérsia no Direito Internacional. O aumento do fluxo de pessoas entre os países e a crescente globalização aumentam a importância de diversos institutos, entre eles a extradição. O artigo terá como objeto explanar os princípios e normas que regem o tema no Brasil e suas consequências nas relações internacionais. Será tomado como objeto o caso Cesare Battisti.

ABSTRACT: This study aims to address the issue of extradition of great controversy in international law. The increased flow of people between countries and the increasing globalization increases the importance of various institutes, including extradition. The article have as object to explain the principles and rules that regulate the subject in Brazil and its consequences for international relations. It will be taken as reference the case Cesare Battisti.

Palavras-chave: extradição – discricionaridade- Battisti- internacional.

Sumário: 1.Considerações iniciais; 2. Do Conceito de Extradição; 3. A Extradição e a Questão dos Refugiados. 4. Dos Requisitos para a Concessão da Extradição; 5.O Caso Cesare Battisti. 6. Conclusão; 7. Referências.

1 – Considerações Iniciais

            O instituto da extradição, grande tema do Direito Internacional, apresenta-se como instrumento de cooperação penal internacional. Em regra, a obrigação de extraditar surge por meio de acordos bilaterais ou multilaterais entre países.

            Desde a Antiguidade no Oriente Médio, o instituto da extradição já existia. Naquela época, todavia, a extradição apresentava características diferente das atuais: tinha caráter político e era normalmente relacionada a períodos pós-guerra. Não era aplicada a criminosos comuns como hoje em dia. Os gregos, por sua vez, seguindo a tendência contemporânea, aplicava extradição aos criminosos que cometeram delitos mais graves. Na Idade Média, os povos germânicos, conhecidos por suas invasões, desconheciam a extradição pelo fato de sequer considerarem a existência de fronteiras.

            Como se pode constatar, não houve consenso sobre a extradição durante a Idade Antiga e em boa parte da Idade Média. Somente no século XIX, mais precisamente no ano de 1802, quando França, Inglaterra e Espanha firmaram o tratado de Paz de Amiens, que o termo extradição é propriamente consagrado e passa a ter delineados seus pontos em comum entre a comunidade internacional.

            No Direito Brasileiro a primeira disposição contendo regras sobre a extradição foi a Circular de 4 de fevereiro de 1847, que continha disposições mediante as quais o governo brasileiro concederia a entrega de criminosos. Mais de meio século depois foi promulgada a lei nº 2416, de 28 de junho de 1911, sendo substituída mais tarde pelo Decreto-Lei nº 394, de 28 de abril de 1938, o qual perdurou até o advento do Decreto-lei nº 941 de 13 de outubro de 1969.

            Em 9 de agosto de 1980 foi promulgada e Lei nº 6815, o Estatuto do Estrangeiro, que depois foi alterado pelo Decreto nº 86.715, em 10 de dezembro de 1981.

2 – Do Conceito de Extradição.

No conceito de Francisco Rezek, extradição é a “entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de pessoa que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena. Cuida-se de uma relação executiva, com envolvimento judiciário de ambos os lados: o governo requerente da extradição só toma essa iniciativa em razão da existência do processo penal – findo ou em curso – ante sua Justiça; e o governo do Estado requerido não goza, em geral, de uma prerrogativa de decidir sobre o atendimento do pedido senão depois de um pronunciamento da Justiça local. ” (REZEK, 2005, p. 221).

Importante conceito é também o de Del’Omo, segundo o qual a extradição é o processo pelo qual um Estado entrega, mediante solicitação do Estado interessado, pessoa condenada ou indiciada nesse país requerente, cuja legislação é competente para julgá-la pelo crime que lhe é imputado. Destina-se a julgar autores de ilícitos penais, não sendo, em tese, admitida para processos de natureza puramente administrativa, civil ou fiscal. (DEL’OLMO, 2011, p. 34).

Frequente é a confusão entre os institutos da deportação, extradição e expulsão. O primeiro é a saída compulsória do estrangeiro em situação irregular do país, seja pela entrada ou só pela permanência além do prazo permitido. A deportação não decorre da prática de ato ilícito, mas de mera irregularidade.

A expulsão, por sua vez, consiste na retirada do território nacional devido a pratica de atos contrários ao interesse nacional.

Art. 65. É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.

Parágrafo único. É passível, também, de expulsão o estrangeiro que:

a) praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil;

b) havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não se retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo aconselhável a deportação;

c) entregar-se à vadiagem ou à mendicância;

d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro.

           

3 – Dos Requisitos para a Concessão da Extradição

            A extradição deve atender a pressupostos objetivos e subjetivos. No tocante ao subjetivo, ou seja, quanto à pessoa, cabe salientar de início que no Brasil, assim como na maioria dos outros países, não extradita nacionais natos. Há, portanto, a exceção aberta aos naturalizados acusados, que podem ser extraditados por crimes anteriores à sua naturalização.

            No tocante ao fato imputado, este deve ser considerado crime no Brasil e no Estado requerente, ser considerado grave e punível com pena privativa de liberdade com duração maior que um ano pelo ordenamento interno brasileiro, o pedido deve estar sujeito à jurisdição penal do Estado requerente, deve ser verificada se a ação penal não está prescrita, tanto pela lei brasileira quanto pela lei do Estado requerente. Por último, o fato imputado não pode ser crime político ou de opinião, cuja extradição é vedada expressamente pela Constituição Brasileira.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Art. 77. Não se concederá a extradição quando:       

I - se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido;

II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;

III - o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;

IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;

V - o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;

VI - estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;

                                                      VII - o fato constituir crime político; e

VIII - o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.

            O Estatuto do Estrangeiro prevê ainda, em seu artigo 78, outras condições para a concessão da extradição: o cometimento de crime sujeito à jurisdição de outro Estado estrangeiro e a existência de sentença condenatória definitiva ou ordem de prisão definitiva ou ordem de prisão emitida autoridade competente estrangeira.

Art. 78. São condições para concessão da extradição:

I - ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado; e

II - existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada por Juiz, Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente, salvo o disposto no artigo 82.

            É obrigatória a participação do Supremo Tribunal Federal no processo de extradição: “Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão” (art. 83, Estatuto do Estrangeiro).

Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso:

I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;

II - de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;

III - de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação;

IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e

V - de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena.

            No âmbito internacional vale destacar o Acordo de Extradição entre os Estados-partes do Mercosul, que no geral se assemelha às disposições previstas na legislação brasileira (no que diz respeito à prescrição da ação penal e dos crimes políticos e de opinão, por exemplo). No seu art. 1º, dispõe que “Os Estados Partes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas no presente Acordo, as pessoas que se encontrem em seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Parte, para serem processadas pela prática presumida de algum delito, que respondam a processo já em curso ou para a execução de uma pena privativa de liberdade”.

            Seguindo as disposições brasileiras, também destacam-se as causas que ensejam a extradição (art. 2º):

“1. Darão causa à extradição os atos tipificados como delito segundo as leis do Estado Parte requerente e do Estado Parte requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a dois anos.

        2. Se a extradição for requerida para a execução de uma sentença exige-se, ademais, que a parte da pena ainda por cumprir não seja inferior a seis meses.

        3. Se a extradição requerida por um dos Estados Partes referir-se a delitos diversos e conexos, respeitado o princípio da dupla incriminação para cada um deles, bastará que apenas um satisfaça às exigências previstas no presente Artigo para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito aos demais delitos.

        4. Procederá igualmente à extradição com base nos delitos previstos em acordos multilaterais vigentes entre o Estado Parte requerente e o Estado Parte requerido.

        5. Qualquer delito que não esteja expressamente previsto nas exceções do Capítulo III do presente Acordo, ensejará a extradição sempre que cumpra os requisitos estabelecidos no Artigo 3”.

           

Deve-se ressaltar que para que um Estado conceda extradição a outro, não é necessária a existência de um acordo, assim ensina Francisco Rezek: “A extradição não pressupõe relações diplomáticas entre os países envolvidos, e sim um concurso de vontades e o reconhecimento do interesse reciproco de ambos os países na defesa da paz mundial contra o crime (REZEK, 2010, p. 237) ”.

Nesse sentido também Mazzuoli: “Frisa-se a dependência constante da decisão final politica nesses casos. É necessário ter sempre em vista que os tratados de extradição não criam direito, que preexiste à extradição, mas apenas estabelecem as condições de sua efetivação” (MAZZUOLI, 2012, p. 737).

4 – A extradição e a questão dos refugiados.

            A questão dos refugiados, apesar de remontar desde a Antiguidade, ganhou importância no cenário internacional a partir do século XX, Com o fim da segunda Guerra Mundial, foi criado no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e o Fundo de Emergência das Nações Unidos para os Refugiados.

            Também foi aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 28 de julho de 1951 uma Convenção para refugiados, que teve sua 21 de abril de 1954. No entanto, tal convenção só se aplicava aos refugiados oriundos até o ano de 1951 e aos do continente europeu, já que objetivava tratar dos refugiados da Segunda Guerra Mundial.

            Segundo o art. 1º dessa Convenção, refugiado é aquela “ pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer fazer uso da proteção desse país ou, não tendo uma nacionalidade e estando fora do país em que residia como resultado daqueles eventos, não pode ou, em razão daqueles temores, não quer regressar ao mesmo”.

            Posteriormente, em 1967, o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados ampliou o conceito de refugiados no tocante ao limite temporal e geográfico, ou seja, permitiu que os dispositivos da Convenção pudessem ser aplicados aos refugiados sem qualquer data limite (no caso o ano de 1951) e para os casos de refugiados em todo o mundo e não apenas no continente europeu.

            O Brasil também participa do programa de reassentamento, firmado entre o Brasil e a ACNUR (Agencia da ONU para refugiados) no ano de 1999. Os 15 países que atualmente participam do programa são: Austrália, Benin, Burkina Faso, Canadá, Chile, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Irlanda, Brasil, Países Baixos, Suécia, Suíça, Nova Zelândia e Estados Unidos.

            Questão Fundamental é a que diz respeito ao princípio da não devolução dos refugiados. Esse princípio visa garantir segurança e liberdade aos grupos de refugiados e encontra assento no art. 33 da Convenção de 1951:

“1. Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçados em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas. ”

            Essa proteção é garantida desde o momento da solicitação de refúgio e tem natureza declaratória, ou seja, ainda que o Estado recuse declarar a condição de refugiado ao indivíduo, ele ainda estará protegido pelo princípio da não devolução.

5 – Caso Cesare Battisti

            Cesare Battisti nasceu em Sermoneta na Itália, no ano de 1954. Em 1976, Cesare participou de levantes estudantis e engajou-se no ativismo de extrema esquerda; o italiano era integrante do grupo de extrema esquerda conhecido como Proletários Armados pelo Comunismo, PAC.

            O PAC caracterizou-se como um grupo armado italiano de extrema esquerda criado em 1976 durante os chamados “anos de chumbo” na Itália, e que dissolveu-se três anos depois. Diferentemente das Brigadas Vermelhas, grupo armado italiano que tinha hierarquia rígida e estruturava-se militarmente, o PAC caracterizava-se por um grupo pequeno e regional, da estrutura precária, de organização horizontal, com vários núcleos independentes que podiam conduzir ações independentes e reivindicá-las como sendo ações do PAC. Inicialmente as ações do grupo consistiam em apoio às reivindicações operárias, como a que ocorreu na Itália em 1978, na sabotagem contra a instalação da Alfa Romeo em Milão.

            Em maio de 1981, Battisti foi condenado a 13 anos de reclusão e 5 meses de detenção, conforme legislação italiana, por “participação em grupo armado” e “ocultamento de armas”; Cesare recorreu da condenação. Outros integrantes do PAC também foram condenados de acordo com a respectiva participação no grupo. Alguns meses após a detenção de Battisti na prisão de Frosinone na Itália, ele fugiu e refugiou-se na França por alguns meses.

            Em 13 de dezembro de 1988 a Corte de Assise de Milão, com base principalmente na delação premiada de Pietro Mutti, condenou Cesare Battisti à prisão perpétua por quatro homicídios praticados entre 1978 e 1979: homicídio doloso praticado em Mestre em 6 de junho de 1978 contra o agente de custódio Antônio Santoro; homicídio doloso praticado em Milão em 16 de fevereiro de 1979 contra Pierluigi Torrengiani; homicídio doloso praticado em Milão em 19 de abril de 1979 contra Andrea Campagna, agente de polícia.

            Cesare Battisti, condenado pela justiça italiana à pena de morte pela prática de quatro homicídios, fugiu para o Brasil mas foi detido em 2007 por uma operação realizada em conjunto pelas Polícias Federal brasileira, francesa, italiana  e a Interpol. Após a prisão de Cesare Battisti no Brasil, o Estado italiano, com base no tratado de extradição firmado entre a República Federativa do Brasil, realizado em Roma em 1989 visando à cooperação na área judiciária em matéria de extradição entre os dois países, solicitou a extradição do italiano.

            O Supremo Tribunal Federal autorizou a extradição de Battisti, segue abaixo a nota sobre o voto do presidente Gilmar Mendes na ocasião:

“O ministro Gilmar Mendes frisou, em seu voto, que o presidente da República tem, por força do tratado de extradição assinado entre Brasil e Itália em 1989, bem como do artigo 86 do Estatuto dos Estrangeiros (Lei 6.815/80), a obrigação de entregar o nacional italiano. Portanto, não tem poder discricionário de decidir pela não entrega.

“Havendo tratado, todo o processo de extradição deve obedecer suas normas”, sustentou o ministro. O ministro lembrou que a única discricionariedade que o presidente tem para não efetuar a extradição ocorre em caso bem específico, previsto no artigo 91 da Lei 6.815/80, que é quando o país requerente não oferece condições de fazer o extraditado cumprir a pena dentro do que estabelece a legislação brasileira. 

Fora isso, segundo o ministro Gilmar Mendes, o presidente da República somente tem discricionariedade quanto à entrega imediata ou não do extraditando. Um retardamento pode acontecer se este sofrer de doença grave que coloque em risco sua vida, atestada por laudo médico (parágrafo único do artigo 89 a Lei 6.815), ou se ele estiver respondendo a processo no Brasil. Neste caso, o presidente pode permitir que se conclua esse processo, ou desprezar esta circunstância e efetuar a extradição.

O ministro Gilmar Mendes qualificou de “arrematado absurdo dizer-se que agora, uma vez decidida a extradição, o presidente da República está livre para não cumprí-la”. Segundo ele, partiu-se de uma especificidade da legislação pertinente ao assunto – entrega imediata ou não, em dadas circunstâncias – para se generalizar a discricionariedade”.

            O ministro Sepúlveda Pertence durante a votação declarou seu posicionamento no seguinte sentido:

“A condição de refugiado, enquanto dure, é elisiva, por definição, da extradição que tenha implicações com os motivos do seu deferimento. Não existe ai nenhuma afronta à competência do Tribunal para julgar do processo de extradição. O processo é instrumento de composição jurisdicional de um conflito presente: se desaparece o seu objeto, extingue-se o processo sem julgamento de mérito. A circunstância de o prejuízo do processo advir de ato de um outro Poder – desde que compreendo na esfera de sua competência – não significa invasão da área do Judiciário. (...), mas, data venia, o problema não está em que a decisão prejudicial seja tomada, não por outro órgão judiciário, mas sim por órgão do Poder Executivo, mas sim em indagar se é do Executivo, e não do Judiciário, a competência para tomá-la. E suponho não haver dúvida de validade da lei que – a exemplo da generalidade dos ordenamentos nacionais -, reserva ao Poder Executivo – órgão das relações internacionais do Estado – o poder privativo de conceder asilo e refúgio (Extrad. 1008-5).”

Apesar do parecer favorável à extradição pelo Supremo Tribunal Federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou a extradição, causando grande repercussão. Logo após os advogados de Cesare Battisti pediram a sua liberdade, que foi concedida por seis votos a seis no STF.

            Como fundamento para a negativa do pedido, o presidente Lula alegou que Cesare sofreria perseguições na Itália, de acordo com o art. 3, 1, f do Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e República Italiana:

   

  “1. A extradição não será concedida:

  1. se, pelo mesmo fato, a pessoa reclamada estiver sendo submetida a processo penal, ou já tiver sido julgada pelas autoridades judiciárias da Parte requerida;    
  2. se, na ocasião do recebimento do pedido, segundo a lei de uma das Partes, houver ocorrido prescrição do crime ou da pena;
  3. se o fato pelo qual é pedida tiver sido objeto de anistia na Parte requerida, e estiver sob a jurisdição penal desta;
  4. se a pessoa reclamada tiver sido ou vier a ser submetida a julgamento por um tribunal de exceção na Parte requerente;
  5. se o fato pelo qual é pedido for considerado, pela Parte requerida, crime político;
  6. se a Parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados;
  7. se o fato pelo qual é pedida constituir, segundo a lei da Parte requerida, crime exclusivamente militar. Para os fins deste Tratado, consideram-se exclusivamente militares os crimes previstos e puníveis pela lei militar, que não constituem crimes de direito comum.”

5 – Conclusão

Apesar de todas as consequências na esfera das relações internacionais, a decisão do presidente encontra amparo no Tratado de Extradição firmado entre os países, e embora tal dispositivo seja carregado de subjetivismo, não viola a norma.

A legislação brasileira oferece a possibilidade de rejeição do pedido por parte do Chefe de Estado, tendo este agido, portanto, em legítima discricionariedade.

6 – Referências.

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de estrangeiros. A extradição. Tratados de extradição celebrados pelo Brasil. 3. ed. Brasília, 2004.

BRASIL. Jurisprudências, Súmulas, Acórdãos do Supremo Tribunal Federal. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 20 de novembro de 2015.

JUSBRASIL NOTÍCIAS: Confira a cronologia e entenda o caso Cesare Battisti. Informações disponíveis em <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/953195/confira-a-cronologia-e-entenda-o-caso-battisti> Acesso em 18 de novembro de 2015.

ONU. ACNUR. Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados. 1951. Disponível em: <http://www.cidadevirtual.pt/acnur/refworld/refworld/legal/instrume/asylum/conv-0.html.> Acesso em: 20 de novembro de 2015.

CONJUR. Memoriais apresentados pela defesa de Cesare Battisti. Referentes ao Mandado de Segurança 27.875 e Extradição 1.085. Disponíveis em: <http://s.conjur.com.br/dl/fatos-memorial-batti.pdf> <http://s.conjur.com.br/dl/ms-memorial-battisti.pdf> Acesso em: 20 de novembro de 2015.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

DEL’OLMO, Florisbal de Souza, KÄMPF, Elisa Cerioli Del’Olmo. A extradição no direito Brasileiro. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2011.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Coletânea de direito internacional. Ed. ampliada – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

Sobre o autor
Guilherme Maciel Salomão

Graduando em Direito pela UEMA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!