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Direito a ter uma nacionalidade: a questão da apatridia

Agenda 24/05/2016 às 13:31

O problema da apatridia, de maior observância atualmente visto que refere-se à perda da nacionalidade, ganha outra dimensão, na medida em que Estados e Organizações Internacionais se mobilizam com o intuito de combater e prevenir os seus efeitos.

RESUMO: 

Os apátridas, como o próprio nome se refere, são indivíduos sem pátria vitimados por diversas causas que os privam do direito de possuir uma legítima identificação com o local onde nasceram e/ou vivem, causas estas representadas por conflitos de legislações divididas pela consagração de critérios de nacionalidade como o jus solis e o jus sanguinis (conflito negativo de nacionalidade), aplicação de leis discriminatórias que negam a nacionalidade em razão de raça, etnia ou religião, superveniente perda de nacionalidade originária e derivada, e fatores políticos. Desses fatores decorre, em grande parte, a atual crise humanitária na qual o mundo se encontra - o direito à nacionalidade é fator de grande importância, na medida em que representa um dos direitos fundamentais da pessoa humana, disposto na Declaração Universal dos Direitos do Homem e atribuído a todos os cidadãos, para garantia de segurança, participação social, liberdade de expressão e demais garantias constitucionais. Para análise da questão, este estudo fundamenta-se em trabalhos já publicados por outros autores, buscando mostrar o imprescindível papel do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR no combate e na prevenção da apatridia, mediante também o implemento da Convenção de 1961 para Reduzir os Casos de apatridia e a Declaração Universal dos Direitos Humanos

Palavras-chave: Apátrida. Nacionalidade. Cidadão. Prevenção. 

SUMMARY:  

Stateless persons, as the name refers are individuals without a country victimized by various factors that deprive them of the right to possess a legitimate identification with the place where they were born and / or living, causes these represented by conflicts of laws divided by criteria of consecration nationality as the jus soli and jus sanguinis (negative conflict of nationality), application of discriminatory laws that deny nationality on grounds of race, ethnicity or religion, supervening loss of original nationality and derived, and political factors. These factors derives largely the current humanitarian crisis in which the world is - the right to nationality is a factor of great importance in that it represents one of the fundamental rights of the human person, provisions of the Universal Declaration of Human Rights and assigned to all citizens, to guarantee security, social participation, freedom of speech and other constitutional guarantees. For analysis of the issue, this study is based on studies published by other authors, seeking to show the essential role of the United Nations High Commissioner for Refugees - UNHCR in combating and preventing statelessness by also implement the 1961 Convention reduce statelessness cases and the Universal Declaration of Human rights. 

Keywords: Stateless. Nationality. Citizen. Prevention. 

INTRODUÇAO 

Em face da condição em que o indivíduo apátrida se encontra, frente aos motivos que o levam a perder sua identidade como detentor de direitos, e considerando-se as consequências da ausência de liame de nacionalidade (vínculo político-jurídico entre o indivíduo e o Estado), há que se considerar que o cidadão, embora apresente completa carência de um amparo legal, é ainda, sobretudo, passível de proteção estatal, pelo que surge o apoio internacional impulsionado por organizações com o intuito de auxiliar refugiados e apátridas na busca de possíveis soluções, ao mesmo tempo em que contribui para a redução de tais casos. 

Ao contrário dos cidadãos de muitos países, aos quais é garantido o direito à nacionalidade oriundo da Constituição, e a consequente concessão dos direitos como: liberdade, educação, saúde, trabalho e lazer, a propriedade, ao respeito como pessoa, a não sofrer coação e preconceito por diversas causas, a igualdade perante a lei, a não ser torturado e de não receber tratamento desumano ou degradante, as liberdades políticas, religiosas, etc., o apátrida, aquela pessoa que teve retirada a sua nacionalidade ou ao qual nunca lhe foi concedido este direito, ou o indivíduo que não é considerado por qualquer Estado, segundo a sua legislação como seu nacional, para este, a existência não tem mais o mesmo sentido, em consequência de ter se tornado uma pessoa sem direitos, um indivíduo vulnerável às possíveis coações, à privação da liberdade, dentre muitos outros infortúnios. 

A questão da apatridia (termo utilizado internacionalmente para caracterizar os indivíduos que não são considerados cidadãos por nenhum Estado) é objeto de discussão pelos órgãos defensores dos direitos humanos, vindo a apatridia a surgir em decorrência da disputa entre Estados quanto ao reconhecimento da cidadania, da incompatibilidade na aplicação de duas ou mais leis que regulam a nacionalidade, da sucessão de Estados, dos critérios baseados na etnia (discriminação contra determinados grupos étnicos, religiosos ou com base no gênero), da renúncia da nacionalidade, da prática de crimes, da continua marginalização de grupos específicos dentro da sociedade e da privação imposta a eles da nacionalidade efetiva. 

Deste modo, com a finalidade de garantir o mínimo desses direitos pela comunidade internacional, foram criadas a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951 e a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, dois instrumentos de grande relevância quanto à conscientização para o combate à apatridia pelos Estados Partes, como também a criação e utilização por estes, dos tratados internacionais que tratam sobre a nacionalidade e a apatridia. Juntamente com as convenções anteriormente citadas, há também a Convenção de 1961, para Reduzir os Casos de Apatridia, formada por um conjunto de normas adicionais desenvolvidas pelos Estados Partes, que visam garantir a nacionalidade e o exercício dos direitos básicos pelos apátridas, como também incentivar o acordo internacional entre os signatários e os demais estados interessados, tornando-se única ao estipular salvaguardas de forma clara e detalhada para a concessão da nacionalidade às pessoas em condição de apátridas.  

O problema da apatridia em âmbito internacional é um fator constante em muitos países africanos, europeus, do sul e do sudeste asiático, no ex-Bloco do Leste devido às recentes mudanças políticas na região e nas Américas; no contexto nacional há muitos imigrantes na condição de apátridas que procuram o Brasil, e que na busca por abrigo, emprego e informações, acabam recebendo ajuda de organizações locais e internacionais. No Brasil, o indivíduo reconhecido como apátrida poderá adquirir a nacionalidade brasileira, extensível aos seus dependentes e integrantes do seu núcleo familiar, segundo o projeto de lei que define o processo de determinação da condição de apátrida no Brasil, estabelecendo direitos e obrigações para estas pessoas. 

O artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 estabelece o direito à nacionalidade, que é o vínculo jurídico-político que une um indivíduo a um determinado Estado, que ninguém pode ser privado de exercer e nem de mudá-lo caso opte; no entanto, certamente já se torna possível ter uma prévia ciência do que envolve a questão da apatridia em contrário a esta previsão supralegal e do quanto prejudicial é o não usufruto de cidadania, por grupos de indivíduos que são tratados de forma discriminatória tanto pela sociedade local quanto pela jurisdição e leis que os regem, atinentes à nacionalidade, resultando assim em consequências desastrosas, no que condiz à perda do direito de voto (envolvendo a impossibilidade de participação ou execução de qualquer exercício político); dificuldades de realizar viagens internacionais já que não poderão obter documentos de passaporte ou equivalentes e como anteriormente dito a completa privação do direito a serviços básicos como educação, saúde, seguridade social, aposentadoria e como em alguns países, a impossibilidade de desempenhar atividade laborativa remunerada, dentre muitas outras.  

O ACNUR 

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - ACNUR, cuja sede fica em Genebra na Suíça, e que sob o mandato das Nações Unidas desempenha a relevante função de proteger os refugiados assim como ajudá-los na busca de possíveis soluções, ao mesmo tempo em que contribui para a redução dos casos de apatridia e na assistência às pessoas apátridas. 

Dentre os assuntos relativos à apatridia e o papel do ACNUR no âmbito internacional, há um objetivo de grande relevância, qual seja, a proteção dos direitos dos apátridas fundamentado no fato de que o artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao referir-se ao direito à nacionalidade inerente a todo indivíduo, deixe uma lacuna ao não especificar a qual nacionalidade este indivíduo tem direito. 

Para o ACNUR, os apátridas são suscetíveis a tratamento arbitrário e a crimes como o tráfico de pessoas, pelo que essa marginalização pode criar tensões e levar à instabilidade a nível internacional, provocando, em casos extremos, conflitos e deslocamentos. 

DIREITO À NACIONALIDADE 

Ser privado da nacionalidade é como ser privado da pertença ao mundo, é como retornar ao estado natural, como homens das cavernas ou selvagens... O homem que não é nada mais que um homem que perdeu aquelas qualidades que tornaram possível para outras pessoas o tratarem como igual... Pode viver ou morrer sem deixar vestígios, sem ter contribuído em nada para o mundo comum. (ARENDT apud ACNUR, 2009, p. 7) 

A nacionalidade é definida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos como “O elo político e jurídico que vincula uma pessoa com um determinado Estado, que a compromete para com este com laços de lealdade e fidelidade e que lhe confere o direito à proteção diplomática daquele Estado”. Nas palavras de Ana Carolina Frazão, nacional é aquele que faz parte do elemento humano do Estado (o povo), que goza de todos os privilégios que o Estado pode-lhe conceder, sendo, portanto considerado cidadão quando estiver de pleno usufruto de direitos políticos ao qual lhes cabe, quanto ao estrangeiro, considera-se aquele que não é tido como nacional pelo Estado, ou seja, aquele ao qual é restringido gozo dos direitos políticos e ao exercício de atividades que possam interferir na Segurança Nacional dos países aos quais não pertençam, tendo como exemplo, o de ocupar o cargo de oficial das forças armadas ou de integrar a carreira diplomática. 

No tocante aos critérios de atribuição da nacionalidade, compete ao direito em vigor de cada Estado atribuir aos indivíduos à nacionalidade baseado em dois critérios, quais seja, os jus soli e o jus sanguinis (referentes à nacionalidade originária), conforme este a nacionalidade é atribuída aos que nasceram no território do Estado, e mediante aquele, a nacionalidade é conferida aos indivíduos que descenderem de nacionais de determinado Estado, independentemente do território onde nasceram. 

Além destes principais critérios, há também a adoção do critério do jus domicilii, pelo qual a nacionalidade é adquirida conforme o local onde o indivíduo se considere estabelecido, com o alento de ali permanecer; o critério do jus laboris, através do qual a nacionalidade é conferida em face da prestação de serviço pela pessoa ao Estado, conforme previsto no artigo 113, III, parágrafo único da Lei n° 6.815/80: reduz-se de quatro para um ano o prazo de residência no Brasil como requisito para a naturalização, se houver prestado ou poder prestar serviços relevantes ao Brasil, a juízo do Ministério da Justiça e no artigo 114, II da mesma lei no que dispõe que: ao estrangeiro empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil que contar mais de 10 anos de serviços ininterruptos, será dispensado o requisito da residência, exigindo-se apenas a sua estada por trinta dias no Brasil; e o critério do jus communicatio em que se atribui a nacionalidade através do casamento, conforme as regras estipuladas por cada Estado. 

A nacionalidade pode ser dividida em nacionalidade originária e derivada, esta, sobrevém de fato voluntário logo após o nascimento, tal como o casamento, a naturalização, a opção por tal nacionalidade, domicílio, a reaquisição de nacionalidade, a cessão, aquisição ou troca de territórios (não sendo reconhecido pelo Brasil, a primeira e a última forma de aquisição da nacionalidade adquirida ou derivada); e aquela é atribuída em razão do nascimento, pelos principais critérios citados anteriormente (jus solis e jus sanguinis). 

Tendo previsão no art. 12 da Constituição Federal, como brasileiros natos: os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros desde que não prestadores de serviços no país; os nascidos no estrangeiro, cujo pai ou mãe brasileira, esteja a serviço do Brasil; os nascidos fora do país, de pai ou mãe brasileira, contanto que registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir no Brasil e optem pela nacionalidade brasileira em qualquer, após a maioridade (hipóteses de aquisição de naturalização ordinária), e como naturalizados: os que adquiram legalmente a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa, apenas a residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes no Brasil há mais de quinze anos ininterrupto e sem condenação penal, contanto que requeiram a nacionalidade brasileira (hipóteses de naturalização extraordinária). Sendo reservado somente ao Chefe do Poder Executivo a outorga da naturalização, que se dar por meio de ato discricionário. 

Considera-se apátrida o indivíduo que não possui vínculo de nacionalidade com qualquer Estado, ou seja, aqueles que não possuem usufruto de direitos inerentes às demais pessoas que residem em um determinado país, seja por que a legislação interna não os reconhece como nacional, seja porque não há um consenso sobre qual Estado deve reconhecer a cidadania dessas pessoas, sem acesso na maioria das vezes à documentação básica de cidadania, como a certidão de nascimento ou documento de identidade. No caso da nacionalidade brasileira, a sua perda dar-se por meio do cancelamento de sua naturalização por sentença judicial, em decorrência de prática nociva ao interesse nacional; em razão da aquisição de outra nacionalidade, com exceção aos casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira, e de imposição de naturalização ao brasileiro em Estado estrangeiro, por norma estrangeira, como condição para a permanência em seu território ou para a prática dos direitos civis. 

A perda da nacionalidade é individual ou conforme o termo jurídico é um fato personalíssimo, não atingindo ao cônjuge ou aos descendentes da pessoa prejudicada. Para aqueles privados da nacionalidade em decorrência de naturalização voluntária, poderá retoma-la por meio de decreto do chefe do Poder Executivo, desde que com domicílio no Brasil. Para os apátridas, a perda da nacionalidade ocorre por inúmeros fatores, como pelo conflito de legislações entre o jus soli e o jus sanguinis (conflito negativo de nacionalidade); no caso do indivíduo se que naturaliza nacional de um Estado perde sua nacionalidade originária, como também a posterior naturalização que lhe foi concedida; e os fatores políticos, como a legislação da revolução comunista, que retirava a nacionalidade russa dos emigrados. 

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Dessa forma, a nacionalidade é analisada como uma ferramenta vital, no tocante à aquisição e usufruto dos direitos políticos; aos critérios utilizados para sua atribuição; à sua divisão entre aquela que se adquire logo após o nascimento por fato voluntário ou àquela que depende apenas do nascimento para obtê-la, o que remete ao indivíduo de nacionalidade nata ou que a obteve através de um processo de naturalização. A contrassenso, há os casos em que a nacionalidade é suprimida como um direito inerente ao indivíduo, ou seja, como anteriormente dito nos casos dos apátridas, caracterizando-se assim em uma lacuna ou anomalia ao que exaustivamente é assegurado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. 

APATRIDIA NO BRASIL 

Segundo o próprio ACNUR, o Brasil é considerado um “caso de sucesso” na prevenção, e porque não, no combate à apatridia, devido ao movimento “Brasileirinhos Apátridas”,  campanha criada pela comunidade de brasileiros no exterior, que mobilizou a sociedade civil e o Estado brasileiro no ano de 2007, vindo a se concretizar recentemente, em 21 de Agosto de 2015, por meio do Decreto Presidencial no Diário Oficial da União, o Brasil ratificou a Convenção de 1951 (Convenção das Nações Unidas para a redução dos Casos de Apatridia) e promulgou uma emenda constitucional para prevenir casos de apátridas, beneficiando diretamente cerca de 200 mil crianças filhas de brasileiros nascidos no exterior. Por meio da Emenda Constitucional de 1994, regulamentada pelo decreto-lei n° 4.246, de 22 de Maio de 2002, uma vez que se determine a situação de apatridia, a pessoa apátrida que for reconhecida pelo Estado brasileiro e/ou nascida em seu território, inclusive os filhos de estrangeiros, poderá obter a nacionalidade e estende-la aos seus familiares que se encontrem na mesma, situação tanto quanto às outras pessoas com a qual mantenham vínculo de dependência, competindo ao Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), agora atual Comitê Nacional para Apátridas e Refugiados, reconhecer esta situação de apatridia. 

No Brasil, o ACNUR está apoiando os compromissos assumidos pelo Governo, em especial para a aprovação de um projeto de lei apatridia; e se envolver com atores-chave do Estado para aumentar o envolvimento do governo em matéria de integração local, tais como o avanço autossuficiência e opções de subsistência em áreas urbanas. O Escritório também está trabalhando com o Governo para reforçar o seu apoio ao programa de Reassentamento Solidário; e para proporcionar proteção física e legal para pessoas de preocupação, particularmente indivíduos vulneráveis, com base nas convenções sobre os refugiados e apátridas, tanto quanto na Declaração de Brasília Sobre a Proteção de Refugiados e Apátridas no Continente Americano. 

Conforme um artigo do ACNUR sobre a apatridia, o estrangeiro que se considera apátrida ao ingressar em território brasileiro, deve informar a sua situação a qualquer delegacia da polícia federal para assim contatar com o Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, ou recorrer a qualquer unidade da Defensoria Pública da União para conseguir assistência e assessoria jurídica gratuita no processo de reconhecimento da sua condição de apátrida. 

Este artigo abrange direitos e deveres do apátrida em solo brasileiro, como também aos solicitantes do reconhecimento de tal condição. Aos apátridas residentes no Brasil cabe receber, 1) tratamento o mais favorável possível, na mesma condição de igualdade ao concedido aos demais estrangeiros que se encontram no país; 2) ter em condição de igualdade, direitos e assistência básica dada a qualquer outro estrangeiro que na forma da lei resida no país, como o direito à educação pública, moradia e liberdade, além dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana; 3) ter em condição de igualdade, direitos e assistência básica dada aos nacionais do país, como a liberdade de culto, direitos de propriedade intelectual, acesso à justiça, assistência judiciária gratuita, assistência pública e legislação do trabalho e segurança social; 4) receber toda a documentação legalmente prevista, isto é: Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), Cédula de Identidade de Estrangeiro (CIE) quando cabível, Cadastro de Pessoa Física (CPF) e Carteira de Trabalho; 5) receber mediante requerimento o Passaporte para Estrangeiro, documento que permite viagens de apátridas ao exterior; 6) escolher por livre vontade o local a fixar residência no Brasil; 7) Postular a permanência após residir no país por 04 anos ininterruptos, saber ler e escrever na língua nacional, exercer uma profissão que permita a sua própria manutenção e a de seus familiares, ter conduta ilibada e não ter sido denunciado por crime de dolo cuja pena ultrapasse um ano de prisão. Sendo direito dos solicitantes do reconhecimento da apatridia, ter o seu pedido de reconhecimento analisado individualmente, de forma ágil e em procedimento com duração determinada. 

Quanto aos deveres do apátrida residente no Brasil, compete-lhe: 1) no caso de mudança de domicílio, informar à Polícia Federal, no prazo de 30 dias; 2) verificar cuidadosamente as leis específicas de proteção às crianças, aos adolescentes e à mulher; 3) manter a documentação atualizada; 4) não executar atos contrários à segurança nacional ou à ordem pública, sob pena de perder a proteção do Estado Brasileiro; 5) respeitar a Constituição Federal e a legislação em igualdade aos nacionais e estrangeiros residentes no país. 

Em 20 de novembro de 2013, o ACNUR e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) no Brasil assinado um memorando de entendimento para assim consolidar a proteção de crianças refugiadas, como aqueles em situação de apatridia que vivem no país. Tal acordo prevê a atuação conjunta das agências na articulação de medidas que assegurem os direitos de crianças e adolescentes solicitantes de refúgio e refugiados. 

O Brasil, visto pelo resto do mundo como um país em desenvolvimento, tornou-se um imprevisível exemplo de sucesso no controle e combate à apatridia no território nacional, seja por meio de campanhas ou por outras iniciativas governamentais como a retificação de Convenções que tratam sobre os apátridas e até Emenda Constitucional. E com o ACNUR, tal mobilização/conscientização tornou-se cada vez maior, pois com o apoio e sob a orientação de uma Organização que se dedica inteiramente aos refugiados e apátridas, é possível o amparo mais eficaz aos apátridas dentro do território com também aqueles que procuram o brasil com o intuito de assim conseguir adquirir o mínimo de direitos através da naturalização. 

APATRIDIA NO MUNDO 

Conforme pesquisas feitas pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados, não é possível estabelecer com total precisão o número exato de pessoas em situação de apatridia, no entanto, a estimativa é que existam por volta de 10 a 12 milhões de apátridas situados pelo mundo, sendo aproximadamente um terço deste número, composto por crianças. As áreas de grande movimentação em decorrência de guerras ou migração econômica, também foram significativamente afetados pela apatridia. Um exemplo é o da África Ocidental, mais precisamente na Costa do Marfim, com um número de 700.000 apátridas dentre imigrantes, após a sua independência do país perante a França em 1960. 

No caso da dissolução de antigos Estados, mais de 600.000 europeus foram afetados, como em Montenegro, antigo membro da Federação Iugoslava com cerca de 3.200 apátridas registrados, ao passo que a Letónia e Estónia possuem em seus territórios em torno de 262.000 e 86.000 pessoas apatriadas, respectivamente. A atuação do ACNUR no Oriente Médio, como no Tadjiquistão e Cazaquistão, tem se mostrado bem sucedido, na medida em que trabalha em conjunto com os governos e a sociedade civil, no solucionamento da situação dos apátridas e dos ex-cidadãos da Antiga União Soviética. O contingente de pessoas que buscam o estatuto do refugiado tem aumentado gradualmente, no primeiro semestre de 2014, em virtude das guerras na Síria e no Iraque, assim como dos conflitos no Afeganistão e na Eritreia. 

Nas Américas, a apatridia continua a ser um grave problema no Caribe, sendo obrigatória a tomada de soluções para pessoas sem nacionalidade definida, na República Dominicana onde é negada a nacionalidade pelo registro civil, e o desequilíbrio de género na transmissão da nacionalidade, em conjunto com a inexistência de documentação que a comprove, continua a ser um problema corriqueiro em toda a sub-região, muito embora, 28 Estados tenha se comprometido a extinguir a apatridia até 2024, através da campanha global “I Belong”. 

A campanha global “Eu Pertenço” (“I Belong”), lançada pelo ACNUR, que pelos próximos 10 anos pretende acabar com a apatridia, convém principalmente à região da Ásia-Pacífico, onde há mais de 1,4 milhões de apátridas ou em risco de apatridia, esse mesmo plano, ressalta uma série de medidas a serem adotadas por vários governos, englobando assim, a resolução dos principais casos de apatridia; a garantia de que não haja crianças apátridas; o fim da discriminação de gênero com base nas legislações; a prevenção da perda e privação da nacionalidade; a prevenção da apatridia durante a Sucessão de Estado; proteção dos apátridas migrantes e naturalização dos mesmos; garantir o registro de nascimento das crianças, e demais outros meios de fortalecer a prevenção e o combate. 

Vários governos da Ásia Central, como os do Quirquistão e Turcomenistão, concederam cidadania a mais de 60.000 pessoas desde 2005, logo o ACNUR apoiará a iniciativa em mais outros países, defendendo tais disposições e processos locais de naturalização. Os “sem nacionalidade” encontram-se em países como a Malásia, Filipinas, Sri Lanka, Tailândia e Vietnam, onde há nos dois primeiros, o implemento de projetos de prevenção e redução da apatridia, com a previsão da melhoria do registro civil, incluindo o registro de nascimento e estatísticas vitais. 

Desse modo, a apatridia em âmbito internacional, é o resultado de rígidas legislações estatais e por que não dizer, de arcaicas e restritivas formas de governo não comprometidos com o desenvolvimento econômico e social da população que os compõe, o que leva realmente a crer, que não se trata somente de uma consequência da crise imigratória e humanitária constatada atualmente com uma maior intensidade. Bem se vê que, tirando os casos referentes há a ocorrência de conflitos entre países; dissolução de antigos estados e o desequilíbrio de gênero na transmissão da nacionalidade, os maiores casos de apatridia ocorrem em governos nos quais a situação da mulher é vista como de submissão ao homem, mesmo para aquelas que não se encontram na situação de apátridas, pois tamanho desconforto é de causar a imposição de medidas por alguns países (como na República Dominicana) que negam a transmissão da nacionalidade por mulheres aos seus filhos e inconsequente imposição de demais outras restrições às crianças. 

CRIANÇAS APÁTRIDAS 

É reconhecido pelo Direito Internacional o dever estatal de outorga da nacionalidade a todas as crianças, através do art. 7° da Convenção sobre os Direitos da Criança, que assim dispõe: “A criança será registrada imediatamente após seu nascimento e terá direito, desde o momento em que nasce, a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles”. Assim, é assegurado à criança o direito à nacionalidade, de preferência o mais cedo possível, procurando-se evitar os efeitos da apatridia. A Organização da Unidade Africana se inspirou nessa convenção para a confecção da Carta Africana Sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança, em que assegura os mesmos direitos previstos na convenção. 

O objetivo de prevenir e erradicar a apatridia na infância é uma meta a ser concretizada pelo ACNUR, dado que um dos artigos publicados pela Agência apresenta o tema “Eu Estou Aqui, Eu Pertenço: A Necessidade Urgente de Acabar com a Apatridia na Infância” (“Im Am Here, I Belong: The Urgent Need to End Childhood Statelessness”), que aborda a situação da criança apátrida, vivendo discriminada, incapacitada e sem o mínimo necessário de ajuda para crescerem intelectualmente. 

Crianças apátridas nascem sem registro de nascimento, consequentemente sem nacionalidade, e em decorrência disto não podem receber uma digna assistência médica, no que compreende desde a simples carteira de vacinação até o acompanhamento da saúde, combinado com as restrições de viagem, os exorbitantes custos médicos aos estrangeiros e a discriminação, condição esta imposta a muitas crianças apátridas em aproximadamente 20 países. Para estas crianças o serviço educacional também é negado por algumas escolas, em outros casos, lhes é negada a obtenção de bolsas de estudo ou de empréstimos estudantis. 

Importante frisar que há 27 países no mundo que possuem leis sobre a nacionalidade que impossibilitam que os filhos herdem a nacionalidade de suas mães, o que coloca em risco os direitos das crianças em situação de famílias onde não haja a figura de um pai. Mais da metade dos países do mundo possui salvaguardas em leis relacionadas à nacionalidade que funcionam como mecanismo de prevenção da apatridia, que por certas vezes podem conter lacunas na sua aplicação, o que, dentre outras causas, gera a apatridia infantil. 

A apatridia pode também dar causa à exploração e ao abuso, pois, sem a documentação necessária para a comprovação da nacionalidade da criança que a possibilite estudar e/ou receber subsídios do governo por parte dos seus familiares, resta a ela somente a prática do trabalho infantil, independentemente da natureza deste trabalho, as mais das vezes resultando em atividade injusta e abusiva. A apatridia também pode causar às crianças e jovens, sentimento de insegurança em consequência da exposição, do constrangimento pelos quais são levados a passar, e até mesmo da descriminação por pessoas não apátridas. Essas crianças e jovens também, na grande maioria das vezes não recebem o mínimo de educação por parte dos governos por falta de uma essencial documentação, e quando recebem acabam por tê-la da forma mais descabida, sendo importante novamente citar a respeito dos abusos cometidos contra tais crianças, no tocante à violência sexual e à prostituição como uma última opção, nos mais graves casos de apatridia.  

LEGISLAÇÕES APLICÁVEIS 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe em seu artigo 15° que: “Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade”, em outras palavras, é assegurado o vínculo jurídico-político do indivíduo com o Estado, ficando à escolha do mesmo continuar como cidadão de certo Estado ou conforme desejar poder mudar de nacionalidade. O direito à nacionalidade começou a ser debatido na Assembleia da Liga das Nações através da Convenção de Haia de 1930, a qual assegura ao apátrida, o acolhimento caso este se encontre enfermo, indigente ou ter cumprido ou recebido perdão por condenação à pena mínima de prisão, dispondo como dever de cada Estado a identificação dos seus nacionais segundo as leis que os regem, bem como o reconhecimento dessas leis no âmbito internacional na medida de sua compatibilidade com as convenções, costumes e princípios de outros países. 

A Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia de 1961, principal instrumento de prevenção e combate à apatridia, também assegura ao apátrida o direito a nacionalidade no momento do nascimento ou mediante requerimento do interessado, e que tais disposições expressas na convenção não sejam distorcidas a ponto de impedir a aplicação de uma norma mais favorável ao apátrida, dentre outras garantias previstas. A Convenção de 1961 impõe aos estados contratantes, a utilização de salvaguardas contra a apatridia e sua execução mediante a legislação de cada Estado que trata sobre a nacionalidade, prevenindo assim o aparecimento de novos casos.  

Dentre os instrumentos que asseguram o direito à nacionalidade, está a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, que impõe aos Estados a garantia da nacionalidade, sem distinção de raça, cor, origem nacional ou étnica, conforme o art. 5°, “d”, III; a Convenção sobre os Direitos da Criança, que garante em seu art. 7° o direito à nacionalidade desde o nascimento; a Convenção de 1954 sobre o Estatuto dos Apátridas; e a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, que defende a igualdade de géneros na aquisição, mudança ou conservação da nacionalidade e a conservação da nacionalidade da mulher mesmo após o matrimônio, na forma do art. 9°. 

Portanto, como visto, a nacionalidade é assegurada por diversos instrumentos como as Declarações e Convenções criadas com o intuito de garantir de forma igualitária, a aquisição dos direitos fundamentais por todo indivíduo, sem a infeliz adoção de critérios discriminatórios, quanto à raça, etnia, gênero, faixa etária e ao momento de aquisição. Mostrando, que não somente o direito à nacionalidade, mas, outros direitos  estão sendo objetos de discussão quanto à sua grande importância e na mobilização do sistema judiciário pertencente a cada Estado, servindo também como um impulso que os movem a tomar sábias decisões, refletidas por meio de tratados internacionais entre Estados e entre Estados e Organizações Internacionais que se empenham em garantir a aquisição e/ou modificação conforme a necessidade do indivíduo, de tais direitos duramente conquistados ao longo do tempo. 

DESLOCAMENTO 

Desde o início dos anos 90, tem crescido de forma exponencial a população de apátridas em todo o mundo, devido principalmente às medidas políticas executadas por líderes nacionais, dentre estes estão ditadores, que através de suas ações privam e/ou negam a cidadania à grupos minoritários, com o intento de excluí-los e marginaliza-los, por critério de raça, credo ou etnia, o que constitui uma explícita discriminação a esses grupos, gerando assim sentimentos de opressão e exclusão, levando-os a procurar por melhores locais onde possam viver com o mínimo dignidade possível, fenômeno que também pode ser descrito como crise migratória dos refugiados e apátridas. A apatridia foi reconhecida como uma das principais causas de deslocações e fluxos de refugiados e apátridas, por isso a grande importância da adesão às convenções sobre a apatridia. 

Foi adotado por mais de 30 países dentre eles o Brasil, um plano de medidas mais amplas para fortalecer a proteção a refugiados, deslocados e apátridas na região, que inclui 11 programas estratégicos a serem implementados. Criado logo após o Cartagena+30 (evento do ACNUR e do governo brasileiro), o plano inclui temas como: as pessoas deslocadas por causa de grupos não estatais relacionados ao crime organizado transnacional; os deslocados por causa de mudanças climáticas; e a erradicação da apatridia. Além do plano, há a Declaração do Brasil que possui em sua essência os mesmos objetivos, sob o tema “Um Marco de Cooperação e Solidariedade Regional para Fortalecer a Proteção Internacional das Pessoas Refugiadas, Deslocadas e Apátridas na América Latina e no Caribe”. 

Desse modo, a ausência de disposição que para a prevenção da apatridia, em países de independência recente ou que enfrentam um aumento no fluxo migratório, dá margem à dúvida quanto à quais grupos de pessoas cabem exercer o direito à cidadania daqueles países. Nesse contexto, esses grupos tornam-se mais vulneráveis a sofrer a consequência de tensões entre estados ou conflito de legislações sobre a nacionalidade no próprio Estado onde vivem como também, são forçados a deslocarem-se entre fronteiras, dando origem à crise dos refugiados. 

CAUSAS ESPECÍFICAS DA APATRIDIA 

A apatridia, como afirmado anteriormente, é a ausência do vínculo jurídico-político do indivíduo com o estado, que se dá através da perda da nacionalidade, resultante de várias circunstâncias, cuja análise requer a abordagem de cada uma por meio de critérios e subcritérios, presentes no 3° capítulo do artigo “Nacionalidade e Apatridia – Manual para parlamentares”, publicado pelo ACNUR. 

O primeiro critério é o das Causas Técnicas, envolvendo o Conflito de Leis, discussão o conflito negativo de nacionalidade, quando leis de um Estado que regulam sobre a nacionalidade, entra em conflito com leis de outro Estado; basicamente ocorrendo a apatridia nessa situação, quando nacionais de um Estado, que concede tal nacionalidade somente aos que nasceram em seu território (jus solis), objetivam adquirir a nacionalidade de outro Estado, que a concede tão somente por questão de descendência(jus sanguinis), ou vice versa, resultando assim na condição de Apátrida.  

Conflito de Leis Referentes à Renúncia, representado no impedimento pelo Estado, do indivíduo renunciar a sua nacionalidade enquanto não se adquire outra, ao passo que, a nacionalidade do Estado à qual se almeja não é concedida por este, senão através da renúncia pelo indivíduo, de sua nacionalidade originária.  

As Legislações e Práticas que Afetam às Crianças, ou seja, quando se torna legalmente obrigatório a identificação do local onde a criança nasceu e quem são os seus pais, informações presentes no documento de certidão de nascimento oficial, ocorre que o ato do registro, muitas vezes é negligenciado em alguns lugares, impossibilitando a aquisição da nacionalidade pela criança; quando em muitos países mulheres são impedidas de transferir a sua nacionalidade aos filhos; casos de crianças órfãs e ilegítimos; e adoção internacional.  

As Práticas Administrativas, quando os altos custos administrativos, os prazos de difícil cumprimento, e a impossibilidade de apresentação de documentos, pelo fato de estarem sob a posse do estado da nacionalidade anterior, são também as causas da apatridia, isto posto, procurando-se agilizar essas práticas administrativas e diminuir suas consequências, foi proposto o processamento dos pedidos relacionados à nacionalidade dentro de um prazo razoável; a não apresentação de pedidos por escritos, nos casos de registro da aquisição automática ou perda da nacionalidade; e a razoabilidade das taxas de aquisição, manutenção, perda, recuperação ou recuperação da nacionalidade, em conjunto com os procedimentos administrativos e judiciais. 

As Leis e Práticas que Afetam as Mulheres, aqui também como causa, baseiam-se no fato de que a alteração do Estatuto da Mulher por certos Estados, logo após o matrimónio em outro país, pode afetá-la caso a mulher não adquira de imediato a nacionalidade do cônjuge ou este não possua nacionalidade, ou até mesmo quando após adquirir a nacionalidade do cônjuge, a mulher a perca logo após o término da união, e consequentemente não readquira a nacionalidade originária.  

Perda Automática da Nacionalidade envolve a retirada da nacionalidade pelo Estado, dos indivíduos que deixam o Estado ou resolve morar no exterior, resultado de práticas administrativas falhas, quanto ao dever de informar ao nacional ausente sobre a sua necessidade de retornar ao país, sob o risco de perda da nacionalidade, como também no caso de pessoas naturalizadas que deixarem que inscrever-se no registro correspondente.  

O segundo critério é o das Causas Vinculadas à Sucessão de Estados, envolvendo a Transferência de Território ou de Soberania, em que leis e práticas sobre nacionalidade podem ser mudadas em razão de profundas mudanças territoriais de um Estado; de independência diante de um poder colonial; e de dissolução, sucessão ou restauração de Estados.  

E o critério das Causas decorrentes da discriminação ou privação arbitraria da nacionalidade, expõe a Discriminação como uma das causas da apatridia, na medida em que a concessão de apatridia é negada por motivo de discriminação de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica por parte do Estado na aplicação de leis consideradas discriminatórias por apresentarem linguagem prejudicial ou da sua aplicação resultar discriminação. E por fim, a Privação ou denegação da nacionalidade é outra causa que leva à condição de apátrida, na medida em que o Estado priva o indivíduo da sua nacionalidade, em decorrência do exercício de prática discriminatórias, seguindo-se com a expulsão do mesmo.  

De outro lado, ao contrário das causas da apatridia, são dadas opções a serem seguidas para evitar tais problemas, como nos casos relativos às Causas Técnicas, deve-se buscar a atualização de legislações sobre a nacionalidade e a concessão da mesma aos indivíduos, conforme a sua necessidade e conforme regras específicas; a garantia da reaquisição e irrenunciabilidade da nacionalidade sem que outra seja atribuída; a sistematização dos registros de nascimento e a aquisição da nacionalidade pelas crianças logo após o nascimento; a igualdade de gênero na manutenção e na transmissão da nacionalidade aos filhos; e a garantia de permanência da nacionalidade para os que se ausentarem dos seu países de origem.  

Quanto às Causas Vinculadas à Sucessão de Estados, poderão ser adotadas medidas como acordos entre países para a manutenção da nacionalidade em meio a situações de transferência de território; a opção de escolha entre a nacionalidade de um Estado ou outro; a observância quanto ao vínculo do indivíduo com o seu Estado, sua residência, vontade e origem; e demais outras medidas. No tocante às Causas vinculadas à discriminação ou à privação arbitraria da nacionalidade, deve-se assegurar a aplicação judiciária e administrativa do princípio da não discriminação; a igualdade de gênero quanto a aquisição, mudança e manutenção da nacionalidade e a não privação da nacionalidade nos casos que resultem em apatridia, como outras medidas a serem adotadas e mantidas. 

 
DIREITOS DOS APÁTRIDAS 

Ao apátrida, como todo indivíduo detentor de direitos, o que não ocorre na prática, e passível principalmente da aplicação dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana como a proibição de tortura e de práticas discriminatórias contra a sua pessoa, é também legalmente protegido como prevê a Convenção de 1954, da discriminação por motivos de raça, religião ou país de origem; proteção contra o tratamento desigual, sendo-lhe assegurado o mesmo trato concedido aos estrangeiros dado pelo país, no que corresponde ao direito de receber a devida remuneração pelo seu trabalho; de exercer o trabalho por conta própria na agricultura, na indústria, no artesanato e no comércio, quanto a estabelecer companhias comerciais ou industriais; o exercício de profissão liberal; o direito de residir onde quiser nos limites territoriais do país; à educação e assistência pública e à liberdade de circulação. 

É assegurado também ao apátrida que resida legalmente no país, tratamento em igualdade com os nacionais, assim como direito à prática religiosa e a instrução religiosa aos seus filhos; direito à proteção da propriedade industrial, desenhos ou modelos industriais, marcas de fábrica, nomes comerciais e direitos relativos à propriedade literária, científica ou artística; o acesso aos tribunais de justiça. 

São previstos no art. 24 da mesma convenção, os direitos dos apátridas em igualdade aos nacionais, quanto à legislação do trabalho, no que concerne à remuneração incluindo os subsídios familiares quando formem parte de remuneração, horas de trabalho, horas extraordinárias de trabalho, férias remuneradas, restrições ao trabalho domiciliar, idade mínima para o labor, aprendizagem e formação profissional; à seguros sociais incluindo disposições sobre acidentes de trabalho, doenças profissionais, maternidade, invalidez, velhice, falecimento, desemprego, responsabilidades familiares ou qualquer outra contingência prevista em um plano de seguro social; e à indenização por morte em razão de causas de acidente de trabalho ou doença profissional. 

Para fazer valer o direito à liberdade de circulação do art. 26, vem posteriormente nos art. 27 o direito aos documentos de identidade que deverão ser expedidos pelos Estados em cujo território se encontre o apátrida, desprovido de documentos de viagem; e no art. 28 cabe ao Estado espedir ao apátrida que se encontre legalmente em seu território, documentos de viajem que lhes permitam locomover-se para o território onde melhor se adéquem, com exceção aos casos referentes à segurança nacional ou a ordem pública; como a ressalva de que poderá haver a assistência técnica do ACNUR para a emissão dos documentos. 

Como a ordem pública é a materialização do convívio social e pacífico e harmônico, pautado pelo interesse público, instabilidades das instituições e pela observância dos direitos individuais, logo a segurança pública conforme dispõe o art. 144 da Constituição Federal, é o dever do Estado, um direito e responsabilidade de todos que o integram, de exercer a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por intermédio das forças policias. 

Destarte, não pode haver a expulsão do apátrida que se encontre legalmente no território, a menos que representem um risco à ordem pública ou à segurança nacional, caso contrário cabe ao apátrida em grau de igualdade com os nacionais, de valer-se das garantias do processo no que concerne ao devido processo legal, ressaltando assim o direito à produção ampla de provas, defesa técnica e à interposição de recursos; personificado no princípio de não devolução (non-refoulemente) com previsão também no art. 33 da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. 

Art. 33 - Proibição de expulsão ou de rechaço  

1. Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas. 

2. O benefício da presente disposição não poderá, todavia, ser invocado por um refugiado que por motivos sérios seja considerado um perigo para a segurança do país no qual ele se encontre ou que, tendo sido condenado definitivamente por crime ou delito particularmente grave, constitui ameaça para a comunidade do referido país. 

Do contrário, caso seja decidido pela expulsão do apátrida, lhe será concedido mediante previsão expressa na Convenção, tempo suficiente para a obtenção de uma admissão em outro território que o acolha com direitos similares. 

CONCLUSÃO 

A condição de apátrida, como resultado da indiferença jurídico-política por parte dos Estados para com uma pequena minoria de indivíduos que compõe a sua população, ou seja, um grupo de pessoas marginalizado pela sociedade, por viverem sem a justa garantia e usufruto de direitos inerentes a qualquer outro grupo de indivíduos na condição de cidadãos. Dentre tais direitos, há o direito a nacionalidade, também previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas de nenhuma aplicação benéfica aos apátridas em geral, a não ser quando pelo critério de nacionalidade, tal direito torna-se privilégio da maioria considerada como cidadãos, à qual também cabe o usufruto do direito a educação, saúde, lazer e principalmente o direito de ir e vir; excluindo assim os indivíduos apatriados tornando-se uma contradição ao que está constitucionalmente previsto. 

No âmbito internacional, há a participação de órgãos que atuam na prevenção e combate da apatridia, uma vez que por meio de trabalhos e convenções, cobram dos Estados o implemento de normas de inclusão de refugiados e apátridas, tanto adultos quanto crianças, que conceda-lhes direitos e deveres em par de igualdade aos nacionais. Aderindo ás convenções que tratam sobre a apatridia, os Estados poderão também ajudar a prevenir o deslocamento forçado na medida em que ao abordarem as suas reais causas e agindo conforme previsão expressa em tratados e convenções estarão atuando para que no futuro através do processo de adaptação dos apátridas, venham os mesmos a fazer parte de amplos setores da sociedade, contribuindo para o desenvolvimento social e econômico do país e para honrar assim o compromisso de cada Estado com os direitos humanos. 

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Sobre o autor
Amauri Márcio N. Santos

Estudante de Graduação. 10º semestre do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina – FACAPE.

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