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Princípios do contraditório e da ampla defesa

Agenda 27/05/2016 às 16:13

Aplicabilidade processual, tanto nas esferas administrativa e judicial, dos princípios do contraditório e da ampla defesa, com verificação doutrinária sobre o tema. Aplicabilidade real e fática do dispositivo constitucional - LV, do art. 5º, da CF/88.

1. Introdução

Elencados como constitucionais, os princípios do contraditório e da ampla defesa devem ser analisados de forma técnica, pois, a despeito de muitos não se contentarem com o resultado nos tribunais, tais princípios não são, como sabemos, absolutos e nem, muito menos, medidas protelatórias ou garantias à impunidade. Ambos são direitos constitucionais e, também, podem ser encontrados sob a ótica dos direitos humanos. Logo, devem sempre ser observados onde devam ser exercidos, e de forma plena, evitando prejuízos a quem, efetivamente, precisa defender-se.

Nossa intenção, nesta breve exposição, é, técnica e processualmente, discorrer sobre o tema, mas com os pés no processo e não em teses ou ideologias. Processo significa, dentre outras definições, rito, e, como tal, deve ser observado de maneira ampla, legalista, devendo ter todos os direitos abarcados, e resguardados, ao seu correto andamento.

2. Desenvolvimento

      a. Breve Histórico

Nossa Constituição Federal de 1988 é cristalina ao colocar que: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV). E, ainda, acentuou que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5º, LIV). Obviamente, fica clara a menção ao due processo f law, que abarca todas as garantias processuais. (Filho, 2007. 9. ed.)

O contraditório começa a integrar nossa Constituição em 1937, mais especificamente no art. 122, n.11, segunda parte. E permaneceu nas Constituições vindouras, da seguinte forma: 1946, no art. 141, § 25; 1967, no art. 140, § 16 e renumerado, na Emenda Constitucional de 1969, para o art. 153, § 16.

Havia uma discussão, relativamente antiga, sobre a extensão de sua aplicabilidade. O alvo era se o contraditório poderia ser assegurado fora do processo penal, mas hoje não mais subsiste qualquer dúvida sobre sua aplicabilidade. Pode ser aplicado a qualquer processo, seja judicial, seja administrativo.

Deve ser mencionado que, diante da redação atual, o instituto do contraditório não mais se restringe à atividade instrutória, como figurava na Constituição pretérita. A doutrina sempre argumentou sua necessidade, dizendo que deveriam ser abrangidos, pelo contraditório, todos os atos capazes de influenciar na formação do real convencimento do julgador, quer pela prova, quer fora dela.

Existe um ponto pacífico na doutrina europeia: “(...) quer para o processo civil, quer para o penal, a essencialidade do contraditório no momento estritamente argumentativo, quando o princípio se traduz na expressão dialógica de razões e argumentos”. (Fernandes, 2010. 6. ed.)

      b. Princípio do Contraditório

Possui seu fundamento legal no art. 5º, LV, de nossa Constituição Federal, como supramencionado.

Na definição de Canuto Mendes de Almeida, é “a ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”, pelo que representa uma garantia conferida às partes de que elas efetivamente participarão da formação da convicção do juiz. De certa forma, pode ser dito, como bem lembra a melhor doutrina, que encontra-se inserido no conjunto das garantias que constituem o princípio do devido processo legal. (Bonfim, 2009. 4. ed.)

Em linhas gerais, pode ser dito que o princípio do contraditório significa que cada ato praticado durante o processo seja resultante da participação ativa das partes. Surge como uma garantia de justiça para as partes e tem, como ponto de partida, o brocardo romano audiatur et altera pars – a parte contrária também deve ser ouvida. É de suma importância que o juiz, antes de proferir cada decisão, proceda a devida oitiva das partes, proporcionando-lhes a igual oportunidade para que, na forma devida, se manifestem com os devidos argumentos e contra-argumentos. Também, não pode deixar de ser lembrado que o juiz, ao prolatar a sentença, deve oferecer, aos litigantes, a oportunidade para que busquem, pela via da correta argumentação, ou em conjunto com os elementos de prova colhidos, se assim for o caso, influenciar na formação de sua convicção. (Bonfim, 2009. 4. ed.)

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Como pode ser constatado, os direitos ao contraditório, e também à ampla defesa, são devidamente viabilizados pela exigência legal de se dar ciência dos atos praticados aos litigantes, a qual, a seu turno, advém do direito de informação previsto no art. 5º, XIV, da CF. Tal ciência, cabe lembrar, é feita através dos chamados atos de comunicação: citação, intimação e notificação. (Manzano, 2012. 2. ed.)

Em resumo, pode ser dito que o princípio do contraditório é constituído por dois elementos, a saber: informação e possibilidade de reação. Também, cabe enfatizar que nossa Constituição de 1988 autorizou o entendimento de que os princípios do contraditório e da ampla defesa sejam garantidos no processo administrativo, inclusive não punitivos, em que não existem acusados, mas litigantes, ou seja, titulares de interesses conflitantes. (Manzano, 2012. 2. ed.)

      c. Princípio da Ampla Defesa

A doutrina possui alguns defensores da ideia de que a ampla defesa vem a ser apenas o outro lado ou a outra medida do contraditório, como bem lembra o Professor Eugênio Pacelli de Oliveira.

Continua, o referido autor:

É que, da perspectiva da teoria do processo, o contraditório não pode ir além da garantia de participação, isto é, a garantia de a parte poder impugnar – no processo penal, sobretudo a defesa – toda e qualquer alegação contrária a seu interesse, sem, todavia, maiores indagações acerca da concreta efetividade com que se exerce aludida impugnação.” (Oliveira, 2013. 17. ed.)

Pode ser dito que o princípio da ampla defesa consubstancia-se no direito das partes de oferecer argumentos em seu favor e de demonstrá-los, nos limites legais em que isso for possível. Existe, portanto, uma conexão do princípio da ampla defesa com os princípios da igualdade e do contraditório.

O princípio da ampla defesa não supõe uma infinidade de atos no que concerne à produção da defesa a bel prazer, sem limites determinados ou mesmo a qualquer tempo ou a qualquer hora, mas, ao contrário, que a defesa necessária se produza pelos meios e elementos totais de alegações e de provas no tempo processual que será devidamente oportunizado pela lei. (Bonfim, 2009. 4. ed.)

O princípio da ampla defesa figura como uma garantia com destinatário certo, qual seja, o acusado. E a defesa pode ser subdividida em: defesa técnica (defesa processual ou específica), exercida por profissional habilitado; e autodefesa (defesa material ou genérica) exercida pelo próprio imputado.

A defesa técnica figura, sempre, como obrigatória.

A autodefesa reside no âmbito de conveniência do réu, o qual pode permanecer inerte, invocando, inclusive, o silêncio. Comporta, também, uma subdivisão, que se representa pelo direito de audiência, que é a oportunidade de influenciar na defesa por intermédio do interrogatório, e no direito de presença, que consiste na possibilidade do réu tomar posição, a todo momento, sobre o material produzido, sendo-lhe garantida a imediação com o defensor, com o juiz e com as provas. (Távora & Alencar, 2015. 10. ed.)

Assim, deve ser assegurada a ampla possibilidade de defesa, lançando-se mão dos meios e recursos disponíveis e a ela inerentes (art. 5º, LV, CF), sendo, ademais, dever do Estado “prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV, CF)

Um ponto muito importante é que o Supremo Tribunal Federal – STF, consagra, na Súmula nº 523, ao tratar da defesa técnica, que “no processo penal, a falta defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. Tal entendimento pode, também, por motivos técnicos óbvios e guardadas as devidas proporções e especificidades, ser aplicado ao processo administrativo. Ainda, o STF editou a Súmula nº 708, a qual menciona que “é nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro”.

É em homenagem ao princípio da ampla defesa que nosso Código de Processo Penal prevê a necessidade de nomeação de defensor para oferecimento da resposta à acusação, quando o acusado não apresentá-la no prazo legal (art. 396-A, §2º, CPP). Idêntica previsão aparece na Lei de Drogas, conforme o art. 55, § 3º.

Finalizando, cabe lembrar que

...o indeferimento de provas ou de outros instrumentos de defesa, em si, não constitui, a priori (grifo nosso) cerceamento ao direito à ampla defesa. Com efeito, deve-se também atentar para o princípio do livre convencimento racional do juiz... Se a prova faltante não for, efetivamente, essencial para a apuração da verdade ou quando o juiz entender dispensável a prova requerida, por entender suficiente a prova já existente, não se configurará a nulidade desde que a negativa em determinar sua produção seja razoável e desde que seja devidamente motivada a decisão denegatória”. (Bonfim, 2009. 4. ed.)

      3. Conclusão

Diante do exposto, pode ser concluído que os princípios do contraditório e da ampla defesa figuram como verdadeiras garantias constitucionais, conforme pode ser observado pela simples leitura do dispositivo – inciso LV, do art. 5º, da CF/88. Ambos devem ser observados nas esferas processuais administrativa e judicial, sob pena de nulidade absoluta de todo “iter” processual. Além disso, em sede de julgamento, é necessário que aquele seja precedido de atos inequívocos de comunicação do réu: de que vai ser acusado; dos termos precisos dessa acusação; e de seus fundamentos de fato, que seriam as provas, bem como de fundamentos de direito. Também, há a real necessidade de que tal comunicação ocorra em tempo verdadeiramente hábil para possibilitar a contrariedade. Obviamente, nisso reside o prazo para o verdadeiro conhecimento de todos os fundamentos probatórios e legais de imputação e para a eficiente oposição da contrariedade e todos os seus fundamentos de fato e de direito.

Não pode deixar de ser lembrado que a oitiva da parte contrária, obrigatoriamente, há que ocorrer em igualdade de condições – “audiatur et altera pars”. A efetiva ciência bilateral dos atos e termos do processo, seja administrativo, seja judicial, bem como a possibilidade de contrariá-los, figuram como os limites impostos pelo contraditório com a finalidade de que seja concedida às partes ocasião e possibilidade de intervirem no processo, apresentando provas, oferecendo alegações, recorrendo das decisões e tudo o que for de direito e estiver em consonância com o devido processo legal.

Gustavo Henrique Badaró lembra que

Destacar e distinguir a defesa do princípio do contraditório é relevante na medida em que, embora ligados, é possível violar o contraditório, sem que se lesione o direito de defesa. Não se pode esquecer que o princípio do contraditório não diz respeito apenas à defesa ou aos direitos do réu. O princípio deve aplicar-se em relação a ambas as partes, além de ser observado pelo próprio juiz.

Deixar de comunicar um determinado ato processual ao acusador, ou impedir-lhe a reação a determinada prova ou alegação da defesa, embora não represente violação do direito de defesa, certamente violará o princípio do contraditório. O contraditório manifesta-se em relação a ambas as partes, já a defesa diz respeito apenas ao réu.

Nessa perspectiva, é correta a firmação de que a defesa é aspecto integrante do direito de ação. Ação e defesa, antes de serem posições diversas ou antagônicas, representam apenas diferentes aspectos do exercício de uma mesma atividade. O paralelismo entre ação e defesa dinamiza-se no exercício do contraditório, permitindo a ambas as partes fazerem valer seus direitos e garantias ao longo de todo o processo, alegando, provando e influenciando a formação do convencimento do juiz. Em relação ao conteúdo de ambos os direitos, a única diferença é o direito de iniciativa existente apenas no direito de ação. Iniciado o processo, ação e defesa são absolutamente simétricos.” (Badaró, 2016. 4. ed.)

Por fim, é importante lembrar da lição do Mestre Mirabete, sobre a presença dessas verdadeiras garantias constitucionais em sede de inquérito:

Indispensável em qualquer instrução criminal, o princípio do contraditório não se aplica ao inquérito policial que não é, em sentido estrito, “instrução”, mas colheita de elementos que possibilitem a instauração do processo. A Constituição Federal apenas assegura o contraditório na “instrução crimina” e o vigente Código de Processo Penal distingue perfeitamente esta (arts. 394 a 405) do inquérito policial (arts. 4º a 23), como, aliás, ocorre na maioria das legislações modernas.” (Mirabete, 2004. 16. ed.)

Cabe não esquecer, enfatizo, e com a devida vênia às opiniões divergentes, que tais princípios, bem como os entendimentos supra, podem, e devem, ser observados em sede de processo administrativo, conforme ampara nossa Constituição Federal vigente, sem confundir os institutos citados no dispositivo com procedimento administrativo, dado que guardam diferenças técnicas notórias, tanto na parte instrutória, como na parte conclusiva.

                         Bibliografia

1. Badaró, G. H. (2016. 4. ed.). Processo Penal. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais.

2. Bonfim, E. M. (2009. 4. ed.). Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva.

3. Fernandes, A. S. (2010. 6. ed.). Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais.

4. Filho, F. d. (2007. 9. ed.). Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva.

5. Manzano, L. F. (2012. 2. ed.). Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas.

6. Mirabete, J. F. (2004. 16. ed.). Processo Penal. São Paulo: Atlas.

7. Oliveira, E. P. (2013. 17. ed.). Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas.

8. Távora, N., & Alencar, R. R. (2015. 10. ed.). Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Editora Juspodium.

Sobre o autor
Douglas Mattoso Carneiro

Advogado, especialista nas áreas Empresarial, Tributária, Criminal, Administrativa, Militar e Trabalhista. Experiência de mais de 30 anos na área do Direito Público e Militar. Professor

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