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A Administração Pública (AP) em Mato Grosso: desafio à inteligência dos Fabianos

Agenda 31/05/2016 às 11:21

Os desafios da Administração Pública (AP) no cotidiano do administrador público têm se demonstrado cada dia mais intrigantes, conflituosos e de difícil solução imediata.

“Na verdade falava pouco[2]. Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas”. Fabiano em Vidas Secas de Graciliano Ramos

Introdução

Os desafios da Administração Pública (AP) no cotidiano do administrador[3] público têm se demonstrado cada dia mais intrigantes, conflituosos e de difícil solução imediata. Aos mais próximos, e nas conversas de fim de tarde, tenho dito que a AP embaraça a inteligência e extrai o brilho de qualquer um que se aproxime dela com boas intenções, salvo raras exceções. E isso tem se confirmado ao longo das boas experiência que temos tido no trato com a coisa pública. A questão que procuramos responder neste trabalho tem a ver com a indagação que nos foi feita e que não soubemos responder de pronto, pois tantas eram as respostas, embora nenhuma dava conta de explicar a pergunta: o que é que está travando a nossa administração? Em poucas linhas vamos tentar a explicação, porém antes precisamos dar um giro teórico sobre o assunto, assentando as bases para compreender o problema.

Contextualizando o Tema

O engessamento da AP reproduz a falta de criatividade do ambiente político. Dizer que a AP é um conjunto de técnicas para a solução dos problemas da sociedade é meia verdade. A outra parte só pode ser encontrada no ambiente político. Quem na verdade tem o poder na AP é o político[4], daí a enorme quantidade de vacinas, para controle do poder quando na realização das estratégias, pois “[...] a importância do esforço político está tanto na consistência quanto na persistência”, reconhecem Ferlie et al., (1999, p. 93). O técnico apenas operacionaliza a vontade política. Para que essa vontade se transforme numa vontade geral, aparecem as leis[5] que, ao serem executadas de ofício, transbordam para a sociedade a vontade particular dos legisladores. A lei, portanto, é um instrumento importante para a administração pública, mas não o suficiente, pois a “vontade geral” que deveria ser estável, adquiriu velocidade que a máquina administrativa não consegue acompanhar. As leis devem ser mais permanentes, mas não o são. A qualidade das leis é caso à parte. Esse o grande problema que vem junto com outros não menores gestados pela inércia da própria estrutura estatal.

As estruturas[6] da AP são conjuntos que poderíamos chamar de recorrentes porque institucionalizam os relacionamentos, sejam de autoridade, de subordinação, de responsabilidade e de jurisdições. É nas estruturas que se organizam os trabalhos entre os membros de uma ou várias organizações. Vários arranjos extraorganizacionais se dão no espaço público interno envolvendo partes importantes e relevantes na organização do trabalho.

O papel principal das estruturas a nosso ver, e de acordo com Martins e Marini (2010), é o de realizar as estratégias que no ambiente político da AP combina de forma excêntrica com a administração por contingência, apesar de certas regularidades e padrões. Nesse sentido, “estruturas desalinhadas são um obstáculo à estratégia”.

Justamente por não dar conta de “realizar as estratégias” é que a administração é vista como ineficiente e travada e isso vem ocorrendo com a atual administração no governo de Mato Grosso.

A AP realiza as estratégias por meio de processos autônomos, e por isso mesmo desalinhados na origem, obedecem mais às vontades inconstantes dos agentes políticos do que à própria estratégia governamental. Os processos “soltos”, originados por “vontades inconstantes” corroboram para dar a visão estereotipada da AP, uma visão de que os procedimentos estão errados ou demoram para realizar a “vontade” do agente na concretização da sua estratégia. E, a sua estratégia é a estratégia de governo por meio das estruturas de acomodação da vontade política.

Aqui aparece as estruturas como não “dando conta” de atender as vontades volúveis dos agentes governamentais. O planejamento que é condição vital para qualquer projeto público, é todos os dias craqueado, com a justificativa de que se trata da vontade do governante transmutado em interesse público.

Com essa tipologia comportamental dos agentes, não é surpresa que os servidores públicos adotem posturas mecanicistas, no mais impuro weberianismo para dar conta de atender ou não, e geralmente não, as “vontades inconstantes”. Aliás, costumamos dizer, e nos parece sábio, que os governantes não têm vontade, mas quando tem, elas são expressas na forma de lei, e somente dessa forma podem ser atendidos. Então, ao servidor cabe somente a obediência à lei, nos mínimos detalhes, para cumprimento e realização da estratégia.

A estrutura de poder no governo atual foi alterada, logo nos primeiros dias, para dar a capacidade de realização da estratégia. Nos parece que não foi suficiente, considerando as novas movimentações para reordenamento da estrutura.

Claro está, portanto, que a estrutura não cumpriu e não vem cumprindo com seu papel de “realizar as estratégias”, por isso precisa ser alterada. A estratégia sendo a variável ordenadora dos processos a ela cabe a “formatação” para proporcionar novas estruturas, processos, quadros funcionais e recursos informacionais de modo que sejam colocados em ação as opções estratégicas específicas, num alinhamento entre a estrutura e os elementos essenciais para “realizar a estratégia”.

As Mudanças e Realinhamentos

Na AP as mudanças e realinhamentos são vistos com muita sobriedade pelo conjunto de servidores estáveis. Os procedimentos não podem ser alterados na imediaticidade da “vontade inconstante”, e, de quatro em quatro anos temos essas novas vontades realinhando a máquina administrativa no sentido de “realizar a estratégia” específica, a vontade do governante, a agenda que foi a vencedora no difícil concurso eleitoral. E mais, dentro de cada período de quatro anos, as mudanças setoriais de modo a atender a classe política faz verdadeiro estrago na cultura organizacional estatal, depreciando todos os ativos, em especial o ativo humano, que a cada ano se transforma num staff infeliz cuja produtividade é negativa, um moral baixo e que não responde prontamente as vontades políticas, não tem a velocidade requerida pela máquina, no momento da renovação das forças políticas da AP.

Modelo Mecanicista de Administrar

Para Martins e Marini (2010), alinham-se com uma administração burocrática-mecanicista, as estratégias com contextos de baixa complexidade, que se caracterizam pela previsibilidade e estabilidade de demandas (baixa variabilidade nas necessidades dos beneficiários e, por conseguinte, nos produtos e serviços), e ofertas tecnológicas (baixo grau de inovação do produto e do processo). Parece que nos encaixamos com perfeição nesse modelo por definição legal. Se não alterarmos os fundamentos da burocracia mecanicista a realização das estratégias sempre ficará subordinada, quando deveriam (as estratégias) ser subordinantes. “Organizações de grande porte estão mais sujeitas a burocratização”, e os ambientes estáveis proporcionam baixa incerteza da tarefa, imposta pelo princípio da eficiência e um desenho organizacional mais rígido e programável.

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Uma organização burocrática mecanicista podem apresentar as seguintes características, conforme Martins e Marini (2010):

  1. A estratégia é mais estável e reativa;
  2. O conjunto de produtos (bens ou serviços) é mais padronizado, menos ou pouco diferenciado;
  3. Os processos de trabalho são mais rotinizados, programáveis, regulamentados e autônomos, circunscritos dentro da organização;
  4. As estruturas são mais rígidas, verticalizadas e reproduzem a “separação entre mãos e cérebros” (uns pensam outros executam; quem pensa não executa e quem executa não pensa), demarcando de forma muito contundente as instâncias de decisão e planejamento e formulação (a cúpula pensante) e instâncias de execução (a base operacional);
  5. Os quadros funcionais são mais fixos – mais servidores do quadro efetivo do que colaboradores eventuais - as competências são predefiníveis e a capacitação é orientada por conhecimentos disponíveis no “mercado” (no caso da AP, disponíveis na base eleitoral dos políticos que se assenhoreiam da organização, por algum tempo, sem as qualificações desejadas e que assumem cargos importantes, em geral, os de mais alta remuneração);
  6. A cultura organizacional tende a destacar valores tais como disciplina, obediência e impessoalidade;
  7. A liderança emana mais da autoridade do cargo formal;
  8. A comunicação é mais formal e tende a seguir a hierarquia;
  9. Os sistemas de informação são centralizados e herméticos - caixa preta.

Estes itens estão alinhados com a administração burocrática de baixa complexidade, e é este o desenho legal para que o Estado seja administrado por qualquer governo. Trata-se de modelo que proporciona maior eficiência em ambientes estáveis.

Modelo Orgânico de Administrar

Nesta análise baseada em Martins e Marini (2010), o modelo orgânico refere-se as estratégias alinhadas com contexto de alta complexidade e que se caracterizam por incerteza, ambiguidade, pluralidade e instabilidade das demandas refletidas na alta variabilidade nas necessidades dos beneficiários, bem como dos produtos e ou serviços, além de ofertas tecnológicas que exigem alta inovação do produto e do processo. Tudo isso se alinha com modelos de administração orgânicas. Esse tipo de administração possui ambientes instáveis ou turbulentos que proporcionam alta incerteza da tarefa, o que nesse caso, impõe-se o conceito de efetividade – impacto necessário a partir dos produtos necessários, um desenho organizacional mais flexível e capaz de se reprogramar para atender rapidamente as variações do contexto.

Em geral, os modelos orgânicos de administração apresentam as seguintes características:

  1. A estratégia é mutante, emergente e proativa, voltada para a criação do futuro em bases na qual a organização passa a modelar o ambiente mais do que o ambiente modela a organização;
  2. O conjunto de produtos – bens e serviços – é mais diversificado, mais ou muito diferenciado, podendo, no limite, ser totalmente customizado;
  3. Os processos de trabalho são estruturados, mas menos rotinizados, menos programáveis e menos regulamentados, e sujeitos a constantes inovações laterais com organizações parceiras;
  4. As estruturas são mais flexíveis, horizontalizadas – menos níveis hierárquicos e eliminação de “intermediários” na média gerência – e buscam integração entre mãos e cérebros, pois a cúpula predominantemente pensante se envolve em questões operacionais e a base operacional pensa estrategicamente e ganha autonomia, também conhecido como empowerment;
  5. Os quadros funcionais são mais variáveis – menos servidores do quadro e mais colaboradores eventuais e parceiros -, algumas competências emergentes e conhecimentos gerados exclusivamente dentro da organização;
  6. A cultura organizacional tende a destacar valores tais como iniciativa, ousadia e sensibilidade;
  7. A liderança emana da capacidade de resolver problemas e lidar com pessoas e situações difíceis sob pressão;
  8. A comunicação é mais informal e multidirecional;
  9. Os sistemas informacionais são descentralizados e acessíveis a todos.

Deste modo, num modelo orgânico verificamos que as características sistêmicas proporcionam melhor capacidade de resposta em ambientes instáveis.

O melhor modelo para administrar, mecanicista ou orgânico, vai depender da escolha que melhor promova a estratégia alinhada com o contexto. A princípio, nem um nem outro são bons ou maus a priori e sua adequação é sempre contingente.

Ressaltamos que todas as organizações possuem traços de ambos os modelos, mas, em específico, na AP a modelagem está montada no modelo mecanicista como se verifica.

Dos Conflitos no Rito de Passagem

Indo direto ao ponto, todos os governos entrantes precisam alterar a estrutura para “realizar a estratégia”. Essa estratégia o pessoal fazedor, do núcleo operacional, o chão de fábrica da AP em geral desconhece, fica sabendo pelos processos picados em pedaços e que ao fim resumem o desejo, mais ou menos conforme do governante representado pela diversidade de vontades do grupo estratégico espalhados nas unidades da estrutura.

O modelo mecanicista é completamente inadequado para realizar estratégias inovadoras, pois o modelo impede que o núcleo operacional seja criativo e efetivo. Este obrigatoriamente tem que ser disciplinado, obediente e impessoal, e a vontade a ser obedecida é a vontade da lei. Claro que disso resulta numa administração, por vezes catastrófica, e justamente por isso, que na modelagem da AP brasileira temos os “comissionados” que fazem a vontade do governante, sem discutir, sendo criativos, obedientes e pessoais, em que a obediência em geral é ao político que o empregou e por isso deve gratidão.

O modelo orgânico, inaplicável na prática vem sendo direcionado por algum tempo pela Nova Administração Pública – NAP, dentro da AP de forma que existem um conflito de sobrevivência dentro das linhas do Estado. O gerencialismo ainda não pegou e aparecem ações gerencias por meio de “soluços” de alguns agentes levados à conta da discricionariedade excessiva pelos controles internos e externos, aos quais não interessam a mudança, mas sim o ambiente estável. O Estado que não se moderniza por força legal e o Estado que quer se mover quebra as pernas daqueles que o querem arrastar apenas por “sua vontade”. Essa grande organização precisa ser repensada para “realizar as estratégias” da sociedade e não dos governantes, mas não se realiza a vontade da sociedade senão pela vontade dos governantes – haja conflito. O desalinhamento das estratégias dos governantes com as necessidades da sociedade chegou a níveis que assustam e aparecem como inefetividades nos altos níveis de recursos gastos com despesas ruins, o que conceituamos como gastos ruins.

Apontamentos para Melhoria da AP

Observado os conceitos teóricos que embasam esta nossa análise, vamos listar, sem qualquer juízo de valor a respeito os casos que consideramos o gargalo da AP em Mato Grosso. Aqui procuramos responder a pergunta: o que é que está travando a administração em Mato Grosso, e ofendendo a realização da estratégia? Anotamos a questão e em seguida, uma rápida explicação:

  1. As estratégias não são conhecidas do chão de fábrica, são instáveis e reativas (o modelo burocrático mecanicista legalmente instituído proíbe a criatividade: o cumprimento da lei é questão sagrada. Como as estratégias em geral surgem cotidianamente como vontades pessoais no mundo da práxis, a burocracia demora reconhecer como fazendo parte do processo de “realizar as estratégias”. Para esse reconhecimento o processo é tramitado por diversas etapas, na maioria das vezes, desnecessárias, mas exigíveis pelo corpo burocrático para se reafirmar como orientador da vontade geral).
  2. Os conjuntos de bens e serviços apresentados por meio de processos não são padronizados, apesar de poucos diferenciados (Como os interesses a serem atendidos são diferenciados, os processos tendem a capturar vontade do agente político. Essa diferenciação não entra de imediato no corpo burocrático e o conjunto de bens e serviços para a realização da estratégia sofre descontinuidade, demora e litígios pontuais para a justificar a apropriação intelectual do produto ou serviço).
  3. Mesmo os processos rotinizados consomem muita energia para a sua realização (os processos rotinizados como as aquisições de produtos e serviços e os pagamentos sofrem descontinuidades que prejudicam a estratégia. As unidades da estrutura não possuem autonomia orçamentária nem financeira, por isso não tem “vontade geral” a ser realizada, sempre entregando parcela do seu poder ao corpo burocrático montado para centralizar o sistema e coibir a criatividade da estrutura. O excesso de regulamentação e controle proíbe o administrador de ser criativo, e quem detém o poder “real” é o chão de fábrica, e isso é sentido na eficiência da realização da estratégia).
  4. As estruturas internas são rígidas e verticalizadas, reproduzindo a separação entre mãos e cérebros (aliás, esse é um dos grandes problemas da AP, o processo de alienação do núcleo operacional é, diria, bárbaro. Ou recolocamos as pessoas a serem criativas e enxerguem um benefício em cada processo que executa ou teremos a continuidade do quadro do Admirável Mundo Novo[7] acontecendo aos nossos pés, sem que façamos algo. As regulamentações, os controles, os processos de punição, o desleixo afetivo a que é relegado o enorme grupo de servidores expõe uma realidade que sempre vai se contrapor ao governante de plantão quando quiser “realizar a estratégia”. Pensamos que a solução é afastar-se dessa realidade, por meio de legislação que dê liberdade de atuação ao servidor, mas que o responsabilize pelo resultado não alcançado na realização da estratégia – um servidor, um processo, caso seja ineficiente na operação e inefetivo na estratégia, responde pela sua ineficiência e inefetividade. A estratégia, no entanto, deverá estar alinhada com a grande estratégia da agenda governamental. A segregação de função da administração pública lembra o Carlito em Tempos Modernos, e estamos, há muito afastados destes tempos. O servidor, ao conhecer a estratégia, deverá ser responsável por todas as etapas processuais, e ao final, antes da liquidação e pagamento, relatar ao Administrador principal os resultados colhidos. Segregação de função aumenta as despesas para a sociedade e cria um corpo burocrático fazedor, ao invés de pensador, orgânico. A segregação espalha a ineficiência para todo o sistema, enquanto que a segregação protege o corpo burocrático. Não existem culpados nas falhas burocráticas, e o “eu não sei” prolifera por toda a AP como uma senha para não ser responsabilizado por nada. Para evitar problemas, criamos mais problemas, essa tem sido a regra na AP).
  5. Os agentes políticos nas estruturas não conseguem ter a capacitação dos seus colaboradores orientada por conhecimentos disponíveis no mercado, (mas sim, por indicações parlamentares, que exercem um efeito nocivo ao “realizar a estratégia”. Como evitar isso? Somente alterando a cultura e o sistema político vigente).
  6. Os valores da disciplina, obediência e impessoalidade, muito próprios da burocracia como mecanismo para enfrentar as grandes corporações, ficou disfuncional ao longo do tempo. (A disciplina transformou-se em cumprimento da lei de ofício, a obediência em silêncio queixoso e destrutivo e a impessoalidade generalizada transforma tudo, inclusive pessoas, em “coisas”, em processos, em números, empobrecendo as relações da AP com ela mesma e com a sociedade em geral.
  7. A liderança é, em geral falseada porque baseia-se no respeito ao cargo e não na capacidade gerencial do agente político (esse processo de deslegitimação da liderança ocorre diariamente. As falas dos agentes não correspondem, em geral, e muito mais frequente do que imaginamos, com os atos particulares dessa liderança. Essa percepção corrói a possibilidade de crença no líder burocrático, salvo raras exceções).
  8. A comunicação é sempre de cima para baixo e o líder, em geral, é pouco acessível aos colaboradores, para ouví-los esclarecendo dúvidas e procedimentos (com raras exceções, o que se verifica, pelos corredores das estruturas e palácios são as comunicações dos grupos informais, que sabem tudo por “ouví dizer”, o que retira a essência da boa comunicação. A informalidade na comunicação pode eliminar essa barreira, e talvez, depois de muito tempo, temos visto essa barreira sendo eliminada por estratégia de governo, num grande esforço, pelas vias das redes sociais. Mas, ainda não foi “aceita” como canal de comunicação direta, real e objetiva pelo corpo burocrático. Tem se apresentado mais como um canal direto com a sociedade. O ranço dos servidores parece permanecer e dificultar esse relacionamento).
  9. Os sistemas de informação são centralizados e herméticos, verdadeiras caixas pretas (e a cada governo, novos sistemas são adquiridos ou implementados para dar sentido à realização da estratégia. Ou, por outro lado, as mudanças da estratégia não são acompanhadas por sistemas automatizados que demoram ser preparados os requisitos para atendimento da estratégia. A maioria das informações efetivas do dia a dia são tratas por comunicação informal do correio eletrônico, numa perda de tempo e de efetividade que impressionam. Qualquer um que queira compreender porque temos problemas nas coordenadorias financeiras e orçamentárias que fiquem um dia acompanhando e realizando as tarefas de um coordenador financeiro ao preparar um processo para pagamento. Não se assuste. Talvez por isso temos tantos problemas e inefetividade processual). Onde estão os problemas então, neste caso? No princípio da desconfiança que impera no corpo burocrático ao realizar determinada despesa. Está aqui um grande desafio.
  10. Os ambientes mecanicistas devem ser estáveis para ser mais eficiente. Contudo, não combina mais nestes tempos de incrível velocidade dos bits e bites, inclusive nas variações das decisões que se alteram diariamente numa sociedade complexa, mantermos, a administração com os mesmos princípios dos anos de 1900. Esse conflito perpassa toda a AP e reflui na forma de “realizar as estratégias” que, certamente, são processos sempre voltados para o futuro, enquanto o corpo burocrático somente tem olhos voltados para o passado estático explicitado pela lei. E, a percepção operacional de uma regra, em geral, é demorada, e realizar as estratégias é algo dinâmico, inclui formas orgânicas de administrar. Mas a AP é mecanicista em todos os seus requisitos operacionais. Tende a funcionar com imperfeição e desgaste constante.    
  11. No operacional, o chão de fábrica, é voz corrente que deva existir alteração do Decreto nº 7.217/2006 reorganizando os procedimentos para um modelo mais orgânico de processar as aquisições públicas autonomizando as estruturas e responsabilizando os agentes quando for o caso. Nessa revisão, devolver a autonomia às estruturas e subir o teto dos valores a serem submetidos à comissão de controle dos gastos.
  12. E, por fim, para dar voz aos coordenadores das ações operacionais[8], sobre o que está emperrando o “meio de campo”, nos seus modos particulares de atuarem no processo. Lembramos que todas as despesas circunstanciais, que não são essenciais nem obrigatórias, foram, por consequência da grande política, deixadas fora do “planejamento”, “para depois”. Daí, muitas das travas referem-se às despesas circunstanciais, denominadas aquelas despesas que cumprem as políticas da estrutura. Portanto, se houver mudanças na “realização da estratégia”, o destravamento ocorre “naturalmente” desde que haja recursos orçamentários financeiros. A seguir, as falas referem-se ao que cada um dos coordenadores consultados pensa a respeito da questão posta:
    1. (Amilcar) “em primeiro lugar o excesso burocrático, segundo lugar orçamentário com interferências extraórgão. E a questão da lentidão dos sistemas operacionais que depende de uma NET melhor e isso mata nossa agilidade. Nossos equipamentos de TI são retrógrados e obsoletos; a questão do bem estar dos servidores com melhores condições físicas de trabalho também prejudica; acho que deve existir um rigoroso controle realmente, mas entendo que em muitos casos o órgão tem gente capacitada para fazê-los; sobre os computadores, acho que foi o mês 09/2015, mas não importa, é muito lento mesmo e corremos o risco de participar do ano de aniversário sem fazer a licitação;
    2. (Lúcia) para a coordenação de materiais e patrimônio falta pessoal, carro, movimentadores, computadores, cadeiras ... para melhor atender às necessidades da secretaria;
    3. (Everton) concordo com o Amílcar, nossa maior dificuldade hoje em trabalhar são as travas nos sistemas implantados pela SEPLAN e SEFAZ não conseguimos fazer nada sem ter que pedir autorização para fazer. Entendemos que a atual situação do Estado exige um controle maior do orçamento e das despesas, mas acredito que estão com muitas travas emperrando o andamento dos serviços; a internet e os computadores e a falta deles em alguns setores também dificulta os serviços;
    4. (Anders) o processo de aquisição dos computadores está parado desde o ano passado e com a alta do dólar o preço e também as configurações já estão começando a ficar obsoletas; o mercado de TI muda muito rápido e onde foi cotado os computadores não tem mais os referidos modelos; Me lembro que o processo foi montado em outubro do ano passado (10/2015);
    5. (Jackeline) além de tudo isso, penso ser o desconhecimento da sequência dos processos ... muitas vezes o vai e volta por erros leva tempo ... demoram dar resposta; e, outra coisa: falta de planejamento. Poderiam planejar certas aquisições que são imprescindíveis, tais como passagem, hotel, stands, entre outros, e assim fazer uma licitação grande que atenderia mais pessoas e evitaria o “prá ontem”;
    6. (Paulo) quanto a questão da Coordenadoria Jurídica de Aquisições e Contratos, entendo que a falta de mais servidores, a falta de materiais fidedignos de consulta – livros comentados e jurisprudenciais – (as matérias publicadas na internet não são confiáveis), análise minuciosa de todos os servidores na instrução processual a fim de que o processo lá na frente não precise voltar para ser reinstruído – “arrumado”; Concordo, instrução, análise minuciosa de cada servidor responsável por sua parte e planejamento;
    7. (Ademir) na minha singela opinião falta conhecimento de instrução processual. Processo bem instruído, tramita rapidamente, independente de outras incidentais que possam haver. Processo mal instruído significa mais servidores para arrumar, aumento da burocracia e etc.;
    8. (Maxwell) além dos fatores estruturais, legais e institucionais citados eu acredito que a atual conjuntura política e econômica impactou um clima de certa insegurança financeira e desequilíbrio na execução das ações nas nossas unidades administrativas, como um todo. Ou seja, tudo que precisa fazer não tem certeza se possui as condições financeiras para ser feito.

Quase Concluindo estes Apontamentos

Nestas ideias básicas nem sequer pensamos em modelar a cúpula, o núcleo operacional, áreas de suporte, linhas intermediárias. Essa modelagem é trabalho de maior amplitude. Aqui quisemos dar uma resposta a simples questionamento que nos foi feito e que, apesar de termos as respostas, não tínhamos como explicar de imediato. Primeiro por causa do tempo, segundo porque a razão dos problemas não são simples razões que podem ser desmontadas e consertadas numa conversa de corredor.

Nosso sistema na AP está doente, precisa de médico que faça uma grande operação porque a infecção está generalizada. É mecanicista numa Era orgânica e se transformou, fundamentalmente, um espaço de conflitos de interesses técnicos e políticos. De um lado temos servidores da maior capacidade técnica, mas escondidos nas estufas do não reconhecimento pelos agentes políticos. Por outro, temos servidores que adotaram a postura do weberianismo impuro e emparedam o governo quando da realização das estratégias na busca dos seus interesses particulares como empregado, o que é correto sob o seu ponto de vista. Mas, um desconforto, sob o ponto de vista da sociedade.  Um excelente técnico governamental nem sempre dá as caras porque será punido dramaticamente, na eventualidade do processo ou realização da estratégia dar errado, e por isso, esconde-se ou adota o weberianismo impuro para se salvar das intempéries da AP, até porque pensam, “estes que estão aí são passageiros”.

Sobre isso, no dia 28/05, num programa de rádio matutino sobre as reformas da AP, tanto no governo federal quanto no estadual, o historiador Alfredo da Mota Menezes saiu com a seguinte explicação: um amigo dele dizia (entendí que ele não quis se comprometer) que o concurso público era o “refúgio dos incompetentes”, claro com ressalvas, aliviou a conversa. Esse “pensamento único” que vem sendo plantado ao longo do tempo sempre surge nos momentos de “reforma do Estado”, a fim de adequá-lo para “realizar as estratégias” e o servidor público, em geral, fica apenas assistindo as interferências políticas e a execução do projeto, a posteriori, nem sem sempre tem o objetivo alcançado. Na administração atual, apesar do discurso público ser o de que o servidor público é o maior patrimônio, o pensamento estratégico não deixa dúvida que o “pensamento único” esboçado pelo Alfredo é a linha mestra que ordena suas atitudes, o que vemos como um forte preconceito, pois “[...] o homem não nasce com preconceitos, eles os aprende socialmente”, já dizia Ribeiro (2010, p. 21).

Ainda nesse tom, a Adriana Carranca[9] conversava com sobreviventes do Holocausto e relata: “Em minha experiência ...”, comentou um senhor polonês que, aos 91 anos, ainda engasga e tem de controlar o choro para falar do passado. “Minha experiência diz que o homem, em si, não é bom. Infelizmente, não é. Porque, em todas as situações, ele pensa primeiro no que é vantajoso para ele e não se importa se o mesmo é bom para os outros.”

Por isso, os comportamentos de esconder-se ou mostrar-se, faz parte desse jogo da vantajosidade pessoal[10], no momento da realização das estratégias, e nos lembra sobre “[...] um edifício feio cinzento e acachapado, de trinta e quatro andares apenas. Acima da entrada principal, as palavras Centro de Incubação e Condicionamento de Londres Central e, num escudo, o lema do Estado Mundial: Comunidade, Identidade, Estabilidade”, escreveu Huxley (1979, p. 9, 1º parágrafo).

Este é um quadro que não queremos, um Estado totalitário em que, no sentido de nos protegermos, buscamos os guarda-chuvas desse Estado, e ao se fortalecer, domina mentes e corações. E é no sentido dessa proteção que Fabiano pensava consigo mesmo no sertão nordestino, sob as lapadas do sol quente sob o lombo e arrogâncias dos coronéis. Ele, “[...] na verdade falava pouco. Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas[11]”.

Nesse jogo entram também os governantes, pois são eleitos para administrar orçamentos, mas não tem muito espaço para os gastos discricionários. Há vinculação de receitas correntes num nível que não sobra espaço para o jogo político, é por isso que há, essa disputa pelos fundos públicos. A saúde e a educação recebem percentuais de receita líquida e fosse essa a solução de engessamento das receitas, não se veria tantos problemas nesses sistemas. As escolas e os hospitais são provas vivas de que a vinculação não resolve. No Estado foi vinculado a despesa da Unemat, retirando o pouco espaço que existia. No nível federal a desvinculação das receitas da união, conhecida como DRU, também engessa o orçamento. “Os governantes são eleitos, mas não conseguem administrar as receitas [...] o espaço para mexer no orçamento ficou curto”, salienta Miriam Leitão[12]. Essa é a grande dificuldade, administrar as receitas em tempos de crises e de uma política tributária que pesa de forma absoluta sobre o consumo.

Conclusão

Neste final ficou evidente que os problemas difusos apresentados como travas, indefiníveis e sem respostas estão vinculados ao que consideramos falhas estruturais sistêmicas. O Estado vive um momento de grave disfunção do princípio da eficiência materializado num ambiente de profunda desconfiança dos agentes públicos, políticos e técnicos. Quem age pode errar e se errar será punido. Então, não se age para não ser punido. Essa a regra do jogo interno, indecifrável à primeira vista. A burocracia weberiana foi pensada justamente por causa da desonestidade que grassa no humano. Restabelecer a confiança e a honestidade de propósitos na AP é questão de sobrevivência da própria humanidade.

O princípio da eficiência na Administração Pública é dado pela relação do gasto efetivo sobre o orçamento. Quanto mais se gasta do orçamento na AP, maior a eficiência da estrutura. Gasto de 100% do orçamento é a meta de eficiência, e em geral, os gastos tem sidos de qualidade ruim, totalmente improdutivos, não podendo levá-los à conta de valores investidos. Com o cerco aos gastos públicos circunstanciais, a máquina pública emperrou. Sem orçamento não tem gasto, sem gasto a máquina não anda. O ambiente de produção, com atmosfera policialesca, e a falta de orçamentário financeiro, simplesmente retraiu e as engrenagens da máquina antiga estão se enroscando. Não tem muito o que fazer, a não ser desmontá-la e ajustar para os novos tempos. Reformas profundas no orçamento e na forma dos gastos desse orçamento são obrigatórias se quisermos destravar a “máquina” e as regras internas precisam ser revisitadas urgentemente para dar velocidade aos processos.

Que estas poucas palavras não sejam inúteis, nem perigosas conforme pensava Fabiano (inventaram até o sincericídio, nestes tempos sem alma), e que colaborem com a governança da Nova Administração Pública, expulsando os espíritos da burocracia ruim por meio do restabelecimento do princípio da confiança. Um longo caminho agreste a ser caminhado, juntos.

Referências Bibliográficas

Ferlie, Ewan et al,. A Nova Administração Pública. Tradução de Sara Rejane de Freitas Oliveira; Revisão técnica de Tomás de Aquino Guimarães. Brasília: Editora Universidade de Brasília: ENAP, 1999, 469p. p. 93

Martins, Humberto Falcão; Marini, Caio e outros. Um guia de governança para resultados na administração pública. Brasília: Publix Editora, 2010.

Ribeiro, João Ubaldo. Política: quem manda, por que manda, como manda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.


[2] Trata-se de locução adverbial que deveria estar seguida de vírgula como recomenda a norma culta, entretanto, no original aparece dessa forma. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 125ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2014, p. 20.

[3] Não utilizarei a palavra gestor por entender que se trata de uma palavra enganadora, pois todos os administradores são gestores da coisa pública, mas nem todos os gestores são administradores, apesar de gerenciarem a coisa pública. A abrangência da palavra gestor descaracterizou o importante ato de administrar no seu sentido original.

[4] "Todo homem investido de poder é tentado a abusar dele." - tout homme qui a du pouvoir est porté à en abuser. - Montesquieu: Choix de textes et introduction‎ - Página 32, Charles de Secondat Montesquieu (baron de) - Louis-Michaud, 1910 - 224 páginas.

[5] Por leis, no contexto deste trabalho, queremos significar as Constituições Federal e Estadual, as leis, os decretos, portarias, resoluções, enfim, de modo genérico, referir à forma de ordenação no Estado Democrático de Direito.

[6] As estruturas a que nos referimos neste texto são as secretarias, as empresas de economia mista, empresas públicas, enfim, as divisões especializadas para “realizar as estratégias” que significa realizar a agenda governamental, as promessas de palanque.

[7] Admirável Mundo Novo (Brave New World na versão original em língua inglesa) é um romance distópico escrito por Aldous Huxley e publicado em 1932 que narra sobre hipotético futuro em que as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e regras sociais, dentro de uma sociedade organizada por castas. Ver: HUXLEY, Aldoux. Admirável Mundo Novo. 5a Edição. Tradução de Vidal de Oliveira e Lino Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1979

[8] No presente caso ouvimos as pessoas vinculadas à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico – SEDEC, estrutura estatal cujos problemas levantados podem ser transpostos para o sistema em geral.

[9] Veja a reportagem completa da Adriana Carranca no Jornal O Globo, Online, Edição de 28 maio 2016. Artigo: Por uma Revolução moral. Disponível em: <http://goo.gl/Evx8ov>. Acesso em: 28 maio 2016.

[10] A disputa entre a técnica e a política aparece nos gastos de pessoal. Os governos anteriores, sem condições políticas objetivas de enfrentamento ao Estado inorgânico, dividiu os despojos pelo meio mais fácil que são os incentivos financeiros. Nos parece que o jogo chegou ao limite da sobra de recursos para investimentos, pois os agentes políticos não aceitam mais que o bolo financeiro seja repassado quase que exclusivamente aos servidores – essa a grande disputa sobre os fundos públicos. A propósito, o limite do endividamento de Mato Grosso é de 45% da Receita Anual, e desse modo, nosso problema não é a Dívida Pública, que, no entanto, também precisa ser discutida. O índice pode ser encontrado em reportagem da Folha de São Paulo em que Gustavo Patu resume: Queda na arrecadação no Brasil deixa os Estados mais estrangulados. Folha de São Paulo Online, ed. 28 maio 2016. Disponível em: < http://goo.gl/5waBQa >. Acesso em: 28 maio 2016.

[11] Ver a Nota de Rodapé nº 2.

[12] Ver artigo da jornalista Miriam Leitão no Jornal O Globo, ed. 30 maio 2016, Online. País precisa de reforma profunda no orçamento. Disponível em: <http://goo.gl/rjLkLj>. Acesso em: 30 maio 2016.

Sobre o autor
Nelson Corrêa Viana

Administrador, com 5 especializações, no setor privado e público. Professor de Administração Financeira e Licitações Públicas.

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A questão que procuramos responder neste trabalho tem a ver com a indagação que nos foi feita e que não soubemos responder de pronto, pois tantas eram as respostas, embora nenhuma dava conta de explicar a pergunta: o que é que está travando a nossa administração? Em poucas linhas vamos tentar a explicação, porém antes precisamos dar um giro teórico sobre o assunto, assentando as bases para compreender o problema.

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