Introdução
O presente artigo busca mostrar uma realidade brutal que acontece no nosso mundo contra mulheres e crianças, em as missões de paz realizadas pela Organização das Nações Unidas onde frequentemente acontecem abusos sexuais por parte dos soldados, mostrando as formas com que os Estados e a própria ONU buscam combater essa violência, a repercussão dentro da comunidade internacional e como condutas repulsivas como essa podem manchar a imagem de um trabalho que busca ajudar de forma humanitária lugares marcados por tragédias.
Sumário: 1- As operações de paz da ONU. 2- Os crimes sexuais. 3- Posicionamento da ONU. 4- Posicionamento dos Estados. 5- Conclusão. 6- Referências Bibliográficas.
1. Entendendo as operações de paz da ONU
A Organização define essas ações como sendo operações militares onde atuam forças externas ao país em tensão com o objetivo de promover trégua na região, para que os diplomatas possam estabelecer um acordo de paz. O país que recebe as tropas é o país que está em um conflito, e o que envia as tropas é o que está tentando estabelecer uma trégua contribuindo com suas forças militares internas, os agentes da paz são os militares cedidos ao país que está em conflito, pois a ONU não possui seus próprios militares, esses soldados estão diretamente subordinados ao comandante por ser a maior figura militar presente. A missão é estabelecida através de documentos, como o Status of Force Agreement,¹ firmado pela ONU e pelo país em conflito, estabelece os termos da operação e os direitos e deveres dos envolvidos, outro documento que se destaca é o Memorandum of Understanding firmado pela ONU e pelo país que envia as tropas, estabelecendo termos financeiros e administrativos para governar a contribuição do pessoal, equipamentos e tudo mais que será utilizado na operação.²
- Documentos que regulam as missões de paz da ONU
- Glossário de Termos das Operações de Paz das Nações Unidas. Nova Iorque, 19962.
2. Os crimes sexuais
A exploração sexual é definida como qualquer tipo de tentativa ou de ato consumado de abuso, se aproveitando de um estado de vulnerabilidade, confiança ou status de poder com o intuito de obter favorecimento sexual, só em 2015 foram registrados 69 casos de abusos sexuais praticados por soldados de paz originários de 21 países, um índice inaceitável. Esses abusos começaram a ser relatados na década de 90, em missões de paz espalhadas por todo o mundo, o aumento das denúncias fez com que os países – membros passassem a pressionar a ONU para que esta tomasse uma posição junto aos próprios Estados para prevenir os abusos e punir os agentes, chegando ao ponto do Secretário Geral das Nações Unidas afirmar que o grande número de ocorrências era uma vergonha para a imagem da Organização. Com a investigação das denúncias, ficou comprovado que a maioria das mulheres e crianças que eram submetidas a essa violência o faziam em troca de água, comida e trabalho, no ano de 2014 foram registradas mais de 80 denúncias de abusos contra os soldados, em alguns casos crianças de faixa etária entre 7 e 12 anos relatam como foram forçadas a manter relações sexuais em troca de alimentos, algumas vezes os agentes a fim de disfarçar seus atos costumavam presentear as vítimas fazendo com que estas transmitissem a imagem de serem prostitutas, e que muitos desses abusos resultavam em gravidez, deixando a vítima desamparada. O relatório¹ feito pelo Príncipe Zeid da Jordânia², apresentava como maneira de prevenção desses crimes, a instalação de cortes marciais no país em conflito para fiscalizar os casos relatados, porém ficou comprovada a falta de recursos para lidar com a grande demanda. Acredita-se que os motivos que levam os agentes a cometerem esses abusos são, entre outros, machismo, sensação de impunidade, já que muitos afirmam que esta conduta faz parte da natureza masculina e que, portanto, não havia nada a ser feito, e a maior elevação econômica dos soldados em relação às vitimas dos conflitos, já que estes são geralmente instalados em lugares onde famílias sofreram grandes perdas e estão abaladas econômicas, física e emocionalmente.
- Relatório detalha a exploração de mulheres e meninas
- Príncipe Zeid Ra'al Zeid al-Hussein, Conselheiro Especial da ONU e ex-agente da paz
3. Posicionamento da ONU quanto aos abusos
Após surgirem tantas denuncias, a ONU decidiu lançar dois documentos regulando certos padrões de conduta que deveriam ser seguidos pelos seus soldados enquanto estivessem na missão de paz, os documentos passaram pela aprovação da Assembleia Geral e reafirmavam os princípios contidos na Carta da ONU. Foram estabelecidas normas que visavam especificamente os abusos cometido, vedando aos soldados o envolvimento em qualquer exploração ou abuso sexual, especialmente contra mulheres e crianças do país anfitrião, proibindo os agentes de manter relações sexuais com menores de 18 anos, ou trocar dinheiro e principalmente comida, por favorecimentos desta espécie. Embora essas normas fossem de cunho específico para os soldados em missão de paz, elas também passaram a integrar documentos internacionais, como por exemplo, a Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança, que diz que os Estados tem a obrigação de proteger crianças menores de 18 anos de toda exploração e abuso sexual.¹ As ações punitivas dos Estados em relação aos acontecimentos são tomadas de forma soberana, mas isso não impede a ONU de se manifestar sobre o assunto, tentando de certa forma influenciar na decisão tomada, pois de fato, existe a necessidade de uma parceria entre ambos, foi o que a organização pretendia ao criar o CDU (Unidade de conduta e disciplina), destinada a manter os mais altos padrões de conduta dentro das missões, supervisionando as disciplinas de forma global, mostrando o empenho que vem fazendo no combate a essa prática.
A organização internacional também decidiu, através de uma votação, do Conselho Nacional de Segurança com 14 votos a favor, que os países que não adotarem medidas punitivas contra seus soldados, estariam fora de missões futuras e poderão ser excluídos da participação. O Egito se absteve da resolução afirmando que o posicionamento da ONU tratava de uma punição coletiva para um ato que havia sido praticado apenas por algumas dezenas e que isso poderia afetar a reputação dos países membros da Organização, esse posicionamento não foi aceito pelos Estados Unidos, que afirmou que o ato realizado pela ONU era de finalmente dar um basta na exploração sexual contra aqueles que acreditam na bandeira azul, quando estas pessoas avistam um capacete azul² pensa em ajuda, não em ser violada.
- Art. 34 da Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança.
- Em alusão aos capacetes e boinas azuis utilizados por todos os militares enquanto agentes da ONU, independente do seu país de origem.
4. Posicionamento dos Estados quanto aos crimes sexuais.
É estabelecido, através da Convenção de Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, que os militantes da ONU não sofram sanções penais feitas pelo país anfitrião por atos ilícitos enquanto estão atuando na missão de paz, porém foi sugerido através do relatório criado pelo grupo de Experts¹ que dispensassem essas imunidades de uma forma mais fácil através de outra convenção, com a ratificação de um novo tratado, o que não aconteceu. Outra sugestão feita foi a de que o Estado de nacionalidade do soldado exerça jurisdição sobre o fato, se a conduta for considerada crime nos dois países, logo surgiu a ideia de levar esses crimes aos tribunais interacionais, mas ficou comprovada a maior dificuldade de se conseguir a punição desejada pois geralmente esses tribunais punem crimes mais “graves”, como é o caso do TPI (Tribunal Penal Internacional).² Através de convenções feitas e de posicionamentos dos Estados, ficou estabelecido que o único legitimado para julgar crimes cometidos por soldados em missões de paz é do Estado que fornece as tropas, pois já que possuem o princípio da soberania eles se julgam competentes para tratar de qualquer assunto que envolva seus militares. O Secretário geral das Nações Unidas demonstrou seu apoio a uma convenção que determinava essa competência dos Estados sobre os atos ilícitos cometidos nas missões, no entanto, não versava apenas sobre crimes sexuais, mas sim sobre todo tipo de ilicitude, porém mesmo existindo mecanismos de punição para o ato, alguns países deixam de punir os agressores, aumentando ainda mais a indignação por todo o mundo.
- Grupo apontado pelo Secretário Geral das Nações Unidas para estudar os crimes cometidos pelos soldados.
- Julga crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão.
5. Conclusão
Não se pode negar o esforço feito pela ONU em combater as denúncias dos abusos sexuais desde o início das acusações, a emissão de documentos, treinamentos, tudo pode ser visto como forma de erradicação do crime, infelizmente ela não possui a competência para fazer tudo sozinha, e infelizmente os números ainda são altos. Por mais que os Estados defendam a exclusividade para punir os casos, nem sempre eles o fazem, e os criminosos acabam saindo ilesos de uma conduta abominável, a condenação traria para as vítimas uma sensação de justiça e segurança. Deveriam existir medidas, não apenas contra os agentes, mas também contra os Estados que se omitem em casos como estes, tirando da vítima o direito que possuem de serem justiçada e até mesmo o direito a uma indenização para tratamentos psicológicos, fundos para as vítimas que engravidaram e outras formas de suporte. Um Estado punindo um militar seria uma forma de desencorajar, esses crimes, contribuindo de forma eficaz para a diminuição de tal violência, e até mesmo devolvendo para as mulheres e crianças uma esperança.
6. Referências Bibliográficas
Bracken, Amy _ Revista Pragmatismo Político. Disponível em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/11/garoto-haitiano-e-estuprado-repetidamente-por-forcas-de-paz-da-onu.html
Revista Globo.com_ Disponível em:
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/sexo-oral-por-biscoitos-as-denuncias-de-abuso-sexual-contra-soldados-e-funcionarios-da-onu.html
Rebelo, Tamya Rocha_ SOLDADOS PAZ E VIOLÊNCIA SEXUAL: AS RESPOSTAS NO ÂMBITO DAS NAÇÕES UNIDAS. Disponível em:
http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br/br/simp/artigos2009/tamya_rebelo.pdf
Grassi, Augusto Pietro _ A responsabilidade dos Estados por crimes cometidos por agentes de paz da ONU. Disponível em:
http://www2.direito.ufmg.br/revistadocaap/index.php/revista/article/view/297
Revista Sputnik Brasil _ Disponível em:
http://br.sputniknews.com/mundo/20160131/3452076/soldados-europeus-acusados-abuso-sexual-menores-africa.html
Sengupta, Somini. Revista UOL_ Disponível em:
http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/the-new-york-times/2015/03/18/pessoal-da-onu-e-acusado-por-dezenas-de-abusos-sexuais-em-2014-mostra-relatorio.htm#fotoNav=2
Organização Das Nações Unidas _ Disponível em:
http://www.un.org/en/peacekeeping/issues/cdu
Organização Das Nações Unidas _ Disponível em:
https://cdu.unlb.org/AboutCDU/OurMandate.aspx
Manutenção da Paz das Nações Unidas _ Disponível em:
https://www.unric.org/html/portuguese/peace/pkpngfaq/q11-1.htm