RESUMO
A responsabilidade civil de por si constitui-se na aptidão para que alguém possa atrair a atribuição de responder ou arcar com o ônus por ato próprio ou de outrem, ou seja, de ordem pecuniária . No tocante à responsabilidade civil estatal, ter-se-á por discutível quando o Estado for o apto a responder por condutas suas ou de outrem, independentemente de qualquer ajuste previsto em contrato de forma expressa. O presente estudo tem como objetivo abordar a responsabilidade civil do Estado e suas teorias, com ênfase para a responsabilidade estatal por condutas omissivas, no que toca às divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto à aplicação da teoria objetiva e da teoria subjetiva. A metodologia da pesquisa deu-se a partir de estudo bibliográfico ancorado em livros, informações e artigos obtidos na internet, legislação nacional, além de análises jurisprudenciais sobre o assunto. O método a ser utilizado foi o dedutivo. Os resultados do estudo ressaltam que tanto a doutrina como a jurisprudência possuem entendimentos divergentes em relação à aplicação da teoria objetiva ou subjetiva na responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil do Estado. Omissão. Teoria objetiva. Teoria subjetiva.
RESUMEN
La responsabilidad constituye en sí misma la capacidad para cualquier persona para dibujar la respuesta cesión o soportar la carga por sí solo acto u otros, o pecuniaria. Con respecto a la responsabilidad del Estado, que tendrá una discutible cuando el estado es apto para responder por la conducta de él o de otra persona, independientemente de cualquier adaptación contemplado expresamente contrato. Este estudio tiene como objetivo hacer frente a la responsabilidad del Estado y sus teorías, con énfasis en la responsabilidad del Estado por conducta omissivas, con respecto a las diferencias doctrinales y jurisprudenciales en cuanto a la aplicación de la teoría de la teoría objetiva y subjetiva. La metodología de investigación se dio a partir de estudio bibliográfico anclado en libros, artículos y la información obtenida a través de Internet, la ley, y el análisis de la jurisprudencia en la materia. El método que se utiliza era deductivo. Los resultados del estudio señalan que tanto la doctrina como la jurisprudencia tienen diferentes entendimientos respecto de la aplicación de la teoría objetiva o subjetiva de la responsabilidad civil del Estado por conducta omissivas.
Palabras clave: Responsabilidad del Estado. La omisión. teoría objetiva. La teoría subjetiva.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tratará sobre a responsabilidade civil do estado por atos omissivos, um tema bastante discutido nos dias atuais em virtude da grande preocupação com a proteção dos direitos do cidadão.
A responsabilidade do Estado é atribuída às três funções pelas quais se dividem o poder estatal: a administrativa, a jurisdicional e a legislativa. No entanto, é mais comum falar em responsabilidade por comportamentos lesivos da Administração Pública, visto que em relação ao Poder Judiciário e ao Poder Legislativo tal responsabilidade incide em casos excepcionais.
Dentro desta perspectiva, o objetivo deste trabalho é abordar a responsabilidade civil do Estado e suas teorias, com ênfase para a responsabilidade estatal por condutas omissivas, no que toca às divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto à aplicação da teoria objetiva e da teoria subjetiva.
Todo desenvolvimento desta pesquisa será realizada em torno da controvérsia existente quando se pretende classificar esta responsabilidade em objetiva, sem a necessidade de comprovação de culpa, ou em subjetiva, com a necessária demonstração de culpa por parte da vítima.
Atualmente, doutrina e jurisprudência possuem entendimentos que apontam tanto para a responsabilidade objetiva quanto para a subjetiva no tocante às condutas omissivas por parte da Administração Pública.
O problema desenvolvido consiste na seguinte indagação: a responsabilidade civil do Estado por atos omissivos é objetiva ou subjetiva?
A metodologia da pesquisa deu-se a partir de estudo bibliográfico ancorado em livros, informações e artigos obtidos na internet, legislação nacional, além de análises jurisprudenciais sobre o assunto. O método a ser utilizado foi o dedutivo.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A Responsabilidade Civil do Estado Brasileiro e o Seu Desdobramento Histórico
Assim como ocorreu nos ordenamentos jurídicos de vários países, o Brasil
também viveu diversas fases no que toca à responsabilidade civil do Estado,
todavia, inicia-se afirmando que a teoria da irresponsabilidade estatal jamais foi
adotada no Brasil, ao menos esse é o posicionamento da doutrina majoritária. Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que, ainda que não existisse normas legais expressas, o entendimento jurisprudencial e pretoriano sempre repudiou a existência da irresponsabilidade do Estado no Brasil (DI PRIETO, 2010).
No mesmo sentido, Lúcia Valle Figueiredo, afirma que “se inicialmente vigia a
máxima The King can not do wrong, no Direito brasileiro a coisa passou-se um
pouco diferente” (FIGUEIREDO, 2010). Ao fazer breve referência, Sérgio Cavalieri Filho anota que, no Brasil, não passamos pela fase da irresponsabilidade estatal, porquanto a tese da responsabilidade do Estado sempre foi acolhida como princípio geral e fundamental de Direito (CAVALIERI FILHO, 2010).
Também Yussef Said Cahali (2010, p. 28) afirma que “o princípio da responsabilidade civil do Estado jamais foi posto em dúvida no Direito Brasileiro.” Divergindo da maioria, Gasparini (2010, p.1104) aduz que “só durante o Brasil colônia vivenciou-se a teoria da irresponsabilidade”.
Já doutrinadores consagrados, tais como Celso Antônio Bandeira de Mello e Hely Lopes Meirelles, sequer fazem menção acerca da existência da teoria da irresponsabilidade estatal ao tratar de sua evolução em nosso país, do que se infere que, para eles, tal fase jamais foi adotada no ordenamento jurídico brasileiro.
Diante disso, percebe-se que a teoria da irresponsabilidade é questão
irrelevante quando se trata da evolução da responsabilidade civil do Estado no
Brasil, pois entende-se que esta jamais foi aplicada no país, não merecendo maiores
abordagens quanto a essa teoria neste tópico. Assim, conclui-se que a responsabilidade civil do Estado sempre esteve presente no Direito Brasileiro, contudo, como já referido, teve diversos estágios e algumas divergências doutrinárias.
Para Lúcia Valle Figueiredo, a responsabilidade estatal aparece na
Constituição do Império, de 1824, como responsabilidade do servidor, que em seu art. 179, alínea XXIX, assim dispunha: “Os Empregados Públicos são strictamente responsáveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercício das suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos” (BRASIL, 2014).
Segue a autora referindo que a Constituição de 1891 trouxe dispositivo de
mesmo teor, contudo, acrescido da obrigatoriedade de o funcionário comprometer-se formalmente a cumprir seus deveres legais, no ato da posse, contida no
parágrafo único do art. 82 da citada norma fundamental, que assim estabelece: “O funcionário público obrigar-se-á por compromisso formal, no ato da posse, ao
desempenho dos seus deveres legais” (BRASIL, 2014).
De outro lado, alguns doutrinadores entendem que essas Constituições, de
1824 e de 1891, não cuidaram da responsabilidade civil do Estado. É o caso de Medauar (2010, p.445) e Di Pietro (2010, p.543) Esta sustenta que tais
Constituições “não continham disposições que previsse a responsabilidade do
Estado” e completa afirmando que “elas previam apenas a responsabilidade do
funcionário em decorrência de abuso ou omissão praticados no exercício de suas
funções.
Todavia, embora as Constituições de 1824 e de 1891 não explicitasse acerca
da responsabilidade civil do Estado, segundo a autora, existiam leis ordinárias que
regulamentavam a questão, o que tornava solidária a responsabilidade do Estado e
do funcionário. É o caso da Lei nº 221 de 1894, que em seu art. 13 estabeleceu que
“os Juízes e Tribunais Federais processarão e julgarão as causas que se fundarem
na lesão de direitos individuais por atos ou decisões das autoridades administrativas
da União”.
Não obstante entendimento pela admissão da teoria subjetivista, segundo Cavalieri, alguns autores já admitiam a aplicação da responsabilidade objetiva do
Estado na modalidade da teoria do risco administrativo, mesmo sob a vigência do
art. 15 do Código Civil de 1916, devido a sua ambigüidade (CAVALIERI FILHO, 2010, p.222) todavia, esta teoria somente veio a ser admitida de forma incontestável com o advento da Constituição de 1946.
O art. 194 da Constituição de 1946 dispôs que “as pessoas jurídicas de direito
público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários,
nessa qualidade, causem a terceiros” (MEDAUAR, 2012, p.445). De uma simples comparação entre o dispositivo supratranscrito e o art. 15 do Código Civil de 1916, conclui-se que foram retiradas do texto as expressões “procedendo de modo contrário ao direito ou faltando o dever prescrito por lei”, pressupostos de conduta que tornavam a responsabilidade civil estatal subjetiva, o que, segundo José dos Santos Carvalho Filho, acabou por derrogar o dispositivo legal da lei civil (CARVALHO FILHO, 2009, p.223).
Finalmente, chegamos à atual Constituição, promulgada em 05 de outubro de
1988, que em seu art. 37, § 6º, assim dispõe: “As pessoas jurídicas de direito público
e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (BRASIL, 1988).
O citado texto constitucional manteve a teoria da responsabilidade objetiva
prevista nas Constituições de 1946 e 1967. Lúcia Valle de Figueiredo destaca que “a
responsabilidade acolhida pelo texto constitucional atual é objetiva quanto ao
Estado. E, também, objetiva no que tange àqueles que exercem funções estatais” (FIGUEIREDO, 2006, p.77).
As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus funcionário, nessa qualidade, causem a terceiros.Parágrafo único, caberá ação regressiva contra a funcionário responsável, nos casos de dolo ou culpa”.
Porém, Medauar (2012, p.446) ao lecionar acerca da responsabilidade civil do Estado adotada pelo Constituição Federal vigente, a divide em duas relações de responsabilidade. Uma, a responsabilidade do Poder Público e seus delegados, a qual atribui a responsabilidade objetiva.
A outra, trata da responsabilidade do agente público causador do dano, conferindo a esta, caráter subjetivo, calcada no dolo ou culpa. Assim, constata-se que há divergência doutrinária no que toca a modalidade de responsabilidade, se objetiva ou subjetiva, em relação à responsabilidade do agente causador do dano.
Mesmo posicionamento traz Di Pietro (2010. p.665), ao afirmar que “no dispositivo constitucional estão compreendidas duas regras: a da responsabilidade objetiva do Estado e a da responsabilidade subjetiva do agente público”.
Como pode-se observar, em que pese a divergência, a doutrina majoritária
entende que a responsabilidade civil do agente público é subjetiva, isto é, não
prescinde da comprovação de culpa ou dolo do agente na prática da conduta
danosa. Outro ponto bastante destacado pela doutrina ao tratar da responsabilidade
estatal segundo a atual norma constitucional, refere-se à substituição da expressão
“funcionário” por “agentes”. Em suma, como se verá adiante, funcionário é somente
aquele investigo em cargo público, enquanto agente é todo e qualquer indivíduo que
presta serviço público, seja ocupante de cargo público, contratado temporariamente
ou terceirizado (empregado de empresa prestadora de serviços públicos).
Ainda, a Carta Magna de 1988 inovou ao estender a responsabilidade civil para além do ente estatal, uma vez que prevê em seu texto normativo a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas de direito privado prestadores de serviço público. Daí porque o vocábulo “agentes”. Todavia, em que pese a responsabilidade do Estado possua caráter objetivo, conforme preceitua o texto constitucional em comento, a responsabilidade dos prestadores de serviço público nem sempre estará presente, conforme nos ensina
Odete Medauar (2011, p.448), porém, tal questão será abordada no próximo capítulo, ao tratarmos da responsabilidade civil da Administração Indireta, bem como dos concessionários e permissionários. Por fim, no âmbito da norma infraconstitucional, o Código Civil de 2002, que veio a revogar o Código Civil de 1916, em que pese posterior à atual Carta Magna, deixou a desejar, uma vez que não contemplou a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, tal como referido no texto constitucional” (DI PRIETO, 2010). Contudo, em razão da supremacia da Constitucional Federal, obviamente que a ausência de tal previsão no Código Civil de 2002 não impede a responsabilização daqueles.
2.1.1 Responsabilidade objetiva do estado
A responsabilidade civil objetiva vem com o estudo de trabalhos na Itália, Bélgica e principalmente na França, sem culpa, chamada de teoria do risco. É o dever de indenizar, em determinados casos a culpa é presumida ou desnecessária a prova. Aplica-se a inversão no ônus da prova, o autor da ação só precisa provar a ação ou omissão do agente e o resultado do dano, pois sua culpa já é presumida.
No Brasil são adotadas em vários casos e amparadas pelo código civil artigos 927, 931 e outros. Que nos mostram claramente a responsabilidade baseada na teoria do risco e a afirmação da necessidade de indenizar (CARVALHO FILHO, 2012, p.222).
2.1.2 Responsabilidade subjetiva do estado
Quando pensa-se em culpa, automaticamente se lembra da responsabilidade, a regra então de acordo com a teoria clássica, que o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva.
Essa teoria vem nos mostrar que não se pode responsabilizar alguém do dano ocorrido se não houver culpa, uma vez que não basta que haja o comportamento causador de dano e prejuízo. O Código Civil Brasileiro de 2002 em seu artigo 186, 187 e 927, caput manteve a culpa como fundamento de responsabilidade civil subjetiva. Esta deve ser provada pela vítima, para que haja o dever de indenizar pelo agente. O que nem sempre é possível, devido à evolução da sociedade apareceram novas situações que o código não amparava.
Estes podem ser claramente identificados no artigo 186 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto segundo Aguiar Dias (2010, p.345).
- conduta culposa do agente: o que pela expressão “ aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia”;
- nexo causal :vem expresso no verbo causar; e
- dano: revelado nas expressões “ violar direito ou causar dano a outrem”.
Os pressupostos acima elencados são mais comuns à responsabilidade contratual, com a única peculiaridade de ser a prova da culpa, nesse caso, limitada à demonstração de que a prestação foi descumprida.
2.2 A Responsabilidade Civil do Estado por Conduta Omissiva
A responsabilidade civil do Estado pode ocorrer quando este praticar dano a
terceiro por uma ação, ato comisso, ou até mesmo quando o dano decorrer de uma
omissão, ato omissivo, bastando que exista nexo de causalidade entre o ato estatal
(comissivo ou omissivo) e o dano experimentado pela vítima.
O presente capítulo tratará do objeto principal do trabalho, qual seja,
a questão da conduta omissiva do Estado causadora de dano se sua respectiva
responsabilidade, em especial, a teoria aplicável a tais situações. Nestes casos, o
Estado deixa de prestar um serviço público corretamente, ocasionando seu
retardamento, funcionamento insuficiente ou até mesmo a ausência completa do
serviço.
Assim, inicialmente será abordado o conceito de ato comissivo e ato omissivo
e seus aspectos, após, será analisada a questão acerca da controvérsia doutrinária
e jurisprudencial acerca da teoria aplicável (objetiva ou subjetiva) com seus
respectivos fundamentos.
A distinção entre conduta comissiva e conduta omissiva traz importante
relevância ao debate quanto à teoria aplicável à responsabilização estatal por
omissão. Embora a questão acerca da natureza jurídica de uma e de outra pareça
ser singela, a doutrina diverge quanto aos pressupostos para caracterização de cada
uma delas.
Enquanto o ato comissivo, também denominado de ato positivo, está
vinculado a uma conduta ativa, configurando-se, assim, uma efetiva atuação estatal,
o ato omissivo, ou ato negativo, reportar-se a uma inércia do Estado, uma inação
estatal, que deixa de praticar um ato quando estava obrigado a agir por força de lei. Cahali (2010, p.67) afirma que existe controvérsia quanto a saber se seriam
idênticos os pressupostos da ação e da omissão estatal como fundamento da
responsabilidade civil. Cita o autor, trecho de obra do ilustre Cretella Junior, para o qual “a omissão configura a culpa in omittendo ou culpa in vigilando, enquadrando a omissão como um não ato” (CRETELLA JÚNIOR, 2010, p.56)
Desse modo, a responsabilização estatal por atos omissivos não estaria
configurada pela mera existência do nexo causal entre fato omissivo e o dano em si,
pois há a necessidade de inexistir quaisquer das causas excludentes de responsabilidade, o que,por si só, afasta a possibilidade de transformar o Estado
em um garante de tudo e de todos. O que ocorre, na verdade, é uma inversão do
ônus probatório, situação similar à que ocorre na responsabilidade civil por atos
comissivos, e que nem por isso diz-se que a aplicação da teoria objetiva na
responsabilidade do Estado por atos comissivos tornaria o Estado em um garantidor
universal.
Freitas (2010, p.123) defende a aplicação da teoria objetiva no caso de danos
causados por omissão estatal e faz importante apontamento acerca da necessidade
do nexo causal direto. Segundo o autor, o dano juridicamente injusto não se
perfectibiliza se a vítima houver dado causa exclusiva, ou de força maior, ou, ainda,
por fato de terceiro alheio à prestação do serviço público. Ainda, aduz que não se
estabelece o nexo se inviável o cumprimento do dever, referindo-se ao princípio da
reserva do possível. Assim, para o autor o nexo causal entre a conduta, omissiva
ou comissiva, e o dano deve ser direto, isto é, sem quaisquer interferências que
afastem a responsabilidade estatal.
Como visto, as divergências quanto à responsabilidade civil do Estado por
condutas omissivas residem, desde já, e para alguns autores, na origem da
omissão, podendo a ela ser aplicável a teoria objetiva se a omissão decorrer do
descumprimento de um dever legal ou, ainda, ser aplicável a teoria subjetiva se, não
havendo norma legal determinando a atuação estatal, o Estado omite-se em
descumprimentoao dever geral de cautela ou diligência.
2.2.1 Fundamentos de Defesa da Responsabilidade Objetiva do Estado em Casos de Omissão
Nos últimos anos é possível verificar que a corrente objetivista vem ganhando
força perante nossos tribunais, no que se refere à responsabilidade civil do Estado
por omissão, embora a teoria subjetivista ainda esteja resistindo, sendo defendida,
inclusive, por importantes doutrinadores do ramo do direito administrativo.
Segundo defende Monteiro Filho (2006, p.128), a responsabilidade
subjetiva estatal fora eliminada do nosso sistema jurídico desde a Constituição de 1946, inexistindo qualquer norma posterior que a ressuscitasse. Acrescenta o ilustre
jurista que a intenção da norma constitucional vigente, qual seja, o art. 37, § 6º, é dar
celeridade na tramitação das demandas que almejam a reparação de danos
causados pelo Estado a terceiros, assim como proporcionar uma solução à lide de
modo a facilitar o acesso do direito de reparação ao administrado. Assim, a responsabilidade objetiva do Estado estaria configurada independente de ter sido o ato praticado por ação ou por omissão, em consonância com a ratio do dispositivo constitucional.
Para aqueles que temem que a extensão da teoria objetiva na responsabilidade do Estado por danos causados por omissão levaria ao absurdo de tornar o Estado em um segurador universal, Monteiro Filho (2006, p. 127) sustenta que tal temor não se justifica diante da possibilidade do Estado comprovar a existência de uma das causas excludentes de responsabilidade, tais como, força maior, caso fortuito, fato de terceiro ou fato da natureza.
De outro lado, o citado jurista relativiza a responsabilidade objetiva do Estado
por atos omissivos, excluindo dita responsabilidade por atos predatórios praticados
por terceiros e pelos danos causados por fenômeno da natureza. Segundo Meirelles (2011, p.333) o autor, por tratarem-se de atos e fatos estranhos à atividade estatal, para a apuração da responsabilidade do Estado deve-se observar o princípio geral da culpa civil, manifestada pela imprudência, imperícia e negligência na realização do serviço público.
Assim, em tais situações, a responsabilidade do Estado é subjetiva.
Finaliza o renomado autor aduzindo, que no último caso, isto é, nos atos de
terceiros e fatos da natureza, não há que falar em afronta ao princípio constitucional
da responsabilidade sem culpa da Administração, estatuído pelo art. 37, § 6º, da
Carta Magna, ou seja, da responsabilidade objetiva estatal, pois este abrange
apenas a atuação funcional dos servidores públicos, o que não ocorre no caso
daquele (MONTEIRO FILHO, p.345).
Outrossim, Santos (2006, p.332), filia-se à teoria objetivista no caso de omissão estatal, sob o argumento de que, no que se refere à categoria dano, a carta Magna, em seu art. 37, § 6º, não faz qualquer distinção, seja porque a interpretação mais adequada é a que prestigie a máxima efetividade da Constituição e o respeito ao princípio da dignidade humana.
Ademais, cumpre trazer à baila o ensinamento Freitas (2009, p.64) que cuida
do direito fundamental à boa administração, na perspectiva da responsabilidade
estatal, em especial para o combate da omissão, e sob o prisma da
proporcionalidade. Ensina o renomado jurista gaúcho que o Estado, no exercício de
sua discricionariedade administrativa, pode causar danos seja por excesso na
prática de seus atos (arbitrariedade excessiva), assim como por omissão
(arbitrariedade omissiva). Assim, defende o autor que, em ambos os casos, fere-se o
princípio da proporcionalidade, pois em um, o Estado age em demasia, e, noutro,
age insuficientemente.
De outro lado, cumpre referir que o princípio da proporcionalidade não estatui
simples adequação meio-fim, pois a ofensa à proporcionalidade ocorre nas
hipóteses em que o agente, na presença de valores legítimos a sopesar, dá
prioridade indevida a um deles, em detrimento imotivado de outro. Assim, para o
autor, o princípio da proporcionalidade avulta no cotejo dos direitos fundamentais,
todavia, em momento algum, um direito fundamental deve suprimir inteiramente
outro, na colisão de exercícios, mas sim deve haver uma preponderação
principiológica (FREITAS, 2009, p.64).
Acerca do nexo causal direto, refere o autor que não há dano juridicamente
injusto se a vítima tenha dado causa exclusiva, bem como na hipótese de força
maior e de fato de terceiro alheio à prestação do serviço público, nem mesmo se
estabelece o nexo em caso de inviabilidade do cumprimento do dever legal.
Finaliza Freitas (2009, p.67) aduzindo que, na leitura proposta do art. 37, § 6º, da CF, a configuração do nexo causal independe de culpa ou dolo toda vez que a ação ou a omissão do Estado prejudicar o âmago dos princípios e direitos fundamentais sem que resultem provadas, pelo Poder Público, as excludentes.
Adepta da teoria subjetiva na responsabilização do Estado por danos
causados em casos de omissão, Di Pietro (2010, p.654) sustenta que
aqueles que defendem a aplicação da teoria objetiva estabelecida na norma
constitucional, estão, na verdade, preocupados com as dificuldades do lesado
alcançar a reparação de seu dano, pois assim bastaria demonstrar o nexo de
causalidade entre o dano e a conduta do Estado, seja ela comissiva ou omissiva.
Na esteira da responsabilidade objetiva por condutas omissivas do Estado, insta trazer à baila situação bastante recorrente em nossos tribunais, consistente em casos de responsabilidade estatal por lesão sofrida por detento por colegas de carceragem. A jurisprudência majoritária, nessas situações, tem se posicionado favorável à aplicação da teoria objetiva.
Neste sentido, pode-se referir julgado do Supremo Tribunal Federal de relatoria de Gilmar Mendes, que condenou o Estado ao pagamento de indenização por danos morais e materiais a familiares de vítima de homicídio ocorrido no interior de estabelecimento prisional, cuja autoria restou imputada a colega de carceragem.
Para o eminente relator, no caso em concreto, a responsabilidade civil advinda do dever e vigilância ou guarda pode ser objetivamente imputado ao Estado, uma vez que, estando a vítima em cumprimento de pena privativa de liberdade, encontrava-se sob a custódia estatal, com isso, sobrevindo o evento morte daquele que estava sob guarda do Estado, decorrente de ato violento, o ente estatal incorreu em omissão, deixando de cumprir dever legal de zelar integridade física daqueles que têm sob sua tutela.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, também analisando
caso de morte de detento, igualmente aplicou a teoria da responsabilidade objetiva
por omissão. Para os eminentes julgadores, houve falha do serviço, uma vez que o
Estado descumpriu dever legal de assegurar a incolumidade física e moral dos
detentos. Destacou-se, ainda, a desnecessidade de perquirir acerca da culpa do agente estatal. No caso, a vítima morreu por estrangulamento dentro da própria
cela.
Conforme analisado, ainda que minoritária, parcela da doutrina tem defendido
a aplicação da teoria objetiva da responsabilidade do Estado por danos causados a
terceiros decorrentes de sua omissão. Juarez Freitas é um dos doutrinadores que
aderiu a aplicação da teoria objetiva, seja o evento danoso comissivo ou omissivo,
sem concessão de qualquer ressalva ou exceção em sua aplicabilidade.
Outrossim,constata-se das análises acima que a jurisprudência tem se
demonstrado mais tolerável à teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado por
atos omissivos, posicionando favoravelmente em diversas situações, por entender
que, havendo o dever legal de agir e de diligência, seu descumprimento configura
omissão, incidindo com isso a responsabilidade objetiva do Estado, estatuída no art.
37, § 6º, da Constituição Federal de 1988.
2.2.2 Fundamentos de defesa da responsabilidade subjetiva do estado em casos de omissão
A teoria subjetivista para casos de danos causados por omissão estatal tem
sido acolhida pela maioria dos doutrinadores, exigindo-se para a configuração da
responsabilidade civil do Estado a presença do elemento culpa, cuja prova incumbe
ao lesado. Assim, tal teoria retira o benefício que a teoria objetiva adotada pela
norma constitucional havia conferido ao administrado, passando a este o ônus
probatório.
Feitas essas considerações, passa-se à abordagem dos fundamentos para a
aplicação da teoria subjetiva na responsabilidade estatal por condutas omissivas,
inclusive o posicionamento de nossos tribunais. Defensor assíduo da responsabilidade subjetiva do Estado nos casos de danos causados por omissão Estatal, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que não tendo o Estado agido, não pode ser o autor do dano. Assim, em não sendo o autor do dano, não há que falar em responsabilidade objetiva, podendo ser responsabilizado somente se estiver obrigado a impedir o dano (SANTOS, 2006).
Importa, aqui, transcrever trecho de obra do insigne doutrinador acerca da questão segundo Bandeira de Mello (2014, p.1031):
Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as consequências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, e necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva.
Para Bandeira de Mello (2014, p.1031), portanto, tratando a omissão estatal de um ato ilícito, deve incidir necessariamente a teoria subjetiva da responsabilidade civil, porquanto a ilicitude requer o elemento subjetivo culpa. Ainda, verifica-se que Bandeira de Mello, da mesma forma que aqueles que defendem a aplicação da teoria objetiva, entende que incide responsabilidade civil do Estado quando este deixa de agir quando estava obrigado por lei a proceder de determinada forma.
Todavia, a divergência reside quanto à teoria aplicável, pois enquanto para os defensores da teoria objetiva basta a existência de norma legal estabelecendo determinada ação estatal e o seu descumprimento para configuração da responsabilidade do Estado, para Bandeira de Mello há a necessidade de comprovação de que o Estado não agiu, ou melhor, não ter o Estado “incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível” (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p.1032).
Isto é, incumbe ao lesado a comprovação da inação estatal e que caso o estado tivesse agido, seria o suficiente para evitar o dano, por isso a responsabilidade subjetiva dependida pelo autor. Sintetizando essa questão, assim refere o insigne doutrinador segundo Bandeira de Mello (2014, p.1032):
[...] se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o
fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que
normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria,
negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano
não evitado quando, de direito, devia sê-lo. Também não o socorre
eventual incúria em ajustar-se aos padrões devidos
Ademais, Bandeira de Mello faz interessante classificação da omissão estatal
geradora de danos. Para ele, a omissão é condição para o dano e não causa, pois
condição é um evento não ocorrido, mas, se tivesse ocorrido, impediria o resultado, enquanto causa é fator positivo que gera um resultado.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, também adepta da teoria subjetiva nos casos de danos causados por omissão estatal, refere que, segundo esta teoria, o Estado deve responder quando o serviço público não funcione quando deveria funcionar, funcione atrasado ou funcione mal, sendo que somente nas duas primeiras hipóteses há a omissão estatal. Segundo a autora “não há como falar em responsabilidade objetiva em caso de inércia do agente público que tinha o dever de agir e não agiu, sem que para isso houvesse uma razão aceitável” (DI PRIETO, 2010, p.654).
Acerca da culpa presumida lecionada por Bandeira de Mello e Di
Pietro, em que pese pareça equiparar-se à teoria objetiva da responsabilidade
estatal, não é o que ocorre. Isso porque, na teoria objetiva, dispensa-se qualquer
perquirição acerca da culpa, isto é, não se cogita do elemento subjetivo culpa, consistente na imprudência, negligência ou imperícia, situação diversa quando se
trata da culpa presumida verificada na responsabilidade subjetiva, pois aqui, como a
própria denominação diz, há culpa, porém, a prova de sua existência não cabe ao
lesado, uma vez que o elemento subjetivo encontra-se presumido, e presunção,
como cediço, é relativa. Incumbe ao Estado demonstrar sua inexistência e não ao
lesado comprovar sua existência. Havendo necessidade do elemento culpa para a
responsabilidade estatal, seja ela presumida ou não, esta será sempre subjetiva.
Cuidando do tema, Gasparini (2010, p.1119) faz breve referência à responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas, da qual é possível extrair que a responsabilidade aplicável em casos de omissão, para o autor, igualmente, é a subjetiva, pois a configuração da responsabilidade objetiva tem por pressuposto uma atuação do agente público.
Outro não é o entendimento de Cunha Júnior (2011, p.333), que refere a culpa anônima caracterizada pela “faute de service”, in verbis: “a omissão do Estado gera uma responsabilidade subjetiva por culpa anônima, caracterizada pela faute de service. Deve-se, portanto, demonstrar a culpa administrativa ou do serviço (mas não é a culpa ou dolo individual do agente)”.
Também adepto da corrente subjetivista nestes casos, José dos Santos
Carvalho Filho refere que é preciso distinguir se a omissão do Estado constitui fato
gerador da responsabilidade civil, pois nem sempre a conduta omissa retrata um
descaso do Estado em cumprir dever legal e, neste caso, não restará configurada a responsabilidade estatal. Conclui o referido doutrinador da seguinte forma: “A consequência, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa” (CARVALHO FILHO, 2011, p.333).
Por último, impõe-se abordar entendimento de Yussef Said Cahali, que em
brilhante obra que trata da responsabilidade civil do Estado, defende a aplicação da
teoria subjetiva nos casos de responsabilização estatal por omissão.
Percebe-se do ensinamento supra que para o autor há a necessidade de examinar cada caso individualmente, a fim de apurar se a causa do dano sofrido pela vítima decorre da ausência ou deficiência do serviço público, bem como se estas seriam exigíveis. Assim como na doutrina, parte da jurisprudência também tem se posicionado favoravelmente à aplicação da teoria subjetiva nos casos de omissão estatal, em que pese, como já visto, parte dela adote a teoria objetiva, irrestritamente, ou nos casos de omissão específica.
O Supremo Tribunal Federal, em julgamento do Agr. Reg. em Recurso
Extraordinário º 395.942-5/RS, aplicando a teoria subjetiva da responsabilidade
estatal por omissão, afastou a responsabilidade objetiva do Estado que havia sido
reconhecida em primeiro grau de jurisdição. O feito tratava de pedido de indenização
decorrente de morte provocada por foragido do sistema prisional. Segundo voto da
relatora, Min. Ellen Gracie, embora constatada a alegada falta do serviço (faute Du service) não restou demonstrado o nexo de causalidade entre a omissão e o dano
causado.
Como referido no tópico anterior, a jurisprudência majoritária tem se
posicionado pela aplicação da teoria objetiva nos casos em que a vítima da omissão
do Estado esteja sob a custódia deste. Todavia, o Supremo Tribunal Federal já
decidiu de forma diversa, aplicando a responsabilidade subjetiva estatal, em
situação na qual ao detento restou ferido por outro detento, assim restando ementado o acórdão:
EMENTA:
CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO.
CIVIL.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: DETENTO FERIDO POR OUTRO DETENTO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes -- a negligência, a imperícia ou a imprudência -- não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta do serviço -- fauteduservice dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. - Detento ferido por outro detento:responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço,
com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado
deve zelar pela integridade física do preso. IV. - RE conhecido e
provido. (RE 382054, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda
Turma, julgado em 03/08/2004, DJ 01-10-2004 PP-00037 EMENT
VOL-02166-02 PP-00330 RT v. 94, n. 832, 2005, p. 157-164
RJADCOAS v. 62, 2005, p. 38-44 RTJ VOL 00192-01 PP-00356)
(grifo nosso)
A aplicação da teoria subjetiva nos casos de omissão tem sido adotada não
somente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, mas em diversos tribunais de
nosso país, firmando-se pela jurisprudência majoritária. Somente para fins de
demonstração, faz-se sucinta referência à decisão proferida pela Segunda Turma do
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 395-942-5/RS, da 2ª Turma. Agravante: Tânia Machado Pinto. Agravado: Estado do Rio Grande do Sul. Relatora: Min. Ellen Gracie.
Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Resp nº 1.198.534-RS, que também aplicou a responsabilidade subjetiva estatal, uma vez que caracterizada a culpa do estado em acidente envolvendo veículo e animal que se encontrava no meio da rodovia, pois ausente vigilância na pista.
CONCLUSÃO
Após a pesquisa objeto do presente trabalho, pode-se verificar que o instituto
da responsabilidade civil do Estado passou por importantes transformações, e a
cada nova teoria buscou-se sempre favorecer o particular em detrimento do Poder
Público, já que, inicialmente, vigia a irresponsabilidade absoluta do Estado,
passando, logo após a ser possível, em determinadas situações, a responsabilidade
do Estado quando verificada a existência de culpa do agente público na prática de
atos de gestão. Assim, o ônus probatório era conferido à vítima, o que, por muitas
vezes, acabava por impedir a reparação dos danos por ela sofridos, em razão da
dificuldade de produzir provas que demonstrassem a culpa do agente.
Embora a teoria civilista tenha desempenhado um importante papel na
evolução da responsabilidade civil do Estado, porquanto representou a fase inicial
do abandono da teoria da irresponsabilidade estatal, ainda não representava o
anseio da sociedade de um processo célere e justo na busca de reparação por
danos causados pelo Estado. Assim, surgiu a teoria publicista, fundada pelos
princípios do direito público, na qual se estabeleceu três teorias, a da culpa
administrativa, a do risco administrativo e a do risco integral.
A primeira, ainda de caráter subjetivo, avançou em relação à teoria civilista, pois transferiu a análise da culpa do agente para a culpa do serviço, também chamada de falta do serviço, Contudo, esta teoria também imputava à vítima a demonstração do elemento culpa, razão pela qual foi superada pela teoria do risco administrativo, que passou a ser adotada pela doutrina e jurisprudência contemporânea, por ser a teoria que melhor se aproxima da justiça, conferindo caráter objetivo à responsabilização do Estado.
Por intermédio desta teoria, o administrado deixa de suportar o encargo da prova, ocorrendo a inversão do ônus probatório. O Estado somente pode eximir-se de qualquer responsabilidade se comprovar uma das excludentes de ilicitude, o que
não ocorre na teoria do risco integral, que confere responsabilidade absoluta ao
Estado, ainda que presente uma das excludentes, razão pela qual esta última foi
abandona pela doutrina majoritária.
Relativamente à questão central da presente pesquisa, verificou-se que tanto a doutrina como a jurisprudência possuem entendimentos divergentes em relação à aplicação da teoria objetiva ou subjetiva na responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas.
A corrente defensora da aplicação da teoria objetiva fundamenta sua tese na
abrangência, tanto do ato comissivo como do ato omissivo, pela norma
constitucional, não cabendo qualquer interpretação restritiva do texto normativo. Ainda, afirma não se sustentar a tese dos subjetivistas de que a aplicação da teoria
objetiva nos casos de omissão estatal transformaria o Estado em um protetor
universal, pois, como sabido, na responsabilidade objetiva, é permitido ao Estado a
demonstração de alguma das causas excludentes de sua obrigação de reparar o
dano, tais como culpa concorrente ou exclusiva da vítima.
Já para a corrente subjetivista, há a necessidade de comprovação do
elemento culpa para a configuração da responsabilidade civil do Estado, cuja
incumbência é atribuída ao lesado, o que torna o reconhecimento do dever de
indenizar do Estado mais difícil ao administrado, que não dispõe da mesma estrutura
material e pessoal que o Estado possui.
A corrente subjetiva sustenta que o Estado não pode ser responsabilizado por
dano que não causou, pois não tendo ele agido, não pode a ele ser atribuído o dano.
Assim, o Estado somente está obrigado a reparar o dano se restar comprovado que
a omissão foi condição para sua ocorrência, isto é, se tivesse agido, o dano seria
evitado. Porém, como já referido, tal prova deve ser produzida pela vítima.
Assim, a responsabilidade objetiva está presente somente nos casos de omissão específica, ante o dever legal de atuação estatal, enquanto que, nos casos de omissão genérica, a responsabilidade estatal é subjetiva, devendo o lesado demonstrar a culpa do serviço.
Para o Estado a responsabilidade objetiva deve incidir tão somente nos casos de omissão genérica, em que há ordem legal ou mesmo judicial de atuação, e o estado foi inerte, tornando indiscutível a responsabilidade civil do Estado.
REFERÊNCIAS
AGUIAR DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil. 5. ed. Forense: Rio de Janeiro, 2010. V.1, p.233.
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A responsabilidade civil do estado pelo exercício da função jurisdicional no Brasil. Interesse Público. Belo Horizonte: Fórum, ano IX, n. 44, 2009.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.198.534/RS, da 2ª Turma. Recorrente: União. Recorrido: Vera Rosane Araújo Alves Noschang e outros. Relatora: Min. Eliana Calmon. Brasília, 10 de agosto de 2010. Disponível em: Acesso em 19 out. 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 237-561-0/RS, da 1ª Turma. Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: Antônio Carlos Gaggiano Netto e outros. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Brasília, 18 de dezembro de 2001. Disponível em: Acesso em 19 out.
2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário: 109.615/RJ, da 1ª Turma. Recorrente: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Recorrido: Nelma de Castro Dias de Oliveira. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 28 de maio de 1996. Disponível em: Acesso em 17 out. 2014. 166.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 382-054-1/RJ, da 2ª Turma. Recorrente: Jorge Luiz dos Santos. Recorrente: Estado do Rio de Janeiro. Relator: Min. Carlos Velloso. Brasília, 03 de agosto de 2004. Disponível
em: Acesso em 8 nov. 2014.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação cível nº 500812398.2011.404.7102/RS, da 3ª Turma. Apelante/Apelado: Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT. Apelante/Apelado: Rosecler Ruffo Carijo da Silva e Tiago Carijo da Silva. Relator: Des. Carlos Eduardo T. Flores Lenz. Porto Alegre, 16 de janeiro de 2014. Disponível em: Acesso em 19 out. 2014.
CAHALI, Yusseh Said. Responsabilidade civil do estado. 2.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
CUNHA JUNIOR, Dirlyda. Curso de direito administrativo. 10. ed. rev. amp. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2011.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 23. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2010.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentários ao código civil. Vol. 11. 1.Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
JUSTEN FILHO, Marçal. A Responsabilidade do Estado. In; FREITAS, Juarez (org.). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Editora Malheiros, 2010.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2011.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Problemas de Responsabilidade Civil do Estado. In; FREITAS, Juarez (org.). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Editora Malheiros, 2006.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação cível nº 70036134856, da 12ª Câmara Cível. Apelante/Apelado: Rafael Machado Reyes. Apelante/Apelado: Companhia Rio grandense de Saneamento - CORSAN. Relator: Des. Umberto GuaspariSudbrack. Porto Alegre, 10 de novembro de 2014. Disponível em: Acesso em 18 out. 2014.
SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Nexo causal e excludentes da responsabilidade extracontratual do Estado. In; FREITAS, Juarez (org.). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 273.
SARMENTO, George. Responsabilidade civil por omissão administrativa. 30 out 2012. Disponível em Acesso em 8 de nov de 2014..
SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, pp. 153-154.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2. Ed. rev. atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. vol. VI, 3ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2009.
WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade civil das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005.
ZANCANER, Weida. Responsabilidade do Estado, Serviço Público e os Direitos dos Usuários. In; FREITAS, Juarez (org.). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Editora Malheiros, 2006.