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Políticas públicas e inclusão social no Brasil: um olhar sobre a educação superior

Agenda 14/06/2016 às 15:57

Diante da expansão do ensino superior brasileiro e da insuficiência da oferta de vagas em instituições públicas o governo tem se voltado para a implementação e expansão das políticas públicas de acesso ao ensino superior privado, visando a inclusão social.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

            A desigualdade apresenta-se como característica marcante na estrutura social brasileira ao longo dos anos configurando-se em um fenômeno complexo que tem impactos diversos, em especial sobre a condição de pobreza relacionada à precariedade do acesso à educação.  Dessa forma, o direito social à educação garantido pela Constituição Federal de 1988 torna-se prejudicado, gerando exclusão e vulnerabilidade a condições ínfimas de mobilidade social.

            Nesse sentido, a busca de alternativas de redução das desigualdades historicamente construídas no Brasil, tem passado pelas políticas públicas que propõem o acesso ao ensino superior privado pelas camadas populares a fim de promover a democratização neste nível de ensino e a amplitude de oportunidades de mobilidade na estrutura social posta.

            Desde meados dos anos 1990, o Estado vem incentivando e criando facilidades para a abertura e expansão de instituições de ensino superior (IES) privadas. Diante da insuficiência de vagas no ensino público e da exigência cada vez mais expressiva por mão de obra qualificada para atuar no mercado capitalista, a procura por instituições particulares aumentou.

A educação assume o papel preventivo e paliativo da exclusão. Preventivo no sentido de promover uma exigência de equidade, onde todos tenham ensino de qualidade, aspecto que evitaria a reprodução do ciclo de exclusão social, no qual as camadas com situação socioeconômica precária estão excluídas da economia formal, fazendo com que tenham poucas oportunidades de superar sua situação reproduzindo o ciclo que a exclui. A inclusão social na educação superior possibilita a redução das discriminações relacionadas às diferenças de renda e socioculturais, diferenças que podem se converter em causas da exclusão (BRASIL, 2007).

A partir das considerações expostas, para fins de uma análise criteriosa do tema em questão, é pertinente problematizar: As políticas públicas no Brasil possibilitam a inclusão social por meio do acesso à educação superior?

Este estudo tem como objetivo analisar as políticas públicas como meio para a inclusão social no Brasil através do acesso ao ensino superior. Propõe-se compreender o processo recente de democratização do acesso à educação superior no Brasil a partir das políticas públicas voltadas à inclusão de setores sociais que não tinham acesso ou condição de permanecer na universidade, em especial por meio dos Programas Universidade para Todos (ProUni) e Financiamento Estudantil (FIES).

 Metodologicamente, utilizou-se como método de abordagem o método hipotético-dedutivo, que parte “[...] das generalizações, do todo, de leis abrangentes, para casos concretos, partes da classe que já se encontram na generalização.” (LAKATOS; MARCONI,  2004). Este método identifica os problemas existentes e as possíveis teorias onde serão analisados para encontrar soluções mais justas e plausíveis com a realidade. Dessa forma, o método torna-se adequado para a abordagem do tema proposto, uma vez que permitirá analisar as políticas públicas como possibilidade de igualdade social por meio do acesso à educação superior no Brasil.

Como técnica de pesquisa adotou-se a documentação indireta por meio da pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica baseia-se na coleta de publicações diversas acerca de um determinado tema. Constituíram-se em fontes de pesquisa livros, artigos científicos, dissertações e legislação pátria, destacando-se as contribuições teóricas de Schmidt (2008), Piketty (2014), Reis e Leal (2008), dentre outros.

Além desta primeira seção introdutória este artigo está estruturado em quatro seções. Na segunda seção serão abordados aspectos conceituais acerca das políticas públicas para a compreensão e definição deste termo ao longo do estudo desenvolvido; na terceira seção analisar-se-á o direito social à educação no Brasil e sua relevância para o direcionamento das políticas públicas educacionais no cenário brasileiro; a quarta seção tem como foco as políticas públicas para a educação superior no país e sua relação com o capital social, bem como as possibilidades que estas trazem de inclusão social e, por fim, a quinta seção apresenta as considerações finais do estudo.

No âmbito social faz-se necessária a propagação de pesquisas que visem a investigação das políticas públicas postas, uma vez que estes processos investigativos podem revelar as fragilidades das atuais políticas e apresentar propostas para a melhoria das mesmas, de maneira que a inclusão social concretize-se como fundamento maior dos programas implementados pelo poder público.

2 POLÍTICAS PÚBLICAS: ASPECTOS CONCEITUAIS

As pesquisas abordando as políticas públicas são crescentes, no entanto, faz-se necessário especificar a concepção de políticas públicas que se adota em cada estudo, tendo em vista que este termo apresenta-se pouco definido em virtude de sua ampla utilização.

O conceito de política pública remete a questões coletivas, relacionadas a metas e encaminhamento de soluções para resolver problemas sociais nas mais diversas áreas. Não existe uma única definição sobre política pública. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo a partir das questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo sentido: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como o que o governo escolhe fazer ou não fazer. Laswell (1958) concebe que decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz.

O Ministério da Saúde apresenta um conceito de políticas públicas relevante para a compreensão destas ações:

Políticas públicas configuram decisões de caráter geral que apontam rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, reduzindo os efeitos da descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população e aos formadores de opinião as intenções do governo no planejamento de programas, projetos e atividades (BRASIL, 2006, p. 09).

O conceito exposto acima cita aspectos importantes na concepção de políticas públicas, dentre eles a descontinuidade administrativa ocorrida em virtude da mudança periódica dos governantes. Esta mudança é positiva na medida em que permite melhorias e avanços, no entanto, a descontinuidade também pode levar à criação de novas diretrizes, distintas ou até mesmo contraditórias em relação às anteriores, gerando desperdício de recursos financeiros. Ademais, ressalte-se que a definição apresentada pelo Ministério da Saúde expõe as políticas públicas como meio de participação dos cidadãos, uma vez que estes passam a conhecer as intenções do governo, podendo então apoiá-las, conhecer sua implementação ou até mesmo opor-se à sua execução (SCHMIDT, 2008).

Estudiosos em políticas públicas aduzem que estas seguem um ciclo composto por cinco fases: percepção e definição de problemas; inserção na agenda política, formulação; implementação e avaliação. Embora alguns críticos discordem da análise das políticas por meio desse ciclo, Parsons (2005) entende que a divisão em fases é uma forma didática para analisar o processo das políticas.

A primeira fase constitui-se na percepção e definição de problemas, ou seja, transformar uma situação de dificuldade em problema político com a finalidade de gerar uma política pública. Na segunda fase tem-se a inserção na agenda política, que refere-se ao rol de questões relevantes debatidas pelos agentes políticos e sociais, em cada período histórico a agenda política integra questões novas, vinculadas ao surgimentos de novos fenômenos e acontecimentos.

A formulação da política pública é a terceira fase do ciclo. Trata-se do momento de definir a maneira de solucionar o problema político em questão, escolhendo-se alternativas a serem adotadas e processadas no Legislativo e Executivo a partir da inclusão de diretrizes, objetivos, metas e atribuição de responsabilidades. A quarta fase é a implementação, ou seja, a concretização da formulação por meio de atividades que materializam as diretrizes, programas e projetos.

A quinta e última fase do ciclo de análise das políticas públicas é a avaliação destas. Segundo Schmidt (2008) a avaliação de uma política consiste no estudo dos êxitos e das falhas do processo de implementação. Ela proporciona um feedback e pode orientar a continuidade ou a mudança da política, podendo ser realizada pelas próprias agências e por encarregados da implementação ou órgãos independentes.

A partir da análise das fases das políticas públicas concebe-se que qualquer fenômeno está inserido em um conjunto complexo de fatores e, essa complexidade impõe uma contribuição interdisciplinar para dar conta da análise das políticas. Nesse sentido, a abordagem sistêmica idealizada por Easton (1963) tem sido adotada na conexão entre política e políticas públicas.

Easton (1963 apud Schmidt, 2008) considera que, dentro de um sistema político, as políticas públicas são produtos e resultados. As políticas públicas originam-se do contexto sócio-político que cerca o sistema político. Esse contexto gera demandas e apoios ao sistema político. O sistema processa estas demandas através de suas instituições específicas do Estado, gerando decisões e políticas, que não são o fim do processo, pois há um processo de retroalimentação, constituindo-se novas demandas que levam a novos resultados e assim indefinidamente.

Assim, os ciclos das políticas públicas são processos dinâmicos, cabendo ao analista destas políticas acompanhar a relação entre os poderes, a relação dos poderes com as forças da sociedade civil e as que acontecem entre as próprias forças sociais, tendo em vista que considerar estas relações é aspecto fundamental nos resultados das políticas públicas.

As políticas públicas tem se constituído como oportunidades para melhorar os serviços públicos e expandir a participação cidadã.  De acordo com Cunha e Costa (2003) tais políticas são criadas como uma resposta do Estado, na pessoa de seus entes públicos, às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior, sendo expressão do compromisso público de atuação numa determinada área em longo prazo.

Ainda conforme Cunha e Costa (2003, p. 15):

O processo de formulação de uma política envolve a identificação dos diversos atores e dos diferentes interesses que permeiam a luta por inclusão de determinada questão na agenda pública e, posteriormente, a sua regulamentação como política pública. Assim pode-se perceber a mobilização de grupos representantes da sociedade civil e do Estado que discutem e fundamentam suas argumentações, no sentido de regulamentar direitos sociais e formular uma política pública que expresse os interesses e as necessidades de todos os envolvidos.

            A análise das políticas públicas traz importantes contribuições para a compreensão do funcionamento das instituições políticas e de como estas lidam com as complexidades da realidade social na atualidade. Dentre as situações problemáticas vivenciadas ao longo dos anos pela sociedade brasileira destaca-se o acesso à educação. Como direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 o direito à educação tem norteado a formulação de políticas públicas visando a democratização do acesso e a construção da inclusão social por meio da materialização deste direito.

3  O DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO COMO REFERÊNCIA PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

A educação é um direito primordial para o exercício dos demais direitos. Segundo Freire (1996) a educação relaciona-se a um processo de libertação que tem seu início naqueles que são oprimidos socialmente. Assim, a educação está ligada à formação da consciência popular para a existência da democracia, impulsionando o cidadão à responsabilidade social e à integração deste no desenvolvimento econômico da nação. O processo de desenvolvimento é resultado da consciência crítica e deve ser alvo de reflexão e ação por parte do homem. Tal consciência pode ser aplicada na medida em que os problemas da sociedade são compreendidos pelo mesmo por meio da educação que recebe.

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A educação escolar brasileira é herdeira direta do sistema discriminatório da sociedade escravagista sob dominação imperial. Na sociedade imperial e nas primeiras décadas da República,  a educação tinha duas características principais: o ensino superior voltado para a formação das elites e o ensino profissional oferecido nas escolas agrícolas e nas escolas de aprendizes-artífices, destinado à formação da força de trabalho. Nesse contexto a maior parte da população permanecia sem acesso a escolas de qualquer tipo (CUNHA, 2007).

A educação é processo fundamental para que o ser humano possa obter as condições mínimas de sobrevivência com dignidade em uma sociedade pluralista edificada em uma cultura de exclusão social. O desafio da educação consiste na busca e manutenção de estratégias para uma organização social de convivência mais justa e pacífica, transmitindo conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana.

Desde a consolidação do direito à educação no rol de direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988 a educação vem sendo repensada a partir dos embates político-sociais marcados pela luta em prol da ampliação, laicidade, gratuidade, obrigatoriedade, universalização do acesso, gestão democrática, ampliação da jornada e garantia de padrão de qualidade em todos os níveis.

A Constituição Federal enuncia a educação como direito de todos, dever do Estado e da família, com a tríplice função de garantir a realização plena do ser humano, inseri-lo no contexto do Estado Democrático e qualificá-lo para o mundo do trabalho. A educação representa tanto um mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo, como da própria sociedade em que ele se insere. A atuação do Estado no campo educacional é necessária para a igualdade no acesso à formação, com o compromisso de desenvolver mecanismos para possibilitar este acesso. Nesse contexto, o Estado compromete-se com a educação superior, visando concretizar a isonomia constitucional.

A educação como direito social se contrapõe a ideia de educação como mercadoria, ou seja, aquela que beneficia apenas aos que podem pagar. Se não compreendida como bem público, a educação atenderá a determinados indivíduos e aos seus interesses exclusivos, jamais será compromissada com a sociedade. A qualidade tem uma irrecusável dimensão social e pública. O correlativo da ideia de educação como bem público e direito social é dever do Estado de garantir amplas possibilidades de oferta de educação de qualidade a todas as camadas sociais (DIAS SOBRINHO, 2009).

A despeito dos desafios que ainda devem ser enfrentados, tendo em vista a plena democratização do acesso, permanência e sucesso, o sistema educacional superior brasileiro, a partir dos últimos anos do século XX, passou a experimentar uma ampliação do número de vagas. Saviani (2004) destaca ter havido significativo avanço das matrículas, a democratização do ponto de vista quantitativo, que necessita de medidas que venham sanar deficiências dessa expansão, pois não basta abrir as portas das instituições de ensino superior. É preciso que os que conseguem ingresso possam permanecer até concluir os estudos a que aspiram e para os quais têm capacidade.

O acesso é, certamente, a porta inicial para a democratização, mas torna-se necessário, também, garantir que todos os que ingressam na instituição superior tenham condições de nela permanecer, com sucesso. Assim, a democratização da educação faz-se com acesso e permanência de todos no processo educativo, dentro do qual o sucesso é reflexo da qualidade.

O estudo das políticas públicas é essencial no que tange à educação, tendo em vista sua relação com as atividades fundamentais do Estado. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6º indica a educação como direito social, inserido dentre os direitos e garantias fundamentais. A análise do direito à educação por meio das políticas públicas voltadas a ela é imanente à sua condição de elemento indispensável ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e à concreção da própria cidadania (BRASIL, 1988).

            Parte-se do pressuposto de que a educação é fundamento de uma sociedade estruturada e determinada historicamente, dessa forma, torna-se imprescindível compreendê-la como foco de políticas públicas, uma vez que:

As políticas públicas [...] são formuladas num processo contraditório e complexo, pois envolvem interesses de vários segmentos que desejam garantir direitos, especialmente aqueles vinculados às necessidades básicas dos cidadãos, como educação, saúde, assistência e previdência social. Dependendo da correlação de forças dos representantes desses segmentos essas políticas podem intensificar seu caráter “público”, isto é, atender as necessidades de quase todos, da coletividade, acima dos interesses privados, de determinados grupos no poder. É o Estado em ação (MOROSINI; BITTAR, 2006, p. 165).

Ao longo da história da educação no Brasil o estado tem efetivamente praticado uma série de medidas de incentivo a educação superior, não obstante o fato da existência de  grandes  desafios  a  serem  enfrentados  em  termos  de  quantidade  de alunos a serem formados no ensino superior com qualidade.

4 POLÍTICAS PÚBLICAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: CAPITAL SOCIAL E INCLUSÃO

Na atualidade, evidencia-se o objetivo das instituições educativas e das despesas públicas em educação de possibilitar certa mobilidade social. O objetivo reivindicado é que todos possam ter acesso à formação como meio de fomentar a inclusão social.

A inclusão social relaciona-se às iniciativas empreendidas pelo Estado e pela sociedade civil para enfrentar os processos de exclusão nas suas diversas esferas (social, econômica, política e cultural), de modo a tornar possível a todos ou ao maior número os benefícios que a sociedade possibilita apenas a certos segmentos (SCHMIDT, 2008).

Historicamente, a sociedade brasileira caracterizou-se pela predominância das camadas sociais mais altas no acesso à educação superior privada, ganhando destaque as políticas públicas desenvolvidas neste contexto com a finalidade de promover a inclusão de grupos até então excluídos deste nível do ensino, tendo em vista que no plano das políticas públicas, um dos debates centrais é o potencial de inclusão das políticas sociais e sua relação com as políticas intereconômicas adotadas no contexto da globalização.

Para analisar as políticas públicas de inclusão social no ensino superior brasileiro e sua relação com o capital social e a inclusão, faz-se necessário proceder a uma breve incursão histórica nesse contexto educacional, no sentido de identificar alguns marcos significativos.

A educação superior no Brasil era direcionada aos filhos de famílias de classe alta, que compunham a elite social e econômica. No Brasil Colônia, os jovens eram enviados para estudar nas universidades europeias, enquanto alguns jovens de classe social menos favorecida alcançavam este intento por meio do apoio da Igreja, pelo ingresso na vida religiosa (TRINDADE, 1998).

Com a chegada da corte real portuguesa ao Brasil, em 1808, criam-se as primeiras escolas isoladas de educação superior no país com a finalidade de formar profissionais que atendessem às necessidades da burocracia do Estado. Durante mais de um século o Brasil esteve fora dos debates acerca do novo projeto de universidade empreendido pelos países europeus. Somente em 1920 foi criada a primeira universidade do país, a Universidade do Rio de Janeiro com os cursos de Medicina e Direito. Mais tarde, em 1927, cria-se a Universidade Federal de Minas Gerais trazendo os cursos de Engenharia, Farmácia, Odontologia e também Medicina e Direito (CUNHA, 2007).

No contexto da Revolução de 1930 foram registrados dois projetos de universidades: a Universidade de São Paulo (USP), em 1934, e o da Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1935. Na UDF a ideia de alguns gestores e docentes era a criação de uma instituição autônoma, responsável pela formação de sujeitos críticos, no entanto, em virtude de pressões dos segmentos conservadores da sociedade, como a Igreja e o próprio Estado, estas ideias não se consolidaram (SGUISSARDI, 2004).

No início da década de 1960, diante do crescimento expressivo do número de instituições de ensino superior (IES), as correntes intelectualistas brasileiras em parceria com os estudantes discutem uma nova proposta de universidade para o país. Nesse âmbito, foi criada a Universidade de Brasília (UnB), em 1962, trazendo a ideia de associação entre ensino e pesquisa.  Em 1964, com o golpe militar, os idealizadores da UnB foram demitidos e muitos obrigados a exilarem-se no exterior por terem suas ideias consideradas subversivas (CUNHA, 2007).

Ainda na década de 1960, mobilização da União Nacional dos Estudantes (UNE), defendia uma reforma universitária que promovesse a democratização do acesso ao ensino superior por meio da ampliação do número de vagas. Assim como no caso da UnB, também alguns estudantes foram exilados, detidos e torturados sob a acusação de conspirarem contra o novo regime do Brasil. Em 1968, o governo militar implanta a Reforma Universitária, por meio da Lei n° 5.540, que impunha diretrizes à produção do conhecimento e ao processo de pesquisa a serem realizados pelas universidades brasileiras. 

A expansão da educação superior foi acentuada a partir da década de 1990 com a promulgação da Lei n° 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), em consonância com o caráter neoliberal assumido pelo Estado. Diante da insuficiência de vagas no ensino público e da exigência cada vez mais expressiva por mão de obra qualificada para atuar no mercado capitalista, a procura por IES particulares aumentou.

Nesse contexto, passou-se a discutir acerca da ampliação das oportunidades de acesso de camadas populares ao ensino superior privado. As políticas públicas de acesso ao ensino superior visando a inclusão social tratam-se de medidas compensatórias, visando equilibrar o acesso aos bens sociais, levando-se em consideração o princípio da igualdade na escolaridade, bem como na inserção profissional mais qualificada (CURY, 2005).

Nas últimas décadas as políticas em torno da democratização do acesso à educação superior ganharam destaque, principalmente em virtude da relevância do espaço acadêmico diante das novas necessidades da sociedade capitalista. Como espaço complexo que envolve desde relações sociais ao desenvolvimento técnico-científico, às instituições de ensino superior atribuiu-se a função de formar o homem para o mundo do trabalho e para a própria sociedade. Nesse âmbito, as primeiras políticas públicas de acesso à educação superior no Brasil foram implantadas a partir das universidades públicas, como forma de estabelecer igualdade de direitos e oportunidades visando a redução das desigualdades socioeconômicas no país.

As primeiras iniciativas no contexto da educação superior constituíam-se em ações reparadoras, uma tentativa para amenizar as desigualdades sofridas por segmentos socialmente e historicamente discriminados. Nesse sentido, estruturaram-se as políticas de quotas, reservando determinada porcentagem de vagas nas instituições a candidatos negros, de baixa renda ou egressos de escolas públicas. Considerando a influência desses fatores na formulação de políticas públicas voltadas para a inclusão social nas universidades, observa-se que o papel das instituições de ensino apresenta-se além da ampliação do acesso, mas, sobretudo, à função de promotoras da democracia e facilitadoras da mobilidade social.

A igualdade de oportunidades no ensino superior é um desafio central para o Estado social no século XXI. Segundo Schmidt (2008) a  pobreza é o maior dos flagelos que a humanidade enfrenta no início do novo milênio. Flagelo de enorme magnitude e complexidade, associada à exclusão e desigualdade social ela se manifesta em todos os continentes, mas com rigor extremo na África, Ásia e América Latina. Essa situação deve-se em grande parte à desigualdade de oportunidades no acesso à educação superior, que possibilitaria a inclusão social.

A relação entre desigualdade e capital social é um aspecto bastante destacado nos estudos sobre exclusão social. Esta relação verifica-se de diversas formas, por exemplo, quando há grande distância entre ricos e pobres. Os pobres vivem segmentados, em locais afastados do local de moradia da classe média e rica, estudam em escolas separadas, divertem-se em espaços distintos e frequentam comunidades religiosas específicas.

O capital social segundo Schmidt (2008, p. 1760) diz respeito ao: “Conjunto de redes, relações e normas que facilitam ações coordenadas na resolução de problemas coletivos e que proporcionam recursos que habilitam os participantes a acessarem bens, serviços e outras formas de capital”. Em sociedades marcadas pela desigualdade, como o Brasil, o capital social negativo está articulado a variadas modalidades de discriminação e preconceito – de gênero, étnica, religiosa, cultural, política e socioeconômica.

Os estudantes de classes menos favorecidas foram, durante muitos anos, alijados de instituições superiores privadas onde existe confiança interpessoal entre os “iguais”, em que há múltiplas formas de cooperação e reciprocidade, mas apenas entre os indivíduos “de bem” ou de “mesmo nível”. Nesse contexto, foram implementadas políticas públicas que visam à redução das desigualdades sociais e a busca pela equidade no acesso ao ensino superior brasileiro.

O objetivo das políticas públicas de inclusão social na educação superior deve ser a formação de uma comunidade cívica que une alto grau de tolerância e elevado capital social, onde se respeite o direito à diferença e as robustas formas de interação e cooperação comunitária não se restringem a indivíduos que possuem as mesmas características, mas incluem indivíduos diversos sob o ponto de vista étnico, cultural, religioso, social e político.

O tipo de capital social necessário para a efetividade destas políticas é o capital bridging, presente nas relações entre indivíduos não tão próximos, nem tão vinculados. É a multiplicação de laços entre grupos sociais diversos e com características diferentes que constitui o ambiente apropriado para o desenvolvimento, a democracia e a inclusão social. A criação desse capital social numa perspectiva de desenvolvimento leva a constituição de políticas públicas que tornem as instituições de ensino superior espaços que reúnam estudantes de diferentes classes sociais favorecendo a criação de laços bridging, tanto entre alunos como dos alunos com os pais e professores, ao proporcionar pontos de coincidência entre eles (SCHMIDT, 2008).

No estabelecimento de políticas públicas que visam a inclusão social na educação superior a partir do capital social, o empoderamento das populações marginalizadas é elemento central. Em razão das múltiplas barreiras sociais que lhes são impostas, os pobres tem extrema dificuldade de ver-se como atores capazes de exercer alguma influência real no seu ambiente social e na esfera política. O empoderamento consiste numa transformação atitudinal de grupos sociais desfavorecidos que os capacita “para a articulação de interesses, a participação comunitária e lhes facilita o acesso e controle de recursos disponíveis, a fim de que possam levar uma vida autodeterminada, auto-responsável e participar do processo político” (BAQUERO, 2005, p.39).

No seu alcance mais amplo, este empoderamento resulta na criação das condições que habilitam os pobres à conquista dos direitos de cidadania. Com isto, expandem-se as possibilidades de ampliação das políticas de equidade na oferta educacional do ensino superior no Brasil.

Dessa forma, fez-se necessário a elaboração de políticas públicas que promovessem o financiamento de maneira a custear estudantes de baixa renda em IES privadas. Dentre as políticas que têm o foco no acesso ao ensino superior, destacam-se o Programa de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade para Todos (ProUni). Voltados para a população de baixa renda, estes programas são considerados políticas inclusivas e compensatórias.

O FIES foi criado com a finalidade de financiar os estudos no ensino superior privado de alunos sem condições de arcar com os custos de sua formação, que estivessem devidamente matriculados em IES privadas cadastradas no programa e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo MEC. O Fundo é mantido em conta única do Tesouro Nacional e tem suas receitas oriundas de loterias da Caixa Econômica Federal. O Ministério da Educação (MEC) é órgão regulador deste financiamento intervindo sobre as regras de seleção, bem como sobre suspensões temporárias, encerramento de contratos e exigências do desempenho acadêmico (BRASIL, 2014).

O critério de seleção é socioeconômico e as mensalidades podem ser financiadas de 50% a 100%. Podem solicitar o financiamento os estudantes de cursos presenciais de graduação não gratuitos com avaliação positiva no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), oferecidos por instituições de ensino superior participantes do Programa, e que atendam as demais exigências estabelecidas nas normas do FIES para essa finalidade. Ao final do curso, um estudante que financiou todo o curso com duração de 4 anos, tem 18 meses após a conclusão do curso para começar a pagar o financiamento, o estudante pagará, a cada três meses, o valor máximo de R$ 50,00. Ao final da carência, o saldo devedor do estudante será dividido em até 13 anos (BRASIL, 2014).

O FIES tem registrado participação cada vez maior das IES e dos estudantes do país. No entanto, o FIES não consegue absorver a demanda e sequer atinge 10% do total de alunos matriculados no setor privado. Mesmo assim, as análises centradas no FIES devem levar em consideração os eixos que passaram a nortear as políticas públicas a partir de meados da década de 90, principalmente a ideia de focalização (BRASIL, 2012).

Por meio da Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005, criou-se o Programa Universidade para Todos (ProUni). O ProUni tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior e oferece, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas instituições de ensino que aderem ao Programa (BRASIL, 2005).

Dirigido aos estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsistas integrais, com renda per capita familiar máxima de três salários mínimos, o ProUni conta com um sistema de seleção que confere transparência e segurança ao processo. Os candidatos são selecionados pelas notas obtidas no ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio conjugando-se, desse modo, inclusão à qualidade e mérito dos estudantes com melhores desempenhos acadêmicos (BRASIL, 2005).

Com o desenvolvimento do ProUni a educação superior pode tornar-se espaço privilegiado de redução das desigualdades sociais. O maior acesso dos alunos das classes populares a esse nível de ensino, resultantes dos benefícios do ProUni, também contribuirá para a formação de cidadãos mais preparados para atuar no mercado de trabalho.

As políticas públicas atualmente desenvolvidas pelo poder público no sentido de promover a inclusão social no meio acadêmico precisam ser constantemente avaliadas e revistas. De acordo com Costa e Castanhar (2003), a avaliação sistemática, contínua e eficaz de programas pode ser um instrumento fundamental para se alcançar melhores resultados e proporcionar uma melhor utilização e controle dos recursos neles aplicados, além de fornecer aos formuladores de políticas sociais e aos gestores de programas, dados importantes para o desenho de políticas mais consistentes e para a gestão pública mais eficaz.

A inclusão de grupos historicamente excluídos do ensino superior contribui para amenizar a desigualdade no acesso a este âmbito do ensino, bem como possibilita a convivência entre estudantes de classes sociais diferentes, colaborando para a redução da discriminação, com a geração de novas referências para a sociedade. No entanto, ainda que as políticas públicas tenham sido expandidas visando garantir a inclusão no ensino superior, precisam ser continuamente melhoradas para resolver totalmente os problemas de acesso e qualidade no sistema de educação superior brasileiro (OLIVEIRA et al, 2008).

As políticas públicas voltadas para a inclusão social no ensino superior brasileiro visam conceber o estudante como cidadão, em pleno gozo de seus direitos sociais, participativo social e politicamente. Isto é, a inclusão social é caracterizada pelo exercício da cidadania plena ou emancipatória, pela participação social, política e cultural, além do acesso aos direitos básicos. Nesse sentido, “[...] a efetivação de uma política pública voltada à inclusão social no ensino superior implica a garantia do acesso e permanência do aluno, a equidade de oportunidades e a efetivação da democratização do espaço escolar” (FACEIRA, 2004, p.16). 

O ProUni e o FIES precisam ser continuamente avaliados visando melhorias para a permanência dos alunos beneficiados no ensino superior. Contudo, muitos são os benefícios destas políticas ao possibilitar o ingresso no ensino superior, concedendo oportunidades à indivíduos que antes não teriam qualquer possibilidade de formarem-se em uma instituição privada. Dessa forma, o ciclo da exclusão pode ser quebrado e os alunos tem a chance de transformar sua própria realidade por meio de uma profissão, uma renda mais digna e pelo resgate da cidadania. Consiste em uma oportunidade de mobilidade social para aqueles social e historicamente discriminados.

Dessa forma, as políticas públicas de inclusão social na educação superior tem como base a consolidação do Estado social, colocando o homem como destinatário dos avanços da ciência, alargando a proteção ao ser humano e, ao mesmo tempo, impondo limites àqueles que fazem do progresso científico instrumento de opressão, de lucro fácil, de monopolização do saber ou de reserva de sua utilização.

A educação superior como espaço de inclusão social propõe pensar a diferença como uma marca humana, presente em todas as situações sociais e, consequentemente, em todas as salas de aula, nas diversas modalidades de ensino e realidades socioculturais.De acordo com Mantoan (2006, p. 192): “As diferenças são produzidas e não devem ser naturalizadas, como pensamos habitualmente. Essa produção é sustentada por relações de poder e merece ser compreendida, questionada e não apenas respeitada e tolerada”.

Busca-se, assim, uma posição ativa do Estado por meio de políticas públicas que garantam aos estudantes de classes populares o amplo acesso no campo da educação superior privada possibilitando a inclusão social destes. Para tanto, a avaliação constante destas políticas faz-se imprescindível diante das adaptações necessárias de acordo com a realidade dos estudantes beneficiados. Arelaro (2003, p. 13-14), apresenta alguns critérios para a avaliação destas políticas:

A avaliação do “sucesso” da implementação de políticas públicas na área da Educação tem, como critério científico e político, a efetivação de três condições educacionais: 1) a democratização do acesso e da permanência dos alunos – criança, jovem e adulto – na escola, traduzida em números, tendo como referência o atendimento de todos (as), uma vez que esta variável traduz, de forma objetiva, a efetivação do direito social à Educação; 2) a qualidade de ensino adotada pelo sistema educacional como uma variável da permanência, pois se o ensino e a escola forem considerados pelo aluno “(des)qualificados”, ele ali não permanece. É importante considerar, no entanto, que a categoria “qualidade” traduz um conceito histórico-social, não havendo, científica e pedagogicamente, uma “qualidade” em si, ou seja, não existe uma “escola de qualidade” independentemente do contexto social e histórico em que está inserida; 3) gestão democrática da educação: esta diretriz de avaliação é polêmica, porém quero sustentar que ela é o eixo norteador que, nas políticas públicas, pode nos permitir conceituar e identificar a “boa escola” e a escola para e de todos. É esta variável que dá a mais socialmente justa condição de avaliação da qualidade do acesso e da permanência das crianças, jovens e adultos nas escolas. E, sem dúvida, é ela também que nos divide, hoje, em grupos de concepções político-educacionais distintas.

A educação superior precisa oferecer condições para que os cidadãos tenham oportunidade de formação intelectual e assim possam agir como sujeitos atuantes socialmente e não oprimidos sob o jugo das desigualdades social e historicamente construídas. A atualização das políticas públicas, assim como a elaboração de novas políticas, deve passar, portanto, pelo prisma da inclusão social a fim de que se possa ter a garantia de que estão sendo adotas medidas eficazes para conviver-se em sociedade de forma harmônica e igualitária diante dos desafios da diversidade humana.

 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do problema de pesquisa posto e das reflexões realizadas por meio da presente pesquisa pode-se afirmar que as políticas públicas no Brasil possibilitam a inclusão social por meio do acesso à educação superior. Embora exista a necessidade de melhorias no sentido de promover a permanência dos alunos neste nível do ensino, constata-se que as políticas até então desenvolvidas pelo governo tem sido eficazes na construção da inclusão social.

As fragilidades das políticas públicas para o acesso à educação superior até então desenvolvidas são oportunidades de crescimento e inovação. A constatação da insuficiência das medidas vigentes para enfrentar a exclusão facilita um maior interesse por enfoques inovadores e melhorias constantes nestas políticas.

A inclusão social é um objetivo complexo, mas possível a partir das mudanças estruturais na economia e no sistema político, associadas a transformações culturais e nas relações sociais. A redução das desigualdades, o enfrentamento da pobreza, a viabilização do desenvolvimento são desafios que requerem ações constantes tendo em vista que no terreno social e político se estabelecem os vínculos entre exclusão social e capital social.

O capital social é um fator determinante do desenvolvimento econômico e social e da democracia devendo ser utilizado para a finalidade da inclusão social. Nesse caso, com políticas sociais efetivas e iniciativas complementares da sociedade civil, inspiradas no capital social, a erradicação da pobreza é um objetivo alcançável.

As políticas públicas para o acesso à educação superior no Brasil tem a finalidade de proporcionar igualdade de condições para grupos socialmente marginalizados, configurando-se como parte de ações para efetivação dos direitos sociais e são resultado de um processo de conquistas sociais de grupos desfavorecidos. A garantia do acesso não é suficiente para a inserção no ensino superior. A permanência com qualidade precisa ser pensada para que de fato o direito à educação superior seja assegurado. No entanto, as políticas públicas em vigor tem adotado o reconhecimento do direito à diversidade, possibilitando o ingresso de grupos que não conseguiriam o acesso ao ensino superior privado sem as ações das políticas desenvolvidas pelo governo.

Assim, as lutas pela expansão do direito de acesso visando a inclusão social e as análises sobre as políticas adotadas neste sentido demonstram a relevância do debate e a necessidade de intervenções para provocar mudanças no quadro das desigualdades sociais.

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Sobre o autor
João Deusdete de Carvalho

Advogado e Economista, Procurador Público, Professor Assistente da URCA/CE, Estudou pós-graduação em Direito Processual Civil pela UFPI e, Pós-graduação em Planejamento pela FAO, Estudou Mestrado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.

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