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Efeitos jurídicos dos atos nulos e conversão do negócio jurídico

Agenda 15/06/2016 às 17:25

Possibilidade jurídica de aproveitamento de um negócio jurídico nulo.

1. INTRODUÇÃO

O Direito Brasileiro, buscando dar maior efetividade aos negócios jurídicos, conferiu a possibilidade de produção de alguns efeitos jurídicos mesmo aos negócios jurídicos nulos e anuláveis, excepcionando-se a regra de não produção de efeitos aos atos inválidos.

É o caso, por exemplo, do casamento putativo, que será estudado neste trabalho, em que ocorre a produção de efeitos jurídicos para àquele cônjuge que casou de boa-fé, ou seja, sem saber do vício existente.

Os atos eivados de algum vício, principalmente nos casos classificados como de nulidade absoluta, por certo provocam a falsa compreensão de que serão desprovidos de quaisquer efeitos jurídicos. Entretanto, a legislação brasileira, principalmente o Código Civil de 2002, Lei nº 10.406/2002, traz diversos casos em que, apesar do vício, o negócio jurídico produzirá efeitos jurídicos.

2. EFEITOS JURÍDICOS DOS ATOS NULOS

Os negócios jurídicos que sejam considerados nulos, podem sim gerar efeitos jurídicos, entretanto, como exceção à regra de que somente os atos válidos produzem efeitos jurídicos.

O negócio jurídico nulo poderá gerar efeitos com o objetivo de se resguardar a boa-fé objetiva. É o caso, por exemplo, do casamento putativo.

O autor Carlos Roberto Gonçalves conceitua o casamento putativo como:

Casamento putativo, segundo se depreende do art. 1.561 do Código Civil, é o que, embora “anulável ou mesmo nulo”, foi contraído de “boa-fé” por um ou por ambos os cônjuges. Boa-fé, no caso, significa ignorância da existência de impedimentos dirimentes à união conjugal[1].

(Grifo nosso).

O casamento putativo, mesmo que importe em nulidade absoluta, produzirá efeitos jurídicos para o cônjuge de boa-fé. Assim, se o cônjuge de boa-fé foi emancipado pelo casamento, permanecerá emancipado. Esclarece a doutrina:

Quanto aos cônjuges, os efeitos pessoais são os de qualquer casamento válido. Findam, entretanto, na data do trânsito em julgado. Cessam, assim, os deveres matrimoniais impostos no art. 1.566 do Código Civil (fidelidade, vida em comum, mútua assistência etc.), mas não, porém, aqueles efeitos que geram situações ou estados que tenham por pressuposto a inalterabilidade, como a maioridade, que fica antecipada pela emancipação do cônjuge inocente de modo irreversível[2].

(Grifo nosso).

                       

Por vezes, o negócio jurídico nulo não produzirá efeitos por si só, mas precisará ser convertido em outro. Essa conversão se dará nos moldes do art. 170 do CC/02, e será tratada no tópico seguinte.

3. CONVERSÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

A conversão do negócio jurídico nulo é um instituto inexistente no Código anterior (Código Civil de 1916)[3]. Apenas com o Código Civil de 2002, no artigo 170, passou-se a prever no ordenamento jurídico brasileiro esse instituto.

 A conversão do negócio jurídico não deve ser confundida com a confirmação do negócio jurídico. Enquanto àquela encontra-se regulada pelo artigo 170, esta encontra-se regulada pelo artigo 169, todos do Código Civil. Diferenciam-se, ainda, pelo fato de que a confirmação do negócio jurídico é instituto aplicado ao caso de anulabilidade, e não de nulidade absoluta.

Em relação a conversão do negócio jurídico nulo, temos que o Código Civil de 2002 e a doutrina estabelecem alguns requisitos para que seja possível haver essa conversão. Os requisitos são[4]:

  1. Requisito objetivo: o negócio jurídico nulo deve conter os requisitos do negócio jurídico em que se converteu;
  2. Requisito subjetivo: a vontade manifestada pelas partes permita supor que mesmo que tivessem ciência da nulidade teriam realizado o negócio jurídico sucedâneo.

  Exemplo de ocorrência dos requisitos legais para a conversão é a hipótese de contrato de compra e venda ser celebrado por instrumento particular, quando, na verdade, deveria ter sido por escritura pública, por expressa previsão legal exigindo a forma pública (art. 108 do CC/02). Neste caso, se era obrigatória a forma pública (ex: valor acima de 30 salários mínimos), o instrumento particular é considerado nulo, por infringência de norma de ordem pública. Ocorre que, caso esse instrumento seja entregue ao Cartório de Registro de Imóveis, o Oficial de Registro de Imóveis, quando da qualificação registral, poderá registrar o instrumento como compromisso irretratável de compra e venda, haja vista ser este dispensado da forma pública, podendo ser feito por instrumento particular[5].

   No caso da compra e venda ser convertida em compromisso de compra e venda, temos que os requisitos do compromisso de compra e venda foram cumpridos (pode ser feito por instrumento particular), além disso, aproveita-se o negócio jurídico, o seu instrumento, o tempo despendido pelas partes etc. Obviamente, que deve estar claro que existe a correspondência de vontades, ou seja, as partes se soubessem da nulidade iriam querer o negócio jurídico sucedâneo. Assim, não seria razoável, por exemplo, converter-se um instrumento particular de compra e venda nulo em um contrato de locação, pois não haveria o cumprimento do requisito subjetivo da conversão.

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    Segundo Maria Helena Diniz, o instituto da conversão do negócio jurídico nulo está relacionado com o princípio da conservação dos negócios jurídicos e da boa-fé objetiva[6]. E, de fato, o instituto traz consigo diversas hipóteses de aplicação, possibilitando que diversos negócios jurídicos sejam convertidos, priorizando-se a vontade das partes ao invés de um formalismo exacerbado. A doutrina cita, como hipóteses de aplicação do instituto[7]:

  1. A venda sem escritura que se converte em promessa;
  2. A hipoteca sem autorização do cônjuge aproveitada como confissão de dívida;
  3. O trespasse de estabelecimento sem escritura convertido em venda singular de bens móveis;
  4. A alienação do usufruto considerada cessão do seu exercício;
  5. A doação de bem inalienável convertida em constituição de usufruto, uso ou habitação;
  6. A alienação de participação social não alienável tomada por cessão dos créditos cessíveis;
  7. A novação subjetiva em mora nula convertida em renúncia às vantagens da mora;
  8. A cessão de direito de voto tomada pela cessão do seu exercício;
  9. A renúncia antecipada de prescrição (proibida) considerada interrupção de prescrição.

4. CONCLUSÃO

     O Direito Brasileiro, apesar de sua nítida valoração pelo formalismo, tem buscado soluções para evitar a perda da eficácia jurídica pelo simples fato de ter sido omitida uma formalidade legal. Isso não apenas no Direito Civil, mas em outras searas como no Direito Processual Civil, em que se aplica o princípio pas de nullité sans grief, significando que não há nulidade se não houver prejuízo, princípio que também é aplicado em outras searas como no Direito Administrativo[8].

      Conclui-se, portanto, que o Código Civil de 2002 busca priorizar o aproveitamento dos negócios jurídicos, sempre que juridicamente possível e não lese direitos de terceiros, caminhando pari passu com outros ramos do Direito Brasileiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 9384. Terceira Seção. Relator: Gilson Dipp. DJ de 16.8.2004, p.130.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15 ed. rev e atual.  São Paulo: Saraiva, 2010.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: 2010, v.6.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 331-334.

TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.


[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: 2010, v.6, p. 122.

[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: 2010, v.6, p. 126.

[3] TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 322.

[4] TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 322.

[5] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 331-334.

[6] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15 ed. rev e atual.  São Paulo: Saraiva, 2010, p. 199.

[7] TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 322.

[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 9384. Terceira Seção. Relator: Gilson Dipp. DJ de 16.8.2004, p.130.

Sobre o autor
Romualdo Rocha de Oliveira

Servidor da Justiça Eleitoral (TSE).

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