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MAIS UM CASO ENVOLVENDO AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E PARLAMENTAR

Agenda 16/06/2016 às 10:16

O ARTIGO DESENVOLVE ESTUDO SOBRE A APLICAÇÃO DA AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A PARLAMENTAR E A COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU PARA JULGÁ-LA.

~~MAIS UM CASO ENVOLVENDO AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E PARLAMENTAR

Rogério Tadeu Romano

O deputado afastado da presidência da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pediu ao Supremo Tribunal Federal a suspensão de uma ação contra ele por atos de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público Federal em Curitiba.
 A força-tarefa da Operação Lava-Jato pediu no dia 13 de junho de 2016 à Justiça que condene o deputado afastado à reparação de US$10 milhões à Petrobras, ao pagamento de multa civil no triplo do valor do enriquecimento ilícito apurado ao final do processo e perda de dos direitos políticos por dez anos.
 O pemedebista é acusado de ser beneficiário direto de esquema de corrupção na diretora internacional da sociedade de economia mista.
 A ação civil foi ajuizada perante a primeira instância.
 Eduardo Cunha entende que, por ser parlamentar, tem o privilégio de foro no Supremo Tribunal Federal.
 Em razão disso, ajuizou ação constitucional de reclamação para que seja firmada a competência do Supremo Tribunal Federal, requerendo liminar, por entender que a competência da Corte Suprema foi usurpada e, no mérito, que seja julgada tal ação pelo Supremo Tribunal Federal.

Questiona-se se é possível aplicar a Lei de Improbidade Administrativa a parlamentar, um agente político.
 Para muitos os agentes políticos, que exercem funções governamentais, judiciais, e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo negócios públicos, não poderiam ser tratados como os servidores públicos, razão pela qual os fatos tipificados na lei de improbidade administrativa não poderiam ser imputados a eles.
 Ora, tal ilação contraria ao principio republicano, princípio democrático qualificado, que não diferencia perante a lei. Como tal, responde o agente político a ação de improbidade em primeiro grau, se sujeito às sanções ditadas na Lei 8.429/92, não havendo falar em foro por prerrogativa de função, Foi nessa linha de principio que o Supremo Tribunal Federal declarou, no julgamento da ADI 2.797 e 2.860, inconstitucional a Lei 10.628, que deu redação censurável ao artigo 84, § 1º e 2º, do Código de Processo Penal. Aliás, há precedente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Ag.Reg. na Petição nº 4.073/DF, Relator Ministro Celso de Mello, J. 24 de outubro de 2007, unânime, DJe de 13 de fevereiro de 2013, no sentido de que tratando-se de ação civil por improbidade administrativa(Lei 8.429/92), mostra-se irrelevante, para efeito de definição de competência originária dos Tribunais, que se cuide de ocupante de cargo público ou de titular de mandato eletivo ainda no exercício das respectivas funções, pois a ação civil em questão deverá ser ajuizada perante o magistrado de primeiro grau.
 De início, necessário lembrar lição de Marcelo Figueiredo (Probidade Administrativa, 2ª edição, São Paulo, ed. Malheiros, pág. 24) no sentido de que, com relação aos agentes políticos, ocupantes de cargos eletivos, nada obsta a aplicação da Lei de Improbidade. Nessa linha de pensar, prossegue o ilustre comentarista da Lei nº 8.429/92:
“Verifica-se a amplitude do preceito. O art. 2º menciona as relações e possíveis vínculos dos sujeitos ativos e terceiros, com o intuito de abranger, em um primeiro momento, aqueles que se relacionam diretamente com a ¨administração¨: Os eleitos, os nomeados, os designados, os contratados, os empregados. Há, portanto, equiparação ou ficção legal. Para os efeitos da lei, é indiferente se o sujeito ativo é agente político, servidor contratado por tempo determinado(art. 37, IX, da CF), o ocupante de cargo em comissão, sujeito ao regime da CLT. Todos estão abrangidos pela lei. Em relação à alusão aos ¨eleitos¨, constante do art. 2º(ou, como deseja a lei, ¨agentes públicos¨, guindados por eleição), cumpre tecer breves considerações.
 Como é cediço, o regime constitucional dos ocupantes de cargos eletivos(enfocamos os parlamentares) recebe da Constituição um tratamento peculiar, cintado de garantias, imunidades, prerrogativas etc. Gozam os parlamentares dos direitos constitucionais estampados nos arts. 53 e seguintes da CF. Concretamente, são beneficiários pela inviolabilidade criminal em razão de suas opiniões, palavras e votos. Ao lado dela, igualmente estão protegidos pela imunidade criminal, que tem por escopo principal impedir o processo e a prisão. Não podem ser processados sem prévia licença do órgão a que estão vinculados. Contudo, como visto, as imunidades alcançam o processo criminal, os crimes, não se estendendo a cominações civis ou ao ressarcimento civil. Sendo assim, nada obsta ao ajuizamento da ação prevista na lei em tela. Poderá haver alguma sorte de ¨conexão¨ com o crime; contudo, essa questão somente poderá ser resolvida caso a caso, para efeito de eventual sobrestamento dessa ou daquela ação.
 Questão interessante é a seguinte: parlamentar condenado por ato de improbidade nos termos da lei pode ainda perder o mandato por razão diversa? A hipótese é clara. Se condenado por ato de improbidade(condenação civil), poderá sofrer ainda a perda de mandato por ausência de decoro parlamentar(art. 55, II, da CF). É óbvio que não se trata de consequência jurídica imediata. Contudo, forçoso convir na procedência da tese. O Parlamento não poderá continuar a contar em seus quadros com uma figura condenada por improbidade administrativa no decorrer de seu mandato. A sua condenação, ainda que civil, é motivo mais do que suficiente para ensejar(possibilitar) a perda de mandato por ausência de decoro. Cremos que, se o ato de improbidade não foi cometido no exercício do mandato, não se vinculou a atividade parlamentar, não há que se falar em perda do mandato. É, em síntese, necessária uma relação jurídica entre o ato de improbidade e o exercício do mandato. ¨
 Portanto, o parlamentar poderá ter seus direitos políticos suspensos se processado por infringência à lei de improbidade.
 O artigo 1º da lei de improbidade pretende traçar seu raio de abrangência para colher em suas malhas toda e qualquer pessoa que com a administração se relacione, tomada essa expressão em seu sentido mais amplo. Assim devem ser incluídos os agentes políticos.
 Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Apontamentos sobre os agentes públicos, São Paulo, RT, 2ª Tiragem, pág. 4), o que radicaliza o conceito de agentes públicos é o fato de todos eles serem agentes que exprimem um poder estatal, munidos de uma autoridade que só podem exercer por lhes haver o Estado emprestado sua força jurídica, exigindo ou consentindo-lhes o uso, para a satisfação de fins públicos. De um lado, observa-se a natureza pública da função e de outro, de ordem subjetiva, a investidura nela.
 Bem conhecida é a classificação de agentes públicos em 3 (três) grandes grupos, admitindo-se ulterior subdivisão, como lecionou Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (RDP, vol. 1 / 40);
 a) agentes políticos;
 b) servidores públicos;
 c) particulares com atuação de colaboração com Poder Público.
 Os agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a de formadores da vontade superior do Estado.
 A ação de improbidade administrativa é ação civil, ajuizada para proteção do princípio da moralidade, que se aplica a qualquer agente público (Lei nº 8.429/92), onde se objetiva coibir a prática de atos desonestos e antiéticos contra a Administração, em processo de competência do Juízo de primeiro grau, e que se distingue dos chamados crimes de responsabilidade, cuja natureza é diversa, dado o seu regime penal, razão pela qual deve correr perante as instâncias ordinárias. Da mesma maneira, não há como confundir o processo com relação aos parlamentares por falta de decoro parlamentar, que se aproxima do processo de impeachment, que tem natureza processual, julgamento e o fim, a pena, tipicamente criminais.
 Anoto, por sua importância, julgamento do Supremo Tribunal Federal, no Pet – QO 3923, em que foi Relator o Ministro Joaquim Barbosa, onde se fez a seguinte dicotomia:
 a) A Lei 8.429/92 regulamenta o art.37, parágrafo quarto da Constituição, que traduz uma concretização do principio da moralidade administrativa inscrito no caput do mesmo dispositivo constitucional. As condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de responsabilidade;
 b) Crime de responsabilidade ou impeachment, desde os seus primórdios, que coincidem com o início de consolidação das atuais instituições políticas britânicas na passagem dos séculos XVII e XVIII, passando pela sua implantação e consolidação na América, na Constituição dos EUA de 1787, é instituto que traduz à perfeição os mecanismos de fiscalização postos à disposição do Legislativo para controlar os membros dos dois outros Poderes. Não se concebe a hipótese de impeachment exercido em detrimento de membro do Poder Legislativo. Trata-se de contraditio in terminis. Aliás, a Constituição de 1988 é clara nesse sentido, ao prever um juízo censório próprio e específico para os membros do Parlamento, que é o previsto em seu artigo 55. Noutras palavras, não há falar em crime de responsabilidade parlamentar.
 Destaco voto, no julgamento do mérito, do Ministro Joaquim Barbosa:
 ¨Eu entendo que há, no Brasil, uma dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distintos: em primeiro lugar, existe aquela específica da Lei 8.429/1992, de tipificação cerrada, mas de incidência sobre um vasto rol de possíveis acusados, incluindo até mesmo pessoas que não tenham qualquer vínculo funcional com a Administração Pública(lei 8.429/92, art. 3º); e uma outra normatividade relacionada à exigência de probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao chefe do Poder Executivo e aos Ministros de Estado, ao estabelecer no art. 85, inciso V, que constituem crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a probidade da administração. No plano infraconstitucional, essa segunda normatividade se completa com o art.9º da Lei 1.079/1950.¨
 São disciplinas normativas diversas, que visam à preservar o mesmo valor ou principio constitucional, qual seja, a moralidade da Administração Pública, porém, têm objetivos constitucionais diversos.
 Por certo, o artigo 37, parágrafo quarto da Constituição Federal, objeto de concretude face ao disposto na Lei 8.429/92, traduz o princípio da moralidade administrativo, norteador da administração, onde a Constituição consagra o combate sem tréguas à corrupção e a impunidade no setor público. Ímprobo é o desonesto da Administração que merece sanção razoável, proporcional à sua conduta lesiva, diante de tipos cerrados expostos na Lei de Improbidade Administrativa.
 E conclui o Ministro Joaquim Barbosa:
 ¨O contraste é manifesto com a outra disciplina da improbidade, quando direcionada aos fins políticos, isto é, de apuração da responsabilização política. Nesse caso, o tratamento jurídico da improbidade, tal como prevista no art. 85, V, da Constituição e na lei 1.079/1950 ,assume outra roupagem, e isto se explica pelo fato de que o objetivo constitucional visado é muito mais elevado. Cuida-se aí de mais um dentre os inúmeros mecanismos de checks-and-balances típicos das relações entre os poderes do Estado no regime presidencial de governo. Tem equivalência, no presidencialismo, aos mecanismos de apuração da responsabilidade política típicos do sistema parlamentarista – como, por exemplo, a moção de censura ou de desconfiança.
 Fica a conclusão de que o parlamentar deve ser submetido, pelos atos que atentem contra os princípios norteadores, que guarnecem a Administração, à ação civil de improbidade e a processo por falta de decoro parlamentar, nos termos do que estabelece a Constituição, pois não se submetem a impeachment.
 A improbidade administrativa, prevista na Lei 8.429/92, é entidade diversa daquela existente quanto ao crime de responsabilidade ou ao processo por falta de decoro parlamentar. Eles não se excluem, mas têm resultados absolutamente distintos.
 Recentemente a primeira turma do Supremo Tribunal aceitou recurso da Procuradoria-Geral da República e autorizou a retomada de duas ações de reparação de danos por improbidade administrativa contra os ex-ministros do governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB: Pedro Malan (Fazenda), José Serra (Planejamento, Orçamento e Gestão), Pedro Parente (Casa Civil), além de ex-presidentes e diretores do Banco Central.
 As ações, apresentadas pelo Ministério Público Federal, questionavam assistência financeira no valor de R$ 2,97 bilhões do Banco Central aos bancos Econômico e Bamerindus, em 1994, dentro do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), que socorreu bancos em dificuldades.
 A conclusão tomada foi de que a ação aponta ato de improbidade administrativa, que está dentro da área civil, e pode ser retomada na primeira instância. Ministros de estado só têm foro privilegiado e são julgados no Supremo em caso de crime de responsabilidade e crimes comuns. Aplica-se o mesmo raciocínio para os parlamentares. A prerrogativa de privilégio de foro apenas se aplica às ações penais e não para as chamadas ações civis como a de improbidade administrativa.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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