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Impeachment ou golpe de 2016.

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Agenda 16/06/2016 às 21:11

É importante que a sociedade busque entender os atos que compõem o processo de impedimento de um Presidente da República. O debate constante dos fatos políticos sob a ótica legal tende a qualificar a atuação social dos cidadãos.

INTRODUÇÃO

As conquistas sociais acumuladas desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 encontram-se ameaçadas pela parada no desenvolvimento econômico do Brasil, afinal, falar de saúde, educação, segurança, moradia, alimentação e outras conquistas sem os respectivos recursos financeiros para o custeio e investimento faz com que esses direitos voltem apenas ao plano do sonho, da utopia. Aliado a crise econômica, queda brusca no desenvolvimento e aumento no desemprego, o País atravessa a crise da corrupção, assistindo diariamente, estarrecida, revelações apocalípticas a respeito da conduta de políticos, empresários e líderes nacionais. O cenário então se tornou um barril de pólvora, tendo por consequência a revolta da população. Esta revolta produz inevitavelmente efeitos na política.

Em meio a tudo isso, o Tribunal de Contas da União (TCU) analisa as contas da Presidência da República do ano de 2014 e emite parecer apontando irregularidades que podem configurar crime de responsabilidade, crime contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e crime contra a Lei Orçamentária, recomendando, inclusive, a reprovação das contas pelo Congresso Nacional.

Tendo por base as conclusões do TCU, cidadãos apresentaram à Câmara dos Deputados um requerimento de impeachment contra a Presidente Dilma, tendo sido o mesmo recebido pelo então Presidente da Casa, que naquele momento encontrava-se com relações estremecidas com o Governo, apesar de formarem a base aliada até aquele momento para as duas eleições presidenciais que elegeram a Presidente Dilma.

Mesmo sendo o TCU um órgão técnico, nasceu a tese de que o Governo da Presidente Dilma estava sofrendo um golpe, uma tentativa de retirá-la do poder arquitetada por aqueles que saíram derrotados na última eleição presidencial.

Diante de tudo isso, em todas as oportunidades possíveis, sejam eventos privados, sejam eventos públicos, todos os membros do Governo e todos aqueles que são seus simpatizantes passaram a gritar a existência de um processo de golpe em curso. Esse discurso é defendido dentro e fora do País, causando constrangimento e descrédito às instituições brasileiras.

O objeto desse trabalho é uma pesquisa breve sobre os fatos que envolvem o processo de impeachment da Presidente Dilma e a legislação que regula o assunto. A justificativa de tal estudo é a necessidade de aproximação com a verdade, para que injustiças não sejam cometidas contra a Presidente acusada e nem contra as instituições brasileiras.

A finalidade do trabalho é realizar um estudo do processo, do rito, dos atos processuais previstos na Constituição Federal de 1988 e nas leis a respeito da tramitação de um pedido de impeachment e assim identificar argumentos jurídicos sobre a legalidade ou ilegalidade do processo de impedimento da Presidente Dilma. Esta trabalho possui bases jurídicas e não políticas, pois a legitimidade de processo pressupõe sua regularidade perante a lei.

Imprescindível destacar em letras garrafais que este trabalho não se propôs a julgar o mérito, ou seja, se a Presidente cometeu ou não os crimes dos quais está sendo acusada. É claro que consta um resumo dos fatos que embasam o pedido de impeachment, as principais irregularidades apontadas pelo TCU. Mas o julgamento depende de análise probatória. A ideia do golpe não coaduna com o princípio constitucional do devido processo legal. Este trabalho se presta exatamente a ver qual das duas opções foi realizada em relação à Presidente Dilma.

Trata-se de pesquisa bibliográfica realizada a partir da leitura e interpretação de notícias da imprensa publicada em meio eletrônico em sítios eletrônicos públicos e privados, legislação federal e obras de autores nacionais.

Não se trata de uma tese pronta e acabada, muito menos de um trabalho que pretenda impor contornos definitivos ao assunto, visto à sua complexidade. Mas sim, uma contribuição para a construção de uma cidadania dissociada na ideia de partido ou lado político.


1. IMPEACHMENT

O Brasil se encontra novamente em meio a um processo de impeachment. Por isso é oportuno relembrar a noção do que seria esse instituto.

Em uma breve pesquisa chegamos aos seguintes conceitos:

Impeachment é uma palavra de origem inglesa que significa "impedimento" ou "impugnação", utilizada como um modelo de processo instaurado contra altas autoridades governamentais acusadas de infringir os seus deveres funcionais. Dizer que ocorreu impeachment ao Presidente da República, significa que este não poderá continuar exercendo as suas funções políticas.

Abuso de poder, crimes normais e crimes de responsabilidade, assim como qualquer outro atentado ou violação à Constituição são exemplos do que pode dar base a um impeachment.1

O impeachment ocorre quando certas autoridades praticam um crime de responsabilidade. Trata-se de uma situação muito grave, na qual a autoridade que comete a infração perde o cargo e sofre sérias consequências, tais como a inabilitação para o exercício de função pública por certo tempo.2

1.1. Casos de Impeachment no Brasil e no Mundo

O impeachment não é novidade no Brasil. É um instituto previsto na ordem jurídica, tanto que já foi utilizado ou pelo menos pretendido em outras vezes.

Em 1992 o então Presidente da República, Fernando Collor de Mello sofreu uma denúncia, que foi aceita pela Câmara dos Deputados em votação que obteve 441 votos favoráveis dentre 509 parlamentares. O seu irmão Pedro Collor denunciou um esquema de lavagem de dinheiro comandado pelo tesoureiro de campanha do Presidente eleito, Paulo César Farias – PC. Na época, a Operação Uruguai despertou suspeitas sobre empréstimos fraudulentos para financiar a campanha de 1989. A reforma da Casa da Dinda, residência do então Presidente Collor, teria sido financiada por dinheiro de contas fantasmas operadas por PC.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada para investigar as denúncias contra o Presidente apurou que U$ 6,5 milhões teriam sido movimentados irregularmente para financiar gastos do mesmo.

Assim, após a instauração do processo de impeachment no Senado, o Presidente tentou frustrar o processo com sua renúncia. Não havendo mandato em exercício, não haveria impedimento a ser declarado. Seria a forma como Fernando Collor tentaria manter seus direitos políticos para retornar à vida pública. No entanto, os Senadores deram prosseguimento ao processo e condenaram o Presidente por 76 votos.3

Fernando Henrique Cardoso, quando era Presidente da República, enfrentou 14 pedidos de impeachment, sendo 13 só no segundo mandato. Entre esses 13 pedidos, 10 foram firmados por deputados federais de oposição à época, tais como José Genuíno4.

Dentre esses muitos pedidos de impeachment contra o ex-Presidente Fernando Henrique, vale lembrar o requerimento que foi aviado pelo então Deputado Milton Temer (PT). Na época, Fernando Henrique estava no segundo mandato, era acusado de ter praticado estelionato eleitoral, a economia estava em dificuldades, o real estava desvalorizado e o Presidente sofria com queda na popularidade. Na defesa do Presidente vinha o então Deputado Federal Aécio Neves que entre muitas outras palavras afirmava, “Na verdade, o que presumo é que existe ainda uma frustração enorme na alma e no peito desses ilustres parlamentares [da oposição], que não concordam ou não aceitam a deliberação majoritária da sociedade brasileira.”5 Não fossem as diferenças de datas e personagens, poderíamos dizer que o filme é o mesmo.

Contra o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram apresentados 34 requerimentos de impeachment, sendo um aviado pelo então Deputado Federal Alberto Goldman (PSDB) e os demais por cidadãos comuns.6

Dilma Rousself, durante seu primeiro mandato, teve 10 requerimentos de impeachment apresentados na Câmara dos Deputados, sendo um pelo Senador Mário Couto (PSDB) e nove firmados por cidadãos comuns.7

Todos esses pedidos de impeachment foram arquivados, porém, nenhum deles foi desqualificado ou taxado de tentativa de golpe. Certamente a ausência de uma prova ou indício relevante evitou o alarde que o processo de impedimento tende a causar na sociedade, e por isso foram rejeitados.

Casos pelo mundo também servem de exemplo da utilização do instituto do impeachment8:

  1. Francis Bacon (Grã-Bretanha, 1621). Há muito o impeachment não é usado na Grã-Bretanha, preferindo a opção pelo “Voto de Censura”, segundo o qual o Parlamento decide se um funcionário é ou não digno da confiança da sociedade;

  2. Richard Nixon (Estados Unidos, 1974), por seu envolvimento no escândalo de Watergate. Renunciou para escapar do processo;

  3. Bill Clinton (Estados Unidos, 1999) – foi absolvido pelo Senado e terminou o mandato;

  4. Carlos Andres Perez (Venezuela, 1993) – deixou o poder legalmente depois de ser processado por desviar dinheiro público para fundos secretos, condenado a dois anos e quatro meses de prisão e sofrer o impeachment.

Portanto, o requerimento de impeachment é apenas mais um dos vários pedidos que o cidadão ou uma autoridade pode interpor na defesa de interesses da sociedade. Assim, configura um instituto previsto em lei no Brasil ou no exterior.

1.2. Quais são os fundamentos do Impeachment da Presidente Dilma

Nem toda denúncia é verdadeira. Mas toda denúncia com indícios substanciais deve ser apurada. É o que acontece no Brasil diariamente em relação à denúncias de ilícitos penais ou administrativos.

Conhecer uma denúncia, apurar os fatos e movimentar um processo não significa sua procedência. A existência de uma acusação contra alguém não significa que a condenação será um resultado automático. Nada há de ilegal em se pedir uma apuração de um suposto ilícito. Investigar e condenar são situações distintas. A condenação ou absolvição dependerá da análise das provas a serem produzidas.

O que é pacífico e unânime é a necessidade de fundamentos em uma denúncia. Os fundamentos e o pedido precisam ostentar um mínimo de plausibilidade, um mínimo de possibilidade de ser verdadeiro o que se diz contra alguém. Por isso, importante saber quais são os fundamentos do pedido de impeachment que tramita contra a Presidente Dilma.

Basicamente são os fundamentos do pedido:

  1. Decretos Orçamentários editados pelo Poder Executivo sem a devida autorização do Congresso Nacional. Este fundamento não adveio de nenhum parlamentar da oposição, mas sim, resultado do trabalho do Tribunal de Contas da União (TCU) no exercício de suas atividades constitucionais. Em outubro de 2015, um Membro do Ministério Público Federal, procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que atua junto ao TCU fez uma representação sobre o fato. O documento afirmava que “A edição dos decretos não foi precedida da necessária observância à lei, que requer responsabilidade na gestão fiscal. Os decretos editados ampliam despesas que deverão ser custeadas pelo superávit financeiro apurado no balanço patrimonial do exercício de 2015 e pelo excesso de arrecadação.”9;

  2. “Pedaladas fiscais”. Esse fundamento também não foi criado por nenhum parlamentar opositor ou qualquer dos cidadãos que firmaram o requerimento do impeachment. Ao analisar as contas da Presidência da República de 2014, o Tribunal de Contas da União (TCU) percebeu manobras para “aliviar momentaneamente” as contas públicas. O Governo teria utilizado tais artifícios para atingir metas fiscais. Basicamente consistem em atrasar repasse de recursos às instituições financeiras públicas e privadas que atuam no pagamento de benefícios sociais e previdenciários, como bolsa família, seguro-desemprego entre outros. O retardamento do repasse dos recursos, ou se preferirem, o atraso no pagamento às instituições, serve para aumentar o superávit primário ou impedir um déficit maior. É fato que em 2014 os gastos governamentais foram maiores por causa das eleições naquele ano, em contraposição a queda na arrecadação. De qualquer jeito, mesmo com as pedaladas as contas não fecharam, tanto que o Executivo precisou pedir ao Congresso para alterar as metas fiscais, a fim de que pudessem ser cumpridas. O TCU ainda entendeu que as pedaladas possuem características de operações de crédito (empréstimo) junto àquelas instituições financeiras. A Corte de Contas sinalizou para o descumprimento do art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal;

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  3. Corrupção na Petrobras. A Operação Lava Jato desponta como a maior operação contra a corrupção da história do País, atingindo, em sua maioria, políticos dos partidos que compõe o Governo e sua base aliada (PT, PMDB e PP).

Os fatos que embasam o pedido de impeachment não foram negados pelo Governo, ou seja, ninguém consegue dizer que as denúncias do impeachment são mentirosas. Autoridades e estudiosos discutem a configuração ou não de crime de responsabilidade a partir das condutas citadas, com argumentos contundentes nas duas direções. Ora, se a pessoa denunciada não consegue desmentir os fatos é impossível chamar o processo de ilegítimo ou de golpe.

Portanto, se o Congresso Nacional foi acionado, se o procedimento é previsto em lei e se os fatos possuem plausibilidade e força de gerar a condenação, ainda que hipotética, o processo é legítimo e não pode ser ignorado.


2. POR QUE O IMPEACHMENT NÃO É GOLPE DE ESTADO

2.1. Todos têm Direito Público Subjetivo de Peticionar ao Poder Público

A participação do cidadão na vida pública e sua fiscalização sobre as ações de governantes, autoridades e órgãos públicos é admitida e incentivada na ordem jurídica instaurada pela Constituição Federal promulgada em 1988. Por meio da Carta Constitucional os cidadãos são chamados a deixar o lugar de meros súditos para assumir o lugar de participantes. Deixam de ser expectadores para serem personagens da história e da vida da sociedade.

O chamado do cidadão à participação na vida da sociedade não é recente. A edição da Lei nº 4.717/65 – Lei da Ação Popular, em pleno Regime Militar, evidencia que a participação popular na condução da sociedade é um anseio antigo, mesmo em momentos de exceção ao livre exercício da democracia. O art. 1º da referida lei, recepcionada pela atual Constituição, dispõe:

Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

A participação popular é uma prerrogativa da cidadania, é o direito subjetivo de intervir na vida da sociedade, nas ações e decisões administrativas e políticas. Ela é uma das garantias – a mais legítima de todas – de que os dirigentes públicos e políticos precisam se manter dentro dos limites da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, do respeito às instituições, do respeito ao patrimônio público, do respeito ao orçamento público, do respeito à publicidade dos atos públicos e dos demais princípios do Direito Constitucional e do Direito Administrativo.

Ao lado da atuação de outras entidades, governamentais e não-governamentais, a participação popular tende a incentivar a qualidade dos serviços públicos e da atuação dos agentes públicos.

Os senhores Hélio Pereira Bicudo, Janaína Conceição Paschoal e Miguel Reale Júnior, embora o currículo e a história mereçam todo respeito e reverência por parte da sociedade, não ocupavam qualquer cargo de autoridade no Governo ou na Administração Pública na ocasião do pedido. Portanto, o pedido nada mais é do que um requerimento de cidadãos comuns.

O que tornou o pedido ainda mais interessante foi o fato do primeiro requerente ter sido um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, o partido da Presidente denunciada, e que governava antes do afastamento determinado pelo Senado Federal. Ora, ele, mais do que qualquer outro, tem o direito de sentir-se traído em seus ideais.

A segunda requerente, assim como o terceiro, independentemente de sua simpatia política, tem o direito de denunciar aquilo que consideram irregular na condução do Governo de seu País. Na verdade, a participação é o que se espera das pessoas. A omissão seria o comportamento indesejado. Já dizia Martin Luther King Jr.: “O que me preocupa não é o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons.”

Afinal, qual lei brasileira legitima alguém peticionar requerendo o impedimento do Presidente da República, do Governador de Estado ou do Prefeito de Município? A resposta é simples:

A Constituição Federal de 1988,

Art. 5º.

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

Art. 58.

§ 2º Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:

I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa;

II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;

III - convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos inerentes a suas atribuições;

IV - receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas;

A Lei nº 1.079/50:

Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.

Art. 15. A denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo.

Art. 16. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde possam ser encontrados, nos crimes de que haja prova testemunhal, a denúncia deverá conter o rol das testemunhas, em número de cinco no mínimo.

Portanto, a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional deixam muito clara a prerrogativa de qualquer cidadão promover denúncia contra qualquer autoridade brasileira, bem como contra o Chefe do Poder Executivo Nacional. Evidente está a legitimidade do requerimento de impeachment.

2.2. Dever geral de agir

Se o Brasil teve sua história marcada pela impunidade, não se pode culpar a lei e os princípios jurídicos brasileiros.

A Constituição da República Federativa do Brasil e as demais leis asseguram proteção às pessoas, aos bens, à vida, à saúde, à integridade física, à liberdade, à segurança, à igualdade, à vida privada, à intimidade e à sua dignidade como um todo. Da mesma forma protegem o Estado, seus agentes, seu patrimônio, a gestão pública, seus princípios norteadores e tudo o que o cerca.

A violação de qualquer direito assegurado na Constituição Federal ou em alguma lei possui uma reprimenda, uma sanção correspondente. Por isso, não é de completamente verdadeira a afirmação de que existe impunidade nas leis brasileiras. Na verdade, a impunidade se deve muito mais à conduta dos agentes responsáveis pela aplicação das leis, do que propriamente pela falta de leis.

Ora, a existência de um arcabouço legal, uma verdadeira teia de leis com a função de punir os desvios da legalidade traduz uma sociedade que anseia pela ordem, e mais, traduz um País cujas leis e princípios legais primam pelo combate às ilegalidades. A ordem jurídica brasileira não tolera o desvio da legalidade, ainda que não seja o caso dos agentes aplicadores.

Existe um dever geral de zelar pela legalidade e pelo bem-estar da sociedade. É um dever de cada indivíduo e de todos ao mesmo tempo.

O dever legal de agir, em sentido amplo, é direcionado a todos os cidadãos. É o que se percebe pela reprovação da omissão pelas leis brasileiras. O Código Penal Brasileiro possui vários exemplos de intolerância à omissão:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

Existem uma série de outras leis pugnando por um comportamento positivo dos cidadãos, o que implicitamente deixam patente o caráter reprovável da omissão. É o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, que no art. 70 determina que “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”. A mesma lei possui outros dispositivos reprovando a omissão, como é o caso do seguinte artigo:

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Seguindo a mesma linha de repúdio à omissão, o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/03, trouxe uma série de dispositivos, como os exemplos transcritos abaixo:

Art. 4º Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

§ 1º É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.

§ 2º As obrigações previstas nesta Lei não excluem da prevenção outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

Art. 5º A inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade à pessoa física ou jurídica nos termos da lei.

Art. 6º Todo cidadão tem o dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta Lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento.

Art. 97. Deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.

Esses dispositivos são apenas exemplos de que os cidadãos brasileiros possuem, pelo menos em sentido amplo, um dever agir, um dever de não se omitir frente às ilegalidades ou violações a direitos.

2.3. Dever legal de agir: profissionais e agentes públicos

A aceitação da petição de impeachment da Presidente da República pelo Presidente da Câmara dos Deputados foi encarada pela mesma, pelos seus partidários e pelos simpatizantes como vingança. Aliás, este argumento é uma das teses de defesa do Advogado Geral da União em sua explanação contra o processamento do impeachment. Este argumento também tem sido propagado para sustentar a tese de golpe, dentro e fora do País.

Porém, se o cidadão comum possui um dever legal de agir, tanto maior é o dever de agir de um agente ou autoridade pública! Independentemente de qualquer animosidade existente entre o Presidente da Câmara dos Deputados e a Presidente da República, a aceitação da petição de impeachment decorre do exercício regular de um dever legal, uma obrigação legal. A simpatia ou antipatia que possa tornar o exercício dessa obrigação mais ou menos prazerosa, não é bastante para qualificar o ato do Presidente da Câmara dos Deputados como ilegítimo.

A prerrogativa de receber o pedido de impedimento contra um Presidente da República é da Câmara dos Deputados, como determina a Lei nº 1.079/50:

Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.

A autoridade a quem é dirigida a denúncia é o Presidente da casa legislativa. A lei não fala que esta autoridade tem que estar livre de animosidade com o denunciado, que precisam ser amigos ou impõe qualquer condição de ordem pessoal. A condição que o destinatário da denúncia deve ostentar é ser Presidente da Câmara dos Deputados.

A inação do Presidente da Câmara dos Deputados representaria combustível para a repudiada omissão de agentes públicos.

Quando nos referimos ao dever de agir, o dever de adotar providências, a principal diferença entre o cidadão comum e o agente público é a responsabilização pela omissão. O cidadão, somente em pouquíssimos casos é obrigado a agir frente a uma situação de ilegalidade. Ainda que exista o dever de agir, nem sempre ele vem acompanhado de uma sanção. Por outro lado, para o agente público a regra é o contrário: a omissão é condenada, é reprovada, é indesejada, e por isso, em regra, poderá sofrer as consequências. Enquanto para o cidadão a adoção de providências não é uma regra, para o agente público a tomada de atitude é uma obrigação. A legislação está recheada de exemplos:

Constituição Federal de 1988

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

Lei nº 8112/90 – Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União

Art. 116. São deveres do servidor:

XII – representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente

Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação de criança ou adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da apreensão:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

As normas legais mencionadas acima são apenas uns poucos exemplos de mandamentos existentes na lei brasileira que exercem controle sobre a conduta dos agentes públicos ou agentes privados no exercício de atividades de interesse público.

O dispositivo legal que melhor ilustra o dever de agir do agente público é o que prevê o crime conhecido como Prevaricação:

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

A pena descrita na cominação não é das maiores e talvez nem amedronte tanto. Porém, a possibilidade de repercussão social e na carreira do agente público tende a provocar uma responsabilização mais efetiva.

Quanto maior for o cargo do agente público, maior será a reprovação por sua conduta omissiva – sua prevaricação.

Enfim, a construção que aqui se faz tem a função de mostrar que a omissão de agentes públicos na adoção de providências diante do suposto cometimento de ilícitos, é reprovada pela sociedade e pela legislação, podendo, o agente que se omite, sofrer as consequências da lei.

Afinal, a apuração de denúncias não é somente um anseio da sociedade, mas principalmente um dever legal daquele que a recebe e tem competência para o processamento. Portanto, atendeu à lei, cumpriu um dever institucional, agiu de forma legítima o Presidente da Câmara dos Deputados em receber e apresentar ao plenário da Casa o pedido de impedimento da Presidente da República.

2.4. Para o processo basta o indício e não a certeza

A argumentação da defesa da Presidente da República também tem sido no sentido de tentar demonstrar a não ocorrência de qualquer crime, principalmente crime de responsabilidade. É uníssono o discurso da Presidente, do Advogado Geral da União, do ex-Presidente Lula, dos Parlamentares Petistas, dos seguidores e simpatizantes do Governo no sentido de que, por concluírem pela inexistência de crime de responsabilidade, o impeachment é um golpe.

Portanto, julgam o processo como injusto afirmando a inocência da acusada. Todo processo é legítimo se existirem indícios de autoria e materialidade. É preciso separar: apuração de condenação. Ainda que ao final seja prolatada uma sentença absolutória o processo que chegou a esta conclusão não perde sua legitimidade. Condenação ou absolvição são consequências das provas, enquanto processo é um dever da autoridade em consequência de indícios.

A Teoria Geral do Processo ensina que o Direito à Ação é autônomo frente ao Direito de Mérito.

Caberia aqui uma considerável argumentação contrária à defesa da Presidente, até porque as suspeitas não nasceram no âmago dos partidos de oposição, mas sim de dois órgãos públicos, quais sejam, o Tribunal de Contas da União e a Justiça Federal.

O País não pode conviver com órgãos que fingem fazer o seu trabalho. O Tribunal de Contas da União, previsto no art. 71 da Constituição Federal é um órgão técnico, composto sim por Ministros escolhidos de forma política, mas também integrado por um extenso e qualificado quadro de profissionais de carreira como auditores, analistas e técnicos, cuja função precípua é o cumprimento das competências descritas nos incisos do referido art. 71.

A primeira e talvez principal atribuição do TCU é a apreciação das contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, do que se elabora um parecer prévio, o qual é discutido e votado no plenário do tribunal, recomendando a aprovação ou reprovação pelo Congresso Nacional (o verdadeiro juiz das contas presidenciais).

No dia 07/10/15 o Tribunal de Contas da União, por decisão unânime de seus Ministros, rejeitou as contas do Governo da Presidente Dilma Rousseff relativas ao ano de 2014.

A Corte de Contas apontou manobras que lesaram a Constituição Federal, a Lei Orçamentária e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O Trabalho do TCU não consiste em uma tese. O Governo e os defensores da Presidente pretendem desqualificar o trabalho de uma instituição que detém a primazia da análise das contas. Beira ao absurdo querer desqualificar o trabalho do TCU em prol da manutenção de um mandato.

O TCU não apresenta tese. O que o órgão apresenta é o resultado de um criterioso trabalho de auditoria que aponta a regularidade ou não das contas apresentadas. As irregularidades apontadas pelo TCU não foram simplesmente mencionadas, mas sim demonstradas documentalmente. Nos termos do art. 70 da Constituição da República, antes de enviar o Parecer Prévio ao Congresso Nacional, o TCU realiza análise contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas.

Dessa forma, foram fornecidos elementos substanciais apontando e identificando autoria e materialidade de irregularidades nas contas da Presidência da República.

Ora, a existência de tais indícios exigem das autoridades competentes, a apuração. Não se está falando aqui de punição (pelo menos não por enquanto), mas simplesmente do dever de apurar a verdade, do dever de investigar.

Para a condenação de alguém é justo e indiscutível que o julgador esteja convencido da narrativa do processo e possa fundamentar sua decisão em elementos existentes nos autos. Porém, para que a investigação e o processo existam não é necessária a certeza, mas tão somente indícios de que o ilícito tenha ocorrido. Muitas vezes a autoria do ilícito é descoberta durante a investigação. O Código de Processo Penal Brasileiro traça essa diretriz referente ao dever de apurar e agir frente à existência de indícios de um crime:

Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

Art. 126. Para a decretação do seqüestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens.

Art. 134. A hipoteca legal sobre os imóveis do indiciado poderá ser requerida pelo ofendido em qualquer fase do processo, desde que haja certeza da infração e indícios suficientes da autoria.

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Aliás, o próprio Código de Processo Penal dá o conceito de indícios ao dispor:

Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

Em momento algum a lei autoriza condenar sem provas, nem se deseja isso. Mas a legalidade e a legitimidade do processo não exige certeza, mas apenas a existência de indícios que demonstrem a existência de um crime e sua autoria.

Todo e qualquer cidadão pode ser acusado e investigado em inquérito criminal, civil ou administrativo, bastando que existam indícios do cometimento de ilícito. Da mesma forma a Presidente da República ou qualquer outra autoridade. Na verdade, as autoridades devem ser investigadas com maior afinco por serem parâmetros para as demais pessoas.

Dessa forma ninguém poderia afirmar que o processo de impeachment da Presidente Dilma é fruto de golpe, visto que seu processamento atende ao postulado do dever que o Congresso Nacional possui de apurar as denúncias contra o Chefe do Poder Executivo que contenham indícios suficientes de irregularidade. Se haverá condenação ou absolvição ao final do processo dependerá das provas produzidas e analisadas. Mas a investigação e a instrução são obrigatórias.

Apurar denúncia de irregularidade que tenha indícios suficientes de materialidade e autoria, embasada em análises e parecer do Tribunal de Contas da União, não é golpe, mas sim estrito cumprimento do dever legal.

2.5. A incompatibilidade de um golpe com a ampla defesa e contraditório

O que é golpe de Estado?

Golpe de Estado é derrubar ilegalmente um governo constitucionalmente legítimo. Os golpes de estado podem ser violentos ou não, e podem corresponder aos interesses da maioria ou de uma minoria, embora este tipo de ação normalmente só triunfa quando tem apoio popular.10

Golpe de Estado é a deposição de um governo legitimamente instalado.

O termo Golpe de Estado é conhecido também em sua versão francesa, Coup d’État, e em sua versão alemã, Staatssreich, sendo que todos eles identificam uma ruptura institucional repentina. Ou seja, o controle do Estado passa subitamente das mãos de um governo constitucionalmente eleito para outro grupo de governantes.11

Um golpe de Estado acontece quando um governo estabelecido por meios democráticos e constitucionais é derrubado de maneira ilegal – portanto, de uma forma que desrespeita esses processos democráticos (eleições diretas, por exemplo) e as leis de um país. Um golpe não necessariamente acontece com o uso da força, apesar de que são comuns na história do Brasil e de outros países da América Latina a ocorrência de golpes militares – ou seja, a ameaça do uso da força é usada para remover o poder constituído.

Outras formas de golpe também são possíveis, como pelo uso indevido da Justiça para incriminar pessoas no poder – ou seja, a Justiça agindo ela mesma de maneira ilegal. Essa é uma forma de golpe mais sutil, mas que produz os mesmos resultados: a deposição de um governo eleito democraticamente por vias que extrapolam as regras de um Estado Democrático de Direito.12

O ponto comum nos vários conceitos de golpe de Estado são a ilegalidade e a falta de eleição. O processo de impedimento está previsto na Constituição Federal (arts. 79 e 80, pelo menos) e na Lei nº 1.079/50, e existem indícios veementes de cometimento de irregularidades, não havendo que se falar em golpe por ilegalidade, por deposição, por extrapolação das regras.

Quanto ao golpe por substituição do governante por outro não eleito, não seria o caso brasileiro nesse momento, visto que o Vice-Presidente foi democraticamente eleito na chapa vencedora das eleições. Portanto, obteve os mesmos votos. Aliás, a fotografia dos componentes da chapa aparecem na urna eletrônica antes da confirmação do voto para que o eleitor tenha certeza de sua escolha.

Não existe a tão propagada “ruptura de institucionalidade”, visto que todos os atos, desde a admissibilidade da denúncia na Câmara dos Deputados até a votação pela instauração do processo no Senado Federal foram realizados nos limites das fórmulas previstas na lei, e principalmente, sob o crivo do contraditório.

A garantia do contraditório e, principalmente o seu exercício livre e exaustivo pela denunciada mostram que o processo enfrentado por ela está longe de assemelhar-se às investidas golpistas vividas por outros Países e até pelo Brasil no passado.

Apresentação de defesa, sustentação oral junto à Comissão na Câmara dos Deputados, apresentação de defesa em plenário antes da votação para admissão da denúncia pela mesma Câmara, apresentação de defesa perante a Comissão do Senado Federal e ainda sustentação oral previamente à votação para instauração do processo no Senado Federal, configuram a prova mais contundente de que a Presidente Dilma não está sendo vítima de qualquer arbitrariedade.

Sua posição não é de privilégio e sim de serviço. O cajado que a Presidente traz consigo não é um troféu, mas sim um instrumento para o bem comum. Mas nada disso significa que o Chefe do Executivo não possa sofrer investigações, não possa ser acusado, não possa ser processado e não possa sofrer o constrangimento de ser afastado do posto recebido democraticamente.

A eleição é um ato político realizado diretamente pelo povo. Mas o afastamento do eleito se dá por outros agentes que representam o mesmo povo.

O mandato da Presidente da República não é mais soberano do que o mandato dos Parlamentares. A fiscalização mútua dos Poderes é uma obrigação, não é golpe. Um mandato não é mais legítimo que o outro.

O que romperia a institucionalidade seria o “arquivamento” ou a “vista grossa” em relação ao apurado pelo Tribunal de Contas da União.

O mandato Presidencial é conferido a alguém através de um voto de confiança depositado na pessoa do mandatário. A quebra da confiança através de conduta irregular na vida pessoal, na vida política ou mesmo através da má gestão dos negócios públicos pode ensejar o afastamento do eleito. O impeachment é uma garantia que a sociedade tem de não precisar esperar o fim de um mandato ruinoso sob qualquer aspecto (político, penal, econômico, social etc).

Um processo só é injusto e ilegítimo quando não observadas as diretrizes do devido processo legal. A Constituição Federal de 1988 constitucionalizou o processo, principalmente o penal e mais recentemente o civil, com a edição da Lei nº 13.105/15. O processo administrativo também está fundamentado nos princípios constitucionais.

O devido processo legal é a garantia individual de que nenhuma decisão lhe será imposta de maneira arbitrária, unilateralmente, por tribunal de exceção, sem a possibilidade de defesa, sem a oportunidade de esgotamento das vias recursais etc.

Na Constituição Federal de 1988 verificam-se os seguintes princípios expressos:

Art. 5º.

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

A Constituição vigente deita raízes na não menos importante Declaração Universal dos Direitos Humanos, que entre suas disposições encontram-se:

Artigo 9.

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10.

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo 11.

1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

A justiça de um processo civil, penal ou administrativo está na obediência ao rito previsto em lei. Nada mais do que isso.

A procedência ou improcedência da denúncia somente será verificada após o trâmite processual, após a instrução probatória e a partir da prolação da sentença.

Se o rito do impeachment não observar o previsto nos artigos 85 e 86 da Constituição Federal e o previsto nas disposições da Lei nº 1.079/50, então poderá ser taxado de ilegal e injusto, e por consequência, golpe.

Se o rito legal não for observado: os direitos e garantias fundamentais estarão violados; seria correto falar em deposição; estaria configurada a tomada do poder por vias ilegais; estaria ocorrendo golpe de Estado; estaria ocorrendo assunção ao poder sem o requisito do voto. O que, até o presente momento, não foi constatado.

Sobre o autor
André Luís da Silva Gomes

Advogado. Membro da Comissão em Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente, do Idoso e da Pessoa com Deficiência da 30ª Subseção da OABMG. Ex-Conselheiro Tutelar por dois mandatos.

Informações sobre o texto

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