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Da validade jurídica dos contratos eletrônicos

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Agenda 28/03/2004 às 00:00

5. contratos eletrônicos

            Nos capítulos anteriores, tivemos o cuidado de apresentar, sem a pretensão de esgotarmos os temas, um quantidade suficiente de valiosas informações que fossem capazes de proporcionar uma base teórica mínima, necessária à melhor compreensão dos avanços tecnológicos relativos ao meio magnético, popularizado com a internet, e sua repercussão no mundo jurídico. Agora, de posse de todo esse arcabouço teórico, poderemos, enfim, discorrer com maior facilidade e segurança acerca dos chamados contratos eletrônicos.

            5.1 Conceito de Contrato Eletrônico

            As transações efetuadas via internet têm se multiplicado de forma bastante fecunda e consistente. O uso de documentos eletrônicos, assinaturas digitais e outras tecnologias modernas difundiu-se de forma irreversível no dia-a-dia da grande maioria de pessoas, em especial no âmbito daquelas que atuam nos ramos comercial e bancário. O aumento na agilidade dos negócios e a possibilidade de oferecimento de maior conforto às partes fazem dos sistemas informáticos um meio que, sem a menor sombra de dúvidas, surgiu para ficar. Paulatinamente, a cultura tradicionalista da escrita vem cedendo espaço para a sofisticação do meio magnético intangível e é justamente neste contexto que os contratos eletrônicos surgem como "o passo seguinte da necessidade célere que foi ocorrendo com a evolução social".

            Conforme dito em tópico anterior, o contrato pode ser definido como um negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, que depende, para sua formação, do encontro de vontades das partes interessadas, gerando, para estas, uma norma jurídica individual, reguladora de interesses privados. Para os contratos eletrônicos, o conceito permanece inalterado, apenas com a distinção de que, ao invés de serem firmados pela via tradicional do documento escrito, a celebração é feita de forma eletrônica, utilizando-se, para tanto, um instrumento eletrônico através do qual as partes expressam seu interesse e seu consentimento em contratar.

            Observe que as negociações feitas pela internet estão sendo efetivadas em virtude de um instrumento jurídico tradicional chamado contrato e que, por assim ser, nada de novo haveria em relação aos contratos eletrônicos, salvo algumas peculiaridades inerentes ao próprio meio magnético no qual foi formado, as quais já foram discutidas quando dissertamos acerca dos documentos eletrônicos.

            Na esteira desse pensamento, Erica Aoki leciona que o "contrato cibernético nada mais é do que aquele contrato firmado no espaço cibernético, e não difere de qualquer outro contrato. Ele apenas é firmado em um meio que não foi previsto quando a legislação contratual tradicional se desenvolveu". Observe que, na definição da ilustre autora, encontramos terminologia diversa para o contrato eletrônico, uma vez que esta prefere utilizar a expressão cibernético, termo freqüentemente associado às questões relativas à informática.

            Maurício Matte define os contratos eletrônicos como sendo aqueles "celebrados por meio de programas de computador ou aparelhos com programas específicos, tendo ou não a interação humana (atualmente, deverá tê-la num primeiro momento, mesmo que a posteriori não necessite mais), podendo conter ou não assinaturas eletrônicas (e estas podem ou não ser certificadas)".

            Utilizando uma linguagem mais jurídica, porém bastante didática, Manoel J. Pereira dos Santos afirma que "são chamados contratos eletrônicos os negócios jurídicos bilaterais que utilizam o computador como mecanismo responsável pela formação e instrumentalização do vínculo contratual".

            Por fim, Erica Barbagalo conceitua contratos eletrônicos como "os acordos entre duas ou mais pessoas para, entre si, constituírem, modificarem ou extinguirem um vínculo jurídico, de natureza patrimonial, expressando suas respectivas declarações de vontade por computadores interligados entre si". Dentre os mais diversos conceitos de contrato eletrônico estudados, filiamo-nos ao da mencionada autora por entendermos ser o mais completo e juridicamente direcionado.

            Em tempo, é mister ressaltar que o uso da expressão contrato eletrônico não é unanimemente aceita entre os juristas pátrios. Apoiados em preciosismos técnicos, alguns autores defendem como mais correto o uso de termos tais como contratos cibernéticos ou contratos digitais ou contratos por computador ou contratos on-line, ou, ainda, contratos informáticos ou por meio de informática.

            Um dos grandes opositores ao uso da expressão contratos eletrônicos é Silvânio Covas, que, ao sustentar como mais correto o termo contratos por meio de informática adverte:

            "Trata-se de analisar contratos usuais no meio jurídico, que são aperfeiçoados mediante o concurso da informática. Dessa forma, se apresenta imprópria a denominação de contratos eletrônicos, pois o contrato pode ser de compra e venda, de prestação de serviço, de cessão de uso etc., e o fato de serem realizados por meio eletrônico não lhes retiram as características que lhes dão nome e classificação. Igualmente não se pode falar em contratos por computador, pois o hardware simplesmente dá base para operacionalizar o software, sendo que este, sim, vai oferecer o ambiente para o aperfeiçoamento do contrato. De qualquer forma, ambos, hardware e software integram o conceito mais amplo de informática. Abandona-se, por fim, a opção por contratos on-line, pois a informática também permite a contratação off-line, sem contudo deixar de ser um método informatizado para realização do contrato".

            Em que pese todo o esforço do estimado autor, as diferenças apontadas para justificar a não utilização de um ou de outro termo, ao nosso ver, revestem-se de sutilezas de natureza técnica que mais interessam às ciências informáticas do que ao Direito. Assim, por ser a mais difundida e usual, adotaremos a expressão contrato eletrônico, visando, inclusive, a seguir o mesmo padrão de denominação já consagrado nas expressões documento eletrônico, comércio eletrônico (e-commerce), correio eletrônico (e-mail), mensagem eletrônica e banco eletrônico, dentre outras.

            5.2 Princípios Específicos

            Consoante já mencionado, os princípios que têm orientado o Direito Contratual podem ser resumidos nos seguintes: autonomia da vontade, supremacia da ordem pública, consensualismo, relatividade dos contratos, obrigatoriedade das convenções e boa-fé.

            Não obstante os negócios jurídicos pela internet serem celebrados utilizando-se o tradicional instituto do contrato, as particulares características do meio magnético, em especial a volatilidade, fazem com que alguns proeminentes autores, dentre os quais Luis Henrique Ventura, apresentem um rol de princípios específicos, inerentes à negociação eletrônica, acrescentando aos tradicionalmente consagrados os princípios da identificação, da autenticação, do impedimento de rejeição, da verificação e da privacidade.

            O princípio da identificação, segundo Ventura, determina que a validade de um contrato eletrônico só será admitida se as partes contratantes estiverem devidamente identificadas: "o aceitante deve ter plena certeza de que o proponente é mesmo o proponente, e vice-versa".

            O princípio da autenticação exige que as assinaturas eletrônicas das partes sejam autenticadas por autoridades certificadoras capazes de identificar com precisão os contratantes e o princípio do impedimento de rejeição desautoriza as partes alegarem a invalidade do contrato com base única e tão somente no fato de ter sido ele celebrado por meio eletrônico.

            Prossegue o autor, esclarecendo que o princípio da verificação obriga o armazenamento dos contratos em meio eletrônico para possibilitar verificação futura e o princípio da privacidade exige que o ambiente onde foi celebrado o contrato garanta a privacidade nas comunicações, sob pena de o contrato eletrônico poder ser invalidado.

            Percebe-se claramente que os princípios acrescidos pelo insigne doutrinador visam a assegurar a validade jurídica dos contratos eletrônicos, garantindo-lhes a autenticidade e a integridade que, sem o devido cuidado, poderiam ser facilmente fraudadas no meio magnético, conforme já foi exaustivamente explicado.

            5.3 Classificação dos Contratos Eletrônicos

            Nunca é demais frisar que os contratos eletrônicos não devem ser considerados um novo tipo ou uma nova categoria autônima de contrato, mas tão-somente uma nova tecnologia de formação contratual. Sua especificidade advém apenas do fato de a contratação se efetivar mediante o uso de computadores interligados em rede e, por assim ser, qualquer contrato, seja ele típico ou atípico, será considerado eletrônico, bastando que, para isso, tenha sido efetivado eletronicamente. Sob este prisma, podemos ter contratos eletrônicos de compra e venda, contratos eletrônicos de mútuo, contratos eletrônicos de comodato, contratos eletrônicos de prestação de serviço, dentre outros, desde que sejam celebrados por meio de uma rede de computadores.

            Não obstante existirem diferentes classificações apresentadas pelos estudiosos do tema, todas são unânimes em ter como ponto de partida os diversos modos possíveis de contratação eletrônica. Diferem, portanto, das classificações tradicionais, uma vez que se baseiam nas variadas formas de utilização do computador, conectado em rede, para a manifestação de vontade das partes.

            Dentre as numerosas classificações sugeridas pela doutrina, adotamos a proposta pela renomada Mariza Delapieve Rossi, por entendermos ser a que melhor retrata o universo da contratação eletrônica nos dias atuais. Utilizando como pano de fundo a forma de utilização dos computadores em rede para formação do contrato e a distinção no tempo entre a proposta e o aceite, a citada autora distingue três categorias diferentes de contratos eletrônicos: os interpessoais, os interativos e os intersistêmicos.

            5.3.1 Contratos Eletrônicos Intersistêmicos

            Erica Barbagalo define os contratos eletrônicos intersistêmicos como sendo "os contratos formados utilizando-se o computador como ponto convergente de vontades preexistentes, ou seja, as partes apenas transpõem para o computador as vontades resultantes de negociação prévia, sem que o equipamento interligado em rede tenha interferência na formação dessas vontades".

            Nesta categoria de contrato, as partes, previamente, utilizando, em geral, a forma contratual clássica, ajustam as cláusulas e regras que deverão nortear as negociações que serão realizadas automaticamente entre elas, por intermédio de dois sistemas de computador interligados.

            Convém observar que a contratação principal é feita em um momento anterior, sem a ajuda de qualquer equipamento de informática. Nessa fase, as partes emitem suas declarações de vontade, seguindo, em regra, o modelo tradicional dos contratos, e estabelecem os critérios e protocolos de futuras transações que serão feitas de forma automática - sem intervenção humana – pelos sistemas de computador de cada um dos contratantes. Estes estarão programados para realizar, eletronicamente, e quando necessário for, negócios jurídicos acessórios, vinculados e regidos por um contrato escrito previamente ajustado entre as partes.

            Tem-se, portanto, o uso da rede de computadores meramente como meio de comunicação entre os sistemas informáticos das partes, sendo até dispensável a intervenção humana em cada uma das negociações secundárias posteriores.

            Mariza Delapieve Rossi esclarece que, na contratação intersistêmica, a manifestação de vontade dos contratantes se dá no momento em que os sistemas de computador de cada parte são programados para que a comunicação entre eles seja estabelecida e, com isso, possibilite a realização de futuras e, via de regra, sucessivas transações eletrônicas, que poderão constituir-se em contratos derivados.

            A contratação intersistêmica, em que pese utilizar, num momento posterior, computadores interligados em rede, foge do escopo deste trabalho, posto que as declarações iniciais de vontade das partes são feitas de forma tradicional, estabelecendo as regras gerais de funcionamento das ocorrências futuras feitas mediante computador. Distingue-se, portanto, dos contratos eletrônicos objeto de nosso estudo, uma vez que os negócios jurídicos firmados a posteriori pelo meio magnético estão, na verdade, vinculados a um contrato principal celebrado, normalmente, de maneira clássica, utilizando a forma escrita.

            5.3.2 Contratos Eletrônicos Interpessoais

            Ao contrário do que ocorre com a modalidade contratual intersistêmica, nos contratos eletrônicos interpessoais o computador não é apenas um meio de comunicação entre as partes, mas tem uma participação fundamental na formação de vontade dos contratantes e na instrumentalização do negócio jurídico. A principal característica dessa categoria é a necessária interação humana em ambos os extremos da relação, desde o momento da primeira manifestação de vontade até a efetiva celebração do contrato, tudo feito eletronicamente, por intermédio de uma rede de computadores na qual as partes estão interconectadas.

            Considerando o aspecto da simultaneidade entre a emissão e a recepção da declaração de vontade de uma parte para outra, os contratos eletrônicos interpessoais podem ser subdivididos em duas categorias distintas: os simultâneos e os não-simultâneos.

            Os primeiros são aqueles firmados entre partes que estejam simultaneamente conectadas à rede de computadores e cuja interconexão permita que a declaração de vontade de uma parte seja recebida pela outra no mesmo momento, ou em curto espaço de tempo, em que for emitida. É o caso dos contratos celebrados em tempo real ou on-line. Como exemplo de contratação eletrônica interpessoal simultânea, citamos os contratos celebrados em ambientes de conversação (chats) e aqueles firmados utilizando-se a tecnologia da videoconferência.

            Erica Barbagalo leciona que os contratos eletrônicos interpessoais simultâneos podem ser considerados como celebrados entre presentes, por analogia aos firmados por telefone, pois, muito embora as partes não estejam fisicamente presentes, as declarações de vontade são expressadas e recebidas de forma simultânea. Sob este prisma, a resposta imediata inerente à conexão on-line permite-nos aplicar a esta modalidade de contratos eletrônicos o disposto no artigo 1.081, inciso I, in fine, do Código Civil. Em tempo, é importante ressaltar que o Novo Código Civil, que estará entrando em vigor no próximo ano, amplia o rol de contratos a serem considerados firmados entre presentes, pois, além da celebração contratual por telefone, admite, textualmente, a contratação feita por outro meio de meio de comunicação semelhante, tornando desnecessária a aplicação analógica do dispositivo retromencionado que, diga-se de passagem, será renovado pela nova lei.

            Os contratos eletrônicos interpessoais não simultâneos, por sua vez, são aqueles em que a manifestação de vontade emitida por uma parte não é imediatamente recebida pela outra, existindo, entre a declaração e a recepção, um razoável lapso de tempo. Não há, portanto, simultaneidade entre a emissão e o recebimento de uma determinada declaração de vontade. Um exemplo bastante claro desta modalidade de contratação eletrônica é a celebração de negócio jurídico por intermédio de correio eletrônico, que se equipara, por analogia, à correspondência epistolar prevista no caput do artigo 1.086 do Código Civil, considerada celebração contratual entre ausentes. Assim, poder-se-ia considerar, por analogia, os contratos eletrônicos interpessoais não simultâneos como firmado entre partes ausentes.

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            É interessante notar que, enquanto o artigo 1.086 do Código Civil atual traz em seu caput o texto "os contratos por correspondência epistolar, ou telegráfica, tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida,... ", o Novo Código Civil, em seu artigo 434, caput, aumenta a possibilidade de novas formas de contratação entre ausentes ao substituir a expressão "contratos por correspondência epistolar, ou telegráfica" pelo texto genérico "contrato entre ausentes", sugerindo, destarte, uma ampliação no escopo dos contratos celebrados entre partes ausentes.

            Por fim, é bom esclarecer que há doutrinadores que consideram o uso do correio eletrônico como uma forma de contratação eletrônica simultânea, se as partes estiverem concomitantemente conectadas à rede de computadores. Nesse caso, Maristela Basso que a troca de informações será instantânea e, por isso, não é admissível que seja tida como uma celebração entre ausentes.

            Ousamos discordar da versada autora e acompanhar a maioria da doutrina, tendo em vista que o simples fato de estarem as partes interligadas ao mesmo tempo na rede, não garante que uma declaração de vontade, emitida pela parte transmissora, seja recebida dentro de um prazo razoável de tempo pela parte receptora. Ademais, mesmo que isso ocorresse, haveria necessidade de uma nova interação da parte que recebeu a manifestação de vontade com seu sistema de informática, uma vez que o destinatário dos textos transmitidos por correio eletrônico não tem ciência instantânea e involuntária do conteúdo da mensagem recebida. Nesse sentido, invocamos a orientação de Erica Barbagalo, que, ao citar Erica Aoki, explica:

            "mesmo que a transmissão via correio eletrônico seja muito rápida, esta não pode ser considerada como instantânea. Isso porque, para se ter acesso à mensagem enviada por correio eletrônico, é necessária nova interação com o computador, ou seja, o conteúdo da mensagem não chega ao conhecimento do destinatário involuntariamente: é necessário que este execute nova ação para que possa acessar o conteúdo da mensagem recebida, o que retira a instantaneidade da comunicação".

            Logo, os contratos eletrônicos que se formarem pela troca de declarações de vontade efetivadas por correio eletrônico há de serem considerados como contratos entre ausentes, ou, utilizando a classificação apontada, como contratos eletrônicos interpessoais não simultâneos.

            5.3.3 Contratos Eletrônicos Interativos

            Se nos contratos intersistêmicos tem-se a interação entre dos sistemas de computadores e nos contratos interpessoais a necessária interação entre duas ou mais pessoas, nos contratos eletrônicos interativos encontramos um mix das duas modalidades, ou seja, uma pessoa interage com um sistema destinado ao processamento eletrônico de informações.

            Trata-se da categoria mais comum de contratos eletrônicos, onde, de um lado, há uma pessoa desejosa em celebrar um determinado negócio jurídico, e, do outro, um equipamento de informática, previamente preparado para disponibilizar produtos e/ou serviços a todos que estiverem conectados à rede de computadores. É mister observar que a preparação do sistema computacional, que figurará em um dos pólos da futura relação jurídica, é feita num momento anterior, por uma pessoa, que estabelecerá, em seu computador, regras, condições e procedimentos para a contratação. Em geral, quando da efetiva celebração do contrato, feita entre uma pessoa interessada e o sistema eletrônico programado, a parte responsável por este último não terá ciência imediata de que o negócio jurídico for firmado.

            Sobre esta categoria de contratos eletrônicos, Mariza Delapieve Rossi leciona que:

            "as contratações interativas são o resultado de uma relação de comunicação estabelecida entre uma pessoa e um sistema aplicativo.

            Note-se que o sistema aplicativo com o qual a comunicação se estabelece nada mais é do que um programa de computador que possibilita o acesso a bancos de dados diversos, ao mesmo tempo em que contém funções múltiplas que possibilitam a interação do usuário, para, por exemplo, escolher itens de compra desejados, preencher formulários de dados pessoais e, especialmente, indicar sua aceitação aos termos de fornecimento...".

            Os contratos eletrônicos interativos são os mais comumente encontrados na rede mundial de computadores. Normalmente, a conclusão desses contratos é feita mediante acesso aos chamados web sites, que, por meio de suas páginas eletrônicas, oferecem produtos e/ou serviços pela rede de computadores.

            Na maioria das vezes, sendo raríssimas as exceções, os contratos interativos celebrados pela rede de computadores apresentam-se como contratos de adesão, onde as cláusulas e condições do contrato são preestabelecidas, de forma unilateral, pela parte responsável pelo sistema de computador. À outra parte contratante não é dado o direito de alterar estas disposições, restando-lhe, apenas, aceitar as condições preconcebidas, no caso de estar interessada em efetivar o negócio jurídico disponibilizado no web site. Em se aceitando os termos do contrato, a parte contratante deverá fornecer ao sistema de computador informações necessárias ao aperfeiçoamento da relação contratual, geralmente referentes à identificação da própria parte e à especificação do objeto.

            5.4 A Força Probante dos Contratos Eletrônicos e sua Validade no Mundo Jurídico

            Acompanhamos o posicionamento daqueles autores que entendem que os contratos eletrônicos não constituem uma nova modalidade de contrato, mas apenas um novo meio de formação do vínculo negocial, não previsto expressamente pelo nosso legislador. Sob esse prisma, não haveria qualquer inovação substancial pertinente aos requisitos de validade dos contratos eletrônicos e à sua aceitação jurídica com meio de prova.

            Almejando corroborar nosso entendimento e dirimir quaisquer dúvidas em relação à existência e validade do contrato eletrônico, voltaremos a analisar as características e requisitos concernentes à contratação feita pela forma tradicional, bem como os aspectos relativos à formação do vínculo contratual, buscando identificar suas correspondências com os contratos eletrônicos, apontando semelhanças e salientando eventuais diferenças que, apesar de existirem, não têm o condão de afastar a credibilidade e a imperiosa validez da celebração eletrônica de negócios jurídicos.

            5.4.1 Condições de Validade

            Para que possam ser considerados válidos e, conseqüentemente, produzam os efeitos jurídicos que deles se esperam, nos contratos eletrônicos devem estar presentes os elementos estrutural e funcional, assim definidos pela doutrina, e também condições previstas no artigo 82 do Código Civil Brasileiro: partes capazes, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.

            Os elementos estrutural e funcional podem ser facilmente verificados nos contratos celebrados eletronicamente. De fato, a formação eletrônica do negócio jurídico jamais ocorreria sem a convergência de duas ou mais vontades e a composição de interesses contrapostos, a fim de constituir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.

            Quantos às condições, ou requisitos, supramencionadas, convém relembrar a classificação feita pela doutrina, que as distingue em subjetivas, objetivas e formais.

            Os requisitos subjetivos, conforme sabemos, referem-se à capacidade e legitimação das partes contratantes. Também nós contratos eletrônicos, é mister a existência de duas ou mais pessoas, uma vez que os contratos são bilaterais ou plurilaterais. Obrigatoriamente, as partes devem manifestar, de forma livre e consciente, seu consentimento em efetivar a contratação e, tal qual os contratos tradicionais, há necessidade de possuírem capacidade genérica para os atos da vida civil e aptidão específica para contratar.

            Rosana Ribeiro da Silva faz questão de lembrar que "por trás do computador, o usuário é uma pessoa real de forma que, desde que possua capacidade para contratar, nada impede que, por meio daquele instrumento, contrate com quem quer que seja". Tendo em vista a volatilidade da via eletrônica, esclarece-nos Luis Ventura que "a confirmação desta capacidade é uma questão de segurança jurídica, que deve ser buscada por ambas as partes, através de processos de identificação segura, tais como os processos de assinatura eletrônica por meio de sistemas criptográficos de chave pública e privada (enquanto este for o melhor sistema)".

            Verdadeiramente, a capacidade e a legitimação das partes são, das condições de validade dos contratos eletrônicos, as que mais preocupam os juristas, isto porque, no meio magnético, a verificação desses requisitos se torna mais difícil pelo fato de as declarações de vontade serem manifestadas sem que as partes estejam uma perante a outra. Convém ressaltar, entretanto, que esta dificuldade não é encontrada apenas nos contratos eletrônicos, mas também na maioria dos contratos firmados sem que as partes estejam fisicamente presentes.

            Neste contexto, surge a assinatura digital para dar segurança às questões relativas não só à identidade das partes, mas à autenticidade e à integridade do conteúdo do contrato celebrado eletronicamente pela rede mundial de computadores. Como vimos, a assinatura digital cumpre todas as funções da assinatura manuscrita e, além disso, também assegura a inalterabilidade do conteúdo do contrato eletrônico, de tal forma que a menor modificação neste será prontamente sinalizada pela nova tecnologia.

            Ainda em relação às partes, alerta-nos Newton de Lucca que os agentes intervenientes, que atuam na rede de computadores, não podem ser considerados parte na celebração eletrônica de um negócio jurídico. Um exemplo bastante conhecido destes agentes são as provedoras de acesso à internet, empresas responsáveis, em princípio, por organizar e manter o meio físico (cabos, equipamentos etc.) e o logístico (software de comunicação), viabilizando, assim, a comunicação entre o computador do usuário e a rede mundial de computadores. Maurício Matte considera a empresa provedora de acesso à internet uma simples "atravessadora" de informações, que nem sequer tem conhecimento do conteúdo dos textos transmitidos eletronicamente pela rede.

            Como vimos, os requisitos objetivos de validade dos contratos referem-se à idoneidade, licitude e possibilidade jurídica do objeto contratado, devendo este ser certo ou determinável e versar sobre um interesse economicamente apreciável. Mais uma vez, não há óbice para a aceitação dos contratos eletrônicos, posto que o objeto destes são, comumente, os mesmos dos contratos clássicos, diferindo apenas no que diz respeito à forma ou meio de entrega.

            Assim como nos contratos celebrados de forma tradicional, o objeto dos contratos eletrônicos também deverá ser lícito, fisica e juridicamente possível, idôneo e suscetível de valoração econômica. As regras, portanto, são exatamente as mesmas e, respeitadas, preenchidos estarão os requisitos objetivos de validade do contrato eletrônico.

            Por fim, os requisitos formais dizem respeito à forma pela qual o contrato deverá ser expresso. Parece-nos óbvio, diante das idéias já expostas no presente trabalho, que, não fosse a forma peculiar característica dos meios magnéticos, nada haveria de novo nos contratos eletrônicos. Estes inovam justamente no sentido de proporem uma nova forma de contratação, distinta da tradicional escrita.

            A regra geral, como já vimos, é a liberdade de forma para a maioria das contratações. A lei, entretanto, exige que alguns tipos de contrato, como por exemplo a compra e venda de um bem imóvel, revistam-se de uma forma especial, expressamente prevista no dispositivo legal, no caso do exemplo, a escritura pública. Imperioso notar que, inexistindo lei que determine uma forma preestabelecida para um determinado contrato, este deverá ser considerado válido se efetivado sob qualquer forma não contrária ao direito. Tanto é verdade, que doutrina e jurisprudência são pacíficas em aceitar, nos casos em que a lei não exige forma solene, até mesmo a contratação feita oralmente, sem qualquer papel ou escrito que a represente ou prove.

            Se compulsarmos os textos legais pertencentes ao ordenamento jurídico pátrio, verificaremos que não existe qualquer vedação legal à celebração de um contrato pela via eletrônica. Assim, não exigindo o objeto da celebração contratual forma prescrita em lei, os contratos eletrônicos haverão de ser considerados perfeitamente admissíveis, válidos, eficazes e aptos à produção dos efeitos jurídicos visados pelas partes contratantes.

            Sobre o tema, Luis Henrique Ventura manifesta-se esclarecendo que:

            "Muitas vezes a forma é só para facilitar a prova. O ato é válido, mas a sua forma facilita a prova. Esta é a forma ad probationem. Neste caso, a forma não é condição de validade do contrato. Quando a forma é indispensável para a validade do ato, trata-se de forma ad solemnitatem.

            Portanto, se a forma dos contratos é livre, havendo algumas exceções prevista em lei, qualquer contrato pode ser celebrado por meio eletrônico, exceto aqueles sobre os quais a lei exige uma forma especial.

            Assim, os contratos que têm na forma ad solemnitatem prevista em lei (v.g. compra e venda de imóvel) não têm validade se realizados por meio eletrônico. Os demais, podem ser celebrados por meio eletrônico e a forma que adotarem será meramente ad probationem".

            Pelo exposto, podemos verificar a total compatibilidade dos contratos eletrônicos em face dos requisitos de validade dos contratos em geral, sendo a única novidade o meio pelo qual foi declarada a vontade e celebrado o negócio jurídico, meio esse, como vimos, perfeitamente comportável pela legislação brasileira.

            5.4.2 Formação dos Contratos Eletrônicos

            Em tópicos anteriores, analisamos os aspectos relativos à formação dos contratos tradicionais sob o prisma das manifestações de vontade entre as partes, do local de celebração do contrato e do momento em que se pode considerar formado o vínculo jurídico negocial. Passaremos, agora, a discorrer sobre cada um desses temas dentro do contexto dos contratos celebrados eletronicamente.

            5.4.2.1 Declaração de Vontade

            Sabemos que é a partir de atos de manifestação de vontade que as partes acordam em celebrar um determinado negócio jurídico. Vimos que a exteriorização de uma declaração de vontade por ser feita por palavras, gestos, desenhos e sinais, e que é necessário a existência de um meio de comunicação entre os contratantes a fim de que um tenha ciência da intenção manifestada pelo outro.

            O meio de comunicação que será utilizado pelas partes para transmitir suas declarações de vontade não é taxativo, rigorosamente previsto ou determinado. Ao contrário, qualquer maneira eficiente de levar ao conhecimento da parte destinatária o conteúdo da declaração da parte que a emitiu poderá, e deverá, ser considerada válida. Assim, desde que produzam o efeito desejado, poderão ser utilizados, entre outros: palavras faladas diretamente a parte receptora, seja em sua presença física ou não, como ocorre nas ligações telefônicas e nas videoconferências; palavras escritas, expressas por correspondência epistolar ou por correio eletrônico; e até mesmo gestos, uma vez transmitidos por meio de recursos televisuais pela rede mundial de computadores. Inúmeras são, portanto, as combinações possíveis entre meios de exteriorização da vontade e os de comunicação dessas à parte interessada.

            Neste diapasão, ensina-nos Darcy Bessone que:

            "a manifestação de vontade não depende de formalidades extrínsecas, podendo verificar-se por qualquer meio apto a revelá-la. Planiol e Ripert dizem que, sempre que não exista uma disposição legal em sentido contrário, o consentimento pode manifestar-se, expressa ou tacitamente, entre pessoas presentes ou distantes, com ou sem intermediário e por meio de qualquer procedimento, seja a palavra humana, diretamente ou por telefone, ou gravada por reprodução mecânica (fonógrafo), ou por escrito privado, ou público, pessoal ou impessoal, firmado ou não, manuscrito, impresso, estenografado, em original ou por cópia fotográfica, ou transmitido, como sucede nos telegramas ou linguagem por meio de sinais etc.".

            Pelos exemplos citados, podemos perceber que os recursos e as facilidades presentes no meio magnético possibilitam a perfeita exteriorização de vontades das partes contratantes. O correio eletrônico é um exemplo de declaração de vontade expressa por palavra escrita. A videoconferência, por sua vez, é um exemplo claro de manifestação volitiva feita por meio de palavra falada e, por que não dizer, gestos e sinais. O meio de comunicação destas vontades, contudo, será sempre o mesmo: a rede de computadores.

            Além das formas acima especificadas, a manifestação de vontade das partes, no meio eletrônico, também pode ser feita pelo acionamento de alguns comandos informáticos, normalmente representados pelo escolha de uma opção do tipo sim, não ou concordo, em geral constantes nas páginas eletrônicas dos web sites. Não obstante trata-se de uma forma não convencional de declaração de vontade, é tida como válida, pois presume-se que, ao escolher a referida opção, a parte é sabedora das conseqüências decorrentes da escolha feita.

            Dissertando sobre a validade desta declaração atípica de vontade, Erica Barbagalo afirma que não há como questionar sua legitimidade, sendo certo que as interações feitas com um web site não são forçadas, mas envolvem uma atitude deliberada da parte. Vejamos:

            "o site não é automaticamente projetado no computador do usuário sem que este tenha agido para tanto. Ao contrário, o usuário precisa praticar uma série de atividades para ter acesso a um Web site: é preciso ligar o computador, acessar a Internet, depois a Web e finalmente o Web site específico. Depois, durante a interação com o Web site, outras atitutes levarão o usuário a confrontar-se com a opção de ‘clicar’, pressionar, a opção que represente sua vontade".

            Importante notar que, em 1998, o Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo julgou válida e suficiente, para a formação do vínculo contratual, a declaração de vontade expressa por acionamento de disco ou teclas de aparelho telefônico para a contratação de serviços, o que, analogamente, empresta às escolhas feitas nas páginas eletrônicas dos sítios informáticos a validade jurídica necessária para considerar tal ação uma verdadeira manifestação volitiva.

            Outra peculiaridade das declarações de vontade emanadas em meio eletrônico é que deve existir total compatibilidade técnica entre os sistemas computacionais utilizados na transmissão e recepção das declarações. Vale dizer que os computadores das partes contratantes deverão estar "falando a mesma língua", proporcionando a ambas as partes o pleno conhecimento do conteúdo das declarações transmitidas pela rede. Assim sendo, as manifestações de vontade ininteligíveis, obscuras ou criptografadas serão consideradas inválidas se a parte que as recebeu não tiver meios hábeis para entender seu conteúdo.

            Em resumo, podemos afirmar que se o recebimento e o entendimento do conteúdo da declaração de vontade estiverem ao alcance das partes, irrelevante será a forma pela qual esta foi manifestada e transmitida.

            5.4.2.2 Local de Formação

            Conforme vimos, as regras que definem o local de formação dos contratos estão dispostas nos artigos 1.087, do Código Civil, e 9º, §2, da Lei de Introdução ao Código Civil. Em suma, a legislação pátria determina que quando as partes residirem no País, aplicar-se-á o direito interno, em especial as leis do local onde foi proposto o contrato. No caso de uma ou ambas as partes estiverem fora do território nacional, considerar-se-á como local de formação do vínculo negocial o lugar onde foi feita a proposta. Observe que, como dissemos em tópico anterior, os artigos citados confirmam-se mutuamente.

            Os contratos eletrônicos intersistêmicos não apresentam, via de regra, qualquer dificuldade quanto à determinação do local de formação do vínculo contratual. Isto ocorre pelo fato de os negócios jurídicos derivados, celebrados entre os sistemas de computadores das partes, estarem atrelados a um prévio contrato principal que, em geral, é firmado de forma tradicional, mediante instrumento escrito. Assim, para se saber o local de formação do contrato, deve-se analisar o contrato principal, buscando nele, e não nos acessórios, a identificação do proponente e do aceitante.

            Já os contratos eletrônicos interpessoais e os interativos não apresentam a mesma facilidade quando o assunto é determinar com exatidão o lugar de formação do vínculo contratual. Nestas modalidades de contrato, a localização física do proponente, muitas vezes, é uma tarefa bastante difícil e complexa, principalmente devido a dois fatores: 1) os legisladores tupiniquins não previram o advento da comunicação móvel, hoje tão comum e corriqueira em nosso meio; 2) a identificação que o usuário tem na rede de computadores é lógica, referente ao "endereço" de seu computador na rede, e não física; isto significa que uma pessoa residente no Brasil, utilizando-se, por exemplo, de um provedor de acesso norte-americano, terá uma identificação lógica proveniente dos Estados Unidos da América, sendo indiferente o local físico onde efetivamente esteja; mesmo que esteja em trânsito, num avião ou navio, por exemplo, sua identificação lógica não se alterará, permanecendo a mesma durante toda a conexão.

            Tais problemas, entretanto, poderiam ser facilmente resolvidos se as partes, ao contratar por meio da rede de computadores, tivessem o cuidado de incluir, entre as cláusulas do negócio jurídico, uma que dispusesse sobre eleição de foro ou que indicasse a origem física da proposta. Esse procedimento certamente proporcionaria maior segurança jurídica aos contratantes no tocante à aplicação da lei no espaço.

            Infelizmente, nem todas as pessoas são tão cautelosas quanto deveriam ser e, por isso, na falta de legislação específica, temos que buscar soluções amparados na própria tecnologia que, de uma forma ou de outra, gerou o problema.

            Várias são soluções sugeridas pelos diversos estudiosos do assunto, entretanto, as que nos parecem mais aceitáveis e coerentes com a realidade são as fornecidas pela ilustre autora Erica Barbagalo, em seu livro Contratos Eletrônicos.

            Segundo ela, nos casos de contratos eletrônicos interpessoais não simultâneos, quando a negociação se der mediante uso de correio eletrônico, é possível o rastreamento, por meio da rede de computadores, buscando-se, no servidor de e-mails da empresa provedora de acesso, a procedência física da mensagem. Este servidor é, na verdade, um computador que provê, para toda uma rede, dados e serviços relativos às mensagens de correio eletrônico enviadas e recebidas por todos os seus usuários. Rastreando-se eletronicamente o caminho percorrido pela proposta, enviada por correio eletrônico, chegaremos ao servidor de e-mails, que, consultando seus registros, poderá informar com segurança a localização física do computador de onde foi emitida a oferta.

            De forma semelhante, é possível o rastreamento eletrônico das propostas emitidas on-line, ou seja, quando feitas na modalidade de contratação interpessoal simultânea. Também neste caso, a ajuda da empresa provedora de acesso é imprescindível para a correta identificação física do proponente.

            Já nos contratos eletrônicos interativos, onde o usuário, eventual aceitante, interage com um sistema de computador, no qual, via de regra, está inserida a proposta, a solução do problema é um pouco diferente. Se no web site tiver referência à localização do proponente ou se constar no contrato eletrônico cláusula relativa a essa questão, fica seguramente resolvida qualquer controvérsia quanto ao local de formação do vínculo contratual. Caso haja omissão, o simples rastreamento eletrônico talvez não seja suficiente para identificar com exatidão o proponente, pois o web site, onde consta a oferta, pode estar alojado em um sistema computacional de propriedade de terceiros, situado em um lugar fisicamente diverso daquele onde o proponente tem estabelecidas suas ocupações habituais.

            Nessas circunstâncias, além daquelas onde eventualmente for impossível a determinação exata do proponente, seja por restrições técnicas, seja por falta de um cadastro de informações da provedora de acesso, presumir-se-á emitida a proposta no chamado domicílio lógico do ofertante, assim considerado o lugar indicado como de origem de sua identificação lógica na rede de computadores.

            Um problema bastante interessante suscitado por Erica Barbagalo diz respeito ao proponente que se encontra em trânsito. Especialmente nestas circunstâncias, entende a autora que o vínculo contratual deve ser considerado formado no lugar de última residência do proponente. Tal posicionamento é justificado pelo fato de não poder ser tido como residência o local onde o ofertante esteja simplesmente "passando por", sem qualquer intenção de ali se estabelecer.

            A renomada escritora considera que a oferta feita pelo proponente, quando em trânsito, é emitida de um local acidental, que, mesmo se a contratação não se fizer eletronicamente, não deverá ser reputado o lugar de celebração do negócio jurídico. Para ilustrar seu entendimento, Erica Barbagalo apresenta o seguinte exemplo: "Para tornar mais clara essa observação, pode-se utilizar o exemplo de uma pessoa que, durante uma viagem internacional, se utilize de seu telefone celular para fazer uma proposta, formulando-a no momento em que atravessa país intermediário entre sua origem e seu destino, país este estranho a ambas as partes".

            Depois desta ilustração, parece-nos óbvio que, ao reputar formado o vínculo contratual no lugar de emanação da proposta feita em trânsito, estaríamos incorrendo em um grave equívoco, uma vez que a vontade do legislador, ao optar pela residência do proponente como local de referência para aplicação das leis no espaço, foi justamente presumir que o emissor da declaração de vontade inicial, onde, via de regra, constam as cláusulas essenciais à celebração do negócio proposto, estaria consciente das normas legais de onde se encontrava.

            5.4.2.3 Momento de Formação

            Determinar o momento exato de formação do contrato é, consoante vimos em tópico anterior, tarefa das mais importantes dentro do Direito Contratual. Estudamos que o instante de concretização do vínculo negocial é o marco inicial para que o contrato possa começar a produzir os efeitos jurídicos livremente convencionados pelas partes. É a partir da formação do vínculo contratual que as partes ficam impedidas de revogar suas declarações de vontade, sem que isso lhes traga, em regra, algum ônus contratual. Também será neste momento em que todos os requisitos de validade do contrato celebrado haverão de ser verificados.

            Vimos que a oferta é uma declaração de vontade emitida pelo proponente e dirigida ao oblato. Por meio dela, o ofertante manifesta sua intenção de se vincular aos termos do negócio jurídico proposto, caso, naturalmente, haja a anuência do aceitante em aderir às condições estabelecidas. Com exceção das hipóteses já estudadas, a proposta obriga o policitante, sob pena de ter que responder por eventuais perdas e danos ao oblato.

            A aceitação, conforme abordado, pode ser manifestada pelo aceitante de forma expressa ou tácita, devendo ser obrigatoriamente expressa nos contratos solenes. O momento de conclusão do contrato, com a efetiva formação do vínculo negocial, é determinado de forma distinta, observando-se o tipo de contratação que se deu, se entre presentes ou se entre ausentes.

            Via de regra, é com a correta transmissão da aceitação, disponibilizada ao policitante, que o contrato é considerado aperfeiçoado e apto a surtir os efeitos que dele se esperam.

            Alguns autores, entre eles Maristela Basso e Rosana Ribeiro da Silva, equiparam, genericamente, todos os contratos eletrônicos aos celebrados por meio de correspondência epistolar, considerando-os negócios jurídicos firmados entre ausentes. As autoras citadas concordam que, à contratação eletrônica, devem ser aplicadas, por analogia, as normas relativas aos contratos celebrados entre ausentes, consoante as regras do Direito Contratual Clássico.

            Mesmo diante das brilhantes considerações acima apresentadas, permitimo-nos discordar de sua genérica aplicação, haja vista que a solução apresentada apenas contempla os contratos eletrônicos interpessoais não simultâneos, ou seja, aqueles análogos à contratação feita mediante correspondência epistolar. No tocante aos contratos intersistêmicos, interativos e interpessoais simultâneos, a resposta dada pelas ilustres doutrinadoras, data maxima venia, é falha e merece reparos. Vejamos porque.

            Quando tratamos dos contratos eletrônicos intersistêmicos, vimos que as interações entre os sistemas computacionais das partes contratantes são regidas por termos, cláusulas e regras previamente estabelecidas em um contrato principal, normalmente firmado em meio tangível, escrito. Assim sendo, as declarações de vontade - proposta e aceitação – são emitidas anteriormente pelas partes, no que convencionamos chamar de contrato principal. Como as comunicações eletrônicas intersistêmicas configuram-se em meras negociações derivadas deste contrato principal, temos que o momento de formação do vínculo contratual, para esta modalidade de contrato eletrônico, será justamente quando ocorrer a contratação prévia das partes, antes das interações intersistêmicas, sendo determinado a partir das regras da Teoria Contratual Clássica.

            Estudamos que os contratos eletrônicos interpessoais podem ser simultâneos ou não simultâneos. Nos primeiros, as declarações de vontade de uma parte são conhecidas pela outra no instante em que são emitidas, equiparando-se, portanto, à contratação feita entre presentes. Por esse motivo, nos negócios jurídicos eletrônicos interpessoais simultâneos, o vínculo contratual considerar-se-á efetivamente formado no momento em que a aceitação for exteriorizada, pois, será neste mesmo instante que o proponente terá dela ciência. Neste diapasão, leciona Erica Barbagalo que "para as hipóteses em que a proposta é feita sem o estabelecimento de prazo de reposta, aplica-se-lhes o disposto no artigo 1.081, I, do Código Civil, devendo a aceitação ser emitida imediatamente após a manifestação da proposta".

            Em relação aos contratos interpessoais não simultâneos, assim considerados aqueles em que as declarações de vontade não são recebidas pelas partes no exato momento de sua exteriorização, ou seja, há um razoável lapso de tempo entre a manifestação de oferta do proponente e a aceitação do oblato, temos como correto o posicionamento de Maristela Basso e Rosana Ribeiro da Silva, citado em parágrafo anterior, o qual, por analogia, aplica a esses a grande maioria dos dispositivos normativos pertinentes aos contratos celebrados por correspondência epistolar ou telegráfica.

            Acerca do tema, manifesta-se Erica Barbagalo, apontando, inclusive, vantagens da contratação eletrônica em relação à convencional celebrada por carta. In verbis:

            "Com efeito, a similaridade não é apenas doutrinária, senão prática e real. O que difere os contratos eletrônicos dessa espécie de contratos firmados por correspondência epistolar é apenas o suporte físico da declaração, que passa do cartáceo para o eletrônico.

            Desse modo, em relação aos contratos eletrônicos interpessoais não simultâneos, uma vez expedida a aceitação, considera-se formado o vínculo contratual. Em favor do contrato eletrônico, tem-se que, via de regra, as comunicações eletrônicas identificam quando são enviadas, facilitando a determinação do momento de formação do contrato. Mais uma vez lançando-se mão da similaridade com os contratos formados por correspondência epistolar, as comunicações eletrônicas podem equivaler a uma carta com aviso de recebimento,uma vez que a maioria dos sistemas de comunicação por meio de computador goza da facilidade de enviar aviso ao remetente quando a mensagem atinge seu destino".

            Não obstante o posicionamento quase pacífico dos juristas em aplicar as normas da contratação por correspondência epistolar aos contratos eletrônicos interpessoais não simultâneos, há grande divergência doutrinária quanto a qual modalidade da teoria da agnição deve ser aplicada para identificar com precisão o exato momento de formação do vínculo negocial, se a subteoria da expedição ou se a subteoria da recepção.

            A discussão não é apenas teórica, ao contrário, repercute diretamente na prática, quando da contratação não simultânea celebrada eletronicamente. Se admitirmos como formado o vínculo contratual segundo as orientações da subteoria da expedição, bastará que o aceitante envie sua manifestação eletrônica de vontade ao proponente, em regra utilizando-se de e-mail, e que, assim, esta saia de sua esfera de alcance. Em outras palavras, encaminhado o e-mail de aceite ao proponente, o contrato reputar-se-á perfeito e acabado, pouco importando se este teve acesso ou não à declaração de anuência. Se, entretanto, entendermos como o mais correto aplicar a subteoria da recepção, o simples envio da aceitação por e-mail não será suficiente para formar o vínculo contratual, será necessário, além disso, que o proponente receba, em seu sistema computacional, a mensagem eletrônica que anui com os termos da proposta que enviou ao oblato.

            Em que pese o Código Civil ter adotado, em seu artigo 1.086, a teoria da agnição na modalidade da expedição para os contratos celebrados por correspondência epistolar ou telegráfica, acreditamos não ser ela a mais adequada para as contratações eletrônicas.

            Amparados pela corrente majoritária, da qual fazem parte as renomadas autoras Maristela Basso, Ângela Bittencourt Brasil e Rosana Ribeiro da Silva, temos como mais coerente e justo adotar-se a subteoria da recepção para determinar o momento de efetiva formação do vínculo contratual nos negócios jurídicos interpessoais não simultâneos celebrados eletronicamente.

            De fato, não vemos como razoável admitir o contrato como perfeito e acabado pelo simples envio do e-mail do aceitante para o proponente, uma vez que, por problemas técnicos diversos, alheios à sua vontade, o ofertante poderá vê-se impossibilitado de receber e-mails ou mesmo conectar-se à rede de computadores. Sabemos que não são raros os problemas relativos à instabilidade dos serviços de acesso ao correio eletrônico, das provedoras de acesso à internet e também das linhas telefônicas, principal meio por onde são transmitidas as informações da rede.

            Face ao exposto, temos que o e-mail de anuência do oblato deve ser considerado recebido não quando chega à empresa provedora de acesso e mantenedora do servidor de correio eletrônico, mas quando esta remete a mensagem eletrônica ao proponente e este a recebe em seu sistema computacional. Destarte, para nós, e para a maioria da doutrina, a manifestação de vontade do aceitante só poderá ser reputada adequadamente transmitida quando alcançar o sistema de computador do proponente e seu acesso estiver disponível a este, restando, destarte, estabelecido o vínculo contratual entre as partes, dentro do prisma da subteoria da recepção.

            Esse mesmo entendimento deve ser considerado para fins de validação de eventual retratação do oblato, ou seja, a mensagem eletrônica de aceitação e a de arrependimento devem ser analisadas no momento em que forem recebidas pelo sistema computacional do proponente, sendo despiciendo o instante de envio dos respectivos e-mails, feito pelo aceitante-retratador, à provedora de acesso e o momento em que esta recebeu as mensagens.

            Finalizando nosso estudo sobre o momento de formação do vínculo negocial estabelecido pela rede de computadores, resta-nos tecer algumas importantes considerações acerca dos chamados contratos eletrônicos interativos que, conforme estudamos, são aqueles onde "uma das partes interage com os sistemas de processamento de dados da outra, sem que esta esteja presente no momento da interação".

            Trata-se da forma mais corriqueira e difundida de contratar existente no meio eletrônico. Em regra, um determinado sistema computacional contém, em si, uma proposta que representa a vontade séria e firme, da parte que a disponibilizou, de efetivar um negócio jurídico com qualquer pessoa. Para a concretização do contrato, basta que a parte, eventual aceitante, concorde com os termos do contrato, manifestando sua aceitação a partir da escolha, nas páginas eletrônicas do web site, de uma opção do tipo sim, concordo, confirmo ou qualquer outra semelhante, mas que, inequivocamente, indique sua intenção de aderir à proposta.

            De acordo com Erica Barbagalo, esta situação gera "um caso misto, no qual, quanto ao proponente, por não saber ele si et quando haverá aceitação, o contrato será considerado como entre ausentes. O aceitante, por sua vez, tem ciência imediata da proposta quando a acessa, e, para este, o contrato pode ser reputado entre presentes". Prossegue a autora lecionando que, apesar da hibridez desta forma eletrônica de contratar, o momento de formação do contrato dar-se-á quando o oblato aceitar a proposta e exteriorizar sua aceitação, posto que, segundo afirma, cabe a este o poder de criar o vínculo. Observe-se que a proposta constante no sistema computacional da parte "ausente" tem que ser inequívoca e completa, com todos os requisitos básicos que um contrato deve conter.

            Ocorre situações, entretanto, em que o sistema computacional abriga não uma proposta completa, mas um simples convite ao negócio jurídico. Neste caso, incumbe à parte que acessa o web site prover as informações essenciais que possibilitarão a formação do vínculo. Em geral, essas informações dizem respeito ao objeto do contrato, ao preço, à forma de pagamento, e a outros dados que, dependendo do negócio, fizerem-se necessários. Convém observar que, nessas circunstâncias, invertem-se os papéis de proponente e aceitante, uma vez que a proposta será feita, de fato, pela parte que acessou o sistema computacional da outra e forneceu as cláusulas indispensáveis à contratação. Nesses termos, a parte que fez o convite será o oblato e, como tal, deverá manifestar sua aceitação ao policitante para que o contrato se efetive.

            Salienta Erica Barbagalo que, na hipótese acima descrita, o contrato será tido, em regra, como entre ausentes, pois nem a proposta e nem a aceitação são conhecidas de imediato pelas partes, devendo-se, portanto, aplicar as regras do artigo 1.086 do Código Civil para se determinar o momento de formação do vínculo.

            Poderá, todavia, ser considerado entre presentes se o sistema computacional que fez o convite à proposta "estiver provido de capacidade para imediatamente processar as informações do proponente e emitir automaticamente a aceitação". Continua a autora esclarecendo que "ainda que haja um lapso temporal entre a proposta e a aceitação, em havendo a possibilidade de a comunicação ocorrer durante o mesmo acesso do usuário do sistema, não sendo necessária nova ação deste para que conheça a resposta, será o contrato tido como firmado entre presentes".

            Alguns doutrinadores questionam a validade da aceitação manifestada automaticamente pelo computador, uma vez que não há qualquer interferência humana no momento da declaração. A dúvida surge na medida em que os sistemas computacionais, como é notório, não possuem capacidade volitiva e, por isso, não poderiam, em princípio, manifestar anuência a qualquer proposta feita pelo ofertante.

            A solução a ser dada a esse problema, ao contrário do que possa parecer, é bastante simples, sendo suficiente que, para tanto, lembremo-nos que, num momento anterior, a parte que disponibilizou o convite à proposta na rede de computadores preparou seu sistema computacional para emitir uma declaração de vontade, de forma automática, baseada em possibilidades de aceitação previamente estabelecidas. Ao emitir maquinalmente a aceitação, o computador, na verdade, compara a proposta com as condições que o potencial oblato já lhe forneceu e apenas verifica se a oferta feita pelo proponente encontra-se dentro de parâmetros aceitáveis. Há, portanto, uma manifestação prévia de vontade do possível oblato, que, simplesmente, transfere a seu sistema computacional o encargo de verificar a viabilidade ou não da proposta realizada pela outra parte.

            Ainda sobre os contratos eletrônicos interativos nos quais o sistema computacional apenas faz um convite à negociação, é importante salientar que também serão considerados celebrados entre presentes os contratos em que a própria aceitação conclui o contrato. Essa situação ocorre quando o computador do potencial oblato, ao emitir a aceitação, cumpre desde já sua obrigação, concluindo, destarte, o negócio jurídico. Exemplo bastante comum deste tipo de contratação pode ser verificada nos contratos que têm por objeto a aquisição de bens ou serviços que podem ser entregues ou prestados diretamente pela própria rede de computadores, como é o caso da aquisição de softwares.

Sobre o autor
Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia

Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Católica de Brasília (1995). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2002). Pós-graduado em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação pelo Centro Universitário da Grande Dourados (2008). Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade do Paraná. Delegado de Polícia Federal. Chefe do Núcleo de Repressão ao Crimes Cibernéticos da Polícia Federal do Paraná, com ênfase investigativa para os delitos de ódio e de pornografia infantojuvenil, mormente praticados pela Internet. Membro do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI), do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (IBDE) e do High Technology Crime Investigation Association (HTCIA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Da validade jurídica dos contratos eletrônicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 264, 28 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4992. Acesso em: 5 nov. 2024.

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