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A alteração da ordem processual no novo CPC:

Aspectos gerais e o direito empresarial

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Agenda 23/06/2016 às 14:48

A primazia do mérito e a eficiência autorizam a alteração da ordem processual, segundo a principiologia do novo CPC, desde que não haja ofensa à boa-fé. Estudam-se repercussões desse sistema em processos de direito empresarial.

Rápida referência aos princípios

A Lei 13.105/2015, que consubstancia o novo Código de Processo Civil, encampou a compreensão de que as normas se identificam como gênero, do qual se extraem espécies como são as regras e os princípios.

A propósito, pode-se dizer que as regras têm contornos objetivos, de maneira que o magistrado pode aplicá-las ao caso concreto, conforme a sua interpretação.

Diferente disso, os princípios trazem conceitos mais genéricos e amplos. Eles contribuem para a própria criação das regras, assim como na manifestação de escolha pelo magistrado quando aquelas trazem cláusulas abertas. De igual forma, ajudam para a superação de conflitos entre regras distintas ou decorrentes de lacunas legislativas.

De fato, já no primeiro artigo, o novo código chama a atenção para o fato de que ele não se guiará aprioristicamente por regras legais, mas sim por “normas fundamentais”.

Numa demonstração de que haverá certa horizontalidade entre as normas, em vez de hierarquia, tem-se a mudança redacional adotada pelo legislador no art. 140 NCPC. Sim, no novel dispositivo, diz o código, valendo-se de induvidosa generalidade, que “o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. Na redação do dispositivo correlato no CPC/73, constava, diferente disso, que o juiz não se recusaria a decidir sob a alegação de “lacuna ou obscuridade da lei” (art. 126). E, evidenciando a hierarquia à época adotada, constava na parte final do artigo: “No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.

Em outras palavras, antes, o código processual indicava preponderância das leis. Só não as havendo, é que poderia se socorrer a outras fontes, inclusive aos princípios. Agora no novo código, em sintonia com o que aqui já foi dito, excluiu-se aquela parte final que consubstanciava hierarquia em prol da lei, autorizando-se a utilização das demais fontes em aparente pé de igualdade.


Princípios relevantes para compreensão da alteração da ordem processual

A boa-fé processual, na mesma linha do sempre vigente princípio da lealdade, impõe conduta pautada pela eticidade. Tal imposição, como decorre do próprio artigo 5º NCPC, alcança todos que “de qualquer forma” participam do processo. Dito de maneira objetiva, a boa-fé processual importa que as partes, embora dotadas de parcialidade, devem guardar coerência em suas manifestações e posturas processuais, não criando embaraços à prestação jurisdicional.

Já o princípio da cooperação, previsto no art. 6º NCPC, exige transparência no diálogo entre os sujeitos do processo. É referencial a ser seguido, a fim de obter-se um processo justo e que não seja maculado por armadilhas. Se o desejo é que o mérito seja desatado, impõe-se colaboração de todos.

De outro lado, tem-se como verdadeira obsessão do novel código o atingimento do mérito, ou seja, o efetivo desate da lide. A isso se tem dado o nome de princípio da primazia do mérito. Com efeito, o art. 4º do novo diploma processual informa que a duração razoável do processo está atrelada à “solução integral do mérito”. De igual forma, o art. 6º estabelece que a cooperação entre os sujeitos do processo tem em mira alcançar “decisão de mérito justa e efetiva”. E o art. 139, ao versar sobre as incumbências do Juiz, insta-o a optar, sempre, por “determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais” (inc. IX).

Anote-se, ainda, o estímulo do legislador à autocomposição. Sim, diz o código que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial” (art. 3º § 3º NCPC). A permissividade à solução consensual de conflitos chegou, inclusive, ao ponto de viabilizar-se, doravante, a autocomposição ao redor do procedimento e dos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes, o que pode ser estabelecido antes mesmo da instauração do processo ou durante seu trâmite (art. 190 NCPC).

Por derradeiro, pontue-se que o código, como não poderia deixar de ser, manteve o princípio do impulso oficial (art. 2º NCPC). Dele decorre a compreensão no sentido de que as partes devem vir a juízo com suas postulações, porém, assim feito, compete ao magistrado, na direção do processo, dar-lhe impulso e prosseguimento ex officio. Mais ainda, o magistrado detém poder inquisitivo (iniciativa probatória – art. 370 NCPC), o qual lhe atribui flexibilidade, sem perda de imparcialidade, para apurar a verdade real.

Trazendo os referidos princípios ao tema ora em debate (ordem processual), é possível fixar as seguintes premissas objetivas:

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A ordem processual e sua alteração

O direito processual sempre esteve como espécie do direito público, na medida em que, até a vigência do CPC/73, o Juiz devia atenção ao rito legal, com poucos poderes de flexibilização.  De igual forma, as partes não detinham poderes mais intensos para negociar a alteração dos ritos e suas próprias incumbências processuais. Em outras palavras, o processo, entendido como meio judicial para a aplicação do direito material, sempre era regrado pelo Estado, com espaço reduzido para alterações pelo juiz ou pelas partes.

A ideia de um processo previamente idealizado estava associada ao paradigma da segurança. Ou seja, para que as partes não fossem prejudicadas no exercício oportuno do contraditório e para que o processo alcançasse seu fim, era necessário seguir um rito reto e inflexível.

Porém, tal rigor acabava por levar a resultados injustos, como aqueles decorrentes de inércia probatória da parte, muitas vezes advinda da sua fragilidade econômica ou social. De igual forma, o preconizado rito inflexível impedia o saneamento de vícios e conduzia à extinção de processos sem exame de mérito ou o não conhecimento de recursos. Em situações deste jaez, como a lide não chegava a ser equacionada, as partes ficavam no desalento, restando ao Judiciário o descrédito.

Pois bem, a nova ordem legal trouxe, movida por princípios de grandeza constitucional – como são os do devido processo legal, da razoável duração do processo, do livre arbítrio ou autonomia das partes –, o recebimento pelo processo civil de estímulos próprios do direito privado[2]. Agora, o Juiz tem poderes para mudar a ordem processual, podendo as partes, inclusive, pactuarem nessa seara[3].

Com efeito, a primazia do mérito exige que não se perca tempo com atos processuais desnecessários que atrasarão a solução do conflito. No sentido inverso também tem valia o princípio citado, pois não mais se admite que a entrega do bem de vida seja postergada a fases posteriores, se é possível defini-lo com clareza, desde já[4].

Ao influxo de tais ponderações, pode-se apontar, à guisa de exemplos, os seguintes dados quanto à inversão da ordem processual no novo sistema codificado:

Ao que se verifica, o novo código, prestigiando a menor intervenção estatal na vontade das partes e a primazia do mérito, contemplou inversões e acordos quanto à ordem processual.

E a prática forense mostrará inúmeras situações que revelarão o acerto do legislador, pois a segurança processual não pode se transformar em dogma, ao ponto de, desnecessária e desproporcionalmente, impedir o exame do mérito.

A procura pela verdade real, de outro lado, fomentará diversas situações de inversão, mormente no campo da produção das provas.

Assim é que se pode exemplificar com a hipótese em que, quando do exame de tutela provisória sobre paralisação ou demolição de determinada obra, o juiz, já ao início do processo e antes de proferir dita decisão, marque a prova pericial em caráter de urgência. Ora, se o dano pode ser irreversível tanto ao autor quanto ao réu, o juiz poderá determinar prova que lhe traga a segurança necessária para se posicionar. A  flexibilização na ordem da produção das provas (art. 139 VI NCPC) autoriza que assim faça o magistrado.

Na mesma toada, pode acontecer do juiz, numa ação indenizatória, designar, em primeiro lugar, a audiência de instrução e julgamento, para apuração da culpa. E, numa autêntica inversão da sequência probatória[5], designar a perícia depois, a fim de quantificar os danos sofridos pela vítima, uma vez evidenciada a responsabilidade civil. Ou seja, o juiz, de uma só vez no exemplo dado, permitirá que a perícia seja designada apenas se imprescindível (prévio reconhecimento da culpa do agente) e que os valores sejam, desde já e independente de posterior liquidação, fixados na decisão final.

Ainda na ilustração por exemplos, a despeito de aparente peremptoriedade do par. único do art. 456 NCPC[6], poderá, inexistindo real prejuízo ao réu e com base no que contém o art. 139 VI do mesmo codex, ser ouvida, em primeiro lugar, alguma testemunha por este arrolada, antes da oitiva daquelas do autor. Ora, o que o parágrafo único assevera é a possibilidade de o juiz aceitar e dar concretude à composição das partes quanto à inversão da inquirição das testemunhas. Porém, nada obsta que, com base no seu poder instrutório, inverta referida sequência[7]. É o que pode acontecer na hipótese de desnecessário e prejudicial adiamento de audiência para oitiva de testemunha do réu, se a do autor ainda não foi ouvida por carta precatória pendente de cumprimento. De igual forma, é o que  pode acontecer no caso em que o juiz, para avaliar a suspeição de testemunha do autor, tiver que, antes, ouvir aquela arrolada pelo réu. Ou mesmo naquele caso em que a testemunha do réu trará, pela sua qualificação, informações fáticas que facilitarão ao juiz a coleta de dados daquela arrolada pelo autor.

Vale imaginar, ainda, a hipótese de, após exaurimento da fase probatória e já em alegações finais, surgir um fato não comprovável por simples documento e que deva ser levado ao conhecimento do juízo[8]. E imagine-se que tal fato seja comprovado por ata notarial (art. 384 NPC)[9], prova esta que poderá ser admitida pelo magistrado, desde que ouvida a parte contrária.  O referido fato poderá ser comprovado – também imagine-se – por meio do procedimento de produção antecipada de prova, hipótese em que os autos respectivos são entregues ao promovente da demanda (art. 383 par. único NCPC).  Enfim, tem-se situações em que, mesmo sem redesignar audiência ou perícia, o juiz terá acesso, já em momento próximo ao julgamento, de fatos relevantes e que vieram à tona posteriormente.

Seguindo adiante, é importante pontuar, agora no campo recursal, também a viabilidade de produção de provas.

De fato, o novo sistema processual ampliou o chamado efeito translativo dos recursos. Trata-se da possibilidade da instância recursal conhecer de matéria ainda não enfrentada na instância a quo e, sequer, veiculada no recurso originariamente. Ou seja, a alegação de supressão de instância, ínsita ao duplo grau de jurisdição, deixa de ser relevante.

Pode-se identificar tal situação, por exemplo, na permissão do código processual a que a instância ad quem, por meio de mera diligência, supra os vícios que maculam o processo, sem impor nova decisão à instância a quo (conferir art. 938 e seus pars NCPC).

No concernente à apelação, o código permite que o tribunal identifique o vício formal ou o equívoco advindo da extinção do feito sem desate da lide, corrija-os e julgue “desde logo o mérito” (art. 1013 § 3º NCPC).

No tocante às provas, partindo o legislador da premissa de que o princípio do duplo grau de jurisdição pode ser relativizado, assim estabeleceu:

  1. O art. 933 NCPC admite a apuração e consideração de fato superveniente à decisão recorrida, devendo o relator, em tal hipótese, dar vista à parte contrária. Em outras palavras, se o fato pode vir à baila durante o trâmite do recurso, necessariamente deve-se permitir à parte interessada prová-lo, ainda que em sede recursal.
  2.  Antes disso, o mesmo código acentua ser competência do relator, de forma geral nos tribunais, “dirigir e ordenar o processo..., inclusive em relação à produção de prova” (art. 932 I NCPC).
  3. Mais enfática e diretamente, o art. 938 § 3º NCPC, aqui já citado rapidamente, estabelece o procedimento para a produção de provas em sede recursal. Diz aquele dispositivo que, “reconhecida a necessidade de produção de prova, o relator converterá o julgamento em diligência, que se realizará no tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, decidindo-se o recurso após a conclusão da instrução”.

Portanto, a prova, seja qual for sua natureza, pode, em determinadas situações, ser produzida no tribunal ou por ordem do mesmo, sem necessidade de que a decisão recorrida seja anulada e outra proferida em seu lugar. A primazia do mérito prepondera sobre o princípio do duplo grau de jurisdição, permitindo a imediata decisão pela instância revisora[10]. O poder inquisitivo da instância ad quem dá esta maior extensão ao efeito translativo dos recursos.

Neste diapasão, tem-se autêntica inversão da ordem processual, a implementar-se quando a instância recursal verificar a necessidade de produção de provas. Vale dizer que, mesmo já decidida a lide em instância anterior e encerrada a fase probatória, pode-se voltar àquela etapa por ordem da instância ad quem, produzindo-se, assim, as provas pendentes. Produzidas as provas, como se viu, retoma-se o julgamento, sacramentando-se a alteração da ordem processual (por exemplo, provas novas depois da própria sentença).

É importante destacar que a previsão legal acima citada está inserida no capítulo que versa sobre “ordem dos processos no tribunal”. Aplica-se, pois, a todo e qualquer recurso, desde que sua natureza comporte discussão sobre matéria fática.

Em assim sendo, deve-se dar por superada a exegese extremamente radical, no sentido de que o efeito devolutivo do agravo de instrumento deve-se limitar aos fatos e às provas, inclusive documentais, já ofertadas em 1ª instância. Realmente, como acentuado, o tribunal pode conhecer, em qualquer recurso, de fatos novos ou pretéritos, ainda não submetidos ao 1º grau, desde que ligados à questão controvertida que ensejou a decisão interlocutória agravada. O princípio da primazia do mérito aqui estudado, aliado àquele que versa sobre a eficiência (art. 8º NCPC), exige a decisão de imediato sobre a prova nova.

A propósito, vale acrescer que o art. 435 do novel código é cristalino ao permitir a juntada de documentos, ainda que posteriormente à petição inicial ou contestação. E, ao estabelecer tal permissão, o legislador, sem excluir a fase recursal de seu alcance, apenas exigiu, no parágrafo único do citado artigo, a justificativa da parte e a fundamentação do magistrado (sob a ótica do princípio da boa-fé). 

A ressalva que cabe, a esta altura, é sobre a necessidade da instância ad quem, por força do contraditório efetivo, ouvir a parte contrária sobre a nova prova (arts. 10 e 933 NCPC). Sim, não se concebe a ideia de haver a produção de prova, sem que sobre a mesma manifeste-se a parte contrária.

Sobre o autor
Luiz Fernando Valladão Nogueira

Advogado, procurador do Município de Belo Horizonte; diretor do IAMG (Instituto dos Advogados de Minas Gerais); professor de Direito Civil e Processo Civil na Faculdade de Direito da FEAD; professor de Pós- Graduação na Faculdade de Direito Arnaldo Janssen; autor de diversas obras jurídicas, dentre elas "Recursos em Processo Civil" e "Recurso Especial" (ed. Del Rey); membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Luiz Fernando Valladão. A alteração da ordem processual no novo CPC:: Aspectos gerais e o direito empresarial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4740, 23 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49923. Acesso em: 21 nov. 2024.

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