1 INTRODUÇÃO
O universo empresarial atual vivencia na atualidade um cenário de premente crise econômico-financeira decorrentes da política econômica e das consequências da crise mundial. Nessa configuração, vivenciamos como efeitos dessa crise suso citada uma elevação das taxas que envolvem a concessão do crédito, o aumento da desconfiança do mercado internacional, a redução do poder aquisitivo do mercado consumidor, além da insegurança na seara trabalhista.
Diante desse quadro, surge com destacada importância o direito falimentar como mecanismo que possibilita aos credores melhores perspectivas de recebimento de seus créditos, aos fornecedores de manutenção de seus clientes, aos empregados de estabilidade em seus empregos e ao mercado sofre menos os impactos e repercussões da insolvência empresarial.
Se para a crise empresarial não houver sido encontrada uma solução de mercado, a falência é a principal alternativa, realocando os recursos materiais e humanos da empresa falida em outras atividades econômicas que possam realizar a destinação econômica e social que deveriam.
A falência, após o devido processo de conhecimento, é decretada por meio de sentença. Suas características e efeitos são objetos de inúmeros trabalhos acadêmicos e doutrinários. Tais questões serão enfrentadas neste trabalho, bem como, à luz da recente jurisprudência sobre o assunto, será analisada uma nova consequência da sentença falimentar.
2 SENTENÇA FALIMENTAR
2.1 Conceito de sentença em geral
A palavra sentença tem por origem etimológica o verbo latino sentire, sentir. Assim, de forma superficial, a sentença advém do sentimento do juiz em relação ao fato e ao direito relativo ao fato. Falir surge dolatim fallere, faltar, seja com os pagamentos ou seus compromissos empresariais.
Moacyr Amaral dos Santos explica como a sentença era vista no Direito Romano:
Sentença, em direito romano, era o ato decisório da causa, o ato pelo qual o juiz decidia do pedido do autor, acolhendo-o ou rejeitando-o. Todos os demais atos decisórios se abrangiam sob a denominação de interlocutiones, decisões no curso do processo, em oposição à sentença, no sentido estrito, ou sentença definitiva, que resolvia o mérito da causa. (SANTOS, 2010, p. 4)
É, hodiernamente, a peça crucial do processo, por meio da qual o juiz soluciona o conflito que lhe foi posto para decidir. Deve ser dotada de clareza, precisão e concisão, além de rebater ou ratificar todos os argumentos que lhe foram apresentados.
Por meio do artigo 468 do Código de Processo Civil, temos uma demonstração da força da sentença dentro do ordenamento jurídico, uma vez que ela tem força de lei, ainda que restrita aos limites da lide e das questões nela resolvidas.
“A natureza jurídica da sentença é a de afirmação da vontade da lei, declarada pelo juiz, como órgão do Estado, conforme disposto no artigo 162, Parágrafo Primeiro, do Código de Processo Civil, aplicada a um caso concreto a ele submetido. Trata-se de um ato de comando, de um ato lógico, envolvendo um ato de vontade do magistrado, na afirmação da lei, como órgão investido de jurisdição pelo Estado.” (SILVA, 2011, p. 28)
2.2 Natureza jurídica da sentença falimentar
No processo falimentar a sentença é o que determina a situação de falido do empresário. Nesse sentido,
“a falência nasce de uma decisão judiciária. Sem provimento jurisdicional inexiste estado jurídico de falência, assente a impossibilidade de liquidação virtual. Sem um pedido do interessado (o credor, o próprio devedor ou as demais pessoas legitimadas) e a resposta jurisdicional (a sentença) não há falência [...]” (FAZZIO, 2006, p. 196).
A sentença pode ser declaratória, constitutiva ou condenatória em relação aos efeitos que produz. Assim, a sentença pode declarar a existência ou inexistência de uma relação jurídica (declaratória), extinguir ou modificar a relação jurídica (constitutiva) e/ou sujeitar o condenado a dar, fazer ou não fazer algo, executando-o (condenatória).
O Decreto-Lei 7.661/1945 qualificava como declaratória a sentença que decreta a falência. Contudo, acreditamos não ser condizente com a real natureza da referida sentença. Atualmente a Lei 11.101/2005, o legislador ordinário preferiu acabar com esta confusão, eliminado o adjetivo declaratória e passando a usar o termo sentença que decretar a falência, tal seja a intelecção do artigo 94 desta lei.
Uma vez que o empresário não é falido até a decretação da falência, a sentença falimentar não é de cunho declaratório. Contudo, o empresário após a sentença exarada passa a ostentar uma nova situação, a de falido, constituindo uma nova relação jurídica com os credores e a sociedade a partir deste fato. A partir da falência reconhecida juridicamente é que vão ser declarados, por meio de levantamentos, os credores que têm direitos junto ao falido e realizada a execução, sendo etapas posteriores à sentença. Trata-se, portanto, de uma sentença constitutiva.
A sentença pode ser terminativa ou definitiva. Quando terminativa, é o meio pelo qual se resolve a lide sem que o mérito seja atacado. São os casos em que são declaradas a incompetência do juiz, a prescrição ou decadência do direito pretendido. De outro lado, temos a sentença definitiva.
“Sua característica está em julgar o mérito, isto é, decidir da relação de direito substancial posta em juízo, é, pois, em acolher ou repelir o pedido contido na inicial. São as sentenças finais por excelência, a que a técnica processual denomina sentenças definitivas” (SANTOS, 2010, p. 4)
A sentença falimentar é de natureza definitiva, ainda que seja tratada recursalmente como decisão interlocutória, cabendo, pois, agravo de instrumento no prazo de 10 dias, uma vez que “longe de terminar, inaugura a falência propriamente dita. É decisão interlocutória porque, simplesmente, se interlocuta entre a cognição e a execução” (FAZZIO, 2006, p. 275)
3 EFEITOS DA SENTENÇA FALIMENTAR
Após a decretação de falência, se produzem alguns efeitos imediatos. O primeiro desses efeitos é a formação da massa de credores, que objetivam recuperar seus créditos por meio da realização do ativo do devedor. Possui dois sentidos: a massa falida subjetiva, formada pelo corpo de credores; e a massa falida objetiva, constituído pelo patrimônio colocado sob regime falimentar. Neste último sentido temos que
“A propriedade dos bens do falido é simplesmente nominal, uma vez que a massa dele pode e vai dispor. Configura-se um estágio necessário de transição: a propriedade do devedor sobre seus bens é mitigada pela apropriação judicial; a massa falida objetiva serve de ponte para a entrega desses bens, ou do produto de sua realização, para a massa falida subjetiva. Por massa falida objetiva entenda-se a ponte entre o devedor desapossado e os credores.” (FAZZIO, 2006, p. 283)
Além disso, com a falência jurídica imposta, ocorre, de imediato, a suspensão das ações individuais contra o devedor. Em virtude da par conditio creditorum, todos os crdores devem concorrer em igualdade, não havendo a necessidade de as ações em face do devedor movidas pelos credores prossigam, à exceção daquelas que discutam créditos não sujeitos a rateio ou íliquidos e as referentes a obrigações personalíssimas.
“Seria de fato despropositado que os credores pudessem continuar exercendo individualmente seu direito à cobrança judicial, concomitante à tramitação do concurso. Estariam, nesse caso, sendo desenvolvidas duas medidas judiciais de idênticas finalidades, a execução individual e concursal. Por essa razão, suspendem-se as execuções em que seja executado o falido (aquelas em que ele é exeqüente prosseguem). Essa suspensão, na grande maioria das vezes, será definitiva, isto é, corresponderá à extinção do processo.” (COELHO, 2008, p. 36)
Outro efeito decorrente da decretação da falência é que o transcurso de juros é interrompido contra a massa. Havendo condições, após o pagamento do créditos quirografários, os juros acordados e legais são resolvidos, mas somente se o ativo apurado for suficiente para o pagamento do principal.
Um quarto efeito da falência decretada é que se antecipam os vencimentos das obrigações do devedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis, descontando proporcionalmente os juros, tal qual a antiga lei de falências preconizava em seu artigo 25.
“O que os credores têm, em verdade, é o direito ao rateio que lhes tocar na liquidação do ativo do patrimônio do agente econômico. A LRE insere os credores num quadro lastreado na igualdade de condições, pois afasta as vantagens que poderiam ter, com a antecipação do vencimento, os portadores de títulos ainda não exigíveis por ocasião da abertura da falência.” (FAZZIO, 2006, p. 290)
A arrecadação do ativo do devedor ou da sociedade falida é outro dos efeitos da falência, dando origem a massa falida objetiva, sendo gerida pelo administrador judicial, tendo o falido direito ao restante dos bens ou valores que remanescerem após o fim da execução concursal.
Com a sentença que confirma a falência, o devedor inabilita-se para qualquer atividade empresarial, permanecendo neste impedimento até que sejam extintas as suas obrigações. É um dos efeitos quanto à pessoa do devedor.
Outro efeito, que podemos reputar um corolário da arrecadação dos bens do falido para constituição da massa falida objetiva é que o falido perde a posse de seus bens, não fazendo jus, inclusive, aos frutos que deles provenham. Cumpre salientar que “quem perde automaticamente a administração dos bens é a empresa que tem a falência decretada, e não seus sócios ou administradores” (MANDEL, 2005, p.204).
Outro efeito da decretação da falência é a dissolução da sociedade empresarial, pois se “desfaz todos os vínculos existentes entre os sócios ou acionistas e inaugura o processo judicial de terminação da personalidade jurídica da sociedade” (COELHO, 2008, p. 285).
4 REMANESCÊNCIA DA CAPACIDADE POSTULATÓRIA APÓS A DISSOLUÇÃO EMPRESARIAL
Majoritariamente, a doutrina assevera que a capacidade postulatória da sociedade falida fica combalida com a decretação de falência. Nesse sentido,
“o falido, não pode figurar como autor ou réu em ações patrimoniais de interesse da massa, ficando impedido, inclusive, de praticar qualquer ato que se refira, direta ou indiretamente, aos bens, interesses, direitos e obrigações compreendidos na falência, sob pena de nulidade, a ser declarada ex officio, independentemente de prova de prejuízo” (ALMEIDA, 2006, p. 144)
Contudo, é defeso que “os falidos podem e devem defender uma boa liquidação dos bens da empresa falida e se defender contra a habilitação de créditos indevidos que possam majorar a dívida da falida.” (MANDEL, 2005, p.204).
Assim sendo, a empresa cuja falência foi decretada perde certa autoridade referente aos direitos patrimoniais envolvidos, mas isso não retira sua capacidade e legitimidade de propor ações. Dessa forma, entendeu o STJ nos julgamentos dos REsp 1.315.421/MG e 1.126.521/MT de que resta ao falido, ainda que sua situação seja de residualidade negocial, que o falido detém capacidade processual.
4.1 REsp 1.315.421/MG – Arguição de suspeição de administrador judicial
A 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legitimidade recursal falido para arguir a suspeição de um credor que fora indicado para administrar a massa falida. O tribunal a quo entendeu que a declaração de falência acarretava na perda de sua capacidade processual, não sendo possível sua admissão no pólo ativo da contestação do administrador da massa falida.
Para o relator do recurso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a perda da capacidade processual do devedor não é efeito gerado pela decretação da insolvência jurídica, podendo ajuizar ações para defender seus interesses relativos ao reconhecimento da falência.
No entendimento do relator, o tribunal de origem confundiu a inaptidão econômica do devedor com a incapacidade de declarar sua vontade. Eis um excerto da decisão:
“(…) o enunciado normativo do artigo 12 do CPC, no que diz respeito à representação da massa do devedor insolvente, não lhe retirou a capacidade de estar em juízo que lhe fora alcançado pelo artigo 7.º do CPC, pois continua sendo uma pessoa física no exercício de seus direitos civis, embora com algumas restrições relativas ao seu patrimônio arrecadado para garantir a execução coletiva.
Por isso, conforme previsto no artigo 752 do CPC, o efeito material mais importante da declaração de insolvabilidade é a perda do direito de administração e de disponibilidade de seus bens, diante da inaptidão econômica para solução das dívidas, mas não a perda da sua capacidade processual, como se fosse um processo de interdição.”
Ao votar pelo provimento do recurso especial, o ministro Sanseverino concluiu que, por motivos óbvios, o devedor insolvente perde apenas o direito de administrar e de dispor de seu patrimônio, mas não se extrai da regra geral do artigo 7º, combinada com o artigo 12, a perda de sua capacidade processual.
4.2 REsp 1.126.521/MT – Capacidade postulatória para ação rescisória
Ainda a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, decidiu que uma empresa tem capacidade postulatória para propor ação rescisória visando desconstituir o decreto de falência.
O ministro João Otávio de Noronha, relator do acórdão, explicou que o objetivo da ação não era discutir sobre bens, mas pleitear a nulidade da decisão que alterou a situação da empresa, tornando-a falida juridicamente. Segundo o ministro, esse é um interesse legítimo falido.
O voto do mistro Noronha é de uma luz ao assunto que tratamos nesse artigo, emoldurando de forma brilhante a extensão dos efeitos da sentença de falência. Eis sua decisão:
“Dizer que o falido não pode propor ação rescisória do decreto falencial é dar uma extensão que a lei não deu. Com a falência, o falido sofre uma capitis diminutio , ele é afastado da administração dos seus bens.
Ocorre que aqui não se está discutindo sobre bens, não se está discutindo sobre arrecadação; o que se está discutindo é a possibilidade de rever, de pedir a nulidade daquela decisão que mudou o status da sociedade, fazendo com que deixasse de ser solvente para ser insolvente juridicamente.
(…) Portanto, não podemos tirar do falido o poder de recorrer da decisão que decreta a falência que não tenha efeito suspensivo, pois, nesse caso, já não poderia nem recorrer, muito menos propor ação rescisória. Veja-se que é o único caminho que tem para reverter a decisão que, segundo ele, fere frontalmente a ordem legal.
(…) Trata-se aqui de uma ação de status pessoal. Ele é falido e quer reverter a situação. Ele quer dizer: eu não devo ou não mereço ser falido, pois houve uma violação. A rigor, só ele pode fazer isso; ele não está defendendo os bens da massa, os bens da sociedade, ele está defendendo o próprio nome. O status dele é que sofreu uma alteração com a quebra.
(…) A massa não pode dizer a ele, nem tem interesse jurídico de dizer, que não deve ter falência. Repito, a massa não tem esse interesse jurídico. Só o falido tem interesse para ajuizar a ação rescisória contra o decreto sentencial. Pontes de Miranda diz que é possível ação rescisória nesse caso. É um dos exemplos típicos do passado em que se admitia ação rescisória contra decisão interlocutória, porque se entendia que a do decreto sentencial, como não punha fim ao processo, mas inaugurava o processo de execução, constituía o título da execução, era uma decisão interlocutória.”
A decisão reconhece a legitimidade da empresa falida e determina a volta do processo à instância de origem para prosseguir o julgamento da rescisória.
5 CONCLUSÃO
A sentença de decretação de falência, de natureza constitutiva, produz severos efeitos na vida e administração da empresa falida, restringindo-lhe a ação e criando-lhe deveres. Contudo, remanesce ao falido sua capacidade postulatória sempre que a lide não verse sobre assuntos de manejo patrimonial.
Se a ação tratar da administração de bens, é certo de que o falido não possui capacidade postulatória. Contudo, tudo que não for relacionado à gerencial patrimonial é passível de postulação em juízo pela insolvente. Nesse sentido, o ministro Noronha entende ser pacífica essa questão no STJ:
É preciso examinar com cuidado os precedentes para distinguir aqueles que versam sobre bens da massa e aqueles que tratam sobre a reversão do status de falido, não importa se pessoa física ou jurídica. O que não pode é o falido, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, querer litigar pela administração dos bens da massa, pela venda da massa. Isso é outra coisa. Mas o seu status, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, é de falido, o que importa em uma capitis diminutio , seja pessoa física ou jurídica. A alteração de seu status é uma questão pessoal, uma questão de personalidade jurídica, de modo que o falido tem direito e legitimidade para propor ação a esse respeito”
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa: de acordo com a Lei n. 11.101/2005. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
MANDEL, Julio Kahan. Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas anotada. São Paulo: Saraiva, 2005.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. V. 3. 24.ed. São Paulo: Saraiva. 2010.
SILVA, Stephanie Alves da. Dos Efeitos da Falência Quanto à Pessoa do Falido. São Paulo: USF, 2011.
STJ. Declaração de insolvência não elimina capacidade processual do devedor. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/Print/pt_BR/noticias/noticias/%C3%9Altimas/Declara%C3%A7%C3%A3o-de-insolv%C3%AAncia-n%C3%A3o-elimina-capacidade-processual-do-devedor>. Acesso em: 09 de maio de 2015.
STJ. Falido pode propor ação rescisória para desconstituir decreto falimentar. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/Print/pt_BR/noticias/noticias/%C3%9Altimas/Falido-pode-propor-a%C3%A7%C3%A3o-rescis%C3%B3ria-para-desconstituir-decreto-falimentar>. Acesso em: 09 de maio de 2015.