É sabido que as drogas destroem a vida dos seres humanos, transformando-os em pessoas viciadas nos entorpecentes e suscetíveis ao cometimento de crimes graves, como furtos, roubos, estupros e até homicídios. Não é incomum vermos crimes serem cometidos com o agente estando sob efeito de drogas ou por ocasião dela. Pensando nisso, o legislador proibiu o uso, a posse, o porte, a venda, o transporte, a importação, a exportação, dentre outras condutas referentes à droga, punindo criminalmente os transgressores (art. 281 do Código Penal; após, Lei 6368/76 e Lei 10409/02; e, atualmente, Lei 11343/06).
Ao longo dos anos, o combate ao uso da droga aumentou consideravelmente fora do campo do Direito Penal, com o Estado realizando e incentivando a realização de cursos e palestras, ensinando e educando as crianças, jovens e adolescentes sobre os malefícios das drogas, através de políticas de combate ao uso de entorpecentes, como o conhecido Proerd, que leciona para crianças do quinto ano do ensino fundamental.
Concomitantemente, a legislação penal que trata sobre o uso da droga foi diminuindo, ao ponto que a última lei de drogas (Lei 11343/06) trouxe um artigo para criminalizar o uso de droga. Tal artigo acabou por rapidamente chamar a atenção de todos. Com a redação a seguir, o art. 28 da Lei 11343/06 alterava a punição dada aos transgressores em matéria de Direito Penal, não sendo mais reclusão, detenção ou prisão simples por tempo determinando e/ou multa (sendo fora dos padrões da Lei de Introdução ao Direito Penal), necessitando do Supremo Tribunal Federal determinar que o uso de drogas ainda era crime no Brasil.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
[...]
E por qual razão houve essa modificação? Para, única e exclusivamente, livrar da prisão o indivíduo que usar droga. Evitar que recaia sobre ele a força e o peso do Direito Penal. Entretanto, o próprio Direito Penal determina que, somente as condutas que realmente ofendem gravemente bens jurídicos penalmente tutelados e que nenhum outro ramo do Direito, por si só, consigam evitar que podem ser tutelados pelo Direito Penal. É o chamado Princípio da Intervenção Mínima, ou da Ultima Ratio.
Se analisar cautelosamente o art. 28 da Lei 11343/06 e a sua aplicação no campo do Direito Penal, podemos analisar, primeiramente, que o uso de drogas não causa dano nem coloca em risco a saúde pública, ainda que minimamente, para ser criminalizada. As drogas afetam sim a saúde, mas a individual, algo que não é criminalizado pelo Direito Penal – o risco deve ser coletivo, nunca individual. Podemos até citar que as drogas possam colocar em risco a incolumidade pública, mas não a ponto de criminalizar a droga – e sim, por exemplo, para não legalizá-la. Segundo, manter um tipo penal que a própria legislação força diversos mecanismos para evitar, a todo custo, a prisão do infrator faz com que seja completamente desnecessária a sua manutenção. Podemos citar que o infrator possui direito à transação penal (art. 76), à suspensão condicional do processo (art. 89) e, caso seja condenado, poderá ser advertido, obrigado a frequentar cursos antidrogas ou realizar XXX – não há, sequer, como dito anteriormente, um dia de prisão para o infrator. No final das contas, o infrator realizará condutas extrapenais. Por que não aplicar outro ramo do Direito, como o Administrativo – aplicando-se multa, por exemplo – aos usuários de droga?
Manter o uso de drogas como tipo penal viola, pois, gravemente a Intervenção Mínima. Deve-se, portanto, descriminalizar tal conduta, fazendo com que o art. 28 da Lei 11343/06 deixa de ser tipo penal e passe a ser infração administrativa ou cível, permitindo que outros ramos do Direito cuidem, por si só, integral e satisfatoriamente da matéria.