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Integração internacional:uma análise

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Agenda 23/06/2016 às 19:08

Prévia do capítulo sobre Integração Internacional publicado no Livro Direito do Mercosul.

A integração internacional é um tema que vem ganhando destaque com o avanço da Internet e a globalização. Mas poucos sabem o real significado deste instituto e suas conseqüências na economia global, bem como sua importância para os blocos regionais que vão se formando.

O tema da integração internacional econômica ganhou maior visibilidade em razão dos avanços econômicos empreendidos pela Comunidade Européia. Parte da origem do ideal integracionista poderia ser atribuída aos filósofos existencialistas como Immanuel Kant e seus escritos em que discorreu sobre sua esperança de encontrar a “paz perpétua” por meio de uma federação de Estados livres regulada pelo Direito das Gentes e pelo Direito Cosmopolita.[1]

Essa visão idealista das relações internacionais nasceu após a segunda grande guerra, quando se pode dizer que o receio de que novos conflitos de grande proporção pudessem colocar novamente em risco a segurança e a paz mundial geraram o realismo político e muito incentivaram a celebração de tratados e a criação de órgãos internacionais. Essa cooperação internacional permitiu uma incursão para o estágio de verdadeira integração que se consolidou com o surgimento das Comunidades Européias e relativizou a teoria da soberania clássica, como Hans Kelsen há muito havia profetizado “na conclusão do seu ensaio sobre a soberania, de 1920: “O conceito de soberania deve ser radicalmente mudado. É esta a revolução da consciência cultural da qual necessitamos em primeiro lugar.”[2]

Luigi Ferrajoli traz em seu livro “A soberania no mundo moderno a importante colaboração de Francisco de Vitoria para a atual teoria da soberania em âmbito internacional ao contestar todos os títulos de legitimação inicialmente aduzidos pelos espanhóis em sustento da conquista, lançando assim os alicerces da teoria do direito internacional moderno que permeia o novo conceito de soberania.[3]

Os Estados que participam de processos de integração tem como objetivo principal a busca pelo desenvolvimento econômico, como afirma Eduardo Schaposnik: “a integração não é um fim em si mesmo, mas um meio ou um instrumento para conseguir o desenvolvimento”.[4] Porém deve-se destacar que a integração não só interfere nos aspectos econômicos, mas também interfere nos aspectos políticos sociais e na esfera do direito.

O fenômeno da integração ainda não está suficiente delimitado e sistematizado, principalmente porque compreende temática nova e bastante mutável. Sendo assim não existe modelo rígido a ser seguido pelos blocos de integração. As características de cada processo de integração podem variar conforme uma série de fatores.

Distinção entre o conceito de cooperação e o conceito de Integração

Tendo como modelo a integração européia, podemos dizer que uma das principais características a serem destacadas é a estreita ligação entre integração e interdependência.

O conceito clássico de soberania não é mais adequado para descrever a situação internacional da atualidade, posto que atualmente a independência absoluta não mais existe no sistema internacional contemporâneo. Hoje os Estados devem pensar suas atitudes de forma global, pois como bem menciona Malcom Shaw:

Qualquer ação de um Estado pode ter profundas conseqüências e repercussões nos demais estados, sendo assim as decisões devem ser pensadas considerando tal impacto nos demais Estados.[5]

Balassa defende que a integração pode ser vista tanto como processo, quanto como estado. Para ele a integração como processo abrange medidas destinadas a abolir discriminação entre unidades econômicas pertencentes a diferentes Estados Nacionais” já a integração como estado de coisa nada mais seria do que a “ausência de várias formas de discriminação entre economias nacionais.[6] Sendo assim, podemos concluir que a integração vista sob um prisma dinâmico corresponderia ao processo, já a integração no seu aspecto estático constituiria estado de coisas.

A maior parte da teoria aplicada ao processo de integração baseia-se fundamentalmente nos artigos do GATT referentes a integração entre as partes contratantes e na experiência européia, para melhor entendermos tal instituto faz-se necessário compreendermos o conceito de coordenação, concentração, cooperação e integração distinguindo-os entre si.

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Coordenação

Conforme definição no dicionário Aurélio, coordenação pode ser definida como uma disposição ordenada, coerente e metódica das idéias numa frase, num texto.

Desta forma a coordenação entre Estados-membros de um bloco seria a utilização de esforços de todos os Estados no intuito de atingir um mesmo objetivo. Como, por exemplo, o pedido do presidente da Comissão Européia para que houvesse uma coordenação entre os Estados-membros da União Européia no intuito de superar a crise financeira internacional: “Apelo aos Estados-membros que façam um verdadeiro esforço para melhorar a coordenação entre si, bem como com as instituições européias”.[7]

Concentração

Quando se fala em integração regional, inevitavelmente falar-se-á na necessidade de coordenação das estruturas produtivas para uma maior integração dos Estados-membros. Tal conceito muito difere da concentração.

O dicionário Aurélio define o ato de concentração como sendo ação de concentrar, de agrupar. Sendo assim neste conceito cada país deve concentrar sua produção naquelas áreas em que fosse relativamente mais competitivo, agregando valores que se complementam no bloco econômico. O ato de concentração depende do grau de compromisso do Estado membro com os demais países com os quais mantém comércio, que por sua vez influência na soberania das decisões destes países membros.

Cooperação

Keohane define a cooperação, “como um processo de coordenação de políticas, por meio do qual os atores ajustam seu comportamento às preferências reais ou esperadas dos outros atores internacionais.[8]

Tal cooperação é considerada por autores como Carlos Francisco Molina Del Pozo e Jamile Bergamaschine Mata Diz, como o primeiro pilar para uma completa integração intergovernamental como ocorreu na União Européia. Estes autores destacam a necessidade de uma espécie de cadeia evolutiva das formas de integração, onde a cooperação seria peça chave para se chegar a desejada integração total e completa tanto do âmbito aduaneiro como no âmbito social.[9]

As áreas de exclusiva cooperação também são conhecidas como áreas de preferência tarifaria, devido sua superficialidade e pequena abrangência, não representam ainda formas de integração.

Integração

Trata-se de uma forma mais desenvolvida de cooperação. MORE destaca em seu trabalho que o termo "integração", pode ser visto como forma de abolição de entraves nos movimentos de mercadorias, pessoas e capitais, alargando desta forma a atuação da oferta e da procura ao eliminar as distorções causadas pela antiga política setorial. O autor nos ensina que tal termo passou a ser aplicado aos fenômenos econômicos que surgiram durante a segunda grande guerra mundial, desde esta época o conceito de integração tem variado de acordo com o enfoque que se dê. Do ponto de vista econômico integração significaria, para o doutrinador Rodrigo More, a abolição dos entraves globais bem como uma maior movimentação de mercadorias, pessoas e capitais, alargando desta forma a atuação da teoria da “oferta e da procura” e resultando em uma política comum que possui como objetivo precípuo a abolição das distorções das políticas setoriais. Já do ponto de vista jurídico tal integração significaria muito mais que uma união política econômica, mas sim uma harmonização e uma uniformização dos sistemas legais de todo o mundo.[10]

A integração pode ser considerada como sendo o primeiro passo para uma total harmonização global. Esta por sua vez subdivide-se em diversas categorias dependendo do grau de integração para sua classificação.

Categorias de integração

Inspirado no processo de integração europeu, Bela Balassa[11] destacou cinco formas de integração que, por sua vez, podem também ser lidas como sendo etapas do processo de formação de um estágio cada vez mais profundos de integração. As etapas destacadas por Balassa são: as zonas de livre-comércio, a união aduaneira; mercado comum; união monetária e a união econômica integral, que pode ser considerada um ideal internacional ainda não alcançado por completo.

Zona de Livre-Comércio

Para Balassa esta é a primeira etapa do processo de integração. Nessa etapa, as barreiras tarifárias e não tarifárias são eliminadas do comércio dentre os Estados que formam parte do bloco econômico.[12] Deve-se destacar que nas zonas de livre-comércio a política comercial exterior de cada Estado-membro se mantém independente, sendo, desta forma, permitido aos Estados-membros a prática isolada de tarifas aduaneiras com relação a Estados estranhos. Tal permissão acaba por gerar a problemática da “triangulação”, que é a possibilidade de um Estado membro ao se relacionar e fazer uma nova política tarifária com um Estado estranho ao bloco, permitindo desta forma que os produtos do Estado estranho consigam entrar no bloco como se este membro fosse. Para melhor ilustrar tal problemática podemos pensar em um acordo entre os EUA e a Inglaterra com base no Common Law, porém com a Inglaterra faz parte da União Européia, se o EUA vende-se um produto á Inglaterra dentro de seu “pacto econômico”, tal produto, uma vez dentro da Inglaterra, teria livre acesso aos demais países membros da União Européia sem necessariamente fazer parte de tal bloco econômico. Para evitar tal problemática foi criada a chamada “regra de origem”, no qual passa a valer a origem do produto para que sejam aplicados as normas e benesses da zona de livre comércio.

União Aduaneira

Tal problemática faz surgir a União Aduaneira como forma de evitar as deficiências da zona de livre comércio. Essa segunda etapa do processo de integração compreende a aplicação de uma tarifa externa comum bem como a harmonização da política comercial com relação a Estados terceiros. Com a instituição desta tarifa comum todas as mercadorias que ingressam no bloco ficam sujeitas ao pagamento dos mesmos direitos aduaneiros, não importando em qual Estado-Membro se realize o desembaraço aduaneiro.

Ricardo Xavier Basaldúa diferencia a união tarifaria, também conhecida como zona de livre comércio da categoria união aduaneira. Na primeira haveria apenas eliminação de barreiras tarifárias e não tarifárias no comércio entre Estados- Membros e no máximo a constituição da tarifa externa comum, já na união aduaneira, haveria além das características da união tarifaria um código aduaneiro comum.[13]

Mercado Comum

O mercado comum representa o terceiro estágio da integração. Nessa etapa soma-se às características da zona de livre-comércio e da união aduaneira, gerando a livre circulação de todos os fatores produtivos.

Para que determinado bloco de integração possa ser considerado um mercado comum é necessário que haja completa liberdade de circulação de bens, capitais, serviços e pessoas, política de comércio exterior harmonizada e a existência de TEC aplicada por todos os Estados Membros.[14]

Observe que o Tratado de Montevidéu de 1980, em seu artigo 7º, prevê a conclusão entre seus Países-Membros de acordos econômicos de alcance parcial. Desta forma o MERCOSUL bem como outros mercados comuns conseguem escapar da cláusula da nação mais favorecida ao firmarem um acordo parcial de complementação econômica. Ana Cristina Pereira nos explica que por ser o MERCOSUL um acordo considerado de alcance parcial, prevalece o entendimento de que os Estados-membros do MERCOSUL não estão obrigados a estender qualquer vantagem comercial acordada aos demais membros. É desta forma que os países membros da ALADI conseguem escapar da clausula da nação mais favorecida.[15]

União Econômica e Monetária

Por último, a União Monetária constitui o penúltimo estágio da integração sendo superior no nível de desenvolvimento ao já mencionado mercado comum, pois abrange as características deste e ainda impõe a harmonização das legislações nacionais nas áreas da política econômica, financeira e monetária. Neste estágio normalmente ocorre a unificação da moeda, da política monetária e de seu controle por parte da união dos Estados-membros.

Esse tipo de união requer a liberalização completa do movimento de bens, capitais, serviços e pessoas, a aplicação da Tarifa Externa Comum, harmonização integral das políticas macroeconômicas e setoriais, bem como a criação de um Banco Central comunitário e de uma moeda comum para todo o bloco econômico, que em regra ficam sob uma coordenação comum.

Já a União Econômica Integral, pode ser definida como sendo uma das formas de integração mais profundas imaginada por Bela Balassa. Essa etapa demanda a “unificação de políticas monetárias, fiscais, sociais e contracíclicas e requer a criação de uma autoridade supranacional cujas decisões sejam obrigatórias aos Estados Membros”.[16]

O professor Paulo Roberto de Almeida destaca em seu trabalho “Acordos minilaterais de integração e de liberalização do comércio” que a América Latina trata-se de uma das regiões de maior intensidade e volume de acordos minilateralistas hoje registrados, observando-se desta forma a nova problemática nomeada como sendo “prato de espaguete” por Jagdish Bhagwati (the spaghetti bowl problem[17]). Hoje se pode dizer que preside uma pluralidade de diferentes formatos de acordos preferenciais sendo servidos com “molhos”, que nada mais são do que as diversas regras de origem para cada um dos acordos firmados.

Desde o surgimento desta teoria pode-se dizer que o MERCOSUL não obteve sucesso no estabelecimento do prometido mercado comum, nem ao menos completar sua união aduaneira.  Sendo assim alguns doutrinadores afirmam que apesar do MERCOSUL encontrar-se no estágio anterior ao chamado União monetária, visto que as preferências até aqui trocadas entre os países membros tanto da CAN como do Mercosul não tem acrescentado nenhum ganho substancial em relação aos tradicionais acordos aladianos, somente contribuindo para a formação cada vez pior do cenário pintado por Jagdish Bhagwati, o tão temido “prato de espaguete”.

Outrossim, não há qualquer previsão que o MERCOSUL venha a atingir tal patamar de integração, como assim o foi com a União Européia, mas tal falta de previsão não deve acabar com a esperança de uma pacificação mundial defendida por Immanuel Kant e outros filósofos visionários do passado.


 REFERÊNCIAS:

AGGARWAL, Vinod K. and ESPACH Ralph H., “Diverging Trade Strategies in Latin America: An Analytical Framework” in Aggarwal, Vinod K., Ralph H. Espach, and Joseph S. Tulchin, eds., Regional and Transregional Trade Strategies in Latin America (in press).

BALASSA. The Theory of Economic Integration p.1

BASALDÚA, Mercosur y Derecho de La Integración, p.32-43

BOHLKE. Marcelo, Integração Regional e Autonomia do seu Ordenamento Jurídico. 4ª edição, Ed. Juruá, Curitiba. 2007.

FERRAJOLI. Luigi. A soberania no mundo moderno.  Ed. Martins Fontes. São Paulo, 2007. P. 6-7

JORNAL ELETRÔNICO P20. Barroso apela à coordenação entre Estados-membros para responder à crise financeira. Economia, http://economia.publico.pt/ Noticia/barroso-apela-a-coordenacao-entre-estadosmembros-para-responder-a-crise-financeira_1345366. Publicado 08.10.2008, acessado em 31/10/2010

KANT, Immanuel . Á paz perpétua e Outros Opúsculos. Lisboa, edições 70. 1995

KELSEN, Hans. II problema della sovranità e La teoria Del diritto Internazionale. Contributo per una dottrina pura del diritto, 1920, trad. italiana de A. Carrino, Giuffré, Milão, 1989, p. 469

KEOHANE. R. 1984. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. New Jersey: Princeton University Press.

MORE. Rodrigo Fernandes, Integração econômica internacional.  Revista Eletrônica Jus Navegandi, http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3307 .1998, acessado em 31/10/2010

PEREIRA. Ana Cristina Paulo. Direito Institucional E Material Do Mercosul . 2 Edição, Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2005

POZO. Carlos Franciso Molina del (Org.); DIZ, Jamile Bergamaschine Mata (Org.). Integração e Aplicação da União Européia. 1º Edição. 2 Tiragem. Ed. Juruá. Curitiba. 2004, p. 21-22

Sobre a autora
Cristiana Campos Mamede Maia

Advogada, Sócia do Garcia Abreu Advogados Associados e Pesquisadora da FGV-Rio; Pós-Graduada em: Direito Público pela Escola de Magistratura do Rio de Janeiro - EMERJ (2016); em Direito do Estado e Regulação pela Fundação Getúlio Vargas-FGV/Rio (2013); Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes- IAVM (2010); Especialista em Direito Imobiliário pela Universidade Candido Mendes-UCAM (2008); Bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes-UCAM (2011).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

MAIA. Cristiana. “Capítulo 01-DIREITO DA INTEGRAÇÃO”. In: RIBEIRO, Elisa de Souza (org.). Direito do MERCOSUL. Curitiba-PR: Appris, 2013. P. 25-49. ISBN nº 974-85-8192-208-9.(data da publicação:20/ 07/2013).

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