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A consagração dos direitos humanos na família contemporânea como reflexo da transformação social do indivíduo

O direito das famílias passou por intensas transformações à luz das modificações ocorridas na estrutura familiar contemporânea. A família matrimonial e patriarcal cedeu espaço à família eudemonista, a qual consagra os direitos humanos em seu seio.

RESUMO

Nas últimas décadas, o direito das famílias passou por intensas transformações à luz das modificações ocorridas na estrutura familiar contemporânea. Afinal, a família vista sob olhos do passado, era enxergada com uma concepção institucionalista, como sendo um núcleo patrimonial centrado na autoridade do pai de família. No entanto, a família matrimonial e patriarcal cedeu espaço à família eudemonista, a qual aposta no estreitamento de laços afetivos e na solidariedade entre seus membros. Contudo, nem sempre foi assim, pois o direito de família, durante séculos, serviu como instrumento de discriminação e sofrimento, privilegiando a manutenção do casamento em detrimento do sentimento e da felicidade de seus componentes, instaurando a desigualdade entre marido e mulher, em notória discriminação em relação à mulher e, ainda, penalizando os filhos não havidos na constância do matrimônio ao considerá-los como filhos ilegítimos. No entanto, a transformação sofrida pelo indivíduo, desde o século XVIII, produziu modificações no pensamento e na postura social, com a mudança interior do ser humano, culminando com a gradativa aceitação e elaboração dos direitos humanos que, na contemporaneidade, bate às portas do direito de família, uma vez que não se pode mais negar a luzente existência dos direitos humanos no seio das famílias. Prova disso é que não se enxerga em nenhuma outra seara do ordenamento jurídico pátrio um direito que seja mais humano que o direito de família. O fato é que a concepção de família evoluiu junto com a transformação social promovida pelo indivíduo, em prol da proclamação dos direitos humanos no bojo da família, o que pôde propiciar o nascimento de novos fundamentos no direito de família, a qual hoje se encontra menos subordinada à regra e às convenções sociais, e mais compromissada com a felicidade e de a dignidade humana de seus componentes.

Palavras-chave: Direitos humanos. Família. Afetividade. Dignidade da pessoa humana. Direito à felicidade.

 

ABSTRACT

In recent decades, the right of families underwent sweeping changes in the light of changes occurring in contemporary family structure. After all , the family seen in the eyes of the past, it was enxergada with an institutionalist conception , as a core asset centered on a father 's authority. However , the marital family and patriarchal gave way to eudaimonistic family, which bet in strengthening emotional ties and solidarity among its members. However, it was not always so, for the right family for centuries served as discrimination and suffering instrument , favoring marriage maintenance at the expense of feeling and happiness of its components , establishing inequality between husband and wife in notorious discrimination against women and also penalizing the children not havidos the constancy of marriage to regard them as illegitimate children. However , the transformation experienced by the individual, since the eighteenth century , produced changes in thought and social position , with the inner change of the human being , culminating with the

gradual acceptance and development of human rights in contemporary times, knocks on doors family law, since it can no longer deny the existence lampposts human rights within families . Proof of this is that it does not see in any other harvest of law parental rights a right that is more human than the family law. The fact is that the concept of family has evolved with social change promoted by the individual in favor of the proclamation of human rights in the family bulge , which could foster the birth of new pleas in family law , which today is less subject to the rules and social conventions, and more committed to the happiness and human dignity of its components.

Keywords: Human Rights. Family. Affectivity. Dignity of the human person. Right to happiness.

 

INTRODUÇÃO

 

O presente estudo apresenta como objeto a apreciação da consagração dos direitos humanos nos laços familiares, cujo elemento estruturante é o sentimento de amor, o elo afetivo que une as almas e confunde os patrimônios (DIAS, 2013, p. 10), produzindo deveres e obrigações recíprocos na sublime missão de assegurar o direito de todos à felicidade.

Sob o olhar da contemporaneidade, a família existe em função do afeto entre seus membros, sendo um espaço destinado à realização afetiva e de concretização da realização pessoal de seus integrantes. O fato é que as transformações na família trouxeram um desafio à comunidade jurídica pátria, qual seja, o de repensar no conceito de família à luz dos princípios constitucionais da afetividade e da solidariedade, abandonando formalidades de um passado apegado à família que não possuía o compromisso de felicidade de seus membros.

Sendo o ramo do direito que condiz com a vida das pessoas, seus sentimentos, enfim, com a alma do ser humano, há quem diga que o direito das famílias seja o mais humano de todos os direitos (BARROS, 2013).

No entanto, nem sempre foi assim. O conceito de família sofreu múltiplas modificações ao longo dos últimos séculos. A família contemporânea é fruto de um processo histórico que, lentamente, se desenvolveu em prol de assegurar direitos humanos no seio das relações familiares.

Afinal, a família, no século XIX, era marcadamente patriarcal, privilegiando o patrimônio em detrimento do afeto, possuindo como escopo a finalidade econômica. A mulher se limitava à execução de tarefas domésticas e criação dos filhos. Com o passar do tempo, porém, a estrutura familiar foi sofrendo gradativas modificações em prol da valorização da dignidade de seus membros.

Assim, até o antigo Código Civil de 1916, a família era constituída tão somente pelo matrimônio, sendo esta a única família legítima e protegida pelo Código Civil e pelas Constituições brasileiras de 1934 até a de 1967, havendo uma discriminatória visão de qualquer outra forma de se constituir família.

Do mesmo modo, não havia a dissolução do casamento, bem como era luzente as distinções feitas entre os cônjuges, consagrando ao marido maiores direitos do que à mulher, em uma postura notadamente discriminatória.

Essa antiga concepção da família ainda trazia qualificações discriminatórias em relação aos filhos havidos de relacionamentos extramatrimoniais, taxando-os de filhos ilegítimos ou adulterinos, penalizando o próprio filho que de nada tinha culpa, sacrificando seu direito ao afeto e à igualdade com os outros filhos legítimos na vã tentativa de preservar o casamento.

No entanto, a evolução pela qual passou o homem e, consequentemente, a família, culminou em profundas alterações legislativas e jurisprudenciais. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 acabou com séculos de sofrimento e discriminação ao instaurar a igualdade entre homem e mulher e a igualdade entre os filhos, havidos ou não do casamento, bem como reconhecendo como entidade familiar a união estável entre o homem e à mulher.

O direito das famílias abre os olhos, então, para o futuro, mas sem descurar da realidade do presente, trazendo novos desafios para o Direito, os quais têm sido solucionados diante da constitucionalização do Direito Civil, por meio da aplicação de princípios explícitos e implícitos com escopo de tutelar os direitos fundamentais da pessoa humana.

Com efeito, como bem elucida Maria Berenice Dias (2013, p. 64), “O moderno enfoque dado à família pelo direito volta-se muito mais à identificação do vínculo afetivo que enlaça seus integrantes”, rompendo, assim, com uma tradição que privilegiava o núcleo em detrimento da felicidade de seus membros, em que o casamento estava acima dos interesses das pessoas.

Essa nova feição do Direito das Famílias concebe a família como espaço voltado à realização afetiva de seus membros, sendo que a afetividade assume na contemporaneidade o fundamento das relações familiares. Prova disso é que um mosaico de novas entidades familiares foram reconhecidas, passando a ser insuficientes as categorias jurídicas existentes no passado para classificar as estruturas familiares, de modo que passou-se a conceber uma família eudemonista ou afetiva, compromissada mais com o afeto nos laços familiares, menos aprisionada a padrões pré-determinados.

Imprescindível, porém, se faz mencionar que o reconhecimento da afetividade no seio familiar deve-se ao princípio constitucional da solidariedade familiar, o qual confere aos membros da família o dever de cuidarem e ampararem um ao outro, com responsabilidades mútuas, sendo a família um ninho de realização pessoal de seus membros.

Assim, o novo olhar sobre o direito das famílias trouxe uma nova forma de se pensar a família, como sendo mais voltada à convivência familiar, aos laços afetivos e à solidariedade, sendo esses vértices orientadores de todos os institutos jurídicos relacionados à família.

Diante da evolução dos direitos fundamentais da pessoa humana e com as transformações pela quais passaram a sociedade, o Direito, permeável que é, adaptou-se à realidade social, em um processo lento e gradativo, pois a legislação vigente não regia relações afetivas que eram levadas à apreciação dos tribunais, e uma interpretação precipuamente formal limitou-se por muito tempo à letra da lei, sem estar preparada para enfrentar essas novas situações a serem enfrentadas pelo Direito.

Assim, conforme restará sobejamente demonstrado no presente trabalho que se inicia, a transformação do indivíduo e a expressiva modificação de sua postura, ocorrida desde o século XVIII, e demonstrada na obra “A invenção dos direitos humanos”, de Lynn Hunt, possui papel fundamental na aceitação e na elaboração dos direitos humanos e, sobretudo, dos direitos humanos no seio da família.

 

1. UMA FEIÇÃO CONTEMPORÂNEA DO DIREITO DAS FAMÍLIAS

 

Manter vínculos afetivos é inerente à condição humana, pois “parece que as pessoas só são felizes quando têm alguém para amar” (DIAS, 2013, p. 27). O fato é que o afeto foi consagrado como requisito imprescindível para a identificação das relações familiares, pois é a presença de elementos emocionais que subtraem um relacionamento do âmbito do direito obrigacional e o conduz para o direito de família, cuja estrutura se baseia no sentimento de amor e de afeto.

A família se apresenta como sendo um fenômeno biológico e social de formação espontânea e cuja estruturação ocorre através do direito, tanto que, nas palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p.2), “É certo que o ser humano nasce inserto no seio familiar – estrutura básica social – de onde se inicia a moldagem das suas potencialidades com o propósito da convivência em sociedade e de busca de sua realização pessoal.”

 

Ainda, Maria Berenice Dias (2013, p. 27), citando Giselda Hironaka, aduz que,

 

Não importa a posição que o indivíduo ocupa na família, ou qual a espécie de grupamento familiar a que ele pertence – o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade.

 

Assim, no mundo contemporâneo, a família deixa de ser tão somente um fato natural, em que os pares se unem por uma química biológica, e assume uma nova feição, mais arraigada em fenômenos culturais.

Para Rodrigo da Cunha Pereira (2005, p. 4), a família se encontra tão umbilicalmente relacionada ao meio cultural e social que,

 

Somente após a passagem do homem da natureza para a cultura que se torna possível estruturar a família. Esta, como já se demonstrou, é uma estrutura psíquica e que possibilita ao ser humano estabelecer-se como sujeito e desenvolver relações na polis.

 

A própria organização da sociedade se dá em torno da estrutura familiar. Mas, “a sociedade contemporânea é marcada por relações complexas, plurais, abertas e globalizadas” (2010, p. 2), de forma que a realidade se modifica, o que necessariamente acaba por refletir na família.

Desta feita, para Maria Berenice Dias (2013, p. 27), “a lei vem sempre depois do fato e procura congelar a realidade, tem um viés conservador”, mas como a sociedade é dinâmica e rapidamente se transforma, produzindo reflexos na organização da família, “a família juridicamente regulada nunca consegue corresponder à família natural, que preexiste ao Estado e está acima do direito”.

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Porém, ainda segundo o escólio da aludida autora, faz-se imprescindível “adequar a justiça à vida e não engessar a vida dentro de normas jurídicas, muitas vezes editadas olhando para o passado na tentativa de reprimir o exercício da liberdade” (2013, p. 11).

No dizer de Rodrigo da Cunha Pereira (2005, p. 3), “O Direito de Família é um dos ramos do Direito que mais sofreu e vem sofrendo alterações no último século, em todo o mundo ocidental”. Isso, porque, nas palavras de Judith Martins Costa (2003, p. 332):

 

A marca do Direito Civil em nossa época é a maior consideração à pessoa: mais do que constituir um conjunto de regras voltadas, primordialmente, ao ter e ao agir, nós descobrimos – num verdadeiro giro antropocêntrico – que a pessoa, o ser, está no coração do Direito Civil.

 

Imprescindível mencionar que as principais mudanças relacionadas ao direito de família estão associadas ao declínio do patriarcalismo, o qual se originou na Revolução Industrial e na Revolução Francesa, que marcaram o advento da Idade Contemporânea (PEREIRA, 2005, p. 3).

Dessa maneira, com a derrocada do patriarcalismo, surge o movimento feminista na década de 60, no século XX, trazendo à mulher a condição de sujeito de direitos, abalando a estrutura e a organização da família (PEREIRA, 2005, p.3). Todas as mudanças na estrutura da organização familiar tiveram no declínio do patriarcalismo o fruto de uma evolução histórica iniciada há muitos séculos. Nesse sentido, Michele Perrot (1993, p. 78) assevera que,

Ele está ligado, em particular, ao desenvolvimento do individualismo moderno no século XIX. Um imenso desejo de felicidade, essa felicidade que o revolucionário Saint-Just considerava uma ideia nova na Europa – ser a gente mesmo, escolher sua atividade, sua profissão, seus amores, sua vida, apoderou-se de cada um. Especialmente das categorias mais dominadas da sociedade – os operários, por exemplo – e da família: os jovens, as mulheres.

 

Isso porque, as transformações da estrutura familiar ocorrem concomitantemente às transformações sofridas pelo meio social, o qual produz reflexos nas relações familiares.

Portanto, a feição da família passa por transformações juntamente com o meio social, não sendo possível fixar-se um modelo familiar homogêneo ao longo da história, sendo imprescindível compreender a família de acordo com os movimentos que influenciaram as relações sociais ao longo do tempo e, principalmente, os fenômenos que produziram o advento dos direitos humanos, os quais possuem presença fundamental na estrutura familiar, berço de afeto e soldariedade.

Para Cristiano Dias e Nelson Rosenvald (2010, p.3), mencionando a historiadora francesa Michelle Perrot, “a história da família é longa, não linear, feita de rupturas sucessivas”, e partilhando do mesmo entendimento, Elisabete Dória Bilac (2000, p. 32) reforça que, “a variabilidade histórica da instituição família desafia qualquer conceito geral”.

Entre as inúmeras transformações pela quais passa a contemporaneidade, nenhuma delas se afigura mais significativa, nem sentida de maneira tão intensa pelos indivíduos, quanto aquelas que se desenvolvem no seio da família, no casamento e na afetividade das pessoas. Nesse sentido, Cristiano Chaves de Farias destaca que,

 

A pluralidade, dinâmica e complexidade dos movimentos sociais (multifacetários) contemporâneos trazem consigo, por óbvio, a necessidade de renovação dos modelos familiares até então existentes. Os casamentos, divórcios, recasamentos, adoções, inseminações artificiais, fertilização in vitro, clonagem, etc., impõem especulações sobre o surgimento de novos status familiares, novos papéis, novas relações sociais, jurídicas e afetivas.

 

O mundo contemporâneo pós-moderno se vê diante de descobertas científicas sem precedentes que propiciaram novas maneiras de se constituir família. Enfim, o direito de família abre espaço a um novo “direito das famílias”, expressão utilizada por Maria Berenice Dias (2013, p. 13) ao elucidar que a família não é mais constituída somente pelo matrimônio, tendo ocorrido um alargamento conceitual levado a efeito pela própria Constituição Federal, que abarcou no conceito de entidade familiar outras formas de convívio entre pessoas.

Como muito bem lembra o jurista Luiz Edson Fachin (2003, p. 327):

 

Os fatos acabam se impondo perante o Direito e a realidade acaba desmentindo esses mesmos códigos, mudanças e circunstâncias mais recentes têm contribuído para dissolver a ‘névoa da hipocrisia’ que encobre a negação de efeitos jurídicos. Tais transformações decorrem, dentre outras razões, da alteração da razão de ser das relações familiares, que passam agora a dar origem a um berço de afeto, solidariedade e mútua constituição de uma história em comum.

 

A família, antes enxergada sob o viés do modelo patriarcal, hierarquizado e matrimonializada, admitia o sacrifício da felicidade de seus membros em nome da manutenção dos laços do casamento. Mais ainda, a família possuía como finalidade não a realização do projeto de felicidade de seus membros, mas sim a formação de patrimônio, razão pela qual os casamentos eram arranjados e pactuados pelos pais dos nubentes, pouco se importando os laços afetivos.

No entanto, a sociedade avançou, entraram em vigor novos valores, ganhando destaque a proteção da pessoa humana, de forma que “ruiu o império do ter, sobressaindo a tutela do ser” (CHAVES e ROSENVALD, 2010, p. 4).

Desta feita, a sociedade contemporânea, fruto de um processo histórico que caminhou à luz da crescente valorização dos direitos humanos, rompeu com a antiga concepção da família, delineando os anseios de indivíduos que desejavam valorizar sua dignidade e realização pessoal.

Os novos valores que inspiraram o meio social impuseram uma família mais humana, descentralizada, em que os membros passam a ter mais relevância que o núcleo, e em que homem e mulher possuem papéis iguais, não sendo mais protegido apenas o matrimônio, mas também outras entidades também suscetíveis de formar família. Enfim, a finalidade da família passa ser a concretude da felicidade de seus membros, da afetividade e da solidariedade recíproca entre eles, em prol do progresso humano.

Nesse sentido, Rodrigo da Cunha Pereira (2005, p. 5), acertadamente, mencionando João Paulo Cunha, aduz que a família contemporânea, além de ser plural, se encontra em contínuo desenvolvimento em prol da superação de valores e empecilhos antigos.

 

Não se pode dizer em que direção, mas certamente na direção contrária de uma história de infelicidades. A economia do desejo pode até ser questionável em sua sede incontornável de prazeres imediatos. Mas talvez seja melhor apostar que homens e mulheres amadurecem na procura, do que aceitar sentimentos fenecidos como destino inevitável.

 

Desse modo, com o declínio do patriarcalismo, houve a valorização das mulheres como sendo sujeitos de direitos e de desejos, ruindo a resignação história das mulheres e a tradicional indissolubilidade do casamento, deixando a família de ser essencialmente um núcleo econômico e de reprodução, tendo, finalmente, sido aprovada no Brasil, em 1977, apesar das forças religiosas, a Lei do Divórcio.

Assim, os casais já não precisavam permanecer casados a qualquer preço. Do mesmo modo, compreendeu-se que os filhos de pais separados não devem ser discriminados e nem são infelizes por isso, pois os filhos terão felicidade na medida em que seus pais também forem felizes.

Outrossim, com o advento da Constituição Federal consagrou-se princípios fundamentais para o ordenamento jurídico brasileiro, consolidando toda a evolução do Direito de Família, rompendo definitivamente com as velhas concepções. A esse respeito Maria Berenice Dias (2013, p. 70), esclarece que,

 

Desde a Constituição Federal, as estruturas familiares adquiriram novos contornos. Nas codificações anteriores, somente o casamento merecia reconhecimento e proteção. Os demais vínculos familiares eram condenados à invisibilidade. A partir do momento em que as uniões matrimonializadas deixaram de ser reconhecidas como a única base da sociedade, aumentou o espectro da família. O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares.

 

Com efeito, a família apresenta sua evolução associada ao próprio avanço do homem e da sociedade, se modificando de acordo com as novas conquistas da humanidade e descobertas científicas, não sendo, portanto, admissível, que esteja submetida a ideias estáticas, presas a valores pertencentes a um passado distante, nem a suposições incertas de um futuro remoto, vez que se trata de uma realidade viva, adaptada aos valores vigentes (CHAVES e ROSENVALD, 2010, p.4).

Perfilhando do mesmo entendimento, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2000, p. 17), assevera que a família é uma entidade “ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história através dos tempos”.

Todas as mudanças sofridas pela família no último milênio abrem espaço para uma família contemporânea, suscetível às influências trazidas pelo meio social, pois para Luiz Edson Fachin (1999, p. 327),

 

É inegável que a família, como realidade sociológica, apresenta, na sua evolução história, desde a família patriarcal romana até a família nuclear da sociedade industrial contemporânea, íntima ligação com as transformações operadas nos fenômenos sociais.

 

Impõe-se, portanto, delinear uma nova feição para a família, não apenas compatível com as transformações da pós-modernidade, mas, igualmente, ajustada aos ideais de coerência filosófica da vida humana (2010, p.4) que busca, primordialmente, a realização das pessoas humanas que compõem um determinado núcleo familiar, o que somente pode ser alcançado com a consideração da presença dos direitos humanos nos laços familiares.

Dessa maneira, sendo a família composta por seres humanos, logicamente, com a evolução do pensamento e da filosofia empreendida pelo homem, também a organização das entidades familiares serão inexoravelmente abaladas, e a maior contribuição oferecida pela transformação social do indivíduo no último milênio para a família, sem dúvidas, foi a evolução dos direitos humanos no seio da entidade familiar, o que propiciou uma nova roupagem à família, mais fiel ao compromisso de satisfação pessoal de seus membros e busca da felicidade.

 

2. A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL PRODUZIDA PELO INDIVÍDUO

Na obra “A invenção dos direitos humanos: uma história”, de Lynn Hunt, resta luzente o potencial de transformação social que o indivíduo é capaz, sendo sobejamente ilustrado como a contribuição do indivíduo foi fundamental para o nascimento e a evolução dos direitos humanos na sociedade contemporânea pós-moderna.

Na obra em apreço, a autora presenteia o leitor com a história da consagração e do reconhecimento dos direitos humanos, elucidando que o nascimento dos direitos humanos deve-se à gradativa transformação interior do indivíduo ao longo da história, o que ensejou a mudança de pensamento, de postura social, da cultura e da política nos diversos momentos experimentados pela evolução social, progresso este que surtiu efeitos na família, consagrando os direitos humanos em seus laços afetivos.

Portanto, de maneira inédita, a autora inova ao demonstrar a participação do indivíduo como verdadeiro protagonista nas transformações sociais experimentadas ao longo dos séculos que influenciaram a mudança de opinião da sociedade e o advento de um novo paradigma que valoriza a pessoa do ser humano como detentora de dignidade e de direitos intrínsecos à pessoa humana, fomentando o nascimento e o fortalecimento dos direitos humanos ao longo da história.

Os direitos humanos só puderam florescer quando as pessoas passaram a pensar nos outros como seus iguais, como seus semelhantes, e aprenderam a fazê-lo experimentando a identificação e a compaixão pelo próximo.

Assim, ao longo do tempo surgiu na sociedade um novo paradigma que intensifica os direitos do indivíduo, como foi a crescente aprovação da possibilidade de divórcio legal, assegurando a liberdade de afeição e a primordial busca pela felicidade.

Assim, entre 1700 e 1857, o divórcio era limitado a homens aristocratas, uma vez que os motivos exigidos tornavam quase impossível a obtenção do divórcio para as mulheres.

Como a própria obra relata, em meados dos anos de 1771 e 1772, ao se manifestar sobre um caso concreto de divórcio, Thomas Jefferson relacionava claramente o divórcio aos direitos naturais, ao dizer que a possibilidade de dissolução do matrimônio pelo divórcio devolveria “às mulheres o seu direito natural de igualdade” (HUNT, 2009, p. 64).

Além disso, já se assegurava que a previsão legal do divórcio protegeria a “liberdade de afeição”, também considerada desde aquela época como sendo um direito natural.

Dessa maneira, a “busca da felicidade” consagrada na Declaração da Independência incluiria o direito ao divórcio, porque “a finalidade do casamento é a reprodução e a felicidade”, o que somente pode ser alcançado com um casamento que seja berço de afeto e de respeito aos direitos da pessoa humana, por isso, aduz a autora que “o direito à busca da felicidade, requeria, portanto, o divórcio” (2009, p. 64).

Por sua vez, consagrando a família como elo de afeto e reconhecendo a presença dos direitos humanos em seu seio, Lynn Hunt (2009, p. 64) destaca que a Declaração das Nações Unidas já dispunha que, “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

A autora salienta, ainda, a importância do direito natural para o nascimento dos direitos humanos, sobretudo, com a influência de Grotius, Pufendorf, Burlamaqui, Locke e Hobbes, os quais tiveram notável influência em dois momentos imprescindíveis à história dos direitos humanos, que foram o advento da Declaração de Independência dos Estados Unidos (em 1776) e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (em 1789).

Nas mencionadas declarações se afirmavam que os direitos humanos são verdades sagradas e inegáveis, em decorrência dos quais todos os homens são criados iguais e independentes, derivando direitos inalienáveis, dentre os quais se inserem a preservação da vida, a liberdade e a busca da felicidade, bem como eliminando todo o privilégio baseado no nascimento, o que foi fundamento para a atual igualdade entre irmãos consagrada pela Constituição Federal de 1988, que não mais atribui a nomeação de filho ilegítimo ao filho que não é concebido na constância do matrimônio.

Sendo os direitos humanos considerados como direitos naturais, são direitos inerentes à condição humana, ou seja, desde que o homem existe, existem também os direitos humanos, já que é impensável que o homem pudesse existir sem direitos humanos.

No entanto, as primeiras declarações que protegiam os direitos humanos não possuíam a qualidade de normas jurídicas, tratando-se apenas de intenções e não passando de meras normas programáticas, não sendo, pois, suficientes para transformar a ordem social vigente. Além disso, eram marcadas, ainda, por desigualdades sociais, pois ao mesmo tempo em que consagravam os direitos humanos como sendo universais, excluíam as mulheres. Mas, uma evolução social posterior consagrou a igualdade entre homens e mulheres, inclusive nos laços afetivos e familiares, conferindo-lhes os mesmos direitos e deveres no matrimônio, como a educação e cuidados com os filhos.

Ainda, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 introduziu a concepção contemporânea da indivisibilidade dos direitos humanos, de modo que, “entende-se hoje que os chamados direitos humanos de primeira, de segunda ou de terceira gerações são complementares uns aos outros” (PESSOA, 2006, p. 32).

Assim, os direitos humanos são naturais (inerentes aos seres humanos) e universais (aplicáveis por toda parte), de maneira que “o princípio da indivisibilidade, em conjunto com o de universalidade, é o eixo de sistema protetor dos direitos humanos” (PESSOA, 2006, p. 32).

Portanto, os direitos humanos não podem ser hierarquizados, nem fragmentados, nem tampouco excluídos de qualquer seara social ou jurídica, razão pela qual os direitos humanos no seio da família possuem aplicabilidade plena, valorizando o afeto em detrimento do patrimônio, igualando homens e mulheres em direitos e deveres em relação à prole, eliminando qualquer discriminação entre filhos havidos na constância do casamento ou não, bem como erigindo o escopo da família como cenário de busca da felicidade, de respeito e de realização pessoal.

A obra brinda o leitor de maneira brilhante demonstrando como a modificação da consciência de cada indivíduo pode fomentar a compaixão e a valorização do próximo como meio para o desenvolvimento dos direitos humanos, sobretudo no seio da família, pois para Sérgio Resende de Barros (2013, p. 1), “O direito de família é o mais humano dos direitos”.

Para Maria Berenice Dias (2013, p. 11), “É necessário adequar a justiça à vida e não engessar a vida dentro de normas jurídicas, muitas vezes editadas olhando para o passado na tentativa de reprimir o livre exercício da liberdade”.

Comunga do mesmo entendimento o texto “Que é esclarecimento”, de Immanuel Kant, em que o leitor é convidado a pensar por si próprio, como agente transformador de sua própria realidade, pontencialidade esta que se observa no seio familiar no momento em que uma classe minoritária rompe com o modelo tradicional de família ao pleitear, por exemplo, a proteção estatal da união homoafetiva como entidade familiar, o que, após anos de luta, acaba sendo concretizado no ordenamento jurídico, fruto de uma primitiva transformação individual que produziu reflexos na sociedade rumo à gradativa consagração dos direitos humanos no seio das mais diversas estruturas familiares.

 

3. DIREITOS HUMANOS NA FAMÍLIA

Para Fábio Konder Comparato (2010, p. 13), todos os seres humanos devem ser igualmente respeitos pelos simples fato de sua humanidade, pois “todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merece igual respeito, como únicos capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza” (COMPARATO, 2010, p. 24).

Vislumbra-se como sendo imprescindível a existência dos direitos humanos no seio da família para assegurar direitos fundamentais do homem, sobretudo, o princípio da dignidade da pessoa humana, vértice orientador de todo o ordenamento jurídico pátrio. A esse respeito, Rodrigo Pereira da Cunha (2006, p. 7), é enfático:

As concepções de inclusão e cidadania instalaram-se definitivamente no Direito de Família. Assim, a maioria das grandes discussões deste ramo do Direito tornou-se uma questão de Direitos Humanos, pois a elas está ligada a ideia de inclusão ou exclusão na ordem social e jurídica, enfim, a palavra de ordem da contemporaneidade, ou seja, cidadania.

 

O ser humano nasce no seio familiar, e é na família que forma sua personalidade e desenvolve suas potencialidades para conviver em sociedade e para buscar sua realização pessoal. Também, é na família que acontecem os fatos mais importantes da vida do ser humano, desde seu nascimento até a morte, além da vivência de problemas e sucessos (CHAVES e ROSENVALD, 2010, p. 12).

Por isso, para Sérgio Resende de Barros (2013, p.1),

 

O direito de família é o mais humano dos direitos. No entanto, apesar disso, ele não tem sido correlacionado com os direitos humanos. Para essa omissão deve haver uma justificação. Algo dificulta enxergar como direitos humanos os direitos subjetivos relativos à família. É preciso remover esse empecilho. (grifo nosso)

 

Vale lembrar que ao se falar de direitos humanos, logo de vem à mente o direito à vida. Contudo, não se pode pensar na vida humana sem pensar na família, que concebe a vida e a embala num lar que deve ser mantido por elos de afeto. Nesse sentido, Sérgio Resende de Barros (2013, p.1) destaca que,

 

O direito à vida implica e funda o direito à família como o primeiro na ordem jurídica das entidades familiares, o mais fundamental dos direitos familiais. Mas também outros direitos humanos levam a pensar na família. Liberdade, igualdade, fraternidade, felicidade, segurança, saúde, educação e outros valores humanos básicos se relacionam com o direito à família e remetem ao lar, onde eles se concretizam em direitos familiais. Mas, a partir do lar e a principiar do direito à família, os direitos familiais só se realizam plenamente se estiverem envolvidos e sustentados pelo afeto.

 

Impende consignar que os direitos humanos no seio da família decorrem do princípio da solidariedade familiar, que compreende a fraternidade e a reciprocidade (DIAS, 2013, p. 69). Nesse sentido, para Sérgio Resende de Barros (2013, p.1), “A humanidade se constrói pela força maior da solidariedade humana, em cuja origem está a solidariedade familiar, fomentada pelo afeto culminado no amor”. E continua, “se a família é a matriz, a solidariedade é a motriz dos direitos humanos”.

Portanto, o direito à família não pode ser negado a nenhum ser humano, pois sendo um direito humano é corolário da própria existência do homem, e muitos dos direitos humanos se exercem no seio da família, vez que a família é o lar dos direitos humanos. Por isso, para Sérgio Resende de Barros (2013, p.1),

 

O direito fundamental à família e os seus direitos operacionais devem ser garantidos sem discriminação alguma, a fim de que o direito de família seja não só o mais humano dos direitos, como também o mais humano dos direitos humanos. (grifo nosso)

 

No Direito de Família contemporâneo, a família, além de ser plural, está sem constante transformação, desenvolvendo-se juntamente com o meio social, superando valores e impasses antigos. Nas palavras de Rodrigo Pereira da Cunha (2005, p.4),

 

Não se pode dizer em que direção, mas certamente na direção contrária de uma história de infelicidades. A economia do desejo pode até ser questionável em sua sede incontornável de prazeres imediatos. Mas talvez seja melhor apostar que homens e mulheres amadurecem na procura, do que aceitar sentimentos fenecidos como destino inevitável.

 

Com efeito, a consagração pela Carta Magna de princípios fundamentais na família, juntamente com a evolução do meio social, tem instigado e impulsionado o aparecimento de uma nova legislação no direito de família.

Afinal, a nova estrutura da família passou a se vincular e a se manter por elos afetivos, em homenagem à valorização do ser humano e a da dignidade da pessoa humana, que apenas são possíveis com o respeito aos direitos humanos no seio da família. Sobre essa transformação na finalidade da família, Paulo Luiz Netto Lôbo (2010, p. 55) assim se pronuncia:

 

A realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções econômica, política, religiosa e procracional feneceram, desapareceram, ou desempenharam papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser sua finalidade precípua. (grifo nosso)

 

O fato é que ainda que o Estado tenha o dever de regular a vida em sociedade e as relações entre as pessoas, não pode deixar de consagrar o direito à liberdade e assegurar o direito à vida, mas vida de maneira adjetivada: vida digna, vida feliz (DIAS, 2013, p. 25). E, principalmente, a família necessita ser permeada por laços de afeto e elos de solidariedade para que seus membros atinjam sua finalidade, qual seja, a de realização pessoal e de busca da felicidade. Daí o surgimento de normas que não criam deveres, mas simplesmente descrevem valores, que são os direitos humanos, os quais se tornaram “a espinha dorsal da produção normativa contemporânea” (DIAS, 2013, p. 26).

Para Maria Berenice Dias (2013, p. 66), “O direito das famílias está umbilicalmente ligado aos direitos humanos, que têm por base o princípio da dignidade da pessoa humana”, o qual, diante da constitucionalização do direito de família se tornou o princípio mais universal de todos os princípios, sendo o macroprincípio que se irradia sobre todos os demais, irradiando efeitos sobre todas as relações afetivas no seio familiar (SARMENTO, 2003, p. 60).

Portanto, afigura-se imprescindível o reconhecimento de que “é somente na família, ou através dela, que um humano pode tornar-se sujeito e humanizar-se”. Afinal, diversos direitos humanos somente serão respeitados se no seio familiar forem também protegidos, não se podendo, pois, afastar o lar familiar da incidência dos direitos humanos, sendo a família a base da sociedade, o começo, o meio e o fim de todo ser humano e, consequentemente, o berço de todo e qualquer direito humano.

 

CONCLUSÃO

Ao longo do presente estudo é possível concluir que a família representa uma construção cultural que em nossa contemporaneidade constitui o núcleo essencial da sociedade, uma vez que a própria organização social ocorre em torno da estrutura familiar.

Contudo, a família como se apresenta hoje não é mais a mesma tal como concebida historicamente pelo Direito até 1988, isto é, patrimonializada, hierarquizada e matrimonializada. Afinal, um novo olhar sobre o direito nasceu da Constituição Federal de 1988, a qual representa uma verdadeira carta de princípios que inovou o ordenamento jurídico com direitos e garantias fundamentais, promovendo uma constitucionalização do direito de família e uma mudança na maneira de se interpretar a lei.

No entanto, é imprescindível reconhecer que muitas das alterações levadas a efeito são fruto da presença dos direitos humanos no âmbito da família, o que ensejou uma maior proteção da esfera dos direitos merecedores de tutela.

Até o Código Civil de 1916, havia apenas um único modo de constituição da família, que era pelo casamento. A família até então tinha um viés patriarcal, e o ordenamento jurídico refletia essa realidade. Somente era reconhecida a família que detinha laços do matrimônio e o casamento era indissolúvel.

Contudo, com o advento da Carta Magna de 1988, o legislador constituinte levou a efeito um alargamento conceitual de família, diante da nova realidade que se impôs, acrescentando no conceito de entidade familiar diversas outras formas de convívio entre as pessoas, de maneira que a família não é mais constituída somente pelo casamento, sendo também reconhecida como família a união estável entre um homem e uma mulher, as relações monoparentais, de um dos pais com seus filhos, além da família homoafetiva, havendo, portanto, um pluralismo das relações familiares.

Do mesmo modo, a Constituição Federal proibiu designações discriminatórias relativas à filiação, consagrando a igualdade entre filhos havidos na constância ou não do matrimônio, e proibindo a classificação absolutamente cruel a que os filhos havidos de relações extraconjungais eram submetidos, na vã tentativa de valorizar e manter o casamento, penalizando os filhos considerados ilegítimos e que de nada tinham culpa, em um notório privilégio do núcleo em detrimento da felicidade de seus membros.

Assim, rompeu-se com um passado em que a manutenção do casamento merecia maior proteção do Estado do que a dignidade humana de seus membros. De maneira que, gradativamente, a mudança da realidade vivida pela sociedade rumo à valorização da pessoa humana, produziu reflexos no ordenamento jurídico-familiar.

Na obra “A invenção dos direitos humanos: uma história”, de Lynn Hunt, afigura-se luzente o potencial de transformação social empreendido pelo indivíduo ao longo da história do homem, de maneira que a mudança interior do indivíduo foi fundamental para o nascimento e a evolução dos direitos humanos na sociedade contemporânea.

Sendo assim, na obra em apreço, resta elucidado que a transformação interior do indivíduo ensejou a mudança de pensamento, de postura social, da cultura e da política nos diversos momentos experimentados pela evolução social, progresso este que surtiu efeitos na família, consagrando os direitos humanos em seus laços afetivos.

O novo paradigma, fruto da transformação social levada a efeito pelo indivíduo, valoriza a pessoa humana como sujeito de direitos e de desejos, e, sobretudo, como portadora de direitos inerentes à sua condição humana, erigindo sua dignidade e sua busca à felicidade como direitos humanos inerentes à pessoa humana.

Assim, houve uma verdadeira reformulação do conceito de família, em que seus ideais voltaram-se à proteção da pessoa humana, de modo que a família passou a ser um instrumento para a realização afetiva e pessoal de seus membros.

A própria obra de Lynn Hunt deixa evidente que ao longo do tempo surgiu na sociedade um novo paradigma que intensifica os direitos do indivíduo, como foi a aprovação da possibilidade de divórcio legal, intensificando a liberdade de afeição e a primordial busca pela felicidade. Nesse sentido, Thomas Jefferson já relacionava claramente o divórcio aos direitos naturais, uma vez que desde aquela época já se considerava a liberdade de afeição como um direito natural.

Dessa maneira, para Lynn Hunt, a “busca da felicidade” consagrada na Declaração da Independência incluiria o direito ao divórcio, pois a finalidade do matrimônio seria a busca pela felicidade.

Sendo assim, os direitos humanos não podem ser hierarquizados e, nem tampouco, fragmentados, motivo pelo qual não podem ser excluídos de nenhuma seara jurídica, sobretudo, no direito de família, o qual é considerado o mais humano de todos os direitos.

Dessa forma, é imperioso concluir que não é mais possível se pensar em direito de família dissociado de direitos humanos, uma vez que é em virtude dos direitos humanos que o direito de família passou a valorizar o afeto em detrimento do patrimônio, igualou os direitos e deveres entre homens e mulheres, eliminou qualquer discriminação entre filhos havidos na constância do casamento ou não, bem como erigiu como vértice orientador das relações afetivas o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito da busca pela felicidade e realização pessoal de seus membros, promovendo uma ruptura com um passado de infelicidades e tornando-se mais fiel aos ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo, voltando-se à proteção da pessoa humana, garantindo-lhe vida com dignidade e com felicidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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Sobre a autora
Loyanne Verdussen de Almeida Firmino Calafiori

Escrivã Judiciária e Encarregada de Escrivania de Família, Sucessões, da Infância, da Juventude, Cível e Juizado Especial Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Graduada em Direito pela Pontífica Universidade Católica de Goiás. Pós-graduada em &quot;Direito Civil - Atualização no novo Código Civil de 2002&quot; pela Universidade Federal de Goiás. Pós-graduada em &quot;Direito Material e Processual do Trabalho&quot; pela Universidade Cândido Mendes. Pós-Graduanda em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera (UNIDERP). Mestra em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pelo programa de mestrado da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, tendo obtido nota máxima na banca de defesa de dissertação. Durante seu mestrado, foi selecionada como bolsista integral da CAPES. Exerceu a advocacia entre os anos de 2012 e 2013, até ter sido aprovada em concurso público para integrar o quadro de servidores efetivos do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, onde ocupa, ainda, a função de Tutora dos Cursos de Ensino à Distância da Escola Judicial e Técnica em Preparação Psicossocial e Jurídica de Adotantes.

Informações sobre o texto

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