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Traços da coculpabilidade

Agenda 27/06/2016 às 09:22

O fenômeno típico guarda raízes de predicados psicológico e sociológico de modo que a construção do indivíduo é inolvidável ao exame criminológico. O Estado é incumbido dessa tarefa, razão pela qual sua ausência tem implicações no grau de culpa do agente.

1 TRAÇOS DA COCULPABILIDADE

O problema da verdade é substância formadora das entranhas científicas. Uma busca incontinenti.

O físico tem na força que tudo atrai ao centro da Terra, a lei da gravidade. A mesma veemência experimentada pelo químico, quando descreve a molécula da água a partir de dois átomos de hidrogênio combinados a um de oxigênio.

São verdades.

Contudo, as verdades das ciências naturais muito se diferem das sociais.

Para estas últimas, não há exatidão, mas múltiplas identidades que aceitam erguem uma convenção.

Por esta razão, o aniversário celebrado tem uma razão de ser histórica. Sim. Mas também social, e ainda econômica.

Traços múltiplos também erguem a teoria da coculpabilidade.

Perscrutando seus contornos, não parece sensato, logo num primeiro momento, negar os ouvidos ao eco etimológico deste vocábulo. O prefixo co- tem origem latina, indica "juntamente", relação de parceria (WIKCIONÁRIO). Dessa maneira, à estruturação de uma culpabilidade conjunta, é inescusável o exame anterior de seus componentes léxicos.

1.1 Culpabilidade e Coculpabilidade

Meditar sobre um tema, também é dizer de si. É transparecer centelhas de passado. Nossa história faz da neutralidade científica um mito. De certa forma, sim. E assim, fui condicionado a dizer, logo no primeiro momento de academia, que nem todos os magistrados usam toga, e que o ato de julgar é um dado necessário à vivência em sociedade. Da escolha do título para um capítulo, da roupa para o corpo, ou da religião para o espírito, somos juízes.

Por igual razão se afirma que não é apenas o Poder Judiciário o julgador dos que ultrapassam os limites da lei, afinal, a sociedade também assume esse papel. E é em âmbito penal que a observação desse 'reflexo' ganha proporções inigualáveis. Daí, por exemplo, se justifica a grande aceitação social do sensacionalismo midiático em torno do crime.

Ocorre que, grossa parcela da população não goza de conhecimentos da teoria do crime senão pelo usualidade de certos vocábulos. Qual seria, então, a fundamentação desta parcela para se condenar ou não um sujeito?

É possível que se argumentasse a existência de um diploma legal que condena quem atenta contra a vida, e contra a propriedade de outrem. Mas, na terra das incertezas, não há dúvidas de que o leigo expressaria seu sentimento de insatisfação diante de determinada conduta. E, muitas vezes sem saber, acaba por indicar elemento necessário, sem o qual não se pode falar, tecnicamente, em crime. "Trata-se de um princípio de imperiosa exigência da consciência jurídica" (BEMFICA, 1990, p. 171), a culpabilidade.

Um injusto, isto é, uma conduta típica e antijurídica, é culpável quando é reprovável ao autor a realização desta conduta porque não se motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que agiu, que nela se motivasse. Ao não se ter motivado na norma, quando podia e lhe era exigível que o fizesse, o autor mostra umadisposição interna contrária ao direito. Assim, se um sujeito de certo grau de instrução e de posição socialfurta um anel numa joalheria, sem que ninguém o obrigue a isto, ou o ameace,e sem estar mentalmente enfermo, dizemos que era exigível que nela se motivasse, porque nada o impedia. Por esta razão lhe reprovamos o injusto, concluindo que sua conduta é culpável, reprovável. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011, p. 521)

Entretanto, as peripécias semiológicas originárias dos múltiplos significados que a palavra 'culpabilidade' pode encarnar, não raro, confudem o operador do direito. A título de exemplo, por diversas vezes, se insculpe a culpabilidade enquanto elemento da teoria do crime com fulcro no brocardo "nullum crimen sine culpa", quando este postulado versa sobre a garantia de responsabilidade subjetiva, da culpa em sentido lato (GREGORE, 2006, p. 28), sendo observada, portanto, no exame da tipicidade da conduta.

Ainda é possível destacar uma outra acepção de culpabilidade em âmbito penal: o 'grau de culpa' que tem o/cada agente para a consumação ou não do crime. Esta modalidade é encontrada nos artigos 291 e 59 2do Código Penal vigente.

As múltiplas aparências da culpabilidade também foram analisadas por Bitencourt:

Atribui-se, em Direito Penal, um triplo sentido ao conceito de culpabilidade, que precisa ser liminarmente esclarecido. Em primeiro lugar, a culpabilidade, como fundamento da pena, refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos - capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta - que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal. Em segundo lugar, a culpabilidade, como elemento da determinação ou medição da pena. Nessa acepção a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta além da medida prevista pela própria ideia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros critérios, como importância do bem jurídico, fins preventivos etc. E, finalmente, em terceiro lugar a culpabilidade como conceito contrário à responsabilidade objetiva. Nessa acepção, o princípio da culpabilidade impede a atribuição da responsabilidade objetiva. Ninguém responderá por um resultado absolutamente imprevisível, se não houver obrado com dolo ou culpa. (2008, p. 16)

A coculpabilidade, nesse momento inicial, pode ser entendida como a parcela de culpa que o Estado compartilha com o sujeito ativo penal, pelo crime praticado, em virtude de sua ausência na formação do indivíduo.

Fitando este quebra-cabeças, a busca dum encaixe entre acepções acima ditadas ao jovial conceito de coculpabilidade, pode ser realizado manualmente, como numa tentativa peça a peça.

Tomando este caminho, experimentamos a relação entre culpa compartilhada e "nullum crimen sine culpa". Como visto, esta significação da culpabilidade é relacionada ao injusto penal, mais precisamente ao estudo da tipicidade. Esta combinação resultaria numa ação conjunta entre sujeito ativo e Estado no momento do crime. O Estado, entidade que representa o bem comum da sociedade, segundo esta teorização, também puxaria o gatilho, para o arrepio dos cientistas políticos.

A admissão desta construção nos levaria à responsabilização dos pais ausentes pelos atos dos filhos, dos avós pelos atos dos pais em relação aos filhos, dos tataravós em relação à ausência dos avós quanto aos pais, e assim ao infinito passado, a ponto de se responsabilizar o presente à Causa Primeira de todas as coisas. Estaríamos diante dum modelo incabível, contrário aos nossos próprios olhos e memória, pois todos apertaríamos o gatilho. Desse modo, a coculpabilidade não se insere num juízo sobre a tipicidade, ou seja, não plana sobre a conduta dolosa ou culposa do indivíduo na circunstância do crime.

Numa outra tentativa, aproxima-se a coculpabilidade ao juízo de reprovabilidade sobre a conduta típica e antijurídica. O Estado, ao negligenciar suas tarefas constitucionais, ao desidiar políticas públicas relativas à educação, à saúde, ao fortalecimento da família, ao lazer, ao trabalho e ao acompanhamento psicológico, deixa de agir na formatação do indivíduo, de modo que a reprovabilidade do indivíduo pela sociedade, é tão menor quanto maior a ausência do Estado é constatada. São como grandezas matemáticas proporcionalmente inversas.

Este aspecto tem raízes filosóficas arraigadas na ideia de justiça disseminada: quão maiores as oportunidades gozadas pelo infrator, maior a reprovação pela prática. Isso, ou a reprovação pelo furto seria idêntica ao palpérrimo,ao Ministro da Justiça, e ao rei espanhol.

Seguindo este raciocínio, menos culpável é quem puxa o gatilho, em virtude da ausência daquele constitucionalmente responsável em assegurar caracteres mínimos à sua formação. Assim, o Estado, sempre que ausente, também se torna culpável pela conduta do indivíduo, compartilhando do juízo de reprovação face ao delito.

Por fim, ainda resta a tentativa da culpabilidade como parte integrante da equação balizadora da pena. Nesta indagação, cai como uma luva a divisão doutrinária da culpabilidade com parâmetro na pessoa e no objeto. Segundo a culpabilidade objetiva, as análises do sentimento de reprovação e a matemática da pena têm fundamento no ato praticado, na conduta objetiva de "matar", "ofender" e "subtrair". Enquanto a culpabilidade subjetiva tem supedâneo nas construções personalíssimas do sujeito que mata, ofende e subtrai. Sobre a divisão, nos ensinam Zaffaroni e Pierangeli:

Na culpabilidade de ato, entende-se que o que se reprova ao homem é a sua ação,na medida da possibilidade de autodeterminação que teve no caso concreto. Em síntese, a reprovabilidade de ato é a reprovabilidade do que o homem fez. Na culpabilidade de autor, é reprovada ao homem a sua personalidade, não pelo que fez e sim pelo que é. [...] O homem é responsabilizado por sua conduta de vida. (2011, p. 527)

Um entendimento difurque, de filia inconcebível, não pode ser defendido no Brasil com arrimo nas disposições legais vigentes. Opera-se, nesta terra de palmeiras, uma dupla ponderação: um juízo apriorístico, com fundamento na cominação dos limites máximos e mínimos transparentes nos preceitos secundários do dispositivo legal, e um juízo posterior, consubstanciado na conduta social, na personalidade do agente e nos motivos que o levaram ao crime. Essa dupla ponderação nos permite aferir a hidridez de nosso sistema penal.

Corrobora esse entendimento Cristiano Rodrigues:

É certo que a tendência atual do posicionamento doutrinário dominante são por um Direito Penal e uma culpabilidade de fato, mas também é óbvio que na análise da culpabilidade deve-se tomar por base sempre dois fatores - o autor e o fato -, pois nenhuma das duas posições acima referidas consegue se isolar da outra de forma absoluta, ou seja, não é possível um Direito Penal do fato puro, independente do autor e de sua personalidade, bem como não seria possível um Direito Penal exclusivamente embasado no autor, sem se levar em conta os fatos por ele praticados. [...] Percebe-se que as legislações modernas têm demonstrado cada vez mais esse entendimento, pois, se por um lado tipificam-se somente fatos, por outro cada vez mais tem se considerado também, de forma decisiva, a personalidade do autor (reincidência, antecedentes, habitualidade, conduta social) para o juízo de culpabilidade e determinação das penas aplicadas. (RODRIGUES, 2010, p. 36-37)

Assim sendo, ao auferir a pena, se percebe um entrelaçamento de juízos objetivo e subjetivo.

Não contemplaria, então, o senso de justiça a ponderação dos efeitos psicológicos e sociais resultantes da ineficiência e, muitas vezes, inexistência Estatal, no cálculo da pena?

Percebe-se pois, o duplo encaixe dos significados, sendo peças-chave para a formação da ideia de coculpabilidade os juízos de reprovação e sopesamento, podendo o Estado compartilhar dupla culpa em virtude do crime.

1.2 Culpabilidade e Coculpabilidade: desmistificando possíveis pleonasmos

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O posicionamento segundo o qual a culpabilidade se apresenta por diferentes formas e em diferentes momentos processuais, somado à íntima relação apresentada para contorno inicial da coculpabilidade, pode gerar certo desconforto ao operador do direito, refletindo a desconfiança de estar lidando, na verdade, com construções possivelmente coincidentes.

Decerto, o supedâneo doutrinário da coculpabilidade se encontra tanto no juízo de reprovação, terceiro pilar da teoria do crime, quanto na etapa dosimétrica, ao se individualizar a pena3. Ocorre que, num caso concreto, ao se dosar a culpa do agente, também se emite juízo de fato sobre a existência (ou não) de culpa Estatal na formação dos caracteres internos de socialização.

Isto é, a culpa e a culpa compartilhada são grandezas complementares, o que torna ainda mais tênue sua diferenciação.

Eventualmente, pode-se taxar de supérflua a noção de co-culpabilidade. Isso porque a própria culpabilidade pode ser avaliada, como numa escala, em maior ou menor grau, conforme o caso concreto. Desse modo, se ao Estado couber parcela da culpa pela ocorrência de um delito, é de se afirmar que o agente terá uma "redução" em sua culpabilidade . Não seria necessário, portanto, um conceito externo ao de culpabilidade para demonstrar a parcela de culpa do Estado no cometimento de determinado delito.(GOMES; SILVA. 2009)

Contudo, a culpabilidade paira sobre a conduta típica e antijurídica do agente, na medida da reprovação pela condutada praticada, como insígnia para individualização da pena. De um outro lado, a coculpabilidade se liga à conduta omissiva do Estado na formação social e psicológica do indivíduo, sendo, portanto, um juízo de reprovação dirigido ao Estado e que terá efeitos reflexos na individualização da pena do agente que foi vítima dessa omissão.

Percebe-se aqui, o maior apanágio da teoria da coculpabilidade: o tom político.

O Estado (Estado-juiz) declara, em ação penal, a sua própria inexistência perante parcelas populacionais. Atesta que foi incapaz de cumprir seus deveres constitucionais.

Examinar a coculpabilidade Estatal significa examinar o próprio cumprimento do contrato social. Considera de maneira semelhante Marcante Flores:

O reconhecimento da co-culpabilidade da sociedade em determinado fato delituoso corresponde, portanto, à afirmar que o Estado Socialefetivamente não cumpriu seu papel garantidor, movimentando ou impulsionando a condição necessária para que a causa do crime se opere. A configuração de um nexo de causalidade entre a referida omissão do Estado (viollação do dever de agir) e a ocorrÇencia do dano (resultado do delito praticado pelo agente que teve suprimida todas as possibilidades de uma existência digna), torna juridicamente sustentável o dever do Estado em ressarcir o prejuízo sofrido pela vítima.(FLORES, 2006)
 

1.3 Coculpabilidade e Código Penal Brasileiro

O senso positivista de análise faz dos diplomas legais um caminho forçoso a qualquer estudo, sob o risco do descrédito coletivo. A inexistência literal, entretanto, da expressão "coculpabilidade" não configura obstáculo à sua aplicação em campo teórico e jurisprudencial.

Em verdade, seus efeitos ecoam pelo mundo normativo sempre que o julgador se vê diante da exigência legal de definir a pena-base a partir, também, da culpabilidade do autor (artigo 59, Código Penal Brasileiro). A culpa pelo crime pode ser, como visto, compartilhada para satisfazer os corolários de igualdade e individualização da pena (MOURA, 2006). Ora, a pena será demarcada de acordo com a fração de culpa que cabe a este em relação à culpa do crime, podendo esta ser ou não compartilhada com o Estado. Assim sendo, dosar a culpa do agente é também aferir se existe ou não culpa do Estado, e, em caso afirmativo, é ainda dosá-la.

Portanto, o magistrado, ao sopesar a pena-base a partir dos elementos presentes no artigo 59, entre eles, a culpabilidade, sopesa, necessariamente, a coculpabilidade do Estado na ação ou omissão do autor, havendo de se admitir sua existência legal implícita:

[...] Dentre todas as circunstâncias judiciais verificáveis no rol do art. 59, a culpabilidade constitui verdadeira pedra de toque. O momento de análise das circunstâncias judiciais subjetivas parece ser um momento propício à perquirição, também, da co-culpabilidade. Isto porque é ao grau de censura atribuível ao agente que se contrapõe o quantum de censura atribuível ao Estado, possibilitando-se a diminuição da reprovação dirigida ao réu na medida em que há "divisão" da culpa entre o agente transgressor e o Estado omisso. (GOMES; SILVA, 2009)

Para Moura, esta seria uma alternativa cabível. No entanto, numa perspectiva garantista, defende a necessidade de reforma legislativa para adição literal do princípio:

A primeira opção da positivação da coculpabilidade é a sua inserção no art. 59 do Código Penal como uma circunstância judicial que incidiria na primeira fase de aplicação da pena. É a proposta do anteprojeto de redorma do Código. (2006, p. 94)

Doutrinariamente, porém, a corrente que mais se difunde entende o "menor âmbito de determinação" (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011, p. 529) social em razão da inoperância Estatal como "circunstância relevante" à ponderação da pena, enxergando na atenuante genérica do artigo 66 fundamento legal à aplicação do princípio da coculpabilidade. O legislador, ciente da impossibilidade de enumeração exegética das circunstâncias atenuantes, admite um futuro de novas construções doutrinárias positivando uma atenuante com efeito rejuvenescedor. Filiam-se à esta vertente Zaffaroni e Pierangeli:

Cremos que a coculpabilidade é herdeira do pensamento de Marat e, hoje, faz parte da ordem jurídica de todo o Estado Social de Direito, que reconhece direitos econômicos e sociais, e, portanto, tem cabimento no Código Penal mediante a disposição genérica do art. 66 (2011, p. 529)

Com viés garantista, também acena a este caminho Grégore Moura:

A segunda hipótese seria sua positivação no art. 65 do Código Penal, que trata das atenuantes genéricas, o que poderia ser feito com a previsão de mais uma alínea no inciso III do citado art. 65 do Código Penal. É uma proposta audaz, uma vez que a previsão expressa da co-culpabilidade como atenuante genérica reforçaria a necessidade de sua aplicação, bem como limitaria o poder de liberdade e interpretação do magistrado, tãoamplo quando da análise do art. 59 do mesmo diploma legal. Porém, mesmo o legislador fazendo a opçãoora mencionada, segundo a maior parte da doutrina e da jurisprudência, ainda assim não poderia trazer a pena aquém do mínimo legal. (2006, p. 94)

Data vênia, este não parece ser o meio de aplicação mais sensato do princípio.

Ao olvidar a relação complementar existente entre culpabilidade e coculpabilidade, assumir essa postura equivale admitir a plausibilidade de um duplo decréscimo da pena.

Explico.

Sabe-se que o agente terá culpa dosada, sendo responsabilizado pelo crime na medida de sua culpabilidade, assim versa o princípio da individualização da pena. Sendo a pena individualizada e individual, isto é, intranscendente ao agente, não poderá o autor ser responsável pela culpa de terceiro na execução do crime. Dessa forma, repete-se: quão maior a culpa de quem "subtrai”, menor será a do responsável por todos os cidadãos - o Estado. O cume dessa relação inversa ocorre quando o Estado assume seus deveres de formação social, momento em que se descartaria o compartilhamento da culpa. Encontra-se nesta fase a expressão da justiça ulpiana à medida em que se atribui ao autor pena-base ancorada em seu grau de responsabilidade, e desatrela da individualização qualquer culpa estranha - coculpabilidade.

Reconhecer a culpabilidade pontual do agente é libertá-lo de ser apenado por dois.

Desse modo, se se reconhece a existência da coculpabilidade ainda em fase inicial da dosimetria, admiti-la como atenuante genérica seria minorar a pena por duas vezes consecutivas com porquê na mesma causa.

Encampar a tese de culpabilidade e coculpabilidade como juízos proporcionalmente inversos, como visto, pode ocasionar num compartilhamento ou não da responsabilidade entre autor e Estado, à medida da assiduidade deste último em suas tarefas constitucionais formadoras.

Qual seria, então, a resposta para a situação de inexistência por completo do Estado em relação à frações populacionais?

E se, agora mesmo, o Estado também inexiste?

Isso mesmo.

Decerto, escrever este capítulo de monografia num papel extraído de madeira sustentável, demonstra, pelo menos, dupla presença Estatal: nas esferas educacional e de proteção ambiental. O Estado, a mim, nesse momento, existe.

Todavia, há porções populacionais às quais o mínimo existencial é negado. À essas parcelas, o Estado inexiste.

Como o gato de Schrödinger, o Estado está, ao mesmo tempo, vivo e morto.

O “extremófilo”: esse é o ponto vital das considerações de Cláudio Guimarães acerca da coculpabilidade enquanto princípio mitigador do Jus Puniendi:

Como forma de aumentar a objetividade na aplicação do princípio em estudo, propomos, na esfera dos crimes perpretrados sem efetiva violência contra a vítima, quando efetivamente detectada nos autos, após o devido processo legal, a vulnerabilidade extrema ou extremofilia daquele que deverá ser apenado, assim como a primariedade, que a pena deixe de ser aplicada, não como "mea culpa" do Estado e da sociedade, mas como forma objetiva de compensação pela omissão estatal em cumprir as leis em sua integralidade. [...] Dessa forma, o Estado, representado pelo órgão jurisdicional e pelo Ministério Público, reconhecendo não ter tido o apenado acesso aos direitos sociais mínimos que garantiriam a sua dignidade como pessoa humana, deixará de aplicar a pena e encaminhará o apenado para programas públicos de inclusão social, para que, assim, o primeiro contato entre Estado e cidadão se dê no âmbito da cidadania positiva, reconhecedora de direitos, e não na esfera da punição, da cidadania negativa, cujo objetivo é a restrição ainda maior dos poucos direitos usufruídos pelos extremófilos. (GUIMARÃES, 2009, p. 62)

Poder-se-ia discursar que parece fantasiosa a afirmação de inexistência, mesmo que mínima, da atuação estatal perante a sociedade, e que sua presença é aferida através de fatos cotidianos impensáveis, entre os quais, o mais emblemático talvez seja a própria televisão, eletrodoméstico presente em mais de 90% dos lares, e que, sintonizado, reproduz verdadeiras concessões públicas - os canais, com deveres ético-informativos predispostos em lei, ou mesmo o rádio, que soa em 88,1% dos domicílios do país, segundo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (2013).Sim, o Estado alcança tais meios de comunicação, e ecoa através deles.

No entanto, estas são formas de contato por demais frágeis, e até estranhas àquele que vive em condições anecúmenas. De tão etéreo, é desaperebido, é algaravia aos ouvidos.

Aos extremófilos, o anêmico Estado só ganha destreza para cumprir os deveres penais de seletividade, e o primeiro contato entre Estado e o cidadão, ensina Guimarães, costuma se dar em âmbito da “cidadania negativa”.

Data vênia às elucidações ofertadas pelo professor, o presente trabalho insiste em ressaltar o aspecto político intrínseco ao juízo de coculpabilidade. Nesta análise, o Estado confessa em juízo sua ausência. Sendo um exame de assiduidade, restringir a aplicação do princípio da coculpabilidade aos “crimes perpetrados sem efetiva violência contra a vítima” seria dar diversos efeitos à uma igual causa, drenando, assim, suas forças.

A teoria da culpa compartilhada tem fulcro na responsabilidade de formação interna e social do ser, atribuída ao Estado. Dessa maneira, é constatada, ou não, através de biópsia psicológica e social do agente criminoso, ou seja, cirscunstânciias anteriores à prática do crime. Assim, o exame da coculpabilidade independe da natureza do crime praticado.
 

1.4 Desmistificando a coculpabilidade

Culpabilidade: de onde e por que surgiu? Sua aplicação é a concretização de um ideal de justiça, ou um arbitramento de benesse? Coculpabilidade é desígnio sinonímio da condição de miserabilidade? Em verdade, a teoria da coculpabilidade ainda parece estar envolta por uma capa de mistério. Capa esta que o soslaio jurídico, por si, não consegue penetrar. A partir dessa conjectura, emerge a necessidade de despir tais véus que dão à coculpabilidade uma aparência surrealista.

Nesta expedição de busca, zarpamos, ao menos, com algumas certezas no convés. A primeira delas é da voz que mais forte ecoa em defesa da teoria da coculpabilidade: Eugênio Raúl Zaffaroni. Os estudos do penalista soam há décadas em solo latino-americano, o transformando em ícone vivo desta luta:

Si la sociedad no brinda a todos iguales posibilidades, resulta que hay un margen de posibilidades que se le ofrecen a unos y se le niega a otros y, por ende, cuando la infracción es cometida por aquél a quien se le han negado algunas posibilidades que la sociedad le dio a otros, lo equitativo será que la parte de responsabilidad por el hecho que corresponda a esas negaciones sea cargada por la misma sociedad que en esa me dida fue injusta. Esta es la co-culpabilidad: al lado del hombre culpable por su hecho, hay una parte de la culpabilidad – del reproche por el hecho – con la que debe cargar la sociedad en razón de las posibilidades que no ha dado. (...) si la sociedad no da a todos las mismas posibilidades, pues que cargue con la parte de responsabilidad que le incumbe por las posibilidades que le ha negado al infractor en comparación con las que le ha dado a otros. Elinfractor solo será culpable en razón de las posibilidades sociales que se le han dado. (ZAFFARONI apud FLORES, 2006)

O enxerto é de 1982. Trata-se de uma das primeiras expressões modernas da coculpabilidade. Contudo, o próprio Zaffaroni nega a 'maiêutica' hodierna da teoria. Segundo o autor, a coculpabilidade fora germinada em plena Revolução Francesa, e elenca como marco inicial da teoria os ensaios desenvolvidos por Jean-Paul Marat (2011, p.529).

A boa aceitação em campo teórico acabou por resultar na inclusão do princípio em diversos ordenamentos jurídicos latinos, entre os quais se destaca o próprio Código Penal Argentino pela vanguarda:

ARTICULO 40.- En las penas divisibles por razón de tiempo o de cantidad, los tribunales fijarán la condenación de acuerdo con las circunstancias atenuantes o agravantes particulares a cada caso y de conformidad a las reglas del artículo siguiente.

ARTICULO 41.- A los efectos del artículo anterior, se tendrá en cuenta:

1º. La naturaleza de la acción y de los medios empleados para ejecutarla y la extensión del daño y del peligro causados;

2º. La edad, la educación, las costumbres y la conducta precedente del sujeto, la calidad de los motivos que lo determinaron a delinquir, especialmente la miseria o la dificultad de ganarse el sustento propio necesario y el de los suyos, la participación que haya tomado en el hecho, las reincidencias en que hubiera incurrido y los demás antecedentes y condiciones personales, así como los vínculos personales, la calidad de las personas y las circunstancias de tiempo, lugar, modo y ocasión que demuestren su mayor o menor peligrosidad. El juez deberá tomar conocimiento directo y de visu del sujeto, de la víctima y de las circunstancias del hecho en la medida requerida para cada caso. (ARGENTINA, 1984, grifo nosso)

Esta vibração ideológica também acabou por alcançar a terra das palmeiras e dos sabiás, e foi saudosamente abraçada pela doutrina. Acontece que, na tradição do folclore, parece a coculpabilidade brasileira ser emoldurada em mitos.

O primeiro deles é a tendência tupiniquim de comparar a assunção desse princípio a uma possível congratulação do agente. Este, certamente, é o maior motivo do pontilhismo jurisprudencial quanto a aplicação do tema. Nesses moldes julgou o Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO QUALIFICADO. DOSIMETRIA DA PENA. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. EXISTÊNCIA DE DUAS CONDENAÇÕES COM TRÂNSITO EM JULGADO. EXASPERAÇÃO NA PRIMEIRA E NA SEGUNDA FASE DE FIXAÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. ATENUANTE GENÉRICA DO ART. 66 DO CÓDIGO PENAL. TEORIA DA CO-CULPABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. REGIME INICIAL FECHADO. PACIENTE REINCIDENTE. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO LEGAL. HIPÓTESE DE NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 269 DESTA CORTE SUPERIOR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. 1. Se o réu ostenta mais de uma condenação definitiva, não há ilegalidade na utilização de uma delas na fixação da pena-base e de outra no reconhecimento da reincidência, com acréscimo na segunda fase do cálculo penal. O que não se admite, sob pena de bis in idem, é a valoração de um mesmo fato em momentos diversos da aplicação da pena, circunstância esta não evidenciada na hipótese. Precedentes. 2. A teoria da co-culpabilidade não pode ser erigida à condição de verdadeiro prêmio para agentes que não assumem a sua responsabilidade social e fazem da criminalidade um meio de vida. Ora, a mencionada teoria, "no lugar de explicitar a responsabilidade moral, a reprovação da conduta ilícita e o louvor à honestidade, fornece uma justificativa àqueles que apresentam inclinação para a vida delituosa, estimulando-os a afastar da consciência, mesmo que em parte, a culpa por seus atos" (HC 172.505/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, Quinta Turma, julgado em 31/05/2011, DJe 01/07/2011.) 3. Nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça,ao réu reincidente condenado a pena inferior a quatro anos de reclusão aplica-se o regime prisional semiaberto, se consideradas favoráveis as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal. 4. Na hipótese, embora a pena fixada não alcance quatro anos, reconheceu-se, além da reincidência, a existência de circunstância judicial desfavorável ao Paciente, o que afasta a incidência do enunciado da Súmula n.º 269 desta Corte Superior, justificando, portanto, o estabelecimento do regime prisional mais severo. 5. Ordem de habeas corpus denegada. (BRASIL,

Assim persevera a Colenda Corte:

HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E USO DE DOCUMENTO FALSO. DOSIMETRIA DA PENA. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. CONDENAÇÕES COM TRÂNSITO EM JULGADO. EXASPERAÇÃO NA PRIMEIRA E NA SEGUNDA FASE. POSSIBILIDADE. TEORIA DA CO-CULPABILIDADE. COMPENSAÇÃO DA REINCIDÊNCIA COM A ALUDIDA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE GENÉRICA. INVIABILIDADE. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. AUMENTO DA PENA EM 1/3 (UM TERÇO). NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO. 1. "Não configura bis in idem a utilização de condenações anteriores com trânsito em julgado, para caracterizar os maus antecedentes e a reincidência do paciente, desde que uma delas seja utilizada para exasperar a pena-base e a outra na segunda fase da dosimetria" (HC 167.459/RJ, 5.ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe de 12/02/2012). 2. A teoria da co-culpabilidade não pode ser erigida à condição de verdadeiro prêmio para agentes que não assumem a sua responsabilidade social e fazem da criminalidade um meio de vida. 3. Ademais, ad argumentandum tantum, inviável a compensação da circunstância preponderante da reincidência com a aludida circunstância atenuante genérica, a teor do disposto no art. 67 do Código Penal. 4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a aplicação de fração superior a 1/6 pela reincidência exige motivação idônea. 5. A sentença condenatória, convalidada pela Corte a quo, reconheceu que o Paciente era reincidente e aumentou a sanção, na segunda fase, no patamar de 1/3, sem a correspondente fundamentação. Assim, impõe-se a readequação do acréscimo para o percentual mínimo de 1/6. 6. Habeas corpus parcialmente concedido para, reformando a sentençacondenatória e o acórdão combatido, fixar a pena do Paciente em 05 anos, 05 meses e 10 dias, mais o pagamento de 24 dias-multa,mantendo-se, no mais, os parâmetros adotados pelas instâncias ordinárias. (STJ. Habeas Corpus nº 179717 / SP. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Órgão Julgador: 5º Turma. Data do Julgamento: 08/05/2012)

O Tribunal negligencia as determinações constitucionais de individualização da pena (MOURA, 2006, p. 64), direito fundamental decorrente do princípio da isonomia material, segundo o qual cada agente será responsável por sua parcela de culpa, sendo, posteriormente, punido em razão desta:

Na verdade, a mensuração da co-culpabilidade corresponde a um dos meios disponíveis pelo Poder Judiciário para estabelecer o real tratamento isonômico entre as pessoas, observando a desigualdade material existente entre os grupos sociais da sociedade. (FLORES, 2006, p. 15)

Debruçando-se sobre esse princípio, comumente se percebe construção de cadeia lógica envolvendo a coculpabilidade e trazendo, como uma das premissas para sua aplicação, a pobreza. Não há o determinismo umbilical entre condição econômica e crime. A teoria em voga se alberga na ineficiência estatal em garantir condições mínimas para a dignidade (GUIMARÃES, 2008, p. 64). Coincidindo, muitas vezes, com parcela social que é impossibilitada de garanti-la por meios privados. Contudo, a escassez de recursos não implica, necessariamente, numa falta de Estado, na medida em que este não assume a pecha de 'turista' na assunção de seus deveres constitucionais.

É um dos pontos de inaceitação do princípio pelo Tribunal e Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO SIMPLES. PRELIMINAR DE NULIDADE DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ART.212 DO CPP. REJEIÇÃO. O art. 212 do CPP, com a redação dada pela Lei 11.680/08, permite que as partes façam perguntas diretamente aos que são ouvidos em audiência, porém, tal faculdade não retirou do juiz a possibilidade de também questioná-las. PROVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. A materialidade e a autoria restaram suficientemente comprovadas pela prova produzida nos autos. O réu confessou a prática delitiva, o que foi corroborado pela sua prisão em flagrante, bem como pelos depoimentos colhidos em juízo, sobretudo a palavra da vítima, de quem o réu subtraiu, de dentro do porta-malas do seu veículo, uma jaqueta, um pen drive e um par de tênis. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. Na aplicação do princípio da insignificância, além do valor da res, que deve ser desprezível, há que se levar em conta o desvalor da conduta e do resultado, a repercussão do fato na pessoa da vítima e as condições pessoais do acusado. Na espécie, não estão presentes as circunstâncias que autorizariam a aplicação do aludido princípio. PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE. ATENUANTE DO ART. 66 DO CÓDIGO PENAL. NÃO RECONHECIMENTO. A alegada atenuante da co-culpabilidade não merece ser reconhecida, por falta de previsão legal e porque a hipótese ventilada não se trata de circunstância relevante a ponto de provocar a redução da pena pelo art. 66 do Código Penal. Não se pode responsabilizar a sociedade pela ausência de oportunidades ao indivíduo, bem como a culpabilidade não decorre da pobreza, pois presente o crime em todas as camadas sociais. (______.Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime nº: 70052317104. Relatora: Isabel de Borba Lucas. Órgão Julgador: Oitava Câmara Criminal. Data de Julgamento: 16/10/2013.)

Ainda examinando o julgado acima, percebe-se a displicência do Tribunal ao associar culpa compartilhada a uma responsabilização da sociedade pelo crime de outrem. A teoria estudada em nada transcende pessoalmente a pena. Trata-se de um compartilhamento entre culpáveis: de um lado, o autor do fato criminoso, e, doutro, o Estado, sempre que por conduta omissiva, se apresenta ao indivíduo pela primeira vez, no momento da punição. Esclarece Guimarães:

A aplicação do princípio da culpabilidade compartilhada aqui proposta estaria adstrita, portanto, exclusivamente como uma mitigação da intermitência estatal no cumprimento dos dispositivos legais; é um acerto de contas entre o Estado e o cidadão, excluindo-se, na seara objetiva, a sociedade de tal ajuste. (2009, p. 62)

Percebe-se pois, que o princípio da coculpabilidade, ou culpa compartilhada, tem múltiplos fundamentos em nossa ordem jurídica, constituindo mais um alpendre à dignidade humana em escala penal4, inclinando o cálculo dosimétrico à igualdade, e possibilitando juízo político da efetividade Estatal.

Mas ainda falta.

Não lhe parece, leitor, tal verbete um tanto quanto 'pálido' em seu significado? 'Políticas públicas efetivas', 'educação', 'igualdade' e 'dignidade' são palavras-chave que orbitam o universo jurídico da coculpabilidade, mas mínguam vida, carecem da energia e do fôlego de ciências outras.

“Mas o que, de fato, a inoperância Estatal acarreta na vida de cada um?“

O elan da presente presquisa reside nesse questionamento.

"Se apenas houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema.", dizia Picasso.

Autonomia jurídica, sim. Mas independência, nunca.

As fontes materiais permitem um salto quântico no entendimento dos porquês deste mundo. Navegar-se-á por estas correntes pois é necessário retirar-lhe a pecha de 'princípio inexistente' ou de 'prêmio conferido ao agente', para assim acrescentar a ambivalência do exame da culpabilidade, e o pungente quê político da admissão da inoperância Estatal.

O Estado existe enquanto ser maior. Mas, e se o ser maior for, além do Leviatã cunhado por Hobbes, tecedor de uma linha invisível que enlaça todos os seres de uma sociedade, e mantenedor do equilíbrio coletivo, nos instruindo comportalmente do início ao fim do dia? E se o Brasil, ao mesmo tempo que tem assento na bancada da ONU, tem lugar também na mente de cada indivíduo?

A mente e a sociedade são pontos nevrais à desmistificação da força Estatal viva em cada um.

1Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

2Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

3Sobre a individualização da pena e sua estreita relação com a coculpabilidade, MOURA destaca: "O princípio da individualização da pena, como já exposto, está previsto no art. 5º, incisos XLV e XLVI, da Constituição e seu objetivo é limitar o poder punitivo do Estado, matendo estreita ligação com o princípio da culpabilidade, o qual consagra a responsabilidade subjetiva. Este princípio incide nas três fases da pena: previsão, cominação e execução. Assim, a sanção criminal, com suas funções preventivas e retributivas, deve ser direcionada ao agente que cometeu o delito. Além disso, sua aplicação e sua execuçãoo devem atender não só aos aspectos objetivos do delito,mas também aos seus aspectos subjetivos e às individuais características do condenado, respectivamente. A co-culpabilidade, como forma de reconhecimento material da reprovação social e pessoal do agente, portanto, concretiza o princípio da individualização da pena, visto que personaliza, individualiza e materializa a aplicação e a execução da pena, levando em conta as condições sociiais e pessoais do autor do delito. Isso que resultará na maior efetividade no que tange às funções por ela - sanção penal - propostas" (2006, p. 64)

4“Com o advento do Estado Democrático de direito, o Estado assumiu diversas funções até então relegadas à iniciativa privada, com a finalidade de promover o bem comum e, por conseguinte, a dignidade da pessoa humana, mediante a concretização de seus deveres constitucionais. Referido Estado, porém, não cumpriu seus deveres por vários motivos, dentre os quais podemos citar: ineficiência dos governantes, inchaço da máquina administrativa, má administração, falta de recursos, corrupção, interesses políticos, modo capitalista de produção, aspecto histórico, desigualdades sociais, globalização e muitos outros. Nesse contexto, o Direito, como instrumento de controle e fator de inclusão social, visa, em tese, diminuir a desigualdade social. Um dos "mecanismos" utilizados pelo Direito para atingir tal desiderato é justamente a proteção dos hipossuficientes, ou seja, a legislação tenta igualar as partes envolvidas na lide, a fimd e minimizar as desigualdades fáticas. É o ocorre com o direito do trabalho, direito do consumidor, direito previdenciário, dentre outros. No Direito Penal, o princípiio da co-culpabilidade é exatamente essa proteção dada ao hipossuficiente." (MOURA, 2006, p. 62-63)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 

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Sobre o autor
Glauco Eduardo Salles dos Santos

Advogado Associado ao escritório Cutrim, Santos & Borges, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (2014). Pós-graduado em Direito Penal pela Faculdade Damásio de Jesus (2016). Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (2016-). Manteve atividades de Assessoria Jurídica na Secretaria de Planejamento do Estado do Maranhão (2015). Atuou enquanto advogado eleitoral para Coligação Todos pelo Maranhão (2014). Membro do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular - NAJUP Negro Cosme entre 2009-2010. Diretor de Comunicação do Centro Acadêmico I de Maio gestão 'Para Além da Direita e da Esquerda'. Diretor-chefe de Comunicação do Centro Acadêmico I de Maio gestão 'Para Além'. Eleito representante de turma da graduação em Direito entre 2009-2014.

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