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Trabalho escravo na Amazônia: análise dogmático-interpretativa e jurisprudencial do art. 149 do Código Penal

Trata-se de detida análise dos elementos caracterizadores do crime de redução do trabalhador à condição análoga a de escravo; fatores de sua forte ocorrência na Amazônia, especialmente no Sul do Pará; além das decisões do judiciário local em face do tema.

                                                

RESUMO: Este artigo propõe analisar as hipóteses caracterizadoras do crime de redução do trabalhador à condição análoga à de escravo, buscando, por meio da utilização de métodos interpretativos previamente definidos, a demonstração da importância do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana para balizamento da incidência típica, definindo a amplitude e significado coerente às expressões utilizadas no texto legal do Código Penal Brasileiro, principalmente no que tange ao trabalho forçado, jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho, restrição da liberdade por dívidas ou qualquer outro meio, a fim propiciar uma melhor e mais correta aplicação da lei em casos concretos, em especial, nos casos limítrofes, nos quais há margem para dúvidas interpretativas. Nesse contexto, dividiremos tal análise em quatro partes ou capítulos: i) análise histórica do trabalho escravo na Amazônia; ii) análise dogmático-interpretativa do artigo 149 do Código Penal; iii) análise da jurisprudência dos Tribunais Superiores acerca do tema; e, por fim, iv) análise dos julgados da Justiça Federal de Marabá/PA envolvendo o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho Escravo; Direito Penal; Direito do Trabalho; Dignidade Humana.
 

ABSTRACT: This article aims to analyze the characterizing assumptions worker reducing crime to a condition analogous to slavery, seeking, through the use of previously defined interpretive methods, demonstrating the importance of the constitutional principle of human dignity for beaconing incidence typical setting the amplitude and coherent meaning to the terms used in the legal text of the Brazilian Penal Code, especially with regard to forced labor, exhausting journey and degrading working conditions, freedom restriction for debts or any other means, to provide a better and more correct application of the law in specific cases, especially in borderline cases where there is room for interpretative doubts. In this context, we will divide this analysis into four parts or chapters: i) historical analysis of slave labor in the Amazon; ii) dogmatic interpretative analysis of Article 149 of the Penal Code; iii) of the Superior Courts Jurisprudence Analysis of the theme; and finally, iv) analysis of the judgments of the Federal Court of Marabá / PA involving the subject.

KEYWORDS: Slave Labor; Criminal Law; Labor Law; Human Dignity.

1 – ANÁLISE HISTÓRICA DO TRABALHO ESCRAVO NA AMAZÔNIA

Primeiramente, tem-se no presente trabalho a necessidade de compreender a evolução da escravidão, ainda que de maneira perfunctória, uma vez que foram utilizadas diversas formas de trabalho escravo ao longo dos tempos e em diferentes regiões do mundo, não sendo viável adentrarmos profundamente na discussão, para que não haja desbordamento do cerne da questão.

Além disso, visa-se facilitar compreensão da real situação brasileira e, em especial, da região amazônica acerca do tema, bem como clarear quais forças devem ser despendidas a um combate certo e eficaz das situações em que trabalhadores são obrigados a desenvolver a sua atividade em condições análogas à de escravo.

No Brasil, a escravidão decorre da colonização do país pelos portugueses, que inicialmente exploraram o trabalho do índio1. A mão de obra indígena foi um fator de contribuição decisivo no desenvolvimento econômico da colônia e o escravismo praticado levou a um efetivo genocídio do indígena de proporções incomparáveis2.

Ato contínuo, passou-se a explorar a mão de obra escrava negra, e estes, assim que desembarcavam em um dos portos de destino no Nordeste, Norte ou no Rio de Janeiro, regiões consideradas como áreas de grande demanda de escravos nos séculos XVI e XVII, eram vendidos. Essa venda poderia ser realizada no próprio porto, através de negociações diretas, ou, ainda, pela realização de leilões. “A presença de intermediários - os chamados tratantes - só iria se afirmar com o desenvolvimento da atividade aurífera em Minas Gerais. Esses comerciantes fariam o papel de ponte entre o traficante que chega até o litoral e o futuro proprietário dos escravos”3.

Vale frisar que, nos dias atuais, existem práticas semelhantes, pois os grandes proprietários de terras que pretendem utilizar a mão de obra forçada contratam os gatos4, que são os recrutadores de trabalhadores. Esses aliciadores percorrem regiões distantes, em que os ciclos agrícolas são diferentes dos do local onde irão trabalhar, com falsas promessas de bom pagamento e boas condições para trabalhar.

No Pará, a defesa da liberdade dos nativos pelos missionários criou as condições para a importação de escravos africanos para cá. Como a área a ser explorada na região amazônica é de grande extensão, através da agricultura ou pelo extrativismo florestal das drogas do sertão, necessitava-se de um maior contingente de força de trabalho para a região. Como a Metrópole fazia uso de mão de obra escrava africana há séculos, esta foi a solução para resolver o problema.

Na Amazônia, o número de escravos negros não chegou a ser tão elevado quanto em outras regiões do Brasil. Isto se devia ao fato de que a atividade básica da região, o extrativismo florestal, exigir o conhecimento da floresta amazônica, que os negros desconheciam.

Entretanto, existiram outras atividades na Amazônia, ao longo dos séculos XVII ao XIX, sendo que desta forma a mão de obra africana desempenhou diversas atividades na região do Grão-Pará e Maranhão, como: no Marajó com o trabalho na criação de gado; no Baixo Amazonas, onde a coleta do cacau representava a principal atividade econômica no século XIX; na Ilha das Onças no trabalho de artesanato de cerâmica, e em engenhos como o Engenho do Murucutu em Belém e o Engenho do Cafezal em Barcarena. A situação de vida desses escravos não era melhor que o restante da massa escravizada no resto do país.

Mas foi somente com a criação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778), visando o estabelecimento da política pombalina de fomentar as atividades comerciais na Amazônia, que o número dos escravos trazidos da África até a Amazônia aumentou quantitativamente.

Por outro lado, já no século XIX, surgiram organizações abolicionistas em todo Brasil. Em Belém, foram exemplos como o Clube Felipe Patroni, o Clube Batista Campos, e a Liga dos Cativos da Província do Pará.

Ainda vale lembrar que, mesmo após abolição formal da escravidão no Brasil em 1.888, no final do século XIX, a Amazônia manteve um regime análogo ao da escravidão durante o período de produção mundial da borracha. Durante esse período, foi utilizado para o trabalho da exploração da borracha a mão de obra indígena. Contudo, foram os trabalhadores nordestinos, trabalhando em péssimas condições, que sustentaram a força de trabalho da borracha entre 1934 e 1945.

Na Amazônia, o ápice, ou seja, a intensificação da proliferação do trabalho escravo, da forma como comumente a vemos, está intimamente ligada ao processo de colonização da região durante os idos dos anos 60 e 70, no auge do governo militar no Brasil.

Movidos por uma política econômica e ideológica de expansão e proteção das fronteiras brasileiras, o governo incentivou o processo migratório de diversas populações desafortunadas, oriundas da região nordeste do país, para nossa região, valendo-se do famoso slogana Amazônia é terra sem homens para homens sem terra”.

Assim, ao passo em que o Estado dava fomento ao processo migratório, vários indivíduos começaram a explorar e a acumular terras na região, contribuindo para a proliferação de grandes latifúndios na Amazônia, bem como para um lastro de desmatamento de mata nativa e da biodiversidade locais, tudo sob a chancela e incentivo do governo.

Logicamente, tal política olvidava a existência de comunidades tradicionais na Amazônia, as quais já eram detentoras de terras da região, explorando-as e colonizado-as antes dos imigrantes. Entre as ditas comunidades inserem-se ribeirinhos, indígenas, quilombolas, posseiros, entre muitos outros.

O resultado não poderia ser outro. Iniciaram-se diversos conflitos de terras na região, os quais perduram até os dias atuais. Várias famílias tradicionais foram enxotadas de suas terras produtivas, enquanto os latifúndios só cresciam em extensão e sem qualquer controle por parte do Estado.

Como bem leciona Lúcio Flávio Pinto5:

A ditadura militar, instaurada em 1964, pôs em prática um amplo programa de ocupação econômica da Amazônia brasileira, em bases supostamente modernas. O objetivo era integrar a Amazônia ao Brasil, ocupando os espaços vazios. Com a ditadura, a correlação de forças alterou-se em favor das classes dominantes. As leis perderam força como instrumento de pressão dos trabalhadores, e, com a repressão que se instalou, as medidas desfavoráveis aos grandes grupos econômicos foram-se acentuando, às vezes respaldadas por decretos, às vezes a despeito da legislação existente. Isso atingiu, fundamentalmente, o acesso à terra. O favorecimento pelo Estado das empresas e dos grupos econômicos em detrimento da sociedade como um todo, ao mostrar que, do total de 1.418 projetos incentivados em toda Amazônia Legal, 864 ou 60,93%, eram agropecuários, 439 ou 30,96%, industriais, e 115 ou 8,11%, estavam noutros ramos de atividades. Apenas 166 (11,70%) foram considerados como implantados até 1984.

Paralelamente à falência de grande parte dos empreendimentos econômicos implantados, avançou a grande concentração fundiária provocada pela política social e manteve-se a baixa capacidade na oferta de crédito agrícola para pequenos produtores. A falta de políticas firmes que garantissem assistência técnica e infra-estrutura para os núcleos urbanos que se expandiram, aliada à baixa capacidade dos grandes projetos para gerar empregos permanentes, provocou uma elevada concentração de trabalhadores nas cidades e o "inchamento" dos velhos e novos núcleos urbanos, onde prolifera conflito de toda ordem.

É neste cenário que se inicia o aliciamento destas comunidades e de vários outros indivíduos oriundos do inchaço urbano e da região nordeste do país, em especial, do sertão nordestino, que vieram para a Amazônia em busca de emprego e trabalhos dignos, ludibriados pelas promessas de grandes oportunidades e melhores condições de vida.

Com a organização econômica predatória vigente em nossa região, iniciam, por volta da década de 70, as primeiras denúncias sobre submissão de trabalhadores, em especial no campo, a condições paupérrimas de tratamento e vida análogas a de escravos.

Como bem pontua Loureiro6:

Estima-se que existem hoje no Brasil cerca de 30 mil trabalhadores submetidos a condições de trabalho escravo. Destes, 70% estariam concentrados no Estado do Pará, o que confere ao nosso estado o triste título de campeão nacional de trabalho escravo. A maioria das ocorrências de trabalho escravo no Pará foram localizadas, particularmente, em São Félix do Xingu e Santana do Araguaia, mas também em outros municípios do sul e sudeste do Estado.

Segundo estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego, no ano de 2000 foram registrados no Brasil 465 casos de trabalhadores escravos libertados após denúncias, em 2001 foram 2.416 casos e em 2002, 4.143 casos. No ano passado, foram 5.659 trabalhadores rurais, sendo 2.546 somente no Estado do Pará.

Pode-se apontar que é na forma histórica de ocupação e de exploração do campo e, particularmente, da Amazônia que se encontram as principais causas do trabalho escravo contemporâneo.

1 – TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

Engana-se aquele que afirma não haver mais escravidão nos tempos modernos. A escravidão ainda continua presente no mundo contemporâneo. Não em sua forma tradicional, colonial, legalizada e permitida pelo Estado, mas em decorrência das condições a que são submetidos os trabalhadores.

A escravidão vem sendo remodelada ao mundo atual. Ela persiste, ainda que tenha perdido o antigo conceito de propriedade do homem sobre homem e aquela imagem do escravo acorrentado a uma bola de ferro e morando em senzala. Ela assume feição mais versátil, pois o trabalho escravo constitui uma mão de obra disponível em abundância e que acabou se adaptando ao mundo global.

Nas lições de Lilian Miranda Machado7:

A escravidão contemporânea caracteriza-se por situações que levam à violação da dignidade do trabalhador. No conjunto de violações que a caracterizam, é comum encontrar trabalhadores em condições degradantes, sendo submetidos a torturas, maus tratos, jornadas exaustivas e restrição de liberdade.

Assim, na manifestação atual do problema, não há mais a ideia de propriedade de uma pessoa sob a outra (trabalho escravo antigo), mas, sim, o aproveitamento da situação de vulnerabilidade de sujeitos que, sem acesso à educação, moradia e empregos formais, aceitam as piores formas de condições de trabalho, que lhe retiram sua dignidade.

O governo federal brasileiro assumiu a existência do trabalho escravo contemporâneo perante o país e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1995. De 1995 até 2014, mais de 47 mil trabalhadores foram libertados de situações análogas a de escravidão.

Tradicionalmente, esse tipo de mão de obra é empregada em atividades econômicas, desenvolvidas na zona rural, como a pecuária, a produção de carvão e os cultivos de cana-de-açúcar, soja e algodão. Nos últimos anos, porém, essa situação também tem sido verificada em centros urbanos, especialmente na indústria têxtil, construção civil e mercado do sexo. Infelizmente, há registros de trabalho escravo em todos os estados brasileiros.

Portanto, embora não mais tão visível, a utilização de trabalho escravo nos dias atuais continua existindo. Para melhor distinção e criação de um novo conceito, o sociólogo americano Kevin Bales8, especialista no tema, traça paralelos entre a escravidão histórica e a escravidão contemporânea, os quais valem a pena serem esquematizados no quadro abaixo:

CRITÉRIOS DE AFERIÇÃO

ESCRAVIDÃO HISTÓRICA

ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA

Propriedade legal

Permitida

Proibida

Custo de aquisição de mão de obra

Alto. A quantidade de escravos era medida de riqueza

Muito baixo. Não há compra e muitas vezes gasta-se apenas o transporte

Mão de obra

Escassa. Dependia do tráfico negreiro

Descartável. Devido a um grande contingente de trabalhadores desempregados

Relacionamento

Longo período. A vida inteira do escravo e de seus descendentes

Curto período. Terminado o serviço, não é mais necessário prover o sustento

Diferenças étnicas

Relevantes para a escravidão

Pouco relevantes. Qualquer pessoa pobre e miserável são os que se tornam escravos, independente da cor de pele

Manutenção da ordem

Ameaças, violência psicológica, coerção física, punições exemplares e até assassinatos

Ameaças, violência psicológica, coerção física, punições exemplares e até assassinatos


 

2 – ANÁLISE DOGMÁTICO-INTERPRETATIVA DO ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL

Para interpretar o tipo penal descrito no artigo 149 do Código Penal Brasileiro, trilharemos, primeiramente, o percurso de análise dos tratados internacionais, bem como da própria Constituição Federal, que influenciaram na construção do referido tipo penal ao longo dos anos e são vetores de interpretação da figura criminal.

Depois, analisaremos o texto literal descrito na lei (enunciado), nos termos colocados pelo legislador, fazendo um paralelo com a legislação trabalhista, para, posteriormente, verificarmos o que dizem a doutrina e jurisprudência sobre o tema.
 

2.1 – INFLUXOS DOS TRATADOS INTERNACIONAIS E DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AS INICIATIVAS DO GOVERNO BRASILEIRO

Ao tratarmos da evolução legislativa sobre a temática do trabalho escravo contemporâneo, necessário fazermos esta análise, primeiramente, à luz da Constituição Federal de 1988.

Conforme se extrai da interpretação do art. 1º o qual elenca, como fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana (inciso III) e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV), a CF/88 rechaça qualquer possibilidade de submissão de seres humanos a condições de trabalho análogas à escravidão.

É inconcebível, pela leitura do art. 3º da Constituição, que sejam toleradas práticas escravagistas, as quais afrontam os objetivos fundamentais da República, tais como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I) e a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III).

No art. 5º, por sua vez, a CF/88 estabeleceu como direitos fundamentais a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, esta última condicionada ao cumprimento de sua função social9.

Sendo prática que viole tais direitos, podemos extrair que a escravidão moderna malfere frontalmente tais preceitos constitucionais, pois impõe tratamento desumano e degradante aos trabalhadores, violando frontalmente o próprio princípio da dignidade, conforme será melhor exposto na análise do objeto jurídico tutelado pelo tipo penal, bem como viola os preceitos do livre exercício de qualquer trabalho e da livre locomoção no território nacional10.

Pela leitura dos artigos em comento, fica mais do que visível a imensa ligação e tratamento da matéria dada pelo constituinte, voltada para proteção do trabalhador contra a super exploração de sua força de trabalho, em detrimento de sua própria dignidade.

Prosseguindo, vejamos os principais instrumentos internacionais concernentes ao tema.

Primeiramente, em 1926, no texto da Convenção sobre a Escravatura das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Presidencial nº 58.563, de 1º de junho de 1966, já havia previsão de que os países signatários deveriam abolir completamente a escravidão sob todas as suas formas11.

Em 1969, com a promulgação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, endossou-se o compromisso do governo no intento de erradicar a escravidão e a servidão em todas as suas formas12.

O art. 2º da Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho – OIT13, datada de 1930, estabeleceu que o trabalho forçado, ou obrigatório, é aquele trabalho praticado sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente, ou seja, não é voluntário. De acordo com a referida Convenção,“a expressão trabalho forçado ou obrigatório significa todo trabalho exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer sanção e para o qual não se ofereceu espontaneamente, caracterizando o vício de vontade, quer na aceitação do trabalho, quer em sua continuação, quer em seu término”.

Já a Convenção nº 105 da OIT14, de 1957, que trata da abolição do trabalho forçado, dispõe em seu art. 1º, caput, que “todo país membro da OIT que ratificar a referida convenção compromete-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso (...)”.

Na mesma senda, dispõe o art. 4º da Declaração Universal dos Direitos Humanos15, de 1948, que “ninguém será mantido em escravidão nem em servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.

Como se pode perceber, a comunidade internacional, há muito, reuniu esforços, e hoje a norma é datada de status de jus cogens, no sentido de erradicar todas as práticas configuradoras de trabalho em condições análogas à escravidão, justamente por compreender a afronta que elas representam no seio da dignidade da humanidade.

Imbuídos pelo mesmo sentimento, bem como pela crescente onda de debates que envolveu o país, em 1995, o Brasil reconheceu nacional e internacionalmente a existência de trabalho escravo no país, e, neste mesmo ano, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel - GEFM, subordinado à Secretaria de Inspeção do Trabalho – SIT do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, foi criado e começou a atuar no resgate dos trabalhadores16.

Em 2003, houve a implementação da chamada “política anti-escravidão”, tendo como passo inicial o lançamento do 1º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, o qual previa a implementação de várias ações em conjunto com as instituições governamentais e as organizações sociais. A partir do 1º Plano Nacional, foram criados em alguns estados, como o Maranhão, Piauí, Tocantins, Bahia, Mato Grosso e Pará, os Planos Estaduais para a Erradicação do Trabalho Escravo.

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Por meio de Decreto, em julho de 2003, o governo criou a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – CONATRAE, consistente num órgão colegiado, cuja função é basicamente monitorar a execução do Plano Nacional.

Outro fato importante foi a edição, pelo MTE, da Portaria nº 1.153, de 13 de outubro de 2003, que assegura a concessão do seguro-desemprego aos trabalhadores escravos resgatados nas fiscalizações, desde que comprovem que não estão recebendo nenhum outro benefício da Previdência Social, exceto auxílio-acidente e pensão por morte, e não possuam renda própria para seu sustento e de sua família.

Nesse mesmo contexto, foi sancionada a Lei nº 10.803/2003, a qual alterou a redação do art. 149 do CPB, e passou a prever pena de reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência, para o crime de redução de trabalhadores a condições análogas à escravidão, o que será detalhado mais adiante.

Em 2004, o MTE, por meio da Portaria no. 540/2004, criou um cadastro de empresas e pessoas físicas autuadas pela exploração do trabalho escravo, a chamada “lista suja”, que é atualizada semestralmente

Anote-se que a Portaria Interministerial MTE/SDH nº 2, de 12 de maio de 2011, revogou a Portaria n 540/2004, sendo que, em 23/12/2014, por medida cautelar exarada no bojo da ADI n 5209/DF, o STF suspendeu liminarmente os efeitos do dito ato normativo. A matéria se encontra pendente de julgamento.

Foi com base na “lista suja” que, em maio de 2005, foi criado o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil, que consiste num acordo, no qual os signatários, empresas e indústrias, comprometem-se em abolir de suas cadeias produtivas a utilização de mão de obra escrava, de forma a não aceitar fornecedores que façam uso desta prática, impondo restrições comerciais e financeiras às empresas e pessoas incluídas na “lista suja”.

Em 12 de setembro de 2007, o Estado do Pará criou, por meio do Decreto estadual nº 385, publicado no Diário Oficial do Estado nº 31005, de 13 de setembro de 2007, a Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo – COETRAE.

Em 17 de abril de 2008, ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completou 60 (sessenta) anos, foi aprovado o 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo17.

Por fim, em 29 de outubro de 2009, foi promulgada a Lei nº 12.064, que criou o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (dia 28 de janeiro de cada ano) e a Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (que incluirá o dia 28 de janeiro)18.

Recentemente, em 2014, foi aprovada a PEC n° 81, a qual deu nova redação ao artigo 243 do texto constitucional, possibilitando a expropriação (ato sancionatório de confisco sem indenização) das propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde forem localizadas a exploração de trabalho escravo, na forma da lei, destinando-as à reforma agrária e a programas de habitação popular.

Como podemos observar, uma série de medidas foram adotadas pelo governo Brasileiro, bem como pelo Estado do Pará, no sentido de erradicar a prática do trabalho escravo, tendo em vista a gravidade desta chaga social em terrae brasilis.

Após essa breve e resumida relação das principais iniciativas legislativas de combate ao trabalho escravo, as quais endossam a importância inerente ao tema, passaremos a analisar o tipo penal previsto no CPB.
 

2.2 – BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELO ART. 149 DO CPB

Talvez a maior celeuma dos últimos anos, no que diz respeito ao tema em comento, seja o espectro de bens jurídicos que são tutelados pelo tipo penal do art. 149 do CPB.

Tradicionalmente, doutrina e jurisprudência advogavam que o bem jurídico protegido pelo tipo penal em voga seria a liberdade individual de ir e vir, a julgar que o crime estaria inserido justamente na Seção I, Capítulo VI, do Título I do Código Penal, o qual seria dedicado aos crimes que tutelam a liberdade individual.

Neste sentido, leciona Capez19:

Contempla o Código Penal no artigo em estudo o fato criminoso denominado plagium (plágio). Segundo Hungria, “é a completa sujeição de uma pessoa ao poder de outra”. Protege a lei penal, aqui, o status libertatis, ou seja, a liberdade no conjunto de suas manifestações. Refere-se o texto legal “à condição análoga à de escravo”, deixando bem claro que não se cogita de redução à escravidão, que é um conceito jurídico, isto é, pressupondo a possibilidade legal do domínio de um homem sobre outro. (...) Entre o agente e o sujeito passivo se estabelece uma relação tal, que o primeiro se apodera totalmente da liberdade pessoal do segundo, ficando este reduzido, de fato, a um estado de passividade idêntica à do antigo cativeiro.

No mesmo sentido, entendendo que o bem jurídico protegido é a liberdade pessoal de ir e vir, filia-se a maior parte da doutrina tradicional, representada como Luiz Regis Prado20 e Guilherme Nucci21, por exemplo.

Com o passar dos anos, ante inúmeras discussões quanto à competência para o crime de trabalho escravo, pairando dúvidas se caberia à Justiça Federal Comum ou à Justiça Estadual Comum processá-lo e julgá-lo, o STJ, capitaneando tese desenvolvida pelo STF, decidiu que haveria outro bem jurídico a ser tutelado aqui, além da liberdade individual, qual seja a organização do trabalho, haja vista a intrínseca relação do tipo com a ordem trabalhista. Tais decisões serão melhor analisadas quando abordarmos as ementas dos julgados dos Tribunais Superiores mais à frente.

No entanto, doutrina moderna, com a qual nos filiamos, defende que o maior bem jurídico violado neste crime é a dignidade do ser humano, e esta sim, a dignidade, nas suas mais variadas manifestações, dentre elas a liberdade e a igualdade, é o principal objeto de tutela.

Nesse sentido, vale mencionar o que diz Rogério Greco22:

Entretanto, quando a lei penal faz menção às chamadas condições degradantes de trabalho, podemos visualizar também como bens juridicamente protegidos pelo art. 149 do diploma repressivo: a vida, a saúde, bem como a segurança do trabalhador, além da sua liberdade.

Entendemos que todos os bens jurídicos mencionados acima pelo autor, na verdade, estão inseridos na concepção ampla de dignidade, já que todos eles são necessários para garantir ao homem uma vida e trabalho minimamente decentes.

Corroborando com esse entendimento, vejamos o que ensina Bitencourt23:

O bem jurídico protegido, neste tipo penal, é a liberdade individual, isto é, o status libertatis, assegurado pela Carta Magna brasileira. Na verdade, protege-se aqui a liberdade sob o aspecto ético-social, a própria dignidade do indivíduo, também igualmente elevada ao nível de dogma constitucional. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo fere, acima de tudo, o princípio da dignidade humana, despojando-o de todos os seus valores ético-sociais, transformando-o em res, no sentido concebido pelos romanos.

Com maestria, José Claudio de Brito Filho24, valendo-se da filosofia Kantiana, passa-nos valioso ensinamento que vale a pena ser transcrito:

Não se levava em conta, então, que o que era direta e amplamente violado era o principal atributo do ser humano, sua dignidade. Da mesma forma que na escravidão que perdurou até quase o final do Século XIX, o que acontece com o trabalhador submetido à escravidão hoje em dia é a completa eliminação de seus direitos, até os mínimos.

Ele não é tratado como ser humano, no sentido de alguém que faz jus a um tratamento que lhe garanta o mínimo. É apenas instrumento, sem maiores qualificações, para a realização de um fim: o roço da juquira, o preparo do pasto para o gado etc.

Assim, pode ser trocado, substituído, descartado. Nesse sentido, ele é um bem. Nada mais lógico então que tipificar o crime de redução à condição análoga à de escravo a partir do fundamento que justifica todos os direitos do ser humano, que, repetimos, é sua dignidade.

Esta conclusão da dignidade como aspecto primordial merecedor de tutela pelo tipo penal em comento é a pedra de toque que guiará a correta aplicação e leitura do art. 149 do CPB. Ao compreendermos tal ponto, fica evidente o entendimento da dimensão do que seja a dignidade como questão culminante para uma correta visualização de seu desrespeito.

Para Sarlet25, a dignidade humana seria descrita “como a qualidade intrínseca da pessoa humana, irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado”.

Nesta visão, o que seria digno ao ser humano independeria de seu consentimento, de seu status social, da cultura local, ou de qualquer outro fator que pudesse ser levado como subterfúgio para legitimar práticas violadoras da dignidade humana.

Claro, os costumes locais nos permitem compreender a situação em que estão inseridos os indivíduos, mas não permitem despontá-los de sua dignidade, que como dito é irrenunciável.

Conforme doutrina constitucionalista, representada por Alexandre de Moraes26, a dignidade da pessoa humana é:

(…) um direito com o qual não há parâmetros de comparação. Não é um direito valorativo, ou quantitativo, e por assim o ser deve ser tido como supremo em relação aos demais. A dignidade é um valor moral inerente ao indivíduo, que enseja o respeito de todos os outros semelhantes, e a constituição de um conjunto mínimo de condições básicas para o desenvolvimento de sua existência. Consiste num mínimo invulnerável de direitos que o ordenamento jurídico deve assegurar a todos de maneira indistinta.

Neste sentido, vale a pena trazer à tona um caso muito debatido acerca da indisponibilidade da dignidade, conhecido como “o arremesso de anão”27.

O caso foi o seguinte, o prefeito da cidade de Morsang-sur Orge, na França, interditou a atividade conhecida como lancer de nain (arremesso de anão), atração existente em algumas casas noturnas da região metropolitana de Paris. Consistia ela em transformar um anão em projétil, sendo arremessado de um lado para outro de uma discoteca. A casa noturna, tendo como litisconsorte o próprio anão, recorreu da decisão para o tribunal administrativo, que anulou o ato do prefeito.

O Conselho de Estado, todavia, na sua qualidade de mais alta instância administrativa francesa, reformou a decisão, assentando que o respeito à dignidade da pessoa humana é um dos componentes da ordem pública; que a autoridade investida do poder de polícia municipal pode, mesmo na ausência de circunstâncias locais particulares, interditar uma atração atentatória à dignidade da pessoa humana, ante a própria indisponibilidade desta, mesmo sem o consentimento dos anões que, no caso, seriam as próprias vítimas.

Em suma, o que se deseja demonstrar é que a dignidade do ser humano, bem jurídico a ser tutelado pelo tipo penal do art. 149 do CPB, possui caráter indisponível, garantindo, assim, a proteção de um mínimo existencial ao ser humano subjugado à condição análoga à escravidão.

Essa garantia perpassa um mínimo de prestações, refletidas na consecução de direitos básicos a qualquer trabalhador, em especial aos inseridos na zona rural, locais afastados dos centros urbanos, tais como um meio ambiente de trabalho minimamente seguro e saudável; água potável; alimentação regular a ser oferecida gratuitamente pelo empregador; fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual; moradia que garante um asseio digno aos trabalhadores etc.

Dignidade aqui, no conceito trabalhado, é vista como a mais abrangente possível e longe de reducionismos de qualquer monta, não importando instrução social, sexo, cor, religião ou qualquer outra modalidade discriminatória.

Neste ínterim, afastar a aplicação do tipo penal em comento, seja pelo fato dos indivíduos, aqui vítimas do crime, consentirem com o tratamento, seja pelo fato das práticas objeto de incriminação serem costumeiras na região em que laborem os ofendidos, seja em qualquer outra circunstância, caracteriza tratamento discriminatório em relação aos demais trabalhadores do país.

Quer dizer, se for para valorar práticas costumeiras atentatórias à dignidade do ser humano, valore-se em favor dos ofendidos, que são vítimas mais vulneráveis em razão de, na maioria esmagadora dos casos, serem pessoas de baixa instrução, sem qualquer qualidade ou expectativa melhor de vida posterior, vítimas de uma miséria que solapa direitos inatos a estes todos os dias.

Sendo assim, ao contrário do que se apontará em alguns julgados tradicionais de nossos Tribunais, a compreensão da legislação trabalhista é muito importante para a entendimento do que seria este mínimo existencial a ser garantido ao trabalhador em condições análogas à escravidão, vez que apontam diversos regramentos que visam resguardar a vida e integridade física e espiritual do obreiro, isso entendido em suas múltiplas variantes.

Por isso, ao valorarmos a incidência do crime, a violação da legislação trabalhista importa violação de vários direitos que asseguram dignidade ao trabalhador, em menor ou maior graus e, a depender do grau de afronta, é perfeitamente possível compreender que estão violadas mais do que simples normas juslaborais, mas a própria dignidade do trabalhador em sua acepção indisponível.

Quando formos abordar a análise jurisprudencial mais detalhada, tais conceitos e compreensões serão da mais alta valia para entendermos as hipóteses caracterizadoras do tipo penal.
 

2.1 – HIPÓTESES CARACTERIZADORAS DO CRIME

Até 2003, o art. 149 do CPB possuía a seguinte redação:

Reduzir alguém à condição análoga à de escravo.

Pena: reclusão, de dois a oito anos.

O texto legal, como facilmente se extrai, era lacunoso e excessivamente vago, o que acabava dificultando o reconhecimento do crime pelas autoridades administrativas, trabalhistas e penais, que, diante de um tipo penal aberto ou “em branco”, como preferem os penalistas, se viam receosos em definir se estavam diante do crime de redução do trabalhador à condição análoga à de escravo ou se haviam encontrado apenas irregularidades trabalhistas sanáveis.

A prática demonstrava que, diante da doutrina de um Direito Penal mínimo e como ultima ratio, o que acabava prevalecendo era a tese de se evidenciarem meras irregularidades trabalhistas, as quais poderiam ser facilmente corrigidas por ramo jurídico distinto do penal, embora houvesse vozes, desde aquela época, que advogavam em sentido contrário.

Com o advento da Lei nº. 10.803, de 11 de dezembro de 2003, o tipo penal foi ampliado, passando a prever detalhadamente em quais hipóteses há, de fato, o crime de trabalho escravo, passando a ter a seguinte redação:

art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem

A lei de 2003 trouxe algumas inovações. Não obstante ter ampliado e detalhado o tipo penal, alguns entendem que acabou por restringir sua aplicabilidade, em virtude de ter transformado o tipo penal, antes extremamente aberto, em um tipo especial, restringindo os sujeitos para aqueles que possuem alguma relação de trabalho, e que somente pode ser configurado se constatadas algumas das hipóteses contidas no caput e no parágrafo primeiro do artigo.

No entanto, acreditamos que a alteração foi benéfica, vez que deu melhor margem de aplicação para o intérprete da lei.

Como iremos demonstrar, o tipo penal não se tornou absolutamente fechado, pelo contrário, continua aberto, vez que há novos conceitos jurídicos (condições degradantes de trabalho, trabalhos forçados, jornada exaustiva e restrição da locomoção por qualquer meio) que necessitarão, caso a caso, de valoração para sua aplicação.

Na verdade, defendemos que este ponto de interpretação, dos termos da nova redação, é a chave para a correta aplicação do crime em comento.

Há, ainda, quem critique a alteração de 2003 em virtude de não ter havido majoração no quantum da pena prevista (de dois a oito anos de reclusão), tendo sido apenas prevista a sua cumulação com multa e com a pena da violência respectiva. A nova redação passou a prever também duas causas de aumento de pena (a pena é aumentada de metade), uma quando o crime for praticado contra criança ou adolescente, e a outra quando ocorrer por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

A nova redação também trouxe hipóteses de trabalho escravo por equiparação: a) retenção no local de trabalho, por cerceamento do uso de qualquer meio de transporte; b) manutenção de vigilância ostensiva ou retenção de documentos ou objetos de uso pessoal do trabalhador. Destas não trataremos aqui, a julgar que não geram maiores controvérsias em sua aplicação.

Segundo Machado28, citando Capez, a Lei nº 10.803/2003 procurou elencar os modos pelos quais a redução à condição análoga à de escravo pode se dar:

a) mediante submissão a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva: submeter significa sujeitar, subjugar a vítima, no caso, a trabalhos forçados, entendendo-se como tais aqueles em que não há como oferecer resistência ou manifestar recusa, em face do emprego de violência, ameaça ou fraude; também se caracteriza o crime na hipótese em que se impõe a obrigação do labor até a exaustão física, sem perspectiva de interrupção a curto prazo.

b) mediante a sujeição a condições degradantes de trabalho: é aquele exercido com supressão das garantias mínimas de saúde e segurança, além de ausência de condições que assegurem a dignidade do trabalhador, tais como: moradia, higiene, imagem, respeito, transporte seguro e alimentação. A degradação vai desde o constrangimento físico e/ou moral a que é submetido o trabalhador – seja na deturpação das formas de contratação e do consentimento do trabalhador ao celebrar o vínculo, seja na impossibilidade desse trabalhador de extinguir o vínculo conforme sua vontade, no momento e pelas razões que entender apropriadas – até péssimas condições de trabalho e de remuneração: alojamentos sem condições de permanência, falta de instalações sanitárias e elétricas, problemas no fornecimento de água e de alimentação apropriadas para o consumo humano, falta de fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual, transporte inseguro de trabalhadores e precariedade nas condições de higiene, saúde e segurança no trabalho.

c) mediante restrição, por qualquer meio, de sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: praticadas pelo chamado truck system (servidão por dívida) ou pela remuneração por “acerto”. São condutas que cerceiam/restringem a liberdade do trabalhador, vinculando-o ao empregador, na expectativa de receberem as verbas trabalhistas que lhe são devidas, porém, retidas irregularmente sob a promessa ardilosa de “acerto” das tarefas ou a pretexto de “compensarem” as dívidas contraídas no estabelecimento do próprio empregador.

Assim, conforme se verifica, o trabalho escravo não se configura apenas quando há aquela restrição clássica à liberdade. Pelo contrário, existem 04 (quatro) formas básicas de caracterização do crime mencionado. Analisemos uma a uma.


 

2.1.1 – TRABALHOS FORÇADOS

A OIT, na Convenção nº 29, ratificada pelo Brasil, denomina o trabalho forçado, também, de trabalho obrigatório, que é aquele em que não há possibilidade de escolha voluntária para prestação do labor. Essa forma de super exploração pode ainda receber a denominação de trabalho compulsório.

É importante fazer uma observação, é comum os exemplos referentes à espécies de trabalhos forçados se adequarem em várias das formas listadas para configuração do tipo penal, por exemplo, a coação moral, visualizada quando o tomador dos serviços, valendo-se da pouca instrução e do elevado senso de honra pessoal dos trabalhadores, submete estes a elevadas dívidas, constituídas fraudulentamente com o fito de impossibilitar o desligamento do trabalhador, pode caracterizar tanto uma espécie de trabalho forçado, como caso de restrição da locomoção por aquisição de dívidas com o empregador.

Por isso, alguns autores costumam afirmar que o trabalho forçado seria uma forma genérica do trabalho escravo, nos quais poderiam estar inseridas espécies como a restrição da locomoção por dívidas.

Pois bem, feita esta observação, o trabalho forçado pode decorrer por coação moral, como anteriormente demonstrado, psicológica ou física. Um exemplo de coação psicológica ocorre quando o trabalhador é ameaçado de sofrer violência, a fim de que permaneça trabalhando, já a coação física (vis corporis) ocorre através de atos de violência dispendidos contra o trabalhador.


 

2.1.2 – JORNADA EXAUSTIVA

O termo jornada exaustiva pode ser caracterizado quando o trabalhador é submetido, de forma sistemática, a um esforço excessivo, com tal sobrecarga de trabalho e sem tempo suficiente para se recuperar fisicamente, que pode causar danos à sua saúde ou colocar-lhe em risco de morte.

Na jornada exaustiva, nega-se o direito de trabalhar de forma a proteger sua saúde, garantir o descanso e permitir o convívio social, pois se impõe ritmo frenético de trabalho ao obreiro, quer seja pela exigência de produtividade mínima por parte do empregador, quer seja pela indução ao esgotamento físico como forma de conseguir melhora na remuneração ou a manutenção do emprego. Um bom exemplo são as duas dezenas de cortadores de cana-de-açúcar que morreram de tanto trabalhar no interior do Estado de São Paulo nos últimos anos, além de diversos trabalhadores rurais que recebem por produção em regiões do sul e sudeste do Pará.

2.1.3 – CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO

Passando para o trabalho em condições degradantes, não é tão simples conceituá-lo, pois, ao contrário do trabalho forçado, em que o cerceamento à liberdade de ir e vir é suficiente para sua identificação, mesmo que isso possa ser vislumbrado de diversas formas, na espécie agora em comento são inúmeros os elementos que indicarão sua existência.

Como bem afirma Brito Filho29:

Na verdade, como em muitos institutos que têm conceitos ditos “abertos”, às vezes é mais fácil dizer o que não é trabalho em condições degradantes do que o contrário. Seria simples, por exemplo, dizer que um trabalho, mesmo que exercido em condições duras, como o dos lavradores no campo, não seria considerado como em condições degradantes se os trabalhadores tivessem a adequada proteção para o seu exercício; tivessem os seus direitos trabalhistas resguardados, incluindo aí jornada de trabalho normal, bem como tivessem condições razoáveis de moradia, alimentação e higiene, e fossem respeitados.

Também é fácil definir trabalho em condições degradantes quando se utiliza, ainda negativamente, o princípio que fixa o mínimo de direitos do homem-trabalhador: a dignidade humana. Nesses termos, considera-se trabalho em condições degradantes aquele em que não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador.

Desta feita, pode-se dizer que trabalho em condições degradantes é aquele em que há a falta de garantias mínimas de saúde e segurança ao trabalhador, como condições mínimas de trabalho, de moradia, higiene, respeito e alimentação. Tudo devendo ser garantido de forma conjunta. Havendo, em contrário, a falta de um desses elementos, impõe-se o reconhecimento do trabalho em condições degradantes.

Assim, se o trabalhador presta serviços exposto à falta de segurança e com riscos à sua saúde, temos o trabalho em condições degradantes. Se as condições de trabalho mais básicas são negadas ao trabalhador, como o direito de trabalhar em jornada razoável e que proteja sua saúde, garanta-lhe descanso e permita o convívio social, há trabalho em condições degradantes. Se, para prestar o trabalho, o trabalhador tem limitações na sua alimentação, na sua higiene e/ou na sua moradia, caracteriza-se o trabalho em condições degradantes. Se o trabalhador não recebe o devido respeito que merece como ser humano, existe trabalho em condições degradantes.

Pela abertura do termo “condições degradantes de trabalho”, conforme exposto, percebe-se que é aqui que ocorrem as mais frequentes violações da dignidade do ser humano, bem como os maiores erros judiciais na aplicação do tipo penal, havendo, em sua esmagadora maioria, interpretação restritiva por parte dos tribunais, avaliando tais condições como “meras irregularidades trabalhistas”.

2.1.4RESTRIÇÃO, POR QUALQUER MEIO, DE SUA LOCOMOÇÃO EM RAZÃO DE DÍVIDA CONTRAÍDA COM O EMPREGADOR

Primeiramente, a restrição em razão de dívidas, conduta conhecida como servidão por dívidas ou truck system, é o modo mais conhecido de forma escravizatória no Brasil contemporâneo. É instituto há muito conhecido na história da humanidade e largamente utilizado nas diversas épocas da história do nosso país.

Muitas vezes, o empregador não precisa nem mesmo praticar qualquer conduta para obrigar o trabalhador a permanecer no emprego. Isso porque a maioria tem um senso de honra muito elevado e, espontaneamente, não deixa a propriedade do empregador enquanto não tiver quitado a “dívida”, caracterizando-se uma forma de coação moral.

Esta modalidade é inspirada diretamente pela redação legal do art. 462, §§2º e 3º, da CLT, que, há muito, já previam a proibição do empregador “que mantiver armazém para venda de mercadorias aos empregados ou serviços estimados a proporcionar-lhes prestações in natura, exercer qualquer coação ou induzimento no sentido de que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços”, além de prever que “a autoridade competente pode determinar o acesso dos empregados a armazéns ou serviços, não mantidos pelo empregador, a preços razoáveis, sem intuito de lucro e sempre em benefício dos empregados”.

Não é sem razão que o Precedente Normativo nº 68 do TST autoriza o chefe de família, se empregado rural, a faltar ao serviço um dia por mês ou meio dia por quinzena para efetuar compras, sem remuneração ou mediante compensação de horário, mas sem prejuízo do repouso.

O referido precedente é uma medida de proteção ao salário e contribui para que o trabalhador não fique obrigado a fazer suas compras no próprio armazém do empregador.

A conduta conhecida como servidão por dívida afronta várias normas de proteção ao trabalho, tais como a intangibilidade do salário (art. 462, caput, da CLT), da irredutibilidade do salário (art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal) e, principalmente, a vedação à prática do truck system (§§ 2º e 3º do art. 462 da CLT) e a determinação do pagamento da prestação em espécie (art. 463 da CLT).

No caso específico da escravização no meio rural, há ainda violação aos dispositivos da Lei nº 5.889/73 (estatuto do trabalhador rural), que também consagram os mesmos princípios da legislação consolidada. A conduta viola, ainda, os preceitos da Convenção nº 96 da OIT, sobre a proteção ao salário, ratificada pelo Brasil.

Além da servidão por dívidas, o termo “por qualquer outro meio” pode se desdobrar em várias outras hipóteses, a exemplo do isolamento geográfico do trabalhador, sem fornecimento de transporte público ou locomoção por parte do empregador, restringindo a locomoção do obreiro.

3 – ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Ato contínuo à análise dogmático-interpretativa acerca das hipóteses de caracterização do crime de trabalho em condições análogas à escravidão, passemos ao estudo da aplicação do texto legal pelos Tribunais Superiores, STF e STJ, e, também, pelo Tribunal Regional da 1ª Região.

Inicialmente devemos ressaltar que, durante muito tempo, a jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça não entendiam ser objeto de tutela do art. 149 do Código Penal a dignidade da pessoa humana, observando ser tutelado, pelo tipo penal, apenas a liberdade individual da vítima.

Neste ínterim, as decisões de nossa mais alta corte foram remansosas em indicar os fatos narrados nas denúncias como configuração de “meras irregularidades trabalhistas”, não enxergando a incidência do crime se não houvesse violação do status libertatis do ofendido. Vejamos:

TRABALHO ESCRAVO - DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE PROTEÇÃO AO PRESTADOR DE SERVIÇOS. O simples descumprimento de normas de proteção ao trabalho não é conducente a se concluir pela configuração do trabalho escravo, pressupondo este o cerceio à liberdade de ir e vir.
(RE 466508, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/10/2007, DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT VOL-02305-05 PP-01094) Grifos nossos.

Muitas foram as discussões travadas no âmbito das duas cortes, sendo, posteriormente, reconhecida a tutela de outro bem jurídico que não somente a liberdade individual, mas a própria organização do trabalho.

Em consequência, eram comuns julgados do STJ delimitando ser de competência da Justiça Estadual Comum o processamento e julgamento do delito em questão. Tal tese era materializada da seguinte maneira:

TRABALHO ESCRAVO. COMPETÊNCIA. A Turma, ao prosseguir o julgamento, firmou que a competência nos crimes referentes ao trabalho escravo (arts. 149; 197, I; 203, e 207 do CP) é da Justiça estadual, visto que o fato de haver, na espécie, excessivo número de pessoas envolvidas no trabalho em condições sub-humanas, e o grande empenho da União em combater tais crimes não desloca a competência para a Justiça Federal, quanto mais, quando constatado tratar-se de competência, matéria pública disciplinada pela CF/1988 e por leis ordinárias. O Min. Hélio Quaglia Barbosa, em seu voto-vista, anotou que há em trâmite no Senado Federal a Proposta de Emenda Constitucional n. 29/2000, que prevê a competência da Justiça Federal em tais situações. RHC 15.702-MA, Rel. Min. Paulo Medina, julgado em 21/10/2004. Grifos nossos.

A tese foi posteriormente superada, tendo sido reconhecida a tutela da organização do trabalho pelo crime do art. 149, tanto pelo STF quanto pelo STJ. Vejamos:

EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO Á CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES. ART. 109, VI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa à proteção e efetivação dos direitos fundamentais do ser humano. A existência de trabalhadores a laborar sob escolta, alguns acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da autodeterminação de cada um, configura crime contra a organização do trabalho. Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de trabalho. Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código Penal (Redução à condição análoga a de escravo) se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-lo e julgá-lo. Recurso extraordinário conhecido e provido.
(RE 398041, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 30/11/2006, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-09 PP-02007 RTJ VOL-00209-02 PP-00869) Grifos nossos.

COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. ART. 149 CP. DELITOS CONTRA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes de redução à condição análoga de escravo, uma vez que se enquadram na categoria de delitos contra a organização do trabalho nos termos do art. 109, VI, da CF/1988. Precedentes citados do STF: RE 398.041-PA, DJ 3/3/2005; do STJ: CC 62.156-MG, DJ 6/8/2007, e HC 43.384-BA, DJ 5/8/2005. REsp 909.340-PA, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 25/9/2007. Grifos nossos.

As teses permitiram uma significativa abertura de interpretação do tipo penal, sendo um verdadeiro avanço. No entanto, ainda negavam a proteção da dignidade da pessoa humana pelo crime do art. 149, ou melhor, negavam ser a dignidade da pessoa humana o principal objeto da tutela penal do delito de redução à condição análoga à de escravo.

No entanto, nos últimos anos, em recentes julgados do Supremo Tribunal Federal, observamos uma verdadeira evolução no posicionamento da Corte Excelsa no que diz respeito à tutela do tipo em comento, reconhecendo o merecimento da proteção da dignidade do ser humano pelo delito em voga. Senão vejamos:

EMENTA PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais.
(Inq 3412, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-222 DIVULG 09-11-2012 PUBLIC 12-11-2012 RTJ VOL-00224-01 PP-00284) Grifos nossos.

A reviravolta na jurisprudência do Supremo foi muito importante, principalmente para permitir uma interpretação mais acertada da correta incidência do crime em questão. Agora são analisadas todas as condições para configuração do crime de trabalho escravo, observando se há, ou não, verdadeira afronta à dignidade do ser humano, e não apenas restrição à liberdade de ir e vir dos ofendidos, sendo a violação das normas trabalhistas, bem como as demais circunstâncias que tangenciam o tratamento dispensado ao trabalhador, horizontes a serem relevados para correta aplicação da norma penal pelo julgador e demais intérpretes do crime em comento.

Assim, conforme outrora exposto, o julgador fará sempre o seguinte questionamento: mais do que meras violações de normas trabalhistas, no presente cenário, ocorre verdadeira violação na dignidade do trabalhador? A pergunta será o norte interpretativo, a pedra de toque que dirá se há verdadeiras condições que caracterizem cenário apto à subsunção do tipo penal.

Neste sentido, recente julgado do Supremo endossa nossas razões:

Ementa Recurso extraordinário. Constitucional. Penal. Processual Penal. Competência. Redução a condição análoga à de escravo. Conduta tipificada no art. 149 do Código Penal. Crime contra a organização do trabalho. Competência da Justiça Federal. Artigo 109, inciso VI, da Constituição Federal. Conhecimento e provimento do recurso. 1. O bem jurídico objeto de tutela pelo art. 149 do Código Penal vai além da liberdade individual, que a prática da conduta em questão acaba por vilipendiar outros bens jurídicos protegidos constitucionalmente como a dignidade da pessoa humana, os direitos trabalhistas e previdenciários, indistintamente considerados. 2. A referida conduta acaba por frustrar os direitos assegurados pela lei trabalhista, atingindo, sobremodo, a organização do trabalho, que visa exatamente a consubstanciar o sistema social trazido pela Constituição Federal em seus arts. 7º e 8º, em conjunto com os postulados do art. 5º, cujo escopo, evidentemente, é proteger o trabalhador em todos os sentidos, evitando a usurpação de sua força de trabalho de forma vil. 3. É dever do Estado (lato sensu) proteger a atividade laboral do trabalhador por meio de sua organização social e trabalhista, bem como zelar pelo respeito à dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III). 4. A conjugação harmoniosa dessas circunstâncias se mostra hábil para atrair para a competência da Justiça Federal (CF, art. 109, inciso VI) o processamento e o julgamento do feito. 5. Recurso extraordinário do qual se conhece e ao qual se dá provimento.
(RE 459510, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-067 DIVULG 11-04-2016 PUBLIC 12-04-2016) Grifos nossos.

Lado outro, embora inegável o giro copernicano extraído da jurisprudência do Supremo, há ainda, mesmo no seio do TRF da 1ª Região, diversos julgados que não visualizam as condições impostas aos trabalhadores resgatados como aviltantes à sua dignidade, reconhecendo tratarem-se de casos em que correm simples violações às normas trabalhistas. Este decisum retrata bem o exposto:

PENAL. FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA. (ART. 203/CP). CRIMES DE REDUÇÃO DE TRABALHADOR A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ART. 149/CP). INEXISTÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE OU DA AUTORIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. 1. O crime descrito no art. 203 do Código Penal ocorre quando o agente frustra os direitos assegurados pela legislação trabalhista mediante o emprego de fraude ou violência. Na hipótese dos autos, não restou demonstrado a fraude, consistente no expediente que induz ou mantém alguém em erro. 2. Para a configuração de redução de trabalhador a condição análoga à de escravo faz-se necessária a completa sujeição da pessoa que tenha relação de trabalho ao poder do sujeito ativo do crime, não bastando a submissão do trabalhador a condições precárias de acomodações. Tal situação é censurável, mas não configura o crime do art. 149 do Código Penal. 3. Recurso desprovido. (ACR 0004052-21.2012.4.01.3600 / MT, Rel. JUIZ FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO, QUARTA TURMA, e-DJF1 de 18/01/2016) Grifos nossos.

É claro, não estamos defendo aqui que toda e qualquer violação às normas trabalhista seja caso para que haja incidência do tipo penal em testilhas, mas apenas as infringências em que hajam verdadeiras afrontas à dignidade do ser humano, pensado nos moldes talhados em tópicos anteriores. Há casos em que se tem, sim, meras irregularidades trabalhistas, observadas nas autuações feitas pela equipe de combate ao trabalho escravo. Entretanto, o que vem ocorrendo é a generalização de tal expressão por parte dos tribunais, em especial, por parte das turmas do TRF da 1ª Região, ao ponto de negarem-se genuínas práticas atentatórias ao bem jurídico maior da dignidade humana, legitimando condutas merecedoras de repressão.

No entanto, felizmente já se visualizam julgados recentes do TRF da 1ª Região que já capitaneiam o novo posicionamento do STF quanto à tutela da dignidade do ser humano, representando verdadeiro avanço e possível tendência no âmbito daquele tribunal. Analisemos dois julgados que bem retratam isto:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PERPETUATIO JURISDICTIONIS. LITISPENDÊNCIA. INEXISTÊNCIA. SUJEIÇÃO DA PESSOA QUE TENHA RELAÇÃO DE TRABALHO AO PODER DO SUJEITO ATIVO DO CRIME. DESNECESSIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE. PROVA. CONDENAÇÃO. MANUTENÇÃO. 1. Afigura-se insustentável a tese de incompetência do juízo processante, quando os fatos e o recebimento da denúncia ocorreram antes da instalação da vara federal para a qual se pretende encaminhar o processo. 2. Inaplicável o art. 70 do Código de Processo Penal à espécie. 3. Inexiste litispendência entre duas ações penais, sem que a defesa prove a identidade de partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido em ambas. 4. O Supremo Tribunal Federal decidiu que, "para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima "a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva" ou "a condições degradantes de trabalho", condutas alternativas previstas no tipo penal. A "escravidão moderna" é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno" (Inq 3412/AL). 5. Apelação não provida. (ACR 0004448-75.2010.4.01.3500 / GO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p.1166 de 20/02/2015) Grifos nossos.

PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149 DO CP. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. OMISSÃO DE ANOTAÇÃO NA CTPS. ART. 297, § 4º, DO CP. DOLO. DOSIMETRIA ALTERADA. SENTENÇA REFORMADA. 1. Precárias condições de trabalho e isolamento físico dos trabalhadores no interior da Fazenda Córrego do Limão, diante do conjunto probatório coligido, comprovam o crime previsto no art. 149 do CP, sobretudo diante da decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal no Inq. 3412/AL. 2. No caso, o delito tipificado no art. 297, § 4º, do CP está provado e corresponde à omissão dolosa do réu relativa aos registros de contratos de trabalho e/ou prestação de serviços nas CTPS de trabalhadores, os quais deveriam produzir efeitos perante a Previdência Social. 3. Apelação do réu não provida e apelação do MPF parcialmente provida. (ACR 0000065-14.2007.4.01.3903/PA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 de 09/12/2015) Grifos nossos.

Conforme bem se observa, a dignidade da pessoa humana deve ser realmente o foco das decisões penais sobre a questão do trabalho escravo, o prisma interpretativo do tipo, levando a moderna jurisprudência a avaliar que nem toda a violação de normas trabalhistas importa em desnecessidade da tutela penal, mas agora, muito mais, compreende-se a importância de atribuir à interpretação de tais condições e circunstâncias de lesão de normas juslaborais, a que estarão submetidos os trabalhadores, verdadeiro peso quanto ao premente reconhecimento de desrespeito ao bem jurídico maior em comento.

4ANÁLISE DAS DECISÕES DA JUSTIÇA FEDERAL DE MARABÁ/PA A RESPEITO DO TEMA

Feitas as ponderações acerca da jurisprudência dos Tribunais Superiores, passemos ao estudo do último tópico proposto, analisando os julgados da Justiça Federal de Marabá/PA pertinentes ao tema em enfoque.

Pois bem. Acompanhando os entendimentos antigos, as decisões das varas penais da Subseção Judiciária de Marabá, majoritariamente, mantêm o entendimento de que são apenas visualizáveis nas denúncias formuladas pelo MPF “meras irregularidades trabalhistas”, absolvendo os réus em praticamente todos os casos, principalmente no tocante à caracterização de condições degradantes capazes de atrair a incidência típica.

Ainda há a visão de que o tipo penal em comento tutela em si, prioritariamente, a liberdade individual e, apenas de forma oblíqua, a dignidade humana. Quer dizer, é comum nestes julgados o entendimento de que as condições retratadas pelo tipo penal em comento caracterizam meras práticas culturais da região amazônica na contratação de trabalhadores rurais que, embora reprováveis socialmente, caracterizam meras irregularidades sanáveis pela seara trabalhista, afastando a tutela penal na espécie. Vejamos um trecho bem elucidativo:

(...) O relatório de fiscalização do Ministério do Trabalho (fls. 20/90), adornado com fotografias, narra que as instalações onde ficavam os trabalhadores eram precárias, visto que não havia água tratada; os barracos eram cobertos com lonas, sem proteção lateral; não havia banheiro; os alimentos estavam acondicionados em locais indevidos; etc.

(...) Note-se que, no caso, não há como ignorar que a ausência de instalações consideradas adequadas para alguns dos trabalhadores retrata, na verdade e infelizmente, a realidade da região em que verificados os fatos, que pode se encontrada também em muitas outras regiões interioranas do Brasil e sancionáveis pelo direito trabalhista, mas que se mostra insuficiente para a ação do jus puniendi estatal30.

Pelo excerto, é comum a leitura de que, embora em condições realmente aviltantes, os réus não incorreriam em práticas criminosas, mas apenas em meros atos ilícitos sancionáveis pela seara trabalhista, o que destoa daquilo pregado ao longo deste trabalho.

Ressalte-se, as conclusões expostas não são exaradas apenas em sede de sentença proferida após a devida instrução criminal. É comum decisões contrárias ao recebimento das denúncias do Parquet Federal, procedendo com a absolvição sumária dos acusados, hipótese de excepcionalidade, sob a pecha de ocorrerem “simples irregularidades trabalhistas”.

Neste sentido, vale a pena transcrever um trecho das razões do julgador:

(...) é notório que tais deficiências logísticas representam muito mais um retrato do local de prestação de serviços (região amazônica) e tipo de trabalho realizado (roço de vegetação danosa aos pastos – juquiras), em que o empregador deixa de cumprir regras trabalhistas, do que o dolo de ter seres humanos subjugados ao seu poder econômico, então reduzidos à condição de escravos.

Frise-se que os trabalhos de “desmatar e roçar juquiras”, em geral, são executados nas fazendas desta Amazônia Oriental em campos distantes das sedes das propriedades, sem que exista, no local do serviço, infraestrutura urbanizada (rede de água encanada, energia, telefonia), até porque se trata de serviço rural e não urbano, mas, nesses casos, em locais ainda mais afastados, que sofrem, com maior severidade, a ausência natural de infraestrutura.

Logo, é inconteste que a deficiência estrutural então detectada, apta a prejudicar o trabalho dos obreiros, decorre das condições físicas então existentes e não somente da desídia do empregador. Enfim, o cenário natural bem aponta que os trabalhos eram executados em típica região de fronteira agrícola31.

Confrontando os decisums com as razões trilhadas até aqui, vê-se que destoam da correta leitura a ser empreendida do tipo penal inserido no art. 149 do CPB, pois legitimam a exploração da mão de obra local, descaracterizando a tutela da dignidade do ser humano aqui defendida.

É certo que o aparato penal é ultima ratio, disso não discordamos. O problema é que os julgadores têm se valido desta máxima para olvidar a correta punibilidade de fatos que, são de longe, atentatórios à dignidade humana.

O fato dos trabalhadores em comento estarem inseridos na região amazônica não os faz menos dignos que outros seres humanos da cidade e de outras regiões do Brasil e do mundo. Claro, não se perca de vista as características inerentes à região, mas deve-se ter em mente, conforme apregoado até aqui, que a tutela penal é importante ferramenta para fazer valer os direitos dos trabalhadores inseridos neste triste contexto do trabalho escravo.

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, feitas todas as ponderações propostas, longe de chegar ao esgotamento do tema, é possível concluir que a caracterização do delito em testilhas está intrinsecamente ligado à construção histórica de ocupação e exploração de nosso país, sobretudo da região amazônica, sendo necessário fazer uma interpretação do crime de submissão de um ser humano à condições de trabalho análogas à escravidão sempre em consonância com a proteção da dignidade do ser humano, principal bem jurídico a ser tutelado pela figura típica em comento.

Foi possível expor uma evolução da jurisprudência, ao ponto de admitir que, mais do que a liberdade individual, a análise da incidência do art. 149 do Código Penal perpassa pela violação da dignidade das vítimas do delito, considerando o resguardo do mínimo existencial do ser humano, e possibilitando a defesa das relações de trabalho campesina e urbana.

Espera-se que, com o tempo, a jurisprudência vacilante do TRF da 1ª Região, bem como a doutrina clássica, venham a se adequar aos novos ensinamentos e posições defendidas no presente trabalho, assim como, também, anseia-se por uma mudança no posicionamento das decisões dos juízos monocráticos da Justiça Federal de Marabá/PA, a fim de se alinharem à boa interpretação e aplicação do tipo penal em comento, garantindo a correta tutela e uma visão não reducionista da dignidade das vítimas em questão.

6 – REFERÊNCIAS

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BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho com redução do homem à condição análoga à de escravo e dignidade da pessoa humana. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/trabalho_forcado/brasil/documentos/dignidadetrabalhoescravo.pdf>. Acesso em: 14/04/16.

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GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 10. ed. Niterói/RJ: Impetus, 2013.

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PEDROSO, Eliane. Da negação ao reconhecimento da escravidão contemporânea. In: PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. 16. ed. São Paulo: Contexto, 1998.

PINTO, Lúcio Flávio. Amazônia: a fronteira do caos. Belém: Falângola, 1992.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume 2: parte especial. 8.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2 ed, revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002.

1 Vale ressaltar que, quando se fala em escravidão no período colonial, geralmente associa-se essa escravidão à do negro, no entanto, esquece-se do índio, conforme pontua Gerson Pistori (1998, p. 10): “É comum encontrar em certa literatura histórica a idéia de que o índio era livre por vocação, enquanto o negro ajustava-se melhor à escravidão. Nenhum homem tem vocação para ser escravo, assim como nenhum ser humano nasceu para burro de carga, ou para servo, ou para operário superexplorado. Todos nascemos para usufruir a vida não para produzir para que outros a usufruam graças ao nosso trabalho. È um mito a idéia de que algumas pessoas nasceram para gozar a vida enquanto outras só têm talento para trabalhar” (apud PALO NETO, Vitor. Conceito jurídico e combate ao trabalho escravo contemporâneo. São Paulo: LTr, 2008, p. 32).

2 Sobre esse malfadado genocídio vale ressaltar Manuela Carneiro da Cunha (apud PEDROSO, Eliane. Da negação ao reconhecimento da escravidão contemporânea. In: PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. 16. ed. São Paulo: Contexto, 1998): “Povos e povos indígenas desapareceram da face da terra como conseqüência do que hoje se chama, num eufemismo envergonhado, o encontro de sociedades do Antigo e do Novo Mundo. Esse morticínio nunca visto foi fruto de um processo complexo cujos agentes foram homens e microorganismos mas cujos motores últimos poderiam ser reduzidos a dois: ganância e ambição, formas culturais da expansão do que se convencionou chamar de capitalismo mercantil. Motivos mesquinhos e não uma deliberada política de extermínio conseguiram esse resultado espantoso de reduzir uma população que estava na casa dos milhões em 1500 aos parcos 200 mil índios que hoje habitam o Brasil”.

3 PEDROSO, Op. Cit., p. 45.

4 Entende-se por “gatos” os aliciadores de trabalhadores que serão submetidos à atividade laboral análoga à condição de escravo. Trata-se de pessoas interpostas entre empregados e empregadores e, geralmente, mancomunados com esses, acobertam o vínculo empregatício.

5 PINTO, Lúcio Flávio. Amazônia: a fronteira do caos. Belém: Falângola, 1992, p.13.

6 LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia: estado, homem, natureza. 2.ed. Belém: Cejup 2004, p. 52.

7 Texto retirado de recurso de apelação criminal interposta pelo MPF, inserido no bojo do processo nº 2003.39.01.000497-0, em trâmite pela 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Marabá/PA.

8 BALES, Kelvin. Disposable people: new slavery in the global economy. Berkley: University of California Press, 1999, p. 45.

9 CF/88, art. 5º. (...)

(...)

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.

(...)

art. 170. A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

III – função social da propriedade;

(...)

art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

(...)

art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

(...)

III – observância das disposições que regulam relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

10 CF/88, art. 5º. (...)

(...)

III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

(...)

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

(...)

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

11 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre a escravatura. Disponível em: <http://www.onubrasil. org.br/doc_escravatura.php>. Acesso em: 18/04/16.

12 BRASIL. Decreto nº. 678, de 06 de novembro de 1992. Promulga a convenção americana sobre direitos humanos. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 18/04/16.

13 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº. 29. Disponível em: <http://www.oit.org.br/info/download/conv_29.pdf >. Acesso em: 18/04/16.

14 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº. 105. Disponível em: <http://www.oit.org.br/info/download/conv_105.pdf>. Acesso em: 18/04/16.

15 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração universal dos direitos humanos. Disponível em: <http://www.onubrasil. org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 18/04/16.

16 Em duas décadas de atuação, o GEFM resgatou mais de 50.000 (cinquenta mil) trabalhadores em condições análogas à escravidão. Fonte: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/05/acoes-contra-trabalho-escravo-resgatam-50-mil>. Acesso em: 18/04/16.

17O 2º Plano pode ser consultado na íntegra no site: <http://www.oitbrasil.org.br/download/2_plano_nacional_te.pdf>. Acesso em: 18/04/16.

18 BRASIL. Lei nº. 12.064, de 29 de outubro de 2009. Dispõe sobre a criação do dia nacional e da semana nacional de combate ao trabalho escravo. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/2009/Lei/L12064.htm>. Acesso em: 18/04/16.

19 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: volume 2, parte especial. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 371.

20 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume 2: parte especial. 8.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 249.

21 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 705.

22 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 10. ed. Niterói/RJ: Impetus, 2013, p. 540.

23 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 613.

24 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho com redução do homem à condição análoga à de escravo e dignidade da pessoa humana. p. 10. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/trabalho_forcado/brasil/documentos/dignidadetrabalhoescravo.pdf>. Acesso em: 14/04/16.

25 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2 ed, revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002. p. 41

26 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2. ed. São Paulo: 2003, p. 129.

27 Disponível em http://www.conseil-etat.fr/fr/presentation-des-grands-arrets/27-octobre-1995-commune-de-morsang-sur-orge.html. Acesso em 18/04/2016

28 Texto retirado de recurso de apelação criminal interposta pelo MPF, inserido no bojo do processo nº 2003.39.01.000497-0, em trâmite pela 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Marabá/PA.

29 BRITO FILHO, op. cit., p. 17.

30 Processo Penal nº 3584-95.2010.4.01.3901, 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Marabá/PA.

31 Processo Penal nº 6190-96.2015.4.01.3901, 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Marabá/PA.

Sobre os autores
Marco Aurélio Furtado de Souza

Estudante de Direito da UNIFESSPA, 5º ano.

Sara Coelho

Acadêmica do 5º ano de Direito, na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - Unifesspa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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