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A (in)constitucionalidade da desapropriação indireta

Agenda 29/06/2016 às 15:47

O presente trabalho tem por objeto geral analisar a (in)constitucionalidade da Desapropriação Indireta, sendo esta uma das modalidades de intervenção mais severas que o Estado poderá praticar diante de determinado bem particular.

1 INTRODUÇÃO

O direito de propriedade sempre foi de grande relevância para todos os seres humanos e está garantindo pela Constituição Federal de 1988 através do artigo 5º, XXII, o qual dispõe que é garantido o direito à propriedade. Há, também, o artigo 1.228 do Código Civil que determina que, “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e ainda de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou a detenha”.

Porém, esse direito à propriedade que outrora poderia se imaginar que consistia em um direito absoluto possui apenas um direito relativo e está sujeito a inúmeras restrições as quais podem ser impostas pelo Estado através de intervenções.

Estas restrições estão ligadas diretamente ao caráter relativo que a propriedade possui. Isso se dá em razão da propriedade possuir o dever de atender à sua função social, função esta que determina que o Estado fiscalize não somente o que o particular faz com a propriedade, mas também, o que deixa de fazer com seu imóvel.

Assim sendo, uma vez que a propriedade não atender à sua função social, garantirá ao Estado, este último se utilizando de sua soberania mediante prévia e justa indenização, como prevê a Constituição Federal, transferir determinado bem de particular para seu patrimônio.

Esta transferência deverá ser feita mediante processo expropriatório, transferindo para seu patrimônio os objetos desse processo. No entanto, uma dessas intervenções praticadas pelo Estado chama a atenção quanto ao seu procedimento. Este procedimento se trata da desapropriação indireta, que, para a maioria dos autores, possui um caráter ilícito e vai contra o que a lei estabelece como sendo o procedimento correto para eventuais intervenções expropriatórias.

Nesse sentido, o presente trabalho pretende, como objetivo geral, analisar a Inconstitucionalidade de uma das diversas espécies de desapropriação: a Desapropriação Indireta, bem como a reparação do dano causado pela administração ao proprietário prejudicado, uma vez que esse bem não mais poderá ingressar no patrimônio do expropriado.

O estudo discute como problema o seguinte questionamento: a desapropriação deve ser realizada mediante prévia e justa indenização. Sendo assim, a desapropriação indireta é inconstitucional? Como hipótese para esta pergunta, entende-se que, prática imoral e amplamente vedada pela legislação brasileira, a Desapropriação Indireta é o esbulho possessório praticado pelo Estado quando invade área privada sem contraditório ou pagamento de indenização. A Desapropriação Indireta, infelizmente ainda comum no Brasil, é uma espécie de desapropriação de fato, estando proibida. Sua natureza jurídica é de cunho administrativo, materializando-se por meio da afetação fática de um bem à utilidade pública, sem observância do devido processo legal, conforme a Constituição Federal. 

A pesquisa, quanto à abordagem, será qualitativa, que possui como característica o aprofundamento no contexto estudado e a perspectiva interpretativa desses possíveis dados para a realidade, como esclarecem Mezzaroba e Monteiro (2014). Para obter a finalidade desejada pelo estudo, será empregado o método dedutivo, cuja operacionalização se dará por meio de procedimentos técnicos baseados na doutrina, legislação e jurisprudência, relacionados, inicialmente trazendo a evolução histórica da propriedade bem como seus conceitos e formas de intervenções para chegar, então, ao ponto específico da inconstitucionalidade da desapropriação indireta.

Dessa forma, no primeiro capítulo de desenvolvimento deste estudo será explanado o que vem a ser a propriedade num âmbito jurídico, sua evolução histórica ao longo do tempo e, consequentemente, conceitos trazidos por diversos doutrinadores a respeito do tema. Em especial, tratar-se-á neste capítulo, a função social que a propriedade possui, assim como as garantias e intervenções que a norteia.

No segundo capítulo, será estuda uma das formas de intervenção na propriedade: a desapropriação. Serão abordados os conceitos que determinam o que vem a ser esse meio de intervenção, os requisitos que o ensejam, bem como as espécies de desapropriação e seus fundamentos normativos e a efetivação do procedimento expropriatório.

Adiante, no terceiro capítulo, far-se-á um estudo mais aprofundado em uma das intervenções mais criticadas pela maioria dos doutrinadores do direito administrativo, isto é, a desapropriação indireta. No mesmo capítulo, será tratada sua inconstitucionalidade, juntamente com os conceitos de estudiosos acerca do tema, a violação de diversos dispositivos legais e constitucionais e, por fim, a ação que o particular irá propor em face do expropriante e sua indenização.

2. DA PROPRIEDADE

A propriedade é, sem sombra de dúvidas, um dos bens mais amparados pela legislação Brasileira em favor do proprietário, conforme prevê a Constituição Federal, quando esta evidencia que “é garantido o direito à propriedade” através do artigo 5º, XXII. Há de se dizer que este direito de propriedade é um direito absoluto, contudo, este absolutismo foi amenizado através do tempo com alterações na legislação pátria. (CARVALHO FILHO, 2010).

O artigo 1.228 do Código Civil, conforme mencionado anteriormente diz que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e ainda de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou a detenha”. Nota-se que este artigo do Novo Código Civil de 2002 possui forte semelhança com o artigo 524 do Código Civil de 1916, todavia, o novo código torna os efeitos da propriedade mais amplos, ou seja, deixa as questões econômicas e sociais atreladas ao uso desta, além de impor ao proprietário algumas restrições ao exercer seu direito de propriedade. (ALMEIDA, 2006).

Maria Helena Diniz conceitua a propriedade explicitando que ela “é um direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como reivindicá-lo de quem injustamente o detenha”. Assim, cabe destacar que nos dias atuais, quaisquer que sejam os bens, sejam eles corpóreos ou incorpóreos, podem ser objetos de direito da propriedade (DINIZ, apud. ALMEIDA, 2006, pág. 6).

Em se tratando do direito à propriedade, pode-se analisar, ainda, conceitos estrangeiros sobre a matéria. A propriedade para a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, consagrada pelo artigo 21, diz que “toda pessoa tem o direito ao uso e gozo de seus bens e que nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens”. Porém, este artigo salienta que a lei pode subordinar o uso e gozo ao interesse social, além de deixar claro que em casos de utilidade pública ou de interesse social, feito o pagamento de indenização ao proprietário, poderá se apropriar do bem privado. (ALMEIDA, 2006).

Para o doutrinador José Cretella Júnior,

[...] o direito de propriedade, outrora absoluto, está sujeito em nossos dias a numerosas restrições, fundamentadas no interesse público e também no próprio interesse privado de tal sorte que o traço nitidamente individualista, de que se revestia, cedeu lugar à concepção bastante diversa, de conteúdo social, mas do âmbito do interesse público. (CRETELLA. apud. ALMEIDA, 2006, p.7).

Na sua grande maioria, os países estrangeiros, de alguma forma, deixam claro que o direito ao uso e gozo da propriedade está diretamente ligado ao interesse da coletividade, ou seja, é notório que toda a propriedade poderá sofrer sanções restritivas ao seu uso, por interesse geral ou utilidade pública, assim sendo, qualquer que seja o bem, poderá ser expropriado quando indenizado o proprietário (ALMEIDA, 2006).

Várias são as teorias acerca da natureza do direito da propriedade. Washington de Barros Monteiro fez um resumo delas brilhantemente, sendo elas:

A teoria da ocupação sustenta que a ocupação seria o fundamento do direito da propriedade, obviamente esta teoria não é a mais evidente, uma vez que a ocupação serve apenas para adquirir a propriedade e não para justificar o direito a ela. Tem-se, ainda, a teoria da lei, que é sustentada por Montesquieu. Para ele, a propriedade é concessão do direto positivo e é nisso que essa teoria mostra sua falha, isto é, o mesmo legislador que a criou poderia, num futuro, também a abolir. (MONTEIRO, apud. HARADA, 2007, p.3).

  A teoria de especificação foi criada por economistas, os quais afirmam que somente o trabalho é criador único de bens. Entretanto, essa teoria é falha, uma vez que a recompensa, o bônus pelo trabalho é o salário e não a própria coisa produzida pelo trabalhador. E por fim, há a teoria mais utilizada, a qual é sustentada pela igreja católica, que diz que a propriedade é inerente à própria natureza do homem, que ela representa a condição de existência e de liberdade da criatura humana, sendo a garantia e a expressão da individualidade humana, instrumento de desenvolvimento intelectual e moral do homem (MONTEIRO, apud. HARADA, 2007, p.3).

Assim, pode-se concluir afirmando que a propriedade, com o passar dos anos, está mais dentro da seara do direito coletivo que propriamente do direito individual, visto que a propriedade deverá sempre atender ao interesse social, ou seja, da coletividade.

2.1 Evolução histórica da propriedade

O direito à propriedade é de grande relevância na vida dos seres humanos e, ao longo dos anos, sofreu significativa transformação. Contudo, a propriedade é um direito real que assume um caráter absoluto, mas, ao longo da história da humanidade esse direito vem passando por várias alterações em seu tratamento pelos países civilizados. (BRUNO, 2005).

Nesse sentido, o caráter absoluto de propriedade foi amenizado devido ao fato de que os estados, numa forma geral, passaram a assegurar a propriedade privada e a livre empresa, constituindo à propriedade a base da sociedade capitalista e livre. (BRUNO, 2005).

Assim, o direito de propriedade passou do direito individual para o direito social. Seguindo esse raciocínio, Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que:

A propriedade, como o mais amplo direito real, que congrega os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, de forma absoluta, exclusiva e perpétua, bem como o de persegui-la nas mãos de quem quer que injustamente a detenha, e cujo desmembramento implica a constituição de direitos reais parciais, evoluiu do sentido individual para o social (DI PIETRO, 2006).

Durante a Revolução Francesa, em repúdio ao sistema feudal, a propriedade, de forma exagerada, reviveu a concepção individualista do período romano. Porém, a partir da metade do século XIX, o Estado impôs vários tipos de restrições à propriedade (DI PIETRO, 2006).

 Após as restrições impostas pelo Estado, o direito individual da propriedade começou a ser alterado para um direito social quando o Código de Napoleão, de 1804, trouxe como princípio a legitimidade da limitação do Estado sobre a propriedade, definindo esse princípio no seu artigo 544, como o direito de usar, gozar e de dispor das coisas de modo absoluto, todavia com uma ressalva, que isso não se tornasse contra as leis ou contra os regulamentos definidos pelo Estado, enquanto que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, defendia a propriedade somente dizendo que esta era um direito inviolável e sagrado (DI PIETRO, 2006).

Naquela época, leis e regulamentos ficavam limitados no que diz respeito aos direitos de vizinhança. Com o passar dos anos, fica nítida a forte influência do Estado, a fim de cada vez mais tornar o direito da propriedade um direito que visa ao bem-estar coletivo, observando sempre que possível, o Princípio da Função Social da Propriedade, princípio que faz com que o Estado fiscalize não somente o que o proprietário faz com a propriedade, mas também, o que deixa de fazer com a mesma (DI PIETRO, 2006).

2.2 Conceito de direito da propriedade

Atualmente existe grande dificuldade no que diz respeito ao real conceito de propriedade, visto que nem todos os códigos seguem o exemplo do Código de Napoleão, o qual defendia ser a propriedade o direito que o proprietário tinha de usar, gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que não fizesse o uso proibido pelas leis e seus regulamentos (HARADA, 2007).

Para compreender melhor o conceito do presente estudo, observa-se o que ensina Washington de Barros Monteiro através de alguns atributos que, segundo ele, a propriedade possui.

Para Monteiro, “o direito de propriedade é absoluto, à medida que oponível erga omnes, e apresenta caráter de plenitude”, ou seja, o proprietário pode usufruir de sua propriedade como quiser, conquanto que observe sempre as restrições impostas pelo Estado, a fim de atender ao interesse da coletividade (MONTEIRO, apud. HARADA, 2007, p.2).

Monteiro traz, também, outro atributo que a propriedade leva consigo, que se trata da exclusividade decorrente do artigo 1.231 do Código Civil, que diz que “a propriedade presume-se exclusiva e limitada até prova em contrário”. Assim, ele explica que “não pode a mesma coisa pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas” (MONTEIRO, apud. HARADA, 2007, p.2).

Outro atributo - não menos importante - que a propriedade possui é a irrevogabilidade, ou seja, uma vez que um indivíduo adquiriu a propriedade, em regra, esta não pode ser perdida, se não por seu livre consentimento. Em conformidade com Monteiro, “a propriedade tem, pois, um sentido perpétuo, subsistindo independentemente de exercício, enquanto não sobreviver causa legal extintiva” (MONTEIRO, apud. HARADA, 2007, p.2).

Vários são os conceitos de direito de propriedade. Para Arruda Alvim, o direito de propriedade não pode ser exercido de forma absoluta, e, sim, na forma do Código Napoleônico:

O direito de propriedade, tal como concebido atualmente, não pode ser exercido de forma absoluta, Vale dizer, sem qualquer limite ao seu uso, naqueles termos do sempre lembrado art. 544 do Código Napoleônico; e, ainda, a legislação modela um direito de propriedade que, se comparado com o passado, acabou de comportar restrições, antes, em grande escala, desconhecidos. (ARRUDA ALVIM, apud. ALMEIDA, 2006, p.4).

Pesquisando diversos conceitos de diferentes e renomados doutrinadores, o mais coeso e de fácil compreensão para a definição de propriedade é o de Maria Helena Diniz, já mencionado no presente trabalho, que diz que: “a propriedade é um direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como reivindicá-lo de quem injustamente o detenha” (DINIZ. apud. ALMEIDA, 2006, p.6).

2.3 Função social da propriedade

O chamado princípio da função social da propriedade apareceu expressamente na Constituição de 1967. Entretanto, bem antes, na Constituição de 1946, tal princípio já era utilizado para sustentar a desapropriação, a qual era nomeada “desapropriação por interesse social” (DI PIETRO, 2006).

Naquela época, quaisquer que fossem as dúvidas a respeito do tema, eram resolvidas pela opinião ou justificativa apresentada pelo Senador Ferreira de Souza, autor da emenda que resultou para a transformação do simples interesse social para o princípio da função social. Nesta emenda, o Senador defendia como lógico que o homem possuísse:

Como seu, de forma absoluta, aqueles bens necessários à sua vida, à sua profissão, à sua manutenção e à de sua família, mesmo os que constituem economias para o futuro. Mas além desse mínimo, a propriedade tem uma função social de modo que ou o seu proprietário a explora e a mantém dando-lhe utilidade, concorrendo para o bem comum, ou ela não se justifica. A emenda não chega ao extremo de negar a propriedade, mas superpondo o bem comum ao bem individual, admite a expropriação das propriedades inúteis, das que poderiam ser cultivadas e não o são, daquelas cujo domínio absoluto chega a apresentar um acinte aos outros homens. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 2006, p.139, apud. Senador Ferreira de Souza).

Nesse sentido, a Constituição de 1967, através da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, incorporou a função social da propriedade como um princípio de ordem econômica e social. Nas palavras de Manoel Gonçalves Filho:

Isso significa que a propriedade não é da concepção absoluta, romanística, e sim a propriedade encarada como uma função eminentemente social. É o que se deprende do texto do artigo 160, III, que implicitamente condena a concepção absoluta da propriedade, segundo a qual esta é o direito de usar, gozar e tirar proveito de uma coisa de modo puramente egoístico, sem levar em conta o interesse alheio e particularmente o da sociedade. Reconhecendo a função social da propriedade a Constituição não nega o direito exclusivo do dono sobre a coisa, mas exige que seu uso seja condicionado ao bem-estar-social geral. Não ficou, portanto, o constituinte longe da concepção tomista, segundo o qual, o proprietário é um procurador da comunidade para a gestão de bens destinados a servir a todos, embora pertençam á um só. (MANOEL GONÇALVES FILHO, apud. DI PIETRO, 2006, p.140).

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Não há duvida que a inspiração mais próxima do princípio é a doutrina social da igreja, tal como exposta nas Encíclicas Mater et Magistra, do Papa João  XXIII, de 1961, e Centesimus Cennus, de 1991, de João Paulo II, nas quais se associa a propriedade a uma função social, ou seja, a função de servir de instrumento para a criação de bens necessários à subsistência de toda a humanidade (Di Pietro, 2006, p.140).

Atualmente a Constituição de 1988 garante ao proprietário o direito de propriedade, assunto que será deliberado num momento oportuno. No entanto, a mesma constituição que garante esse direito, esclarece logo adiante, em seu inciso XXIII, que a propriedade atenderá à sua função social.

Cabe, portanto, ao estado, utilizando os meios de intervenção, o cumprimento da função social (MAZZA, 2014).

 Pode-se concluir, dessa forma, que a propriedade é um direito a ser exercido em harmonia com os direitos da coletividade, ou seja, deve a propriedade atender à sua Função Social (BRUNO, 2005).

2.4 Garantia Constitucional da propriedade

Para falar em garantia da propriedade, não se pode deixar de examinar a evolução constitucional da propriedade.

O disposto do artigo 179, XXII da Constituição Brasileira de 1824, já assegurava o direito à propriedade ao proprietário em toda sua plenitude, deixando claro que em caso do Estado se apropriar do bem do cidadão, esse seria previamente indenizado no valor justo (DI PIETRO, 2006).

Na vigência da Constituição de 1891, através do artigo 72, § 17, novamente a expressão “em toda sua plenitude” estava expressa quando se referia ao direito de propriedade, com uma breve ressalva na qual dizia que o Estado, por necessidade pública ou de utilidade pública, mediante indenização prévia, poderia desapropriar determinado bem (DI PIETRO, 2006).

Em contrapartida, foi na Constituição de 1934 que a expressão “em toda sua plenitude” deixou de figurar o direito de propriedade, direito este que não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo. Nessa constituição, cabe ressaltar mais uma alteração quanto à indenização ao proprietário expropriado, ou seja, acrescentou-se, além da indenização prévia, a indenização justa (DI PIETRO, 2006).

Foi na Constituição de 1946 que além do direito à propriedade já firmada por outras constituições, foi instituída, então, a desapropriação por interesse social, a qual exigia que a indenização fosse prévia, justa e em dinheiro, exigência esta, que se encontra na Constituição Federal de 1988 através do artigo 5º, XXIV (DI PIETRO, 2006).

2.5 Intervenção do Estado na propriedade privada

Como examinado em trechos anteriores, o direito de propriedade deixou de ser um direito inteiramente absoluto uma vez que seu uso, gozo e direito de fruir não podem se opor aos interesses coletivos ou sociais. Desse modo, o Estado atuando como fiscalizador pode e deve exercer seu papel, zelando pelo bem comum, impondo medidas restritivas na propriedade privada, quando esta não atender à sua função social (GASPARINI, 2012).

Diogenes Gasparini conceitua a intervenção na propriedade privada como sendo “toda ação do Estado que, compulsoriamente, restringe ou retira direitos dominiais do proprietário” (GASPARINI, 2012, p. 886).

Hely Lopes Meirelles, por sua vez, conceitua a intervenção do Estado na propriedade da seguinte forma: “entende-se por intervenção na propriedade privada todo ato do Poder Público que, compulsoriamente, retira ou restringe direitos dominiais privados, ou sujeita o uso de bens particulares a uma destinação de interesse público” (MEIRELLES, apud. GASPARINI, 2012, p. 886).

Logo, vários são os meios que o Estado, calcado na sua soberania, possui para intervir na propriedade privada, meios estes que vão dos mais corteses - a limitação administrativa, a ocupação temporária e a servidão administrativa, nos quais se pode antepor ao tombamento, o parcelamento e a edificação compulsória, os quais o Estado não retira o domínio do proprietário - até os meios mais rígidos, como a requisição e a desapropriação (GASPARINI, 2012).

Este último meio de intervenção, no caso a desapropriação, é o mais severo de todos os meios cabíveis de intervenção na propriedade privada, uma vez que o Estado retira o proprietário do domínio do bem, incorporando este ao seu patrimônio, indenizando claro, mediante prévia e justa indenização, conforme será estudado de forma mais detalhada durante o trabalho proposto.

2.6 Fundamentos gerais da intervenção do Estado da propriedade privada

A propriedade é um direito individual que assegura ao proprietário um vasto conjunto de poderes e deveres. Sabe-se que o titular da propriedade pode usar, gozar e dispor da coisa como quiser. Contudo, este poder que é característico da coisa, não pode ser exercido de forma individual.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, seguindo este raciocínio, diz o seguinte:

[...] não podem, no entanto, esses poderes ser exercidos ilimitadamente, porque coexistem com direitos alheios, de igual natureza, e porque existem interesses públicos maiores, cuja tutela incumbe ao Poder Público exercer, ainda que em prejuízo de interesses individuais. Entra-se aqui na esfera do poder de polícia do Estado, poento em que o estudo da propriedade sai da orbita do direito privado e passa a constituir objeto do direito público e a submeter-se a regime jurídico derrogatório e exorbitante do direito comum (DI PIETRO, 2006, p. 137).

José Cretella Júnior, por sua vez, expõe que,

Ao passo que o direito civil de propriedade confere ao titular cem por cento, vamos dizer, do jus utendi, fruendi et abutendi, o direito público da propriedade, que considera o bem dentro de um conjunto maior, vai reduzindo o quantum daquela fruição, porque observa a totalidade dos direitos de propriedade bem como a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social (CRETELLA, apud. DI PIETRO, 2006, p. 137).

À vista disso, os dizeres de José Cretella Júnior fazem concluir que para intervir na propriedade privada e fazer com que esta atenda às necessidades da coletividade, três são os requisitos para a atuação do Estado: a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social. Estes requisitos serão estudados mais adiante, os quais não podem ser confundidos com os fundamentos jurídico-políticos.

Para a atuação frente à intervenção na propriedade privada, o Estado, através do chamado poder de polícia, começou a restringir direitos individuais com o intuito de assegurar os interesses da coletividade. Todavia, este poder de polícia que outrora cuidava somente das obrigações de não fazer, com o passar do tempo ampliou essa obrigação, ou seja, passou a impor, também, o dever de utilizar o bem, passando assim, a se falar em função social da propriedade (DI PIETRO, 2006).

É de suma importância destacar, ainda, que além do princípio da função social da propriedade, o qual retira da propriedade a concepção individualista, existe outro princípio de grande relevância e que não poderia deixar de fora no presente estudo, que é o chamado princípio da supremacia do interesse público, o qual serve de suporte para justificar quando o Estado promove a intervenção em propriedade privada, tornando esta propriedade um bem público.

É uma ocasião oportuna para trazer, também, os dizeres de Diógenes Gasparini a respeito dos fundamentos que norteiam a intervenção na propriedade, em que o mesmo diz que:

São dois os fundamentos da intervenção: o político e o jurídico. O fundamento político da intervenção do Estado na propriedade privada e no domínio econômico é a proteção dos interesses da comunidade contra qualquer conduta antissocial da iniciativa particular, enquanto o jurídico é qualquer disposição consignada na Constituição ou na legislação infraconstitucional (GASPARINI, 2012, p. 884).

No caso em estudo, a Administração Pública dotada de supremacia, impondo restrições, retira do proprietário o poder pleno da propriedade. Estas imposições nada mais são que o Estado agindo de forma soberana, utilizando-se de sua supremacia diante do interesse privado (CARVALHO FILHO, 2010).

Assim, toda vez que houver o confronto entre um interesse privado e um interesse público, é este último que deverá ser levado em consideração em virtude da soberania que o Estado possui, ou seja, a Supremacia do Interesse Público sobre o privado (CARVALHO FILHO, 2010).

Cabe destacar os dizeres de José dos Santos Carvalho filho acerca desse instituto:

Toda vez que colide um interesse público com um interesse privado, é aquele que tem o que prevalecer. É a supremacia do interesse púbico sobre o privado, como princípio, que retrata um dos fundamentos da intervenção estatal na propriedade (CARVALHO FILHO, 2010, p. 844).

Para rematar, conclui-se que o ato de intervenção do Estado na propriedade particular, quando dotado de expressa autorização legal e vinculado ao interesse público, independe da aceitação ou não do proprietário do bem.

3. DESAPROPRIAÇÃO

Como visto em parágrafos anteriores, o ordenamento jurídico brasileiro possui formas de intervenção na propriedade particular, as quais podem se dar de duas maneiras, conforme explica José dos Santos Carvalho Filho:

De um lado, a intervenção restritiva, através da qual o Poder Público retira algumas das faculdades relativas ao domínio, embora salvaguarde a propriedade em favor do dono; de outro, a intervenção supressiva, que gera a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, por conseguinte, a perda da propriedade (CARVALHO FILHO, 2010, p. 885).

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Assim, o presente parágrafo tratará especificamente da desapropriação, que é chamada por Carvalho Filho de intervenção supressiva, a qual faz com que a propriedade seja transferida de forma compulsória e definitiva para o Estado através de um procedimento expropriatório.

Para início do estudo desse meio de intervenção, é importante destacar as palavras do mestre Hely Lopes Meirelles, que ao definir este, diz que ocorre a:

[...] transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para superior) para o poder público ou seus delegados, por utilidade pública, ou necessidade pública, ou ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, conforme dispõe o artigo 5º, XXIV da CF (MEIRELLES, apud. BRUNO, 2005, p. 448).

Odete Medauar conceitua a desapropriação da seguinte forma:

Desapropriação é a figura jurídica pela qual o Poder Público, necessitando de um bem para fins de interesse público, retira-o do patrimônio do proprietário, mediante prévia e justa indenização. A desapropriação atinge o caráter perpétuo do direito de propriedade, pois extingue o vinculo entre proprietário e bem, substituindo-o por uma indenização (MEDAUAR, 2011, p. 370).

Pode-se dizer que a desapropriação sempre esteve presente nas constituições passadas e continua presente na constituição vigente, porém, do lado oposto da propriedade, ou seja, de um lado figura o direito de propriedade no qual o particular pode usar, gozar e dispor da coisa. No outro lado está o Estado, de forma soberana, que possui a legitimidade necessária para propor a desapropriação (GASPARINI, 2012).

Estes dois direitos estão dispostos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988. A propriedade, como já visto, está garantida através do inciso XXII, que diz que “é garantido o direito de propriedade”, sendo que o inciso seguinte estabelece que “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvadas, os casos previstos nesta constituição”.

Assim, surge como essencial na desapropriação a utilidade pública, a necessidade pública e o interesse social. Nesta linha, José dos Santos Carvalho Filho explicita que “a desapropriação só pode ser considerada legítima se presentes estiverem os seus pressupostos. São pressupostos da desapropriação a utilidade pública, nesta se incluindo a necessidade pública, e o interesse social” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 885).

Cabe destacar que a desapropriação encontra respaldo não somente na Constituição Federal, mas também na Lei Geral das Desapropriações, através do Decreto-lei nº 3.365 de 1941, que trata das desapropriações por utilidade pública, bem como na lei 4.132 de 1962, que dispõe sobre a desapropriação por interesse social. O artigo 2º do referido decreto aborda o seu objeto, encontra-se disposto que “todos os bens podem ser desapropriados”. Desse modo, há de se dizer que como regra a desapropriação pode atingir qualquer bem móvel ou imóvel, corpóreo e incorpóreo, desde que dotado de valor patrimonial (CARVALHO FILHO, 2010).

A desapropriação, como exposto por vários doutrinadores, é um procedimento administrativo, porém, necessita-se ressaltar que tal procedimento nem sempre possui este caráter. Havendo a insatisfação do expropriado, o Estado deverá se valer de uma ação de desapropriação, tornando-se, assim, um procedimento judicial (GASPARINI, 2012).

Segundo Diogenes Gasparini, duas são as fases do procedimento expropriatório:

Á primeira é a declaratória; e a segunda a executória. Aquela consubstancia-se na declaração da necessidade ou utilidade pública ou do interesse social, e esta, a executória, caracteriza-se pelo conjunto das medidas administrativas (convocação do expropriado, oferecimento de indenização, lavratura da escritura amigável de desapropriação) ou judiciais (ingresso em juízo com a competente ação expropriatória) que visam concretizar a vontade do Poder expropriante, manifestada na fase declaratória (GASPARINI, 2012, p. 940).

Ainda, cabe destacar que a desapropriação possui dois efeitos imediatos conforme explica Celso Ribeiro Bastos. Segundo ele, “dois são os efeitos imediatos: transferir o direito de propriedade do expropriado ao expropriante e fazer nascer o direito de indenização a favor do expropriado” (BASTOS, 2002, p. 317).

Para finalizar, em concordância com o artigo 20 da Lei Geral das Desapropriações (Decreto Lei nº 3.365/41), a contestação do particular expropriado poderá somente versar sobre dois aspectos, isto é, sobre algum vício do processo de desapropriação ou em relação ao preço estipulado pelo bem na sua avaliação. Pode ainda, o expropriado exigir quando a desapropriação alcançou somente uma parte do seu objeto, que alcance todo seu restante, com base na inutilidade que este bem vai sofrer (GASPARINI, 2012).

3.1 Conceito

Inúmeros são os conceitos formulados por renomados autores a respeito da matéria em destaque com base no ordenamento jurídico atual. Nessa perspectiva, para compreender de uma forma mais consistente o que vem a ser a desapropriação, é de grande relevância trazer para o presente estudo alguns desses ensinamentos.

Celso Antonio Bandeira de Mello traz seu conceito sobre a desapropriação dizendo o seguinte:

À luz do Direito Positivo brasileiro, desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização previa, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da divida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessíveis, preservado seu valor real (MELLO, 2014, p. 883).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, conceitua a desapropriação de acordo com o que está exposto a seguir:

A desapropriação é um procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização (DI PIETRO, 2006, p. 170).

O mestre Hely Lopes Meirelles conceitua a desapropriação de uma forma mais ampla, com uma particularidade, que essa transferência da propriedade ocorra de uma entidade de grau inferior para superior, como consta na sequência:

A desapropriação é a transferência compulsória da propriedade particular, ou pública de entidade de grau inferior para a superior, para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, salvo as exceções constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada, e de pagamento em títulos da dívida agrária, no caso de Reforma Agrária, por interesse social (MEIRELLES, apud. MAZZA, 2014, p. 636).

Com base na Constituição Federal de 1988, Diogenes Gasparini conceitua a desapropriação como:

[...] o procedimento administrativo pelo qual o Estado, compulsoriamente, retira de alguém certo bem, por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social e o adquire, originariamente, para si ou para outrem, mediante prévia e justa indenização, paga em dinheiro, salvo os casos que a própria Constituição enumera em que o pagamento é feito com títulos da dívida pública (art. 182, § 4º, III) ou da dívida agrária (art. 184) (GASPARINI, 2012, p. 906).

Kiyoshi Harada, após de estudar diversos destes estudiosos, trata a desapropriação como sendo:

Um instituto de direito público consistente na retirada da propriedade privada pelo Poder Público ou seu delegado, por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, mediante o pagamento prévio da justa indenização em dinheiro (art. 5º XXIV, da CF), por interesse social para fins de reforma agrária (art. 184 da CF), por contrariedade ao Plano Diretor da cidade (art. 182 § 4º, III, da CF), mediante prévio pagamento do justo preço em títulos da dívida pública, com clausula de preservação de seu valor real e por uso nocivo da propriedade, hipótese em que não haverá indenização de qualquer espécie (art. 243 da CF). (HARADA, 2007, p. 16).

Odete Medauar conceitua a desapropriação “como figura jurídica pela qual o poder público, necessitando de um bem para fins de interesse público, retira-o do patrimônio do proprietário, mediante prévia e justa indenização” (MEDAUAR, 2011, p. 370).

O professor Alexandre Mazza, reunindo alguns elementos conceituais, define a desapropriação como o:

[...] procedimento administrativo pelo qual o Estado transforma compulsoriamente bem de terceiro em propriedade pública, com fundamento na necessidade pública, utilidade pública ou interesse social pagando indenização prévia, justa e, como regra, em dinheiro (MAZZA, 2014, p. 636).

Com base nos conceitos dos doutrinadores apresentados, é pertinente destacar traços comuns em todos eles no que diz respeito à desapropriação.

A semelhança dos diversos conceitos concerne à soberania que o Poder Público exerce sobre o privado, utilizando-se do princípio da supremacia do interesse público, ou seja, no confronto entre o interesse público e o interesse privado sempre prevalecerá o primeiro. Outra semelhança dos conceitos acima descritos remete à transferência do bem, isto é, na desapropriação o bem expropriado é transferido de forma compulsória para o Estado, e tal procedimento deverá ser proposto observando alguns pressupostos: a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social.

Porém, o que mais chama a atenção e será de grande significância para o restante da atividade proposta, refere-se ao procedimento previsto no ordenamento jurídico brasileiro acerca da desapropriação, em outras palavras, que esta se dê de forma prévia e que o particular expropriado tenha justa indenização em dinheiro paga pelo expropriante. Destaca-se aqui, que tal entendimento é consenso da maioria ou de praticamente todos os doutrinadores quando debatida a desapropriação.

3.2 Requisitos da desapropriação

A desapropriação, conforme visto anteriormente, retira do particular determinado bem e o transfere para o patrimônio público. Diante desta situação, é imposto ao Estado o dever de indenizar este particular buscando, assim, o equilíbrio entre o interesse público e o interesse privado, fazendo com que o expropriado não tenha redução em seu patrimônio, em síntese, que o particular que outrora teve o ônus na perda de sua propriedade possua, aqui, o bônus por tal feito (DI PIETRO, 2006).

De acordo com previsão legal através do artigo 5º, XXIV, “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvadas, os casos previstos nesta constituição” e do artigo 182, § 3º, “as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro”. Ambos da Constituição Federal, a indenização ao proprietário do bem expropriado terá que ser necessariamente o valor real e atual do bem expropriado mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Entretanto, ao longo do tempo, tais previsões constitucionais vinham sendo deixadas de lado em função da lentidão dos processos judiciais (BRUNO 2005).

Visando eliminar este abuso de poder em desfavor do proprietário, o legislador infraconstitucional editou a Lei de Responsabilidade Fiscal, a lei Complementar número 101/2000, que inseriu dispositivo para coibir essa prática. O legislador é evidente ao estabelecer que “é nulo de pleno direito ato de desapropriação de imóvel urbano expedido sem o atendimento do disposto no § 3o do art. 182 da Constituição, ou prévio depósito judicial do valor da indenização” (BRUNO 2005). 

Estes dispositivos da Constituição Federal são taxativos ao determinar como essencial para que ocorra a desapropriação, a prévia e justa indenização ao proprietário expropriado. Seguindo a mesma linha, Celso Antonio Bandeira de Mello diz que a indenização “é aquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio” (MELLO, apud, CARVALHO FILHO, 2010, p. 926).

Tais dispositivos dizem ainda que essa indenização deverá ser em dinheiro, ou seja, que o Estado pague ao particular o valor correspondente à desapropriação em espécie. Essa exigência, conforme explica Carvalho Filho, tem o condão de permitir que o expropriado possa comprar outro imóvel de forma breve, se assim desejar (CARVALHO FILHO, 2010).

Para examinar de forma mais profunda a indenização tratada aqui, é de suma importância trazer o que dispõe o artigo 14 do Decreto-lei nº 3.365/41. O referido artigo diz que esta indenização deve se dar a partir da avaliação de técnicos da administração ou mediante realização de prova pericial e fixação pelo juízo, sendo que além do valor real do bem, devem ser indenizados também o particular, os danos emergentes e os lucros cessantes (BRUNO2005).

À vista disso, Kiyoshi Harada afirma que a indenização possui duas formas: a indenização principal e a indenização acessória. Entende-se por indenização principal aquela correspondente ao valor do bem expropriado juntamente com todas suas benfeitorias que já existiam anteriormente no imóvel no momento da avaliação do perito ou técnico, ambos designados pelo juiz, de acordo com o artigo 14 da lei especial (DI PIETRO, 2006). A indenização acessória, por sua vez, diz respeito aos juros compensatórios e juros moratórios.

Por juros compensatórios, o artigo 15-A da lei especial expõe que:

No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedada o cálculo de juros compostos (DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941).

No entanto, a taxa de juros de 6% do referido artigo e a base de cálculo para os juros compensatórios foram, de forma liminar, suspensas pela ADIN 2.332-DF.  A primeira, por contrariar a súmula 618 do STF, que diz que “na desapropriação direta ou indireta, a taxa de juros compensatórios é de 12 % ao ano”; e o segunda, por entender que a base de cálculo para os juros compensatórios é sobre a diferença de 80% entre a oferta inicial do Poder Público e o valor da indenização fixado na sentença, conforme § 2º do artigo 33 do mesmo decreto-lei. Outra mudança significativa é quanto aos § 1º e § 2º daquele artigo. A mesma ADIN, que antes suspendeu a taxa de juros, agora suspende também os parágrafos do artigo 15-A, entendendo que os juros compensatórios são devidos mesmo que o imóvel não produza renda (DI PIETRO, 2006).

Cabe ressaltar, também, que tais juros são devidos desde a imissão de posse. Nesse sentido, o STF editou a súmula 164, a qual dispõe que “no processo de desapropriação, são devidos juros compensatórios, desde a antecipada imissão de posse ordenada pelo juiz por motivo de urgência” (DI PIETRO, 2006).

Os juros moratórios, por sua vez, possuem sua base legal no artigo 15-B da Lei de Desapropriações e não podem ser confundidos com os juros compensatórios, uma vez que aqueles são para compensar eventual perda de renda sofrida pelo particular enquanto estes são decorrentes do atraso do pagamento da indenização, em conformidade com o referido artigo:

Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1o de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição (DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941).

Para finalizar, a Constituição Federal de 1988 diz que o momento para o pagamento dessa indenização é imediatamente anterior ao do ingresso na posse do objeto da desapropriação pelo Poder Público. Esta posse, mesmo sendo definitiva ou provisória, incumbe à Administração Pública o pagamento de justa e prévia indenização, sob pena de nulidade (BRUNO, 2005).

É pertinente destacar que não existem dois momentos para a celebração da desapropriação, ou seja, não existe um momento para o particular receber a indenização devida e um momento em que este bem expropriado passa em definitivo para o Estado, considerando que estes dois momentos basicamente consistem num momento único. Outro grande detalhe sobre a prévia indenização é quanto ao modo como ela surge, uma vez que normalmente é observado este problema nas desapropriações judiciais, isto é, nas desapropriações consensuais o expropriado, em alguns casos, até aceita receber a justa indenização após a transferência do bem (GASPARINI, 2012).

Cabe então, à Administração Pública, conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal, o planejamento da despesa e, consequentemente, a compatibilização com as leis orçamentárias (BRUNO, 2005).

3.3 Espécies de desapropriação

No direito administrativo brasileiro, pode-se dizer que existem duas espécies de desapropriação: a desapropriação ordinária e a desapropriação extraordinária. Assim, Diógenes Gasparini diz que:

Duas são as espécies de desapropriação. Uma consubstanciada no inciso XXIV do art. 5º da Constituição da República, chamada de ordinária; outra, fundada nos arts. 182, § 4º, III e 184 e parágrafos dessa Constituição; denominada extraordinária (GASPARINI, 2012).

A desapropriação ordinária se encontra no artigo 5º da Constituição Federal, o qual prevê, como já visto, que “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvadas, os casos previstos nesta constituição” (CARVALHO FILHO, 2010).

A doutrina prevê duas classificações para a desapropriação ordinária: a desapropriação direta, quando observado todo o procedimento desapropriatório previsto em no ordenamento jurídico, e a desapropriação indireta, que é quando não fora respeitado este procedimento. Esta última será abordada ao longo do próximo capítulo (GASPARINI, 2012).

A desapropriação ordinária possui, ainda, normas que servem como fontes autônomas de regulamentação. A norma que regula a desapropriação por necessidade ou por utilidade pública está prevista através do Decreto-lei de nº 3.365/41, que é também conhecido como Lei Geral da Desapropriação e que contém todos os aspectos e o procedimento necessário para o instituto em estudo, quando que a desapropriação por interesse social é regulada pela Lei nº 4.132 de 1962 (HARADA, 2007).

Ainda, além da desapropriação ordinária, que será estudada de forma mais abrangente num momento oportuno, há, também, a desapropriação extraordinária, que possui outras formas de intervenção na propriedade privada.

Para Diogenes Gasparini, a desapropriação extraordinária se divide, ainda, em duas espécies, sendo elas a desapropriação urbanística e a desapropriação rural. Segundo Gasparini, há desapropriação urbanística quando:

O Poder Público municipal, na forma do artigo 182,  4º, III da Constituição Federal, promove a desapropriação para adequar a propriedade urbana a função social, com pagamento em títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até dez anos (GASPARINI, 2012, p. 906).

Tal procedimento ocorre com o intuito de penalizar o proprietário mediante lei específica por não utilizar de forma adequada o solo urbano de acordo com o plano diretor de cada município, como previsto no artigo 182, § 4º, III. Nesse sentido, o parágrafo do artigo mencionado diz que:

[...] desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988).

A segunda espécie de desapropriação extraordinária trazida por Gasparini é a rural, que ocorre quando:

A união, nos termos do artigo 184 da Constituição Federal, promove a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, de imóvel rural que não esteja cumprindo a função social, mediante indenização em título de dívida agrária, resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão (GASPARINI, 2012, p. 906).

Esta espécie de desapropriação trata da perda da propriedade rural que não esteja cumprindo sua função social. Essa função social tratada aqui é específica para imóveis rurais. Porém, o do artigo 186 do dispositivo legal traz os requisitos para que não ocorra tal expropriação:

I – aproveitamento racional e adequado

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988).

Em contrapartida, para Carvalho Filho, além destas duas espécies descritas acima, existe mais uma que se trata da desapropriação confiscatória.

Esta espécie de desapropriação é totalmente anômala, ou seja, foge das regras normais. Enquanto que nas outras modalidades o proprietário expropriado é indenizado, nesta, a indenização não ocorre, tudo porque a perda desta propriedade tem a ver com o cultivo ilegal de determinadas plantas psicotrópicas por parte de seu proprietário (CARVALHO FILHO, 2010).

Carvalho Filho, de acordo com o que estabelece o artigo 243 da Constituição Federal, diz que “consumada a expropriação, essas áreas são destinadas a assentamento de colonos com vistas ao cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 891).

Assim, o artigo 243 da Constituição Federal expõe que:

As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988).

Cabe salientar, ainda, que o processo adotado para tal procedimento encontra respaldo por meio da Lei 8.257 de 1991, a qual dispõe sobre a expropriação das glebas, nas quais se localizam culturas ilegais de plantas psicotrópicas.

Para finalizar, tanto para a desapropriação ordinária quanto para a extraordinária, o procedimento pode se dar de forma amigável ou judicial. Entretanto, há de se ter cuidado com a expressão “amigável”, tudo porque a desapropriação é ato exclusivo do Estado. Assim, pode-se dizer que o termo empregado diz respeito à indenização, pois como bem explica Gasparini “na amigável a indenização pode ser posterior à transferência de domínio e não precisa ser em dinheiro”, diferentemente da judicial, no qual deve ser cumprido o procedimento previsto que já fora estudado anteriormente (GASPARINI, 2012).

3.4 Fundamentos normativos da desapropriação ordinária

Os fundamentos normativos da desapropriação ordinária são conhecidos de diferentes formas entre os doutrinadores. Carvalho Fillho (2010), por exemplo, trata estes fundamentos como sendo pressupostos da desapropriação, e os define dizendo que “a desapropriação só pode ser considerada legítima se presentes estiverem os seus pressupostos” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 887). Diogenes Gasparini (2012), por sua vez, chama-os de requisitos constitucionais da desapropriação.

É de grande relevância destacar, aqui, a grande diferença entre os fundamentos da desapropriação extraordinária e ordinária. Enquanto os fundamentos da desapropriação extraordinária estão dispostos através dos artigos 182, §4º, III, 184 e 243, ambos da Constituição Federal, os quais já foram estudados no presente trabalho, os da desapropriação ordinária estão mencionados no artigo 5º, XXIV da mesma Constituição, que traz de forma bastante clara que “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta constituição”. Logo, pode-se dizer que estes são os fundamentos normativos da desapropriação ordinária.

Faz-se importante observar, ainda, que estes três fundamentos da desapropriação ordinária não são atribuições do Estado, isto é, por se tratarem de dispositivos constitucionais mencionados de forma taxativa, a Administração Pública deverá mencioná-los de forma idêntica ao dispositivo legal no procedimento expropriatório (DI PIETRO, 2006).

Estes fundamentos possuem diferenças entre eles, tendo, ainda, normas que os regulamentam, tais como o Decreto-lei nº 3.365 de 1941, que trata das desapropriações por utilidade pública, bem como a Lei nº 4.132 de 1962, que define as desapropriações por interesse social. Assim, é de importância detalhar cada um deles para que se possa compreendê-los de forma lúcida ao longo do trabalho proposto.

3.4.1 Necessidade ou Utilidade Pública

Tanto a Constituição Federal de 1988 como o Código Civil de 2002 autorizam a desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social. Esse conjunto de fundamentos expropriatórios foi adotado pela legislação brasileira a partir da Constituição Federal de 1946 através do artigo 16 e vige até hoje. Diante da sua importância, cabe ressaltar o disposto no artigo 1.228, § 3º do Código Civil de 2002, que diz que “o proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública e interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente” (MEDAUAR, 2011).

É relevante a observação no que diz respeito aos dizeres do referido artigo acima, pois esses três fundamentos possuem diferenças, ou seja, possuem normas próprias que os regulam. Tanto o interesse social, que é normatizado através de lei específica, o qual será estudado mais adiante, quanto a utilidade pública, que é regulamentada pelo Decreto-lei nº 3.365 de 21 de julho de 1941, que também é conhecida como a Lei Geral de Desapropriação. Contudo, com a criação deste decreto, essa expressão passou a se chamar somente de utilidade pública (HARADA, 2007).

Assim, o artigo 5º do presente diploma legal estabelece que são considerados casos de utilidade pública:

a) a segurança nacional

b) a defesa do Estado

c) o socorro público em caso de calamidade

d) a salubridade pública

        e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência

 f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica

 g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais

h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos

 i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais.

 j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo;

k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza;

l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico;

m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios;

 n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves;

 o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária;

 p) os demais casos previstos por leis especiais.

§ 1º - A construção ou ampliação de distritos industriais, de que trata a alínea i do caput deste artigo, inclui o loteamento das áreas necessárias à instalação de indústrias e atividades correlatas, bem como a revenda ou locação dos respectivos lotes a empresas previamente qualificadas

 2º “- A efetivação da desapropriação para fins de criação ou ampliação de distritos industriais depende de aprovação, prévia e expressa, pelo Poder Público competente, do respectivo projeto de implantação”.

§ 3o Ao imóvel desapropriado para implantação de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, não se dará outra utilização nem haverá retrocessão.

Todavia, ainda que o advento do decreto acima referido tenha feito com que desaparecesse o termo “necessidade pública”, ainda é possível verificar algumas diferenças entre os termos empregados no Código Civil (HARADA, 2007).

Assim, Seabra Fagundes diz que,

A necessidade pública aparece quando a administração se encontra diante de um problema inadiável e premente, isso é, que não pode ser movido nem procrastinado e para cuja solução é indispensável incorporar no domínio do Estado o bem particular. A utilidade pública aparece quando a utilização da propriedade é conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui imperativo irremovível (SEABRA FAGUNDES, apud. MEDAUAR 2011, p. 373).

Com base nisso, pode-se dizer que a desapropriação quando fundamentada na necessidade pública é feita por motivos de força maior, sendo uma ou a única alternativa para resolver determinado problema, ou seja, o Poder Público diante de uma situação de risco de uma coletividade promove a transferência de determinado bem particular, transferindo-o para seu domínio.

Essas situações de necessidade pública são mais claras nos primeiros incisos do artigo 5º do decreto 3.365/41 ao mencionar as hipóteses de segurança nacional, defesa do Estado, socorro público em caso de calamidade e a salubridade pública (HARADA, 2007).

Di Pietro conceitua a necessidade pública dizendo que:

Existe necessidade pública quando a Administração está diante de um problema inadiável e premente, isto é, que não pode ser removido, nem procrastinado, e para cuja solução é indispensável incorporar, no domínio do Estado, o bem particular (DI PIETRO, 2006, p. 180).

À vista disso, a utilidade pública se caracteriza como a melhor solução encontrada pela Administração Pública, não sendo imprescindível, mas sim, oportuna, diferente do que ocorre com a necessidade pública (MAZZA, 2014).

Assim como na necessidade pública, Di Pietro traz seu conceito sobre a utilidade pública e diz que “há utilidade pública quando a utilização da propriedade é conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui um imperativo irremovível” (DI PIETRO, 2006, p. 180).

É significante ressaltar, ainda, que estas hipóteses elencadas pelo Decreto-Lei 3.365/41, que regulamentam as desapropriações ou qualquer outra lei, são hipóteses taxativas, isto é, somente poderá ser desapropriado o bem particular se estiver em conformidade com a legislação brasileira (MELLO, 891).

3.4.2 Interesse Social

O terceiro fundamento que trata das desapropriações é o chamado interesse social. Este fundamento é regulamentado através da Lei específica nº 4.132 de 1962, que define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação (HARADA, 2007).

Assim, em seu primeiro artigo, a lei estabelece que “a desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem-estar social na forma do art. 147 da Constituição Federal” (HARADA, 2007).

O artigo 2º da referida lei, que advém dos artigos 5º, XXIV e artigo 182, ambos da Constituição Federal, traz os casos de desapropriação por interesse social, que são os seguintes:

Art. 2º Considera-se de interesse social:

I - o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;

II - a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola,

III - o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola:

IV - a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias;

V - a construção de casa populares;

VI - as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas;

VII - a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais.

VIII - a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas.

§ 1º O disposto no item I deste artigo só se aplicará nos casos de bens retirados de produção ou tratando-se de imóveis rurais cuja produção, por ineficientemente explorados, seja inferior à média da região, atendidas as condições naturais do seu solo e sua situação em relação aos mercados.

§ 2º As necessidades de habitação, trabalho e consumo serão apuradas anualmente segundo a conjuntura e condições econômicas locais, cabendo o seu estudo e verificação às autoridades encarregadas de velar pelo bem estar e pelo abastecimento das respectivas populações (LEI Nº 4.132, DE 10 DE SETEMBRO DE 1962).

Para melhor entender o que vem a ser a desapropriação por interesse social, é de grande relevância trazer o conceito de Maria Sylvia Zanella Di Pietro sobre o tema,

Ocorre interesse social quando o Estado esteja diante dos chamados interesses sociais, isto é, daqueles diretamente atinentes às camadas mais pobres da população e à massa do povo em geral, concernentes à melhoria nas condições de vida, à mais equitativa distribuição da riqueza, à atenuação das desigualdades em sociedade (DI PIETRO, 2006, p. 180).

Diogenes Gasparini, por sua vez, diz que “de interesse social é a desapropriação em que o Estado, para impor melhor aproveitamento de terra rural ou para prestigiar certas camadas sociais, adquire a propriedade de alguém e a trespassa a terceiro” (GASPARINI, 2012, p. 915).

Celso Antonio Bandeira de Mello cita as hipóteses da desapropriação por interesse social e diz que:

São as hipóteses de desapropriação por interesse social, consoante dispõe o art. 2º da Lei 4.132, entre outras: o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve servir ou possa suprir por seu destino econômico; o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola, a construção de casas populares, a proteção do solo e a proteção de cursos e mananciais de água e de reservas florestais (MELLO, 2014, p. 892).

Entre os mais renomados autores e doutrinadores, não há dúvida de que as hipóteses que a referida lei traz em seu artigo 2º são taxativas, isto é, somente nestes casos podem ser expropriados bens particulares, não cabendo ser aplicada lei estadual e municipal, sob pena de nulidade absoluta do procedimento expropriatório (GASPARINI, 2012).

Por fim, é de extrema importância ressaltar que os bens afetados pela desapropriação por interesse social não são destinados à administração pública, e sim, à coletividade (MAZZA, 2014).

4. A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

No capítulo a seguir, será abordada a inconstitucionalidade da desapropriação indireta. Para uma melhor compreensão deste estudo, será tratado, em primeiro lugar, o que vem a ser esta desapropriação e, em seguida, os conceitos de vários estudiosos a respeito deste instituto, bem como suas violações à regra geral da desapropriação.

Conforme visto em capítulos anteriores e tendo como base inúmeros ensinamentos de doutrinadores do direito administrativo, pode-se dizer que a desapropriação quando feita em conformidade com o que estabelece o ordenamento jurídico através da Constituição Federal de 1988, leis e decretos, possui procedimento próprio, dotado de requisitos essenciais que são capazes de fazer com que o particular expropriado seja indenizado pela perda de sua propriedade de forma justa e antecipada à imissão de posse pelo Estado.

 A inconstitucionalidade da desapropriação indireta está ligada diretamente ao procedimento que a norteia, tudo porque vai contra o que estabelece o procedimento geral e lícito do ato da desapropriação. Nestes termos, não há como considerar que tal instituto goza de licitude, pois o Estado, de forma equivocada, retira o bem do proprietário e o transfere para seu patrimônio definitivamente, não observando requisitos e pressupostos constitucionais estabelecidos na legislação, tais como a prévia e justa indenização em dinheiro.

Outra significativa consideração pertinente a fazer quanto à desapropriação indireta, também conhecida como apossamento administrativo, diz respeito à sua ação judicial.  Aqui, mais uma vez existe um grande equívoco e vai contra o que estabelece o ordenamento jurídico a respeito do tema, isto é, a ação judicial para promover a desapropriação deverá ser anterior à transferência do bem para o domínio público, o que não ocorre no apossamento administrativo ou na desapropriação indireta. Em síntese, o particular se sentindo prejudicado pelo esbulho possessório praticado pelo Estado contra sua propriedade, que o faz de forma “sorrateira”, deverá promover a ação judicial contra este, ação que terá somente um caráter indenizatório, e, assim, impossibilitando o retorno do bem ao seu patrimônio.

Sabe-se, porém, que sempre deverá ser levada em consideração a supremacia do interesse público que o Estado exerce em relação ao interesse privado, contudo, o particular jamais poderá ou poderia ser prejudicado de tal forma a reduzir seu patrimônio, ainda que possa ingressar com ação indenizatória, conforme descrito no parágrafo anterior. 

É pertinente levar em consideração o caráter sorrateiro que tal procedimento possui, pois este poderá, inclusive, mascarar determinadas negligências ou má gestão por parte de gestores que estão à frente da máquina pública. Este instituto poderá ser usado, por exemplo, na falta de orçamento para determinadas obras, em que o gestor sabendo da carência orçamentária, poderá fazer o uso de tal ferramenta administrativa e, assim, prejudicar determinado proprietário de imóvel.

Portanto, como a desapropriação em geral é revestida de licitude, este instituto, conhecido como desapropriação indireta, não poderia figurar entre as espécies de desapropriação devido ao seu caráter ilícito ou inconstitucional.

4.1 Desapropriação indireta ou apossamento administrativo

A desapropriação indireta consiste num instituto de desapropriação diverso do que o ordenamento jurídico traz como o correto, sendo que sua natureza jurídica é de cunho administrativo. Dessa forma, a partir de agora será tratado o que vem a ser esse instituto, ou ainda, esse mero instrumento processual, conforme descreve Kiyoshi Harada.

Desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de determinado bem particular, transferindo-o para seu patrimônio sem observar quaisquer requisitos ou procedimento expropriatório, ou seja, sem a observância da prévia e justa indenização, como prevê a Constituição Federal de 1988, sendo considerado um esbulho possessório por diversos doutrinadores do direito administrativo (CARVALHO FILHO, 2010).

Nesta linha, Antonio Bandeira de Mello trata a desapropriação indireta da seguinte forma:

Desapropriação indireta é a designação dada ao abusivo e irregular apossamento do imóvel particular pelo Poder Público, com sua consequente integração no patrimônio público, sem obediência às formalidades e cautelas do procedimento expropriatório (MELLO, 2014, p. 908).

Este apossamento feito pelo Estado diante da propriedade particular normalmente é efetuado por gestores que buscam viabilizar uma má gestão frente à administração pública, como bem descreve Harada:

Normalmente o apossamento administrativo é levado a efeito pelos administradores menos escrupulosos como forma de viabilizar implantação de melhoramento público, sem a correspondente dotação orçamentária e sem os recursos financeiros necessários, com grave infração dos princípios orçamentários (HARADA, 2007 p. 210).

É importante destacar que uma vez que este bem for incorporado ao domínio do poder público, não caberá por parte do expropriado qualquer tipo de ação possessória ou reivindicatória, restando a este tão somente a ação indenizatória, que será fundamentada na violação do princípio da prévia e justa indenização em dinheiro, conforme dispõe o artigo 5º, XXIV, CF e que terá o prazo de dez anos para a sua propositura. Ainda segundo a jurisprudência, o foro para decidir casos de desapropriação indireta, trata-se do foro da situação do bem, assunto que será debatido no decorrer do capítulo em estudo (MAZZA, 2014).

Este entendimento está disposto através do artigo 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41, o qual diz que “os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundamentada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 944).

As desapropriações indiretas são cada vez mais comuns nos dias atuais, tudo porque o Estado, utilizando sua soberania, utiliza-as para determinadas obras de infraestrutura, tais como alargamento de ruas, criação de novas vias públicas e assim, consequentemente, acaba ocupando de forma ilegal, sem o devido processo legal, determinada área particular (HARADA, 2007).

Em alguns casos, para o melhoramento de avenidas ou até mesmo ruas, os proprietários concordam em doar parte de seu terreno para que ocorra tal procedimento, tendo em vista a valorização que terá seu patrimônio após estas obras. No entanto, mesmo sendo de forma consensual, ou até mesmo contratual, segundo o STF, estas hipóteses são passíveis de indenização do Estado para com o doador ou expropriado, considerando que é possível o arrependimento ou a revogação da promessa (HARADA, 2007).

4.2 Conceito da desapropriação indireta

Vários são os conceitos trazidos por diversos doutrinadores do direito administrativo a respeito da desapropriação indireta. Dada a importância de cada um destes e para garantir o fácil entendimento a respeito do presente trabalho, destacam-se, aqui, alguns destes conceitos.

Carvalho Filho trata a desapropriação como sendo um fato administrativo e diz que a “desapropriação indireta é o fato administrativo pelo qual o Estado se apropria e bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 943).

Harada conceitua a desapropriação indireta como um mero instrumento processual, e segundo ele:

A chamada desapropriação indireta não chega a ser um instituto de direito por ser um mero instrumento processual para forçar o Poder Público a indenizar o ato ilícito, representado pelo desapossamento da propriedade particular sem o devido processo legal (HARADA, 2007, p. 209).

Odete Medauar, por sua vez, explicita que a desapropriação indireta, também conhecida como apossamento administrativo, ocorre quando:

 [...] o poder público se apossa de um bem ou parte de um bem, sem consentimento do proprietário ou sem o devido processo legal, que é a desapropriação. daí o nome desapropriação indireta. Reflete-se em ação ajuizada, ação ordinária de indenização por apossamento administrativo ou por desapropriação indireta. Nesta ação invertem-se as posições dos sujeitos da ação expropriatória: o autor da ação é o proprietário; o réu é o poder público (ODETE MEDAUAR, 2011, p. 385).

Di Pietro compara a desapropriação indireta com o esbulho possessório e aponta a falta do devido processo legal em seu procedimento. Segundo ela, a “desapropriação indireta é a que se processa sem a observância do devido processo legal; costuma a ser equiparada ao esbulho possessório e, por isso mesmo, pode ser obstada por meio de ação possessória”. Esta afirmação permite uma breve ressalva no que diz respeito à desapropriação indireta ser atacada por ação possessória, tudo porque, somente poderá ser promovida ação possessória se aquele bem desapropriado não tenha, ainda, sido incorporado aos bens do Poder Público (DI PIETRO, 2006, p. 194).

Para Celso Ribeiro Bastos, a desapropriação indireta “é o apossamento irregular do bem imóvel particular pelo Poder Público, uma vez que não obedeceu ao procedimento previsto pela Lei”. Bastos destaca também a ação possessória como meio de impedir o esbulho, contudo, que seja feita antes do Poder Público dar destino ao bem expropriado (BASTOS, 2002, p. 349).

Mello trata a desapropriação indireta como sendo um apossamento abusivo e irregular por parte o Estado:

Desapropriação indireta é a designação dada ao abusivo e irregular apossamento do imóvel particular pelo Poder Público, com sua consequente integração no patrimônio público, sem obediência às formalidades e cautelas do procedimento expropriatório (MELLO, 2014, p. 908).

Não é difícil destacar as peculiaridades que cercam estes conceitos. Em resumo, todos eles destacam a falta de observação da desapropriação indireta no que diz respeito ao devido processo legal, isto é, à falta da prévia e justa indenização em dinheiro que a desapropriação possui, ao caráter abusivo com que o Poder Público pratica este esbulho possessório, restringindo o direito de propriedade do proprietário e, consequentemente, usurpando-lhe um direito constitucional.

4.3 Violação do devido processo legal

O princípio do devido processo legal é considerado um dos prevalecentes princípios constitucionais, o qual assegura a todos os cidadãos o direito a um processo com todas as etapas e garantias constitucionais possíveis. Esta regra estabelece que qualquer indivíduo que possua determinada demanda contra si, exerça seu direito ao devido processo legal. Sua violação poderá tornar o processo nulo.

Tal princípio se encontra na Constituição Federal, através do artigo 5º, LIV, que estabelece que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

Em regra, o procedimento expropriatório é um procedimento administrativo pelo qual o Poder Público transfere determinado bem particular para seu patrimônio (GASPARINI, 2012).

Este procedimento tanto poderá ser amigável bem como judicial, tudo porque em caso de não haver acordo entre as partes, o expropriante terá de se valer de uma ação de judicial de expropriação (GASPARINI, 2012).

Diogenes Gasparini comenta que existem duas fases para o procedimento de desapropriação:

Duas são as fases do procedimento expropriatório. A primeira é a declaratória; e segunda é a executória. Aquela consubstancia-se na declaração de necessidade ou utilidade pública ou do interesse social, e esta, a executória, caracteriza-se pelo conjunto das medidas administrativas (convocação do expropriado, oferecimento da indenização, lavratura da escritura amigável de desapropriação) ou judiciais (ingresso em juízo com a competente ação expropriatória) que visam concretizar a vontade do Poder expropriante, manifestada na fase declaratória (GASPARINI, 2012, p. 940).

Uma das fases deste procedimento, a chamada fase declaratória, é tratada por Gasparini como ato administrativo discricionário. Assim, segue o conceito trazido por ele:

A declaração de necessidade ou utilidade pública ou interesse social é ato administrativo discricionário (RDA, 111:269) através do qual o Poder Público ou quem lhe faça as vezes manifesta sua intenção de adquirir, compulsoriamente, certo bem e o submete ao regime expropriatório. Via de regra é veiculado por decreto, consoante está disposto no art. 6º da Lei Geral das Desapropriações. Este ato, por si só, não opera a transferência de domínio (RT, 18:93) nem priva o proprietário do imóvel dos seus direitos dominiais (RT, 18:93) (GASPARINI, 2012, p. 941).

É significante destacar, ainda, o disposto do artigo 2º do Decreto Lei 3.365/41, o qual estabelece que mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios. Contudo, cabe ressaltar que o artigo 8º desta mesma lei autoriza que o Poder legislativo também possa tomar a iniciativa da desapropriação, mas com uma ressalva: que o Poder Executivo pratique os atos necessários para sua completa efetivação (GASPARINI, 2012).

Assim, caso o Poder Legislativo, em conformidade com o que estabelece a Lei Geral de Desapropriações através do seu artigo 8º, proponha a declaração expropriatória, o Poder Executivo possui autoridade suficiente para finalizar o ato ou não, ou seja, o Executivo promoverá o procedimento expropriatório se achar conveniente e oportuna tal medida, sendo que contra esta decisão não caberá quaisquer ressalvas por parte do Legislativo (GASPARINI, 2012).

Em concordância com Gasparini, qualquer bem poderá ser objeto da declaração aqui estudada, desde que seja para atender às necessidades da coletividade, ou ainda, que seja útil ao Poder Público. Porém, há de serem levados em consideração os requisitos para esta declaração, isto é, que esta contenha a manifestação de vontade do Poder Público de submeter certo bem ao regime da expropriação, fundamento legal, destinação específica do bem e identificação do bem que sofrerá o procedimento (GASPARINI, 2012).

Feita esta declaração e respeitando os requisitos citados anteriormente, esta é dotada de efeitos os quais são perfeitamente listados por Gasparini:

Da declaração expropriatória surtem os seguintes efeitos: a) submissão do bem ao regime de desapropriação; b) identificação do estado do bem, no que respeita às suas condições, melhoramentos, e benfeitorias; c) concessão ao Poder expropriante do direito de penetrar, sem abusos, no interior do bem para verificações e mediações; d) marcação do início do prazo de caducidade da declaração; e) determinação do início dos prazos de prescrição e decadência das medidas e ações visando a impugnação da declaração (GASPARINI, 2012, p. 943).

Ressalta-se, aqui, um dos efeitos desse procedimento: a caducidade da declaração.

Todo ato de declaração de expropriação possui um lapso temporal, um prazo para sua caducidade. Este prazo se encontra disposto através do artigo 10 da Lei Geral de Desapropriação, que salienta ter a validade da declaração expropriatória pelo tempo de cinco anos, contados da data de expedição do respectivo decreto. No entanto, enfatiza-se que tal dispositivo é evidente ao estabelecer em seu parágrafo único que este mesmo bem poderá ser novamente objeto de nova declaração (DI PIETRO, 2006).

Não obstante, como o Decreto-lei acima referido diz respeito aos casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública e, por consequência, o prazo de caducidade para tais intervenções, nos casos da desapropriação por interesse social, regida pela Lei de nº 4.132 de 1962, o prazo para sua caducidade é menor, chegando a dois anos, conforme estabelece o artigo 3º desta lei (DI PIETRO, 2006).

Esta declaração, mesmo feita dentro do prazo, não retira do particular o direto de usar, gozar e dispor da coisa, conforme estabelece a Constituição Federal, assim, o Estado não poderá negar a este proprietário, por exemplo, alvará para construção em sua área. Em contrapartida, no que tange à indenização, está obra não entrará junto nos valores a serem pagos ao particular (GASPARINI, 2012).

A outra fase da desapropriação mencionada por Gasparini é a executória, que tem o condão de promover e de executar o ato desapropriatório. Esta fase poderá ser tanto administrativa como judicial.

Pode-se dizer que desapropriação administrativa acontece quando o expropriante e o expropriado entram em comum acordo quanto aos valores a serem pagos pelo objeto do ato.

Assim, Di Pietro afirma que:

A fase executória será administrativa quando houver acordo entre expropriante e expropriado a respeito da indenização, hipótese em que se observarão as formalidades estabelecidas para a compra e venda, exigindo-se, em caso de bem imóvel, escritura transcrita no Registro de Imóveis (DI PIETRO, 2006, p. 177).

Todavia, esta modalidade representa um baixo número de desapropriações, pois na maioria das vezes não há consenso entre o Poder Público e o particular sobre a indenização oferecida. Nestes casos, o procedimento é feito através de ação judicial.

Nesta ação judicial deverão ser contestadas pelo particular, apenas questões relacionadas ao valor indenizatório ou a algum vício do processo judicial, como propõe o artigo 20 da Lei (DI PIETRO, 2006).

Assim, quanto ao procedimento correto, lícito e transparente acerca da desapropriação, não restam dúvidas de que este ato, quando não for precedido de declaração anterior à imissão de posse pelo Poder Público e executado administrativamente ou judicialmente, afronta um ou o fundamental princípio que norteia as demandas judiciais, que se trata do princípio do devido processo legal.

4.4 Violação do Princípio da Prévia e Justa Indenização

Como visto, a propriedade é um direito constitucional de todo cidadão, contudo, este direito nada mais é que um direito relativo, pois esta propriedade deverá atender à sua função social. Desse modo, por meio da desapropriação, o particular se vê obrigado a entregar determinado bem mediante uma contraprestação por parte do Estado que, segundo a Constituição Federal, deve fazê-la de forma prévia, como disciplina o artigo 5º, XXIV, “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvadas, os casos previstos nesta constituição”.

Seguindo essa linha, Celso Antonio Bandeira de Mello diz que existem somente dois tipos de desapropriação e os cita:

Há, pois dois tipos de desapropriação no Direito brasileiro. Um deles a indenização é prévia, justa e em dinheiro, conforme tradição de nosso Direito. Está previsto no artigo 5º, XXIV, da Constituição como sendo o regime indenizatório corrente normal. O outro é o que se efetua através de pagamento em títulos de especiais da dívida pública resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas (MELLO, 2014, p. 884).

Esta contraprestação corresponde a uma indenização do expropriante para com o expropriado que, por uma questão óbvia, perdeu sua propriedade em virtude do processo desapropriatório. Contudo, esta indenização possui um lapso temporal para que seja efetuada.

A Constituição Federal de 1988 diz que o momento para o pagamento dessa indenização é imediatamente anterior ao do ingresso na posse do objeto da desapropriação pelo Poder Público. Esta posse, mesmo sendo definitiva ou provisória, incumbe à Administração Pública o pagamento de justa e prévia indenização, sob pena de nulidade (BRUNO, 2005).

Nota-se que na desapropriação indireta, essa indenização prévia que é tratada na própria Constituição Federal simplesmente desaparece, é usurpada em virtude do grande ato ilícito no qual tal processo encontra respaldo.

Por esse ângulo, HARADA comenta que:

A chamada desapropriação indireta não chega a ser um instituto de direito por ser um mero instrumento processual para forçar o Poder Público a indenizar o ato ilícito, representado pelo desapossamento da propriedade particular sem o devido processo legal, que é a desapropriação (HARADA, 2007, p. 209).

Assim, este instrumento processual, como é definido por Harada, não obedece a um dos principais princípios que regem o processo de desapropriação, princípio este que vem para, de certa forma, proteger o particular contra determinados abusos praticados pelo Estado, ou seja, a desapropriação indireta viola uma garantia constitucional que se trata da prévia e justa indenização ao expropriado.

4.5 Violação Lei Complementar 101/2000

O estudo da Lei Complementar 101 de 2000 não costuma fazer parte da literatura do Direito Administrativo, como bem salienta Alexandre Mazza, esta lei fica mais na esfera do Direito Financeiro.

Porém, com o passar do tempo, a criação da referida lei se tornou indispensável diante da má gestão praticada por gestores frente à máquina púbica. Esta má gestão diz respeito tanto a gastos exagerados bem como o endividamento público desenfreado por parte desses administradores e o não planejamento adequado de despesas (MAZZA, 2014).

O artigo 1º da Lei de Responsabilidade Fiscal é direto quanto aos seus objetivos ao dispor que “esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal” (LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 4 DE MAIO DE 2000).

Assim, o referido artigo em seu parágrafo primeiro trata de estabelecer que “a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente”. Nesse sentido, cabe dizer que quando o Poder Público age sem respeitar pressupostos ou requisitos essenciais de determinado procedimento, está agindo sem planejar e sem a mínima transparência exigida, como é o caso da desapropriação indireta.

No que tange essa desapropriação, que se trata do principal objetivo do presente trabalho, o artigo 46 da Lei Complementar de 2000 estabelece que “é nulo de pleno direito ato de desapropriação de imóvel urbano expedido sem o atendimento do disposto no § 3o do art. 182 da Constituição, ou prévio depósito judicial do valor da indenização” (LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 4 DE MAIO DE 2000).

Nesse ponto de vista, (MAZZA, 2014, p. 650), explicita que “a desapropriação indireta, infelizmente ainda comum em nosso país, é uma espécie de desapropriação de fato, estando proibida, entre outros dispositivos, pelo art. 46 da Lei Complementar n. 101/2000”.

Vale lembrar que tal dispositivo constitucional diz que “as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização”. Por hora, cabe ressaltar que se deve ter cuidado quanto a este instrumento ilícito que se refere à desapropriação indireta, tudo porque, maus gestores, muitas vezes, fazem o uso deste instrumento para mascarar más gestões, isto é, com o comprometimento total de suas receitas, acabam por “invadir” propriedades privadas sem respeitar o procedimento previsto na Constituição Federal.

4.6 Ação promovida pelo particular na desapropriação indireta

Em conformidade com capítulos anteriores, os objetos da desapropriação direta ou indireta, uma vez que foram incorporados ao patrimônio público, não podem ser reivindicados pelo antigo proprietário, perspicácia do artigo 35 do Decreto-Lei ao mencionar que “os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perda e danos”. Diante dessa situação, o proprietário, mesmo inconformado com a perda de sua propriedade, terá de se contentar apenas com uma indenização por perdas e danos (CARVALHO FILHO, 2010).

Esta pretensão indenizatória deverá ser proposta com base no fundamento “na violação do princípio da prévia e justa indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV, da CF) e na perda da propriedade (art. 35 do DL 3.365/41)”, (MAZZA, 2014, p. 650).

Quando se fala em desapropriação, pode-se dizer que uma das regras quanto ao processo judicial, é que o Poder Público proponha ação de desapropriação em face do particular. Contudo, na chamada desapropriação indireta, esta regra é sucumbida, aqui os polos da ação de invertem, isto é, o Poder Público que naquela atuava no polo ativo da ação, nesta, atuará no polo passivo da ação, ficando o autor com a legitimidade ativa da demanda (HARADA, 2007).

Logo, quando se fala em ajuizamento da ação, vários eram os entendimentos acerca do foro para propositura da referida ação. No entanto, por se tratar de ação de natureza real, o entendimento geral dos tribunais estabelece que a ação indenizatória por desapropriação indireta seja ajuizada no foro onde se encontra o imóvel (MAZZA, 2012).

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul na data de 26 de agosto de 2010, proferiu acórdão que anulou processo nº 70033255407, relatado pelo Excelentíssimo Sr. Nelson Antônio Monteiro Pacheco, o qual alegou que o juízo onde fora ajuizada a presente ação era absolutamente incompetente para solver o litígio:

DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. CONSTRUÇÃO DA RODOVIA RS-377, TRECHO CONTORNO DE QUARAÍ. COMPETÊNCIA DO FORO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL. ART. 11 DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. PROCESSO ANULADO DE OFÍCIO.

1. Não obstante ao nomen juris atribuído à ação pela parte autora, se está diante de ação indenizatória por desapropriação indireta. O apossamento administrativo está claro e indubitavelmente comprovado, bem assim como o não pagamento da indenização extrajudicialmente ofertada. Trata-se de ação tida por boa parte da doutrina e toda a jurisprudência atualizada como de natureza real.

2. Compete ao Juiz de Direito da comarca onde está situado o imóvel objeto da ação de desapropriação indireta. Inteligência do art. 11 do DL nº 3.365/41.

3. Na espécie, o imóvel atingido pela rodovia RS-377 situa-se em Quaraí, município sede de comarca. Entretanto, a demanda foi proposta junto à comarca de Santa Maria, juízo absolutamente incompetente para solver o litígio instaurado.

4. Anulação do processo que se impõe, diante do óbice instransponível. PROCESSO ANULADO DE OFÍCIO. PREJUDICADA A APELAÇÃO.

Assim, “Segundo a jurisprudência consolidada, o juízo competente para decidir a desapropriação indireta é o do foro da situação do bem” (MAZZA, 2014, p. 650).

Esta ação possui, como várias outras, uma prescrição no que diz respeito à sua propositura. Assim, o STJ no ano de 1994, editou a súmula 119 que estabelecia que “A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos” em que esta tinha como parâmetro o antigo Código Civil de 1916. Porém, com o advento do novo Código Civil de 2002, o entendimento do STJ vem no sentido de que, como o Código de 2002 reduziu o prazo para usucapião extraordinário, este prazo deve, então, ser estabelecido como regra para determinar a prescrição da ação de indenização por desapropriação indireta. Em síntese, o prazo prescricional para propositura da ação de indenização é de dez anos (CARVALHO FILHO, 1010).

Este dispositivo do Código Civil de 2002, que ficou sendo a base para determinar o lapso temporal para a pretensão indenizatória, está no artigo 1.238, parágrafo único, que determina que “o prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”.

Assim entendendo, o Superior Tribunal de Justiça, na data de 25 de agosto de 2015, preferiu acórdão no agravo regimental nº 424803, relatado pelo Excelentíssimo Ministro Herman Benjamin, o qual determinou que o prazo prescricional para as ações de caráter indenizatório seja de dez anos, com base no artigo 1.238, parágrafo único.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRESCRIÇÃO. DIREITO REAL. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. SÚMULA 119⁄STJ. CÓDIGO CIVIL DE 2002. ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO. PRESCRIÇÃO DECENAL. REDUÇÃO DO PRAZO. REGRA DE TRANSIÇÃO. LEI 11.960⁄2009. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211⁄STJ.

1. Com fundamento no art. 550 do Código Civil de 1916, o STJ firmou a orientação de que "a ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos" (Súmula 119⁄STJ).

2. O Código Civil de 2002 reduziu o prazo do usucapião extraordinário para 10(dez) anos (art. 1.238, parágrafo único), devendo-se, a partir de então, observadas as regras de transição previstas no Codex (art. 2.028), adotá-lo nas expropriatórias indiretas. Precedentes: REsp 1.300.442⁄SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,  DJe 26⁄6⁄2013; REsp 944.351⁄PI, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 15⁄4⁄2013.

3. Especificamente no caso dos autos, considerando que o prazo prescricional foi interrompido em setembro de 1996, com a publicação do Decreto expropriatório, e que não decorreu mais da metade do prazo vintenário previsto no Código revogado, consoante a disposição do art. 2.028 do CC⁄2002, incide o prazo decenal a partir da entrada em vigor do novel Código Civil (11.1.2003). Assim, tendo em vista que a ação foi proposta em 8.8.2007, antes do transcurso de 10(dez) anos da vigência do novel Código Civil, não se configurou a prescrição.

4. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão inapreciada pelo Tribunal de origem (art. 5º da Lei 11.960⁄2009), a despeito da oposição de Embargos Declaratórios. Incidência da Súmula 211⁄STJ.

5. Agravo Regimental não provido.

Em concordância com o que os tribunais entendem a respeito da prescrição do prazo para a propositura da ação, Alexandre Mazza comenta que:

Recentemente firmou se o entendimento de que o prazo para propositura da ação de indenização por desapropriação indireta, após a entrada em vigor do Novo Código Civil, é de dez anos (STJ: Resp 1300442, com base no art. 1.238 do Código Civil, entendendo não ser mais aplicável a Súmula 119 do próprio Tribunal) (MAZZA, 2014, p. 650).

4.7 Indenização ao proprietário expropriado

Quanto ao valor a ser pago a título de indenização ao proprietário que sofreu o esbulho possessório, este, nada mais é que um valor estipulado de forma relativa, como destaca Carvalho Filho (CARVALHO FILHO, 2010, p. 947), “é impossível calcular o valor exato da indenização”.

Assim, em observância ao princípio do julgamento ultra petita, o juiz não poderá dar ao autor da ação valor superior ao que foi demandado na inicial. Contudo, em se tratando de indenização por desapropriação indireta, este princípio não incidirá, tudo porque esta pretensão indenizatória será conferida ao autor mediante perícia, que por óbvio, terá início após a propositura da ação (CARVALHO FILHO, 2010).

O valor da pretensão indenizatória pedido pelo expropriado deverá atender a todos os requisitos do artigo 27 do Decreto-Lei 3.365 de 19941, o qual dispõe que:

O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu (DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941).

Ainda acerca da indenização, incidem sobre o valor a ser pago ao expropriado, juros compensatórios e moratórios. Os juros compensatórios são os mesmos que já foram citados no parágrafo anterior, os quais possuem sua base legal no artigo 15-A e 15-B do Decreto:

A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos (DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941).

Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1o de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição (DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941).

Em contrapartida, Carvalho Filho diz que “em nosso entendimento, é aplicável também aqui o enunciado contido na Súmula 102 do STJ, em ordem a considerar que os juros moratórios devem incidir sobre o valor da indenização pela perda da propriedade somada ao valor dos juros compensatórios” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 952).

Pode-se dizer, então, que tanto os juros compensatórios quanto os moratórios estão presentes nas desapropriações diretas e indiretas, mas, com uma breve ressalva. Na desapropriação direta, estes juros possuem sua base de cálculo entre o valor ofertado e o valor da indenização, sendo que na desapropriação indireta, o valor do cálculo tem como base o valor da indenização fixado na sentença. Esta diferença, ao que parece, é de fácil entendimento, tudo porque na desapropriação indireta, como já citada, não houve a oferta do Poder Público para com o particular (CARVALHO FILHO, 2010).

Em relação ao termo inicial para a contagem de juros, este é iniciado no exato momento em que o proprietário perde sua propriedade. Nesta linha, Carvalho diz que:

O termo inicial da contagem dos juros compensatórios deve consumar-se no momento da efetiva ocupação do imóvel pelo expropriante, pois que nesse momento o bem foi efetivamente transferido. Sendo assim, esse deve ser o termo a quo que se deve considerar para iniciar a contagem: na verdade, foi nesse momento que teve início a parda do ex-proprietário, suscetível de ser compensada pela referida parcela (CARVALHO FILHO, 2010, p. 954).

Para findar, no que diz respeito às despesas processuais, o artigo 19 do Código de Processo Civil determina que cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, porém, caberá ao autor o adiantamento de despesas oriundas de atos a serem praticados, seja por ordem judicial, por determinação de ofício ou, ainda, pelo Ministério Público. Assim, como a ação de indenização aqui estudada é proposta pelo particular prejudicado, a este será aplicada a norma processual (CARVALHO FILHO, 2010).

CONCLUSÃO

Com o ritmo alucinante com que as pessoas enfrentam suas tarefas diárias, torna-se compreensível que estas tratem suas vidas num modo quase que totalmente individualista. No entanto, na maioria das vezes, assuntos que praticamente não são abordados, não são questionados, e que, ao contrário do pensamento quase que geral, pertencem mais à esfera coletiva que individual.

Um desses assuntos diz respeito, por exemplo, ao patrimônio destas pessoas, pois, de fato, existe um consenso entre a grande maioria quando se fala que determinada propriedade é daquele ou deste proprietário. De certa forma, esta colocação possui enorme veracidade, porém, tem de se ressaltar que a propriedade de determinado proprietário nem sempre possui um caráter absoluto, assim, também é verídica a afirmação de que a propriedade, na maioria das vezes, está muito mais na seara da coletividade do que propriamente na individual.

Ao longo dos anos, uma das principais preocupações do legislador brasileiro foi a de assegurar às pessoas a garantia à propriedade. No entanto, esta propriedade garantida através da Constituição Federal deve atender a requisitos que retiram da propriedade o caráter absoluto e o transforma em relativo, tudo porque, deverá a propriedade atender aos interesses coletivos, de modo que se isso não acontecer, esta poderá ser objeto de intervenções.

Assim, dentre os diversos meios de intervenções, o que mais chamou atenção ao longo do presente trabalho foi a desapropriação, mais especificamente a desapropriação indireta.

Para que a desapropriação não representasse uma afronta ao direito de propriedade, foi criado, como visto no decorrer deste estudo, um procedimento legal para este meio de intervenção através do Decreto-Lei 3.365/41, que apesar de ser anterior à Constituição Federal de 1998, foi por ela recepcionado.

Esse procedimento determina que a perda da propriedade se preceda de prévia e justa indenização permitindo, assim, ao Poder Público, calcado na supremacia do interesse público sobre o privado mediante processo expropriatório, retirar do particular determinado bem e, assim, transferi-lo para o seu patrimônio para o uso da coletividade.

Contudo, no presente trabalho realizado, foi dada maior ênfase à desapropriação indireta, uma vez que esta retira do proprietário determinado bem sem respeitar aquele procedimento, e assim, conforme determina o artigo 35 do decreto referido, o qual diz que “os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundamentada em nulidade do processo de desapropriação”, restando ao proprietário prejudicado apenas ação indenizatória.

Dessa maneira, esta monografia se ocupou em apresentar, no primeiro capítulo do desenvolvimento, o que vem a ser a propriedade no mundo jurídico, sua evolução histórica com o passar dos anos e, consequentemente, os princípios de diversos doutrinadores acerca do tema, bem como a função social que esta propriedade possui.

Ainda, neste estudo, após contemplar brevemente diferentes momentos históricos da propriedade e variados conceitos do tema em discussão, foi visto que a propriedade é revestida de garantia constitucional, que se encontra através do artigo 5º, XXII, assim como a intervenção que este bem poderá vir a sofrer e os fundamentos gerais que autorizam o Estado a promovê-la.

Em seguida, no segundo capítulo, abordou-se uma destas intervenções, a desapropriação - que acontece quando o Estado, utilizando-se de sua soberania, retira do proprietário determinado bem mediante prévia e justa indenização, conforme estabelece a Lei Geral da Desapropriação, e o transfere para seu patrimônio - os conceitos deste instituto, os requisitos que ensejam tal intervenção, algumas outras espécies de desapropriação e os fundamentos que a normatizam que se referem à Necessidade ou à Utilidade Pública e o interesse social.

Na sequência, mais precisamente no terceiro capítulo, foi abordada a (in) constitucionalidade da desapropriação indireta, como vista pela maioria dos doutrinadores como o esbulho possessório, é aquela em que o Estado invade determinada área sem respeitar qualquer processo expropriatório, restando ao proprietário prejudicado apenas ação por perdas e danos.

Ainda, no terceiro e último capítulo, foram vistos diversos conceitos de estudiosos a respeito da matéria e, em seguida, os vários princípios constitucionais que são violados quando praticado este procedimento pelo Poder Público, dentre eles a violação do devido processo legal, a violação do Princípio da Prévia e Justa Indenização e a violação à Lei Complementar de 2000 e, finalizando este último capítulo, a ação que será exercida pelo expropriado e, consequentemente, sua indenização pelo esbulho sofrido.

Diante da análise do problema proposto para este estudo - a desapropriação deve ser realizada mediante prévia e justa indenização. Sendo assim, a desapropriação indireta é inconstitucional? - pode-se concluir que a hipótese inicial levantada para tal questionamento (prática imoral e amplamente vedada pela legislação brasileira, a Desapropriação Indireta é o esbulho possessório praticado pelo Estado quando invade área privada sem contraditório ou pagamento de indenização) é verdadeira.

Contudo, finalizando o presente trabalho, chegou-se à conclusão de que mesmo este ato sendo ilícito, conforme citado por diversos relatores nas suas decisões, mesmo indo contra o procedimento correto que se trata da prévia e justa indenização, é evidenciado através de jurisprudências da mais variadas instâncias que a Desapropriação Indireta é CONSTITUCIONAL, pois conforme decisões proferidas pelo STF, esta não chega a ser um conceito doutrinário, e sim, uma realidade processual, respaldada pela jurisprudência.

Nestas decisões, há também o consenso entre os magistrados que o próprio Decreto-Lei 3.365/41 - o qual é anterior à Constituição de 1988, e que por esta fora recepcionado - é claro ao estabelecer a desapropriação indireta como meio de intervenção na propriedade. Sendo assim, conforme pesquisa em diversas instâncias, ficou evidente nestas decisões que este meio de intervenção é autorizado em todas as jurisprudências pesquisadas, ficando notório que o proprietário por ela afetado deverá se contentar com a indenização por perdas e danos.

Sobre o autor
Paulo Leandro da Rosa

Tenho 32 anos, atualmente trabalho como gerente de vendas em uma concessionária Fiat e sou formando em direito pela faculdade Univates/Lajeado-RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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