O novo Código de Processo Civil passou a disciplinar esse instituto processual de modo expresso, estabelecendo algumas diretrizes das quais se deve partir para melhor entender a sistematização do que se buscou regrar, como venho ponderando para meus alunos nos cursos que ministro sobre o tema.
Vale apontar, desde o início, que os atos processuais são subespécies de atos jurídicos em geral, seguindo as diretrizes centrais da teoria geral do direito civil. Nessa medida, tem-se que o ato processual necessita do exercício de vontade expressa o que o diferencia do fato jurídico lato sensu.
Dentre os atos jurídicos, de se observar que existem atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos. No ato estrito exerce-se a vontade em aderir ao ato, mas não há liberdade quanto às consequências advindas do exercício de vontade (ex. escolho registrar ou não um filho, se optar por registrar não posso me opor às consequências legais decorrentes desta escolha, como pagar pensão alimentícia ou tê-lo como meu herdeiro necessário, nem mesmo escusar-me em relação a dever de exercício de guarda – e olhe-se que tem se tornado cada vez mais frequentes indenizações por danos morais fundadas na teoria do desamor).
No negócio jurídico há liberdade não só da escolha na prática do ato, como há liberdade para a escolha do regime jurídico a que o ato se encontrará adstrito. Uma confusão frequente é a de pressupor que todo negócio jurídico decorra de um acordo de vontades. Nem sempre isso ocorre, eis que existem negócios jurídicos unilaterais, como o testamento. No âmbito do novo CPC há negócios jurídicos unilaterais processuais – Ex. Renúncia a prazo (artigo 225), desistência de execução ou de medida executiva (artigo 775), renúncia ao direito recursal (artigo 998) etc.
Há negócios jurídicos plurilaterais, que envolvem as partes e o próprio Juiz – como por exemplo, o calendário processual (artigo 191) e o saneamento compartilhado (artigo 357, par. 3º).
Existem, também, negócios jurídicos processuais típicos – previstos de modo expresso no novo CPC – eleição de foro (artigo 63), escolha de mediador ou conciliador (artigo 168), suspensão do processo por convenção das partes (artigo 313, II), saneamento consensual (artigo 357, par. 2º) etc.
O artigo 190 do novo CPC, seguindo linha inaugurada pela Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem ainda em vigor), passou a aceitar, dentro de alguns limites de ordem pública, expressamente contidos no bojo do artigo, a ideia de negócios jurídicos processuais, ou seja, atos prévios ou contemporâneos ao processo que influam na forma do procedimento processual (funda-se em exemplos de direito estrangeiro como o case manegement e o contrat de procedure). O próprio CPC/73 já previa algumas possibilidades, como se observa pelo revogado artigo 333, par. único disciplinando negócios a respeito de ônus probatórios – regra muito pouco utilizada naquela época.
Aí existe margem para negócios processuais atípicos (não previstos de modo expresso ou tipificados pelo novo CPC).
Como existe a possibilidade de serem prévios ao litígio, aumentou-se muito a dimensão do instituto contrato que, antes, como regra geral estabelecia direitos de índole material (não obstante tênue possibilidade de alguns atos processuais já previstas pelo CPC/73 mas pouco utilizadas, como a distribuição de ônus probatórios), podendo agora, em ampla margem, estabelecer direitos, poderes, ônus e faculdades (aplica-se a teoria de Guiseppe Lumia sobre as posições jurídicas elementares) de índole processual.
Alguns autores (verbi gratia Fredie Didier) apontam um novo princípio processual a partir da novidade: Princípio do respeito ao Autorregramento da Vontade no Processo.
Aplica-se, ainda, o sistema de cláusulas gerais – conceitos vagos – ou seja, o legislador deixa modelos abertos a serem preenchidos pelo Juiz do processo, casuisticamente. Como se cuida de cláusula geral e não de conceito jurídico indeterminado (outra espécie de conceito vago) o Juiz não se encontra adstrito a nenhuma consequência jurídica previamente estabelecida – pode encontrar a melhor solução para cada caso concreto. Nesse sentido, Daniel Amorim – Manual de Direito Processual Civil – Volume Único – Ed. 2016, p. 319.
Parte-se de uma ideia de acordo com a qual, havendo capacidade plena (de direito e de fato), cuidando-se de direito que admita autocomposição (veja-se bem: a lei não fala em disponibilidade ou indisponibilidade do direito, mas fala em sua transigibildiade – ou seja, mesmo alguns direitos indisponíveis – exemplo locação para um ente público de espaço num shopping – se houver poder de transação pelos advogados públicos – o que ocorre em várias situações legais – há Portarias e Resolução da AGU nesse sentido Portaria AGU 109/07– ou gestores nos termos da Lei nº 13140/15 que deu nova redação aos artigos 1º e 2º da Lei nº 9.469/97 - haverá espaço para entabular tais ajustes).
Nos termos do Enunciado nº 135 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis tem-se, de modo expresso que a indisponibilidade do direito material, por si só, não impede o negócio jurídico processual.
As mudanças devem estar em sintonia com as peculiaridades da causa, sendo certo que, em regra, observar-se-á o pacta sunt servanda (observe-se, por exemplo, em relação a isso, o teor do Enunciado nº 133 – salvo nos casos expressamente previstos em lei os negócios jurídicos processuais não dependem de homologação judicial). Essa a regra geral. A exceção se faz através do controle judicial – nos termos do parágrafo único do artigo 190 novo CPC, nas seguintes hipóteses:
1 - Nulidades – Termo técnico específico que, no meu entender, não engloba a anulação. Afinal de contas, somente a nulidade é matéria de ordem pública passível de análise ex officio pelo Juiz – são inclusive imprescritíveis (as anulações não).
Para alguns autores no entanto, a anulação seria espécie do gênero nulidade, estando englobada nas possibilidades de análise e controle do Juiz no que tange aos negócios jurídicos processuais – nesse sentido, inclusive, o teor do Enunciado nº 132 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis – ou seja, ainda há polêmica a respeito.
A vingar a possibilidade de revisão em caso de nulidade no sentido estrito – somente nos casos do artigo 166 CC (agente absolutamente incapaz, objeto ilícito ou impossível, fraude à lei imperativa etc) e nos casos de simulação seria possível ao Juiz o controle dos termos do negócio jurídico contratual. Há que se tomar cuidado, também, com outras matérias de ordem pública – Ex. prescrição e decadência, matérias do artigo 2035, par. único CC (função social da propriedade e Justiça Contratual), controle da extensão das multas contratuais (inclusive em matéria de locação o Juiz pode aplicar reduções equitativas e de ofício – observe-se equitativas – não proporcionais, inclusive) e as matérias do artigo 51 CDC.
Se acaso se estender a discussão para o âmbito das causas de anulação, como sugerido no Enunciado nº 132 mencionado acima, a questão se torna mais delicada, eis que aí conceitos elásticos como dolo e lesão (e todas as situações do artigo 171 CC – existe aí uma grande janela, também, para se englobar a teoria dos atos próprios que atingem a validade das avenças pela ilicitude – artigo 187 CC – nas suas vertentes conhecidas – venire contra factum proprium, tu quoque, supressio e surrectio, duty to mitigate the loss e substancial performance) permitirão ao Juiz o controle dos negócios jurídicos processuais.
Vale lembrar que, nos termos dos Enunciados 06 e 16 do Fórum Permanente, tem-se que, em primeiro lugar, os negócios jurídicos processuais não podem se afastar dos deveres inerentes à boa-fé ou à cooperação (torna-se a insistir nas matérias invocadas no parágrafo anterior deste artigo), sendo certo, no entanto, que o controle dos requisitos de validade deve ser conjugado com a regra de acordo com a qual não haverá nulidade sem prejuízo.
Ainda se aponta uma tendência no sentido de que tais negócios não podem ser invalidados parcialmente (Enunciado nº 134), ou seja, ou se anulam como um todo ou não se anulam. A anulação de parte levaria à necessidade de adaptações procedimentais muitas das vezes não antevista pelas partes.
2 – Inserção abusiva em contrato de adesão OU em algum contrato em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Num primeiro momento, se fosse dado um caráter de contrato paritário escapar-se-ia do primeiro obstáculo, mas se correria o risco de cair no segundo obstáculo (vulnerabilidade) que pode ser aplicado tanto a contratos paritários como de adesão.
De todo modo, deve restar apurado, no contrato de adesão, que houve abuso, ou, nos contratos em geral que houve vulnerabilidade manifesta. Não basta simples situação de vulnerabilidade, ela deve ser manifesta, ou seja, muito grande.
No âmbito do CDC há uma vasta teoria das vulnerabilidades já desenvolvida – ou seja, se a parte contrária for considerada consumidor – há pelo menos quatro tipo de vulnerabilidades possíveis – técnica (aspectos técnicos da produção ou do desenvolvimento do serviço pelo fornecedor), jurídica (relacionada a conhecimentos jurídicos e contábeis – a das pessoas naturais é sempre presumida – a de pessoas jurídicas deve ser comprovada), econômica e a básica (chamada informacional) relacionada a peculiaridades das cláusulas do negócio.
Fora do âmbito das relações de consumo, tem-se desenvolvido uma teoria dos hipervulneráveis, pessoas que estariam em patente vulnerabilidade em quaisquer tipos de negócios jurídicos em que se envolvam desde que no outro polo também não se encontre um hipervulnerável (aí tem-se as pessoas em estado de miserabilidade, analfabetas ou de baixa escolaridade, idosos, deficientes – aí se englobam todos os tipos de deficiência – artigo 2º do Estatuto do Portador de Deficiências – Lei nº 13.146/15 - deficiência física, mental, intelectual e sensorial). Com isso, inclusive, cumprem-se prelados de operabilidade e concretude que permeiam o novo direito privado, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana – direito privado despatrimonializado e repersonificado – tal como preconizado como autores como Nelson Rosenvald e Christiano Chaves de Farias (Direito Civil – Teoria Geral – Ed. Lumen Juris).
Portanto, de se tomar cautela quando se aceitam em garantia bens de pessoa idosa (embora o TJ de São Paulo afaste o argumento da impenhorabilidade dos bens do idoso face o direito social de moradia do idoso – artigo 37 do Estatuto do Idoso – outros Estados não o fazem e o STJ ainda não se manifestou expressamente sobre o tema). Isso pode se tornar um tormento em negócios jurídicos processuais imobiliários, mormente sob a perspectiva da lei de locações.
De todo modo, penhorável ou não, o fato de se obter bem de idoso, por exemplo, como bem penhorável por negócio jurídico processual poderá dar margem ao controle judicial sobre a cláusula em questão.
Vale apontar para o teor do Enunciado nº 18 do Fórum Permanente de acordo com o qual “há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica”. Recomenda-se, portanto, que o outro contratante esteja assistido por advogado, ou, ao menos, que se possa assinar algum termo no sentido de que se recomendou ao contratante buscar orientação de um advogado antes de assinar o contrato.
Tal cautela, do ponto de vista prático, dificultaria bastante rediscutir a cláusula. De se optar formalizar contrato com a pessoa jurídica não com a pessoa natural eis que, como apontado acima, com pessoa jurídica não há presunção de vulnerabilidade técnica.
Embora alguns autores entendam que em caso de falecimento da parte que ajustou cláusula em negocio jurídico processual haveria nulidade da avença, em face da regra do artigo 426 CC que proíbe transações com herança de pessoa viva (Fernando Gajardone e Flávio Tartuce), o que seria mais uma cautela em relação à aceitação de bens de idosos como garantias ou penhoras em negócio jurídico processual, o fato é que existe Enunciado (nº 115) do Fórum Permanente dos Processualistas Civis, no sentido de que os negócios jurídicos processuais vinculam herdeiros e sucessores.
Flávio Tartuce, inclusive, aponta uma definição para a hipervulnerabilidade do artigo 190 novo CPC – no sentido de cuidar-se de limitação pessoal involuntária de caráter permanente ou provisório, ensejada por fatores de saúde, de ordem econômica, informacional, técnica ou organizacional.
Convém tomar redobrado cuidado com pessoas idosas, portadores de deficiências ou doenças graves (ex. pessoas com câncer) e pessoas de baixa escolaridade e falta de potencialidade econômica. Seria adequado, como pontuei acima, estabelecer-se que a pessoa foi orientada a procurar advogado antes de assinar, por exemplo, para dificultar alegações de vulnerabilidade técnica, convém estabelecer pequenos glossários sobre termos técnicos esclarecendo o sentido e alcance de determinadas cláusulas ou descrevê-las de modo didático (como o fazem as seguradoras nos seus contratos de adesão) para fugir de vulnerabilidade técnica ou organizacional.
Quanto ao mais, existem questões pontuais que já podem ser tratadas desde logo, por exemplo, existe total possibilidade de se estabelecer bem penhorável preferencial com inversão de ordem de penhora. O cuidado que se deve ter seria com matérias de ordem pública – por exemplo, não se deve estabelecer possibilidade de penhora de salários ou pensões alimentícias.
Mas, fora desses casos pontuais, não há qualquer óbice técnico em se dispor sobre preferência de penhoras fora da ordem legal. Afinal de contas um bem patrimonial, em tese, resta como direito disponível, não havendo impedimento para tais gravames (se poderia, por exemplo, ser dado em penhor ou em hipoteca – gravames materiais como direitos reais de garantia, não haveria óbice para serem dados como gravames processuais – preferência de penhora ou expropriação, por exemplo).
Da mesma forma, se bem articulado o sistema, por exemplo, estabelecer-se também como negócio processual no mesmo instrumento a proibição de deferimento de efeito suspensivo à apelação, pressuposto lógico da execução provisória, não parece haver vedação ao estabelecimento da desnecessidade de prestação de caução para execuções provisórias. Convém, no entanto, que tudo isso seja estabelecido como via de mão dupla (em favor de ambas as partes) para evitar o controle judicial sob a perspectiva da inserção abusiva em contrato de adesão (se estabelecido para ambas as partes, não há abusividade).
Nesse sentido, aponta Daniel Amorim: “Um bom indício de que o negócio jurídico é válido é a previsão de regras isonômicas, que tratem o aderente e o responsável pela elaboração do contrato da mesma forma” In op. cit., p. 327.
Uma outra forma de evitar possíveis dissabores estaria na expressa previsão, por exemplo, de que em caso de cumprimento de sentença ou execução provisórios se aceitará a caução fidejussória (meramente pessoal) de um dos contratantes, sem necessidade de se prestar caução real (em bem ou dinheiro), por exemplo em questões de locação. Não haveria abusividade nisso. A execução estaria caucionada e não há nulidade em efetivo prejuízo como pontuado linhas acima.
A possibilidade de foro de eleição negocial é perfeitamente possível nas situações de competência relativa (artigo 63 CPC – como dito acima, isso é negócio jurídico processual típico, já expressamente previsto pelo novo diploma legal), não se poderá, no entanto, alterar situações de competência absoluta (ratione materiae e ratione personae).
Nesse sentido, inclusive, o Enunciado 20 – não são admissíveis modificação de competência absoluta e supressão da primeira instância. Sobre este último tópico, o TJMG aprovou Enunciado admitindo a supressão da segunda instância (e como o esgotamento desta é pressuposto para acesso ao STJ e STF a demanda seria julgada em única instância).
Vale ainda apontar que o STJ somente reconhece situações de nulidade foro de eleição se ficar comprovada a dificuldade de acesso à Justiça ou se houver reconhecida hipossuficiência de uma das partes ((STJ – Edcl no AgRg no REsp 878757/BA – Isabel Gallotti, 01.10.2015), exigindo-se, no entanto, manifesta abusividade para se anular de ofício uma cláusula de eleição de foro (STJ – Resp 1.306.073/MG, Rel. Nancy Andrighi, 20.08.2013 - muito provavelmente vão continuar seguindo nesta direção).
Pode-se constar do termo de negócio jurídico processual que os contratantes foram orientados no sentido de entender demandas seriam possíveis somente naquele foro e que entendem que não há restrição ao seu acesso à Justiça ou que não se julgam sem potencialidade econômica para demandarem em tal lugar. Isso acrescido à cautela de que foram orientados a procurar advogados pode restringir muito as possibilidades de anulação de um negócio desta natureza.
A pré-fixação de indenização por litigância de má-fé, e até mesmo a tipificação de algumas condutas como litigância de má-fé se revelam como possíveis pelo negócio jurídico processual (para evitar alegação de inserção abusiva em contrato de adesão seria de bom tom fixar tais situações como vias de mão dupla – para ambas as partes – com isso a possibilidade de controle judicial diminui sensivelmente). Veja-se a respeito o teor do Enunciado nº 17: As partes podem estabelecer outros deveres e sanções no caso de descumprimento da convenção.
No mesmo sentido, o Enunciado nº 19 admite acordo de rateio prévio de despesas processuais (a par de outras condutas como pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos de quaisquer natureza, dispensa consensual de assistentes técnicos, acordo para retirar efeito suspensivo de apelação e acordo para não promover execução provisória).
O Enunciado 21 complementa esse rol asseverando expressamente a admissibilidade de negócios jurídicos processuais que estabeleçam direito de sustentação oral (fora dos casos legais, obviamente), ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado da lide consensual, convenção sobre prova e redução de prazos processuais.
Há enunciados da ENFAM que também são relevantes (Escola Nacional de Magistrados) como os que estabelecem como válidos os pactos de disponibilização prévia de documentos (disclosure) estabelecendo sanções para quem os descumprir. Assim, pode-se estabelecer que devedores sejam obrigados, em dado prazo, a disponibilizar todos os documentos necessários à execução sob pena de arcarem com pena pecuniária, seja na forma de astreinte, seja na forma de ato próprio de litigância de má-fé (ou ambas cumuladas – tanto a ENFAM quanto o Fórum Permanente admitem tal possibilidade).
A ENFAM tem posicionamentos pontuais como a nulidade de negócios que admitam utilização de prova ilícita, limitem a publicidade dos atos processuais ou limitem o poderes e deveres do Juiz.
Aliás, a convenção sobre prova e distribuição de seus ônus é matéria antiga, eis que já prevista no próprio CPC/73 (muito pouco utilizada – artigo 333, par. único), não parecendo haver muita controvérsia a esse respeito.
De igual modo, não parece haver óbice para um negócio jurídico processual que assegure a possibilidade de emenda ou alteração do pedido e da causa de pedir até o saneamento. Algumas cautelas, no entanto, devem ser observadas.
Como o exige a redação do próprio artigo 190 NCPC as alterações devem estar em sintonia com as peculiaridades da causa – algo que seja específico ao negócio deve legitimar tais alterações, por exemplo, move-se despejo e o locatário desocupa o imóvel, pode-se permitir a alteração do pedido para prosseguimento como simples cobrança - o contrato é o mesmo, mas a situação fática mudou autorizando alteração do pedido e da causa de pedir. Isso influiria no lapso de fixação das estabilidades processuais.
Pode-se mesmo, se estabelecer, por exemplo, em locação de shopping center, que um stand possa ser imediatamente removido da área interna do shopping se ultrapassado o prazo de notificação para a desocupação, sem direito à indenização pelo que foi retirado. Isso é da peculiaridade do negócio (se houver previsão em negócio jurídico processual evitam-se dissabores na esfera penal como, por exemplo, o crime de exercício arbitrário das próprias razões – artigo 345 CP).
De igual sorte, deve-se estabelecer, sob pena de nulidade absoluta, que exercida a faculdade de alteração do pedido e da causa de pedir, garantir-se-á o exercício da complementação do direito de defesa em relação a tais alterações, por exemplo, nos quinze dias subsequentes à intimação da alteração, sem necessidade de designação de audiência de mediação e conciliação (vale utilizar o prazo legal para diminuir-se o risco de alegações de prejuízos processuais efetivos – como visto acima, não haverá nulidade de negócio processual sem prejuízo processual efetivo – vale a máxima pas de nulitèe sans grief).
Pode-se, até mesmo, estabelecer, por exemplo, uma cláusula no sentido de que eventuais defesas heterotópicas (defesas sem embargos, por ações autônomas, como aponta Alberto Camiña Moreira) sejam destituídas de efeito suspensivo.
Sobre renúncia e desistência de recurso (matérias previstas nos artigos 998 e 999 do novo CPC) peço vênia para reiterar o quanto dito linhas acima, no sentido de que há entendimento no sentido de que não se pode suprimir a 1ª instância (e isso é natural pois lá se realizarão as provas, como regra), não se podendo estabelecer que a causa será julgada originariamente no Tribunal (isso seria, ademais, mudar-se competência absoluta o que é proibido).
Mas não há vedação para que se estabeleça situação de desistência de recurso (mas isso não pode ser feito de modo unilateral ou será entendido como inserção abusiva em contrato de adesão – deve ser estabelecido como situação de mão dupla ou seja, abrangendo ambas as partes).
A renúncia, por sua vez, é ato unilateral de cada parte, de modo que, cada uma, se assim julgar adequado, poderá fazê-lo dentro de sua esfera de disponibilidade do direito (no julgamento da ADIN da lei de arbitragem, inclusive, se estabeleceu que as renúncias a recurso quanto ao mérito da decisão por aqueles que aderissem ao juízo arbitral não seriam inconstitucionais – prevalece, mesmo, o entendimento no sentido de que o duplo grau obrigatório de jurisdição não seria garantia constitucional – nem implícita nem explícita – sobre o tema STF – RO – Pleno – HC 79785-7/RJ – Rel. Min. Sepúlveda Pertence).
A fixação de calendário processual é perfeitamente possível nos termos do artigo 191 do novo CPC, mas há um problema institucional para a sua implementação. O calendário estabelecido pelas partes não vincula o Juiz que, com ele, não concordou expressamente.
Não se pode estabelecer que tal ou qual juízo será o competente antes da demanda, isso seria ferir de morte o princípio do Juiz Natural gerando nulidade absoluta. Nesse sentido, o calendário processual deveria ser realizado somente após surgido o litígio eis que aí o Juiz Competente poderia aderir ou não a ele (só pode se recusar a aderir se houver fortes razões justificadas e motivadas sob pena de violação ao dever de cooperação que se aplica a todos os sujeitos do processo, inclusive os sujeitos imparciais – mas no ambiente de um Poder Judiciário completamente azafamado pelo excesso de serviço e pelas dificuldades de estrutura – parece ser fácil encontrar causa jurídica válida para a não adesão ao calendário processual).
Em sentido contrário, no entanto, mas como é voz isolada não creio que esse entendimento prevaleça, tem-se o entendimento de Fernando Gajardone em sua Teoria Geral do Processo, no sentido de que pode haver um calendário processual firmado antes do litígio, desde que, nesse caso, as partes tomem a cautela de, ao formularem o calendário, já obtenham a homologação judicial do mesmo, o que fixaria a competência para o julgamento futuro em caso de litigio.
Essa a dificuldade de se estabelecer um calendário processual na acepção do artigo 191 NCPC, mas isso não impede que as partes modifiquem os prazos ou a forma de praticar os atos processuais – por exemplo, pode-se pensar num negócio processual em que as partes se obriguem a comparecer em cartório extrajudicial, nos vinte dias após o protocolo da ação, acompanhadas de seus advogados - sem o contraditório efetivo haveria nulidade insanável - e testemunhas para que seja lavrada ata notarial de tomada de depoimentos, o que impedirá, por exemplo, a oitiva das testemunhas em juízo (com vantagem de tempo para a estabilização da prova oral), inclusive estabelecendo os valores a serem desembolsados em tal diligência e a situação de preclusão para a parte que não se submeter a isso – seria uma das possíveis formas criativas de se estabelecer um calendário processual por via transversa.
Muitos doutrinadores, no entanto, apontam no sentido de que, nem mesmo assim (a matéria não é pacífica por que outros discordam – ex. Fernando Gajardone), haveria a possibilidade de restrição da designação de audiência de instrução eis que o Juiz resta dotado de poderes instrutórios (artigo 370 novo CPC) o que implicaria em dizer que mesmo as partes tendo colhido suas provas orais por atas notariais, ainda assim o Juiz poderia marcar audiência para ele próprio ouvir tais testemunhas e poder perguntar o que julgar adequado (Daniel Amorim, p. 322).
O saneamento consensual, o que vale para um negócio processual de julgamento antecipado, resta como negócio típico, nos termos do artigo 357, par. 2º novo CPC como apontado linhas acima, de igual modo, ampliações de prazo restam sempre como possíveis (Enunciado 19) e evitam alegação de nulidade por falta de prejuízo processual efetivo.
Por fim, vale apontar que doutrinadores tem apontado algumas situações que, mesmo não expressas em lei ou nos Enunciados podem implicar em situações de nulidade de negócios jurídicos processuais, como, por exemplo, criar recursos não previstos em lei ou ampliar hipóteses de cabimento além do texto legal (por exemplo estabelecer como agravável de instrumento algo não incluído no artigo 1.015 do novo CPC), estabelecer preferências de julgamento que não existem em lei, criar novas hipóteses de ações rescisórias, dispensa de presença de litisconsortes necessários, dispensar-se citação (gerando ônus para o outro contratante de acompanhar distribuições processuais) – tudo isso em nome da vedação de abuso no princípio de autorregramento processual das partes.