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O assistente e a coisa julgada

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Agenda 03/04/2004 às 00:00

De que maneira e em que grau será atingido pela imutabilidade dos efeitos do provimento jurisdicional um indivíduo que ingressa em uma relação jurídica processual como assistente, simples ou qualificado?

SUMÁRIO: 1 – INTRODUÇÃO, 1.1 - Colocação do problema e objetivos do estudo, 1.2 - Pressuposto básico; 2 - DA COISA JULGADA, 2.1 - Noção básica e fundamento, 2.2 – Definição, 2.3 - Limites subjetivos da coisa julgada, 2.3.1 - Coisa julgada e eficácia da sentença, 2.3.2 - Tradição de limitar às partes a coisa julgada; 3 - ASSISTÊNCIA E COISA JULGADA, 3.1 - Surgimento da assistência, 3.2 - O assistente e a coisa julgada, 3.3 - Intervenção litisconsorcial e assistência; 4 – CONCLUSÕES; 5 - BIBLIOGRAFIA


1. INTRODUÇÃO

1.1 - COLOCAÇÃO DO PROBLEMA E OBJETIVOS DO ESTUDO

De que maneira e em que grau será atingido pela imutabilidade dos efeitos do provimento jurisdicional um indivíduo que ingressa em uma relação jurídica processual como assistente, simples ou qualificado?

Sobre esse tema nos debruçaremos neste pequeno estudo, já que a questão vem sendo debatida há muito tempo na doutrina e na jurisprudência sem que ainda tenhamos uma solução unívoca e segura para o problema.

Buscaremos, neste trabalho, traçar algumas premissas básicas sobre o tema, com um mínimo de coerência, com a intenção de propiciar soluções ao menos aceitáveis para as inúmeras indagações, de relevância prática ou teórica, que esse intrincado enredo nos traz.

Começaremos por analisar o fenômeno da coisa julgada, expondo seus fundamentos e sua definição, extremando-a da eficácia da sentença e enfrentando o problema de seus limites subjetivos.

Passaremos, então, à análise da posição daquele que ingressa no processo como assistente, qualificado ou simples, aplicando ao caso as soluções encontradas quando da análise e definição da coisa julgada.

1.2 - PRESSUPOSTO BÁSICO

Ao nosso ver, muitas das soluções inaceitáveis que vêm sendo dadas aos problemas relacionados ao tema são motivadas por uma postura privatística que ainda impregna o estudo do processo civil em nosso país.

Com efeito, a doutrina pátria, que assimilou de forma tão rápida a evolução no estudo da ação, caracterizando-a como um direito autônomo e abstrato, ainda mantém a postura metodológica de colocar ao centro de toda teoria processual o estudo de tal fenômeno, como se isto não revelasse um inaceitável resquício da teoria civilista, onde a ação era encarada como o próprio direito reagindo a uma violação e, por conseqüência, as regras processuais eram encaradas como uma arma colocada à disposição de quem teve um direito violado [1]. Um exemplo de tal postura é a afirmação, ainda muitas vezes repetida, de que a todo direito corresponde uma ação que o assegura, que revela uma concepção nada compatível com a abstração que caracteriza a ação.

Na nossa visão, o ordenamento processual tem como missão central a regulação do exercício do poder soberano, por definição uno e indivisível, quando no cumprimento da função jurisdicional [2]. Daí porque se afirma que o direito processual é ramo do Direito Público, e que a sentença representa, na verdade, um ato de positivação do poder estatal [3] e, como tal, deve ser reconhecida e respeitada por todos que estão sujeitos àquele poder (todos os que estão nos limites da soberania de determinado Estado).

Cremos ser esta a postura metodológica central, a premissa básica onde devem assentar-se todos os raciocínios traçados na área processual. De posse de tal conclusão poderemos analisar com a segurança já preconizada o fascinante tema dos limites subjetivos da coisa julgada relacionados ao assistente no Direito Processual Civil Brasileiro.


2 - DA COISA JULGADA

2.1 - NOÇÃO BÁSICA E FUNDAMENTO

Através da função jurisdicional o Estado busca, entre outros objetivos [4], evitar a perduração de situações indefinidas, ou seja, eliminar as incertezas, prestigiar o valor da segurança jurídica.

Entretanto, não basta que o ato jurídico praticado pelo Estado-juiz (a sentença) adquira existência para que a segurança jurídica veja-se assegurada, pois, como é óbvio, o conflito de interesses já solucionado poderia novamente ser submetido, por algum dos interessados, a novo julgamento. É necessária, pois, a imunização da decisão definitiva, dentro do próprio processo em que foi proferida, bem como dos comandos emanados do ato jurídico sentencial, a fim de que se proíba nova apreciação judicial do mesmo caso, já julgado anteriormente. Chega-se, assim, à noção de coisa julgada.

Essa imutabilidade, que caracteriza a coisa julgada, pode ser encarada sob o aspecto intraprocessual, ou seja, referir-se somente ao processo na qual a sentença foi proferida. Tem-se, aqui, o conceito de coisa julgada formal, que se define como a imutabilidade da sentença como ato processual, decorrente da preclusão. Portanto, esgotados todos os prazos recursais sem a manifestação de inconformismos, ou utilizadas todas as vias recursais previstas pelo sistema processual, a sentença não mais poderá ser modificada naquele processo em que foi proferida.

Contudo, a existência de tal limite à reapreciação do caso julgado não impediria a reavaliação da causa em outro processo. É necessário, pois, que se impeça o novo julgamento, ainda que proferido em outro processo. Isso também se obtém através do instituto da coisa julgada, aqui enfocada sob seu aspecto material, que pode ser definida como a imutabilidade dos efeitos produzidos pela sentença de mérito, ou, mais exatamente, como imutabilidade do comando emanado da sentença. [5]

São duas faces da mesma moeda [6]: a sentença torna-se imutável como ato processual, o que implica na imutabilidade de seus efeitos (rectius: de seu comando) que alcançaram a relação jurídica material controvertida (portanto, somente as sentenças que analisam o mérito produzem coisa julgada material).

Da exposição sumária acima se extrai, desde logo, a inegável vinculação entre a necessidade de imunização do comando emergente da sentença, de um lado, e o ideal de segurança jurídica, de outro. Portanto, o instituto da coisa julgada possui raízes políticas e, por conseqüência, tem, entre nós, seus fundamentos especificados na Constituição Federal, no princípio da segurança jurídica.

Assim entende Marcelo Dawalibi:

"Funda-se a res judicata na necessidade de estabilidade das relações jurídicas. Trata-se de instituto importante para a garantia da segurança jurídica, que seria inexistente se a cada momento se pudesse repetir as mesmas ações visando à modificação dos efeitos da sentença já proferida. Tal possibilidade acarretaria uma incontrolável perpetuação de demandas". (7)

No mesmo diapasão, Cândido R. Dinamarco:

"A garantia constitucional e a disciplina legal da coisa julgada recebem legitimidade política e social da capacidade, que têm, de conferir segurança às relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença". (8)

E conclui:

"Com essa função e esse efeito, a coisa julgada material não é instituto confinado ao direito processual. Ela tem, acima de tudo, o significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional. Uma vez consumada, reputa-se consolidada no presente e para o futuro a situação jurídico-material das partes, relativa ao objeto do julgamento e às razões que uma delas tivesse para sustentar ou pretender alguma outra situação.

(...)

"As normas e técnicas do processo limitam-se a reger os modos como a coisa julgada se produz e os instrumentos pelos quais é protegida a estabilidade dessas relações - mas a função dessas normas e técnicas não vai além disso. Nesse sentido é que prestigioso doutrinador afirmou ser a coisa julgada material ''o direito do vencedor a obter dos órgãos jurisdicionais a observância do que tiver sido julgado'' (Hellwig)". (9)

Teresa Celina de Arruda Alvim trilha o mesmo caminho, afirmando que a coisa julgada "é um instituto que se liga à idéia de imutabilidade, ou estabilidade dos efeitos da sentença. Adotá-la ou não é uma questão de opção que se coloca a nível político-jurídico, pré-legislativo. Também os limites objetivos e subjetivos que o legislador impõe à coisa julgada são uma opção". Apesar disso, "é quase que uma exigência prática imposta pela própria razão de ser do próprio direito, que é a de criar a paz social". E arremata, antevendo eventuais críticas à sua construção:

"Poder-se-ia objetar e dizer-se que a coisa julgada pode fazer prevalecer o valor segurança ao valor justiça, ambos desejáveis. Entretanto, o sistema cria meios de se chegar, à justiça, através de um equilíbrio entre este ''ponto final'' que é a coisa julgada os sistemas recursais e a ação rescisória". (10)

A doutrina tradicional costumava ver na coisa julgada a própria essência da atividade jurisdicional. A definitividade da decisão seria parte da própria definição de jurisdição. Entretanto, a coisa julgada é apenas uma questão de política legislativa: não é uma razão natural, senão de exigência prática. [11]

Conforme ensina Liebman, em sua clássica obra, a coisa julgada não é uma qualidade essencial e necessária nem da sentença nem da atividade jurisdicional. Seria perfeitamente possível imaginar-se o efeito da sentença sem a imutabilidade característica da coisa julgada. [12] A impossibilidade de reexame ulterior é, pois, determinada por razões metajurídicas: a necessidade de conferir-se estabilidade às relações sociais, já que "justiça sem estabilidade seria equivalente a nenhuma justiça". [13]

Portanto, a sentença, como ato jurídico que é, produz efeitos no mundo do direito, ou seja, efeitos jurídicos. Tais efeitos podem ser gerados desde o momento da prolação da sentença, em momento posterior ou até mesmo com efeitos pretéritos. Tudo depende da forma como o direito positivo de cada Estado trata do caso. Além disso, também é tarefa do direito positivo estabelecer a possibilidade e a forma de um ato jurídico pode ser eliminado ou substituído. Com relação à sentença, a grande maioria dos ordenamentos limita as possibilidades de revisão, escoadas as quais teremos a imutabilidade da sentença. Disso se conclui que, "embora a sentença se destine a produzir efeitos jurídicos, nem por isso se destina necessariamente a tornar-se imutável". [14]

2.2 - DEFINIÇÃO

A nossa lei processual civil optou por conceituar coisa julgada, e o fez em seu artigo 467, com a seguinte redação: "Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

Como sói acontecer com as definições levadas a cabo pela legislação, grande parte da doutrina rotula-a de obscura e inexata. [15] A redação afastou-se do Anteprojeto de autoria de Alfredo Buzaid, que definia coisa julgada da seguinte forma: "Chama-se coisa julgada material a qualidade, que torna imutável e indiscutível o efeito da sentença, não mais sujeita a recursos ordinários ou extraordinários. Como anota Mara Silvia Gazzi:

"Enquanto este filiara-se à posição de Liebman, considerando a coisa julgada como ''qualidade que torna imutável e indiscutível o efeito da sentença'', aqueles (atual CPC e Projeto) optaram pela posição de Chiovenda, no sentido de considerarem a coisa julgada como a própria ''eficiência da sentença''". (16)

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Para Marcelo Dawalibi, o conceito é insatisfatório e criticável por dois motivos:

"Primeiramente, obtempere-se que coisa julgada, seja ela material, seja formal, não é ''eficácia da sentença'', porque nenhuma sentença tem entre seus atributos intrínsecos a imutabilidade. Trata-se, na verdade, de uma ''qualidade especial dos efeitos da sentença, que os torna imutáveis e indiscutíveis''.

(...)

Em segundo lugar, há outro claro equívoco da lei processual civil, porquanto o Código, ao se referir à coisa julgada material, conceitua, na verdade, coisa julgada formal, cunhando a expressão ''não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário''. Aqui, o equívoco do legislador é evidente, posto que a imutabilidade advinda da coisa julgada material se projeta para fora do processo". (17)

Já para Barbosa Moreira, a modificação do texto do projeto original foi correta. Não parece exata ao prestigiado autor a idéia de projetar sobre os efeitos da sentença a característica de imutabilidade, já que tal atributo deve ser ligado diretamente à própria sentença [18].

Chega-se, então, a um ponto decisivo para as nossas investigações. Seria a coisa julgada um efeito da sentença, principal ou secundário? Ou, ao contrário, seria ela apenas uma qualidade desses efeitos?

A coisa julgada nada mais é do que uma garantia constitucional (artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal vigente), que tem como mote principal a obtenção de segurança jurídica, impedindo que haja novo pronunciamento judicial sobre litígio já definitivamente julgado.

A doutrina tradicional costumava afirmar, com base em lições romanas, que a coisa julgada seria um autêntico efeito da sentença, que se somava aos demais, já acima elencados. Tal posicionamento teve suas fraquezas apontadas com maestria por Enrico Tullio Liebman, cujas lições sobre o tema alcançaram muitos adeptos.

Segundo o citado mestre, nem a coisa julgada formal nem a material são efeitos da sentença, mas sim qualidade dos efeitos da sentença e da própria sentença, que os torna - sentença e efeitos - imutáveis.

Após constatar que na opinião então prevalecente, a coisa julgada era considerada um dos efeitos da sentença, e de conectar tal pensamento a uma inspiração romanística, o autor formula a questão central de seu trabalho:

"Considerar a coisa julgada como efeito da sentença e ao mesmo tempo admitir que a sentença, ora produz simples declaração, ora efeito constitutivo, assim de direito substantivo, como de direito processual, significa colocar frente a frente elementos inconciliáveis, grandezas incongruentes e entre si incomensuráveis. Seria, pois, a coisa julgada um efeito que se põe ao lado deles e no mesmo nível ou se sobrepõe a eles e os abrange? Ou é, pelo contrário, antes uma qualidade desses efeitos, um modo de ser deles, a intensidade com que se produzem?" (19)

E conclui:

"Deve-se reconhecer logicamente que o efeito declaratório ou constitutivo que uma sentença pode produzir é coisa bem diversa da maior ou menor possibilidade de que ele, uma vez produzido, possa ser contestado, infirmado ou revogado. A incontestabilidade é um caráter logicamente não necessário, que pode conferir-se ao próprio efeito sem lhe modificar a sua própria natureza íntima"

(...)

"Da premissa há pouco enunciada deriva uma só e necessária conseqüência: a autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas, sim, modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta para qualificá-los e reforçá-los em sentido bem determinado". (20)

De fato, a construção do mestre peninsular impressiona e tornou-se, como anota Mara Silvia Gazzi, "verdadeiro marco histório-jurídico, de tal forma que qualquer estudioso da matéria que eventualmente omitisse em sua exposição o entendimento liebmaniano, seria de imediato rechaçado e qualificado como péssimo pesquisador jurídico". [21]

No entanto, partindo de tais premissas, José Carlos Barbosa Moreira lhe impõe renovadas e instigantes críticas, das quais resultam, no dizer de Willis Santiago Guerra Filho, "uma das concepções mais bem acabadas da atualidade sobre o assunto que ora nos ocupa, concluindo ser a coisa julgada uma situação jurídica em que ingressa a sentença, ao atingir uma estabilidade particular". [22]

Para o mestre Barbosa Moreira, na sentença o juiz formula a norma individual concreta que passará a disciplinar a situação levada a julgamento. Essa norma concreta, com o trânsito em julgado, perdurará indefinidamente. Mas os efeitos da sentença podem modificar-se ou até mesmo desaparecer, sem que com isso a norma concreta ditada pelo juiz para a situação submetida a julgamento seja alterada ou desapareça. E conclui:

"Ao nosso ver, porém, o que se coloca sob o pálio da incontrastabilidade, ''com referência à situação existente ao tempo em que a sentença foi prolatada'', não são os efeitos, mas a própria sentença, ou, mais precisamente, a norma jurídica concreta nela contida". (...) Suponhamos que o vencido, tendo pago a dívida, proponha ação para reaver o que pagou, alegando que o pagamento fora indevido, porque inexistente a obrigação. É inquestionável que a tanto obstará a coisa julgada. Não, todavia, por causa do ''efeito'' da sentença anterior, que a essa altura já cessou, em virtude do próprio pagamento. A subsistência do obstáculo, apesar disso, mostra que ele não consiste na imutabilidade (ou na indiscutibilidade) do ''efeito'', mas na imutabilidade (e na incontrovertibilidade) ''da sentença mesma'', ou da norma jurídica concreta nela enunciada". (23)

Parece-nos que, com tais ensinamentos, a doutrina chega a um bom termo sobre a definição de coisa julgada material: esta se resume na imutabilidade da norma jurídica concreta estabelecida pela sentença de mérito, que irá regular o caso concreto levado a julgamento. [24] Como anota Egas Dirceu Moniz de Aragão:

"(...) o vocábulo ''res'', empregado nas locuções ''res in iudicium deducta'' e ''res iudicata'', não corresponde a uma ''coisa'' e sim a uma ''relação'', um ''conflito'' (Carnelutti), um ''bem'' (Chiovenda). Os jurisconsultos portugueses preferem empregar a locução ''caso julgado'', que, no particular de que aqui se cuida, é assaz expressiva". (25)

É a tantas vezes repetida formulação definitiva da lei entre as partes, expressão que não é totalmente adequada para a explicação da coisa julgadaque, como observa com autoridade o autor citado, "tem força superior à da própria lei. Enquanto esta pode ser revogada, mudada a qualquer tempo por outra, de igual ou maior hierarquia, o julgamento coberto pela coisa julgada não pode ser revogado, mudado, nem pela lei nem por outra sentença". (26)

2.3 - LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

Superada a questão da difícil conceituação de coisa julgada, estamos aptos a tecer considerações sobre um outro problema, logicamente posterior, mas tão ou mais intrincado: quem estará sujeito à imutabilidade da norma concreta fixada pela sentença de mérito?

2.3.1 - COISA JULGADA E EFICÁCIA DA SENTENÇA

De início, apoiados novamente nos ensinamentos de Liebman, convém frisar a diferença fundamental entre eficácia da sentença e coisa julgada. A sentença (= provimento jurisdicional, de qualquer grau) representa uma manifestação do poder estatal, e todos os indivíduos que estão sujeitos á soberania estatal lhe devem obediência. A título de exemplo, se numa ação movida por "A" em face de "B", objetivando a propriedade de um determinado imóvel, concluiu-se que o imóvel pertence ao autor, nenhum indivíduo poderá insurgir-se contra tal provimento, afirmando que o imóvel é de "B".

Entretanto, há a possibilidade de um indivíduo que não foi parte na ação reivindicar o imóvel para si. Haveria, aparentemente, uma contradição entre o afirmado acima e tal possibilidade. Tal contradição, entretanto, é apenas aparente. Como ato estatal, a sentença proferida entre "A" e "B" permanece íntegra, pois resolveu a questão entre as partes. Somente com relação a tais pessoas o ato estatal reveste-se de imutabilidade, denominada coisa julgada material. Remanesce, para os demais indivíduos que não foram partes na ação, a possibilidade de contestar tal decisão.

São coisas diversas, portanto, a necessidade de obediência a um ato de manifestação do poder estatal e a possibilidade de contestá-lo (a sentença deve ser obedecida por todos, mas pode ter sua justiça contestada, exceto por aqueles que foram partes no processo em que foi proferida). Disso extrai-se uma diferença fundamental entre limites subjetivos dos efeitos da sentença (bem mais alargados) e limites subjetivos da coisa julgada (bem mais estreitos).

Conforme escreve o mestre da chamada escola paulista de direito processual, uma vez afirmada a diferença conceitual entre efeito da sentença e a sua imutabilidade, é possível "que a extensão subjetiva da eficácia da sentença não coincida com a da autoridade da coisa julgada: pode ocorrer que tenham limites subjetivos diversos".

Com relação à coisa julgada (ou seja, à imutabilidade dos efeitos da sentença), o autor é incisivo ao limitá-la somente às partes, aos seus sucessores posteriores à demanda e ao substituído processual. Contudo, afirma que tal limitação subjetiva da coisa julgada não prejudica o problema da extensão subjetiva da eficácia da sentença. E conclui:

"Uma vez que o juiz é órgão ao qual atribui o Estado o mister de fazer atuar a vontade da lei no caso concreto, apresenta-se a sua sentença como eficaz exercício dessa função perante todo o ordenamento jurídico e todos os sujeitos que nele operam". (27)

Portanto, para Liebman, tanto terceiros quanto partes estão sujeitos à eficácia da sentença. Há, entretanto, uma diferença fundamental: "que para as partes, quando a sentença passa em julgado, os seus efeitos se tornam imutáveis, ao passo que para os terceiros isso não acontece". [28]

As lições conduzem, pois, à conclusão muito bem delineada por Antonio Gidi:

"O que efetivamente ocorre é que todos - assim os terceiros como as partes - são atingidos pelos efeitos da sentença como ato de império do Estado (''eficácia natural da sentença''). Mas como ninguém além das partes é afetado pela imutabilidade em sua própria esfera jurídica (''autoridade da coisa julgada''), qualquer um poderia, em tese, rediscutir a questão e obter uma decisão diversa. Entretanto, somente o terceiro juridicamente prejudicado teria interesse jurídico para impugná-la em juízo". (29)

2.3.2 - TRADIÇÃO DE LIMITAR ÀS PARTES A COISA JULGADA

Segundo a regra estabelecida pelo artigo 472 do Código de Processo Civil, a sentença faz coisa julgada para as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros.

Trata-se de tradicional proposição jurídica, que remonta aos romanos com a regra res inter alios iudicata nullum aliis praeiudicium faciente: a coisa julgada não causa prejuízo a terceiros.

Conforme anota Egas Dirceu Moniz de Aragão:

"Em Portugal e no Brasil sempre foi acatado o princípio consagrado na disposição comentada (o artigo 472 do CPC atual, esclarece-se), o qual figurou já nas Ordenações Afonsinas. Foi incluído na Consolidação Ribas (art. 501) e embora não haja figurado nos Códigos estaduais, nem no CPC/39, jamais deixou de ser respeitado. Sua inserção neste Código retoma o fio de antiga e salutar tradição jurídica". (30) (p. 288-289).

A par de tradicional, a limitação deita raiz em princípio constitucional muito mais caro às modernas constituições: o princípio do contraditório, que pode ser definido na seguinte proposição: "Todos aqueles que tiverem alguma pretensão de direito material a ser deduzida no processo têm direito de invocar o princípio do contraditório em seu favor". [31]

O valor político representado pela garantia constitucional do contraditório é que impede que a sentença projete seus efeitos ultra partes. Haveria, pois, inconstitucionalidade se os efeitos da sentença pudessem atingir indivíduos que não participaram do contraditório. [32]

"O contraditório é, portanto, inerente ao conceito de processo, entendendo-se como imposição do Estado democrático a participação de cada um na formação dos provimentos que de alguma forma virão a atingir a sua esfera de direitos (assim como no processo político hão de participar os cidadãos interessados nos destinos do Estado, assim no processo jurisdicional ou administrativo terão oportunidade de participação aqueles a quem interessam, caso por caso, os resultados da atividade pública que ali se desenrola)". (33)

No entanto, mesmo com o confinamento da coisa julgada às partes não há a segurança absoluta de observância das exigências do contraditório, visto que a própria noção de parte - e, por conseguinte, de terceiro - é extremamente controvertida.

A doutrina e a jurisprudência não são acordes no tocante a tais conceitos, ora advogando um conceito puramente formal, ora impregnando a definição com elementos da relação jurídica de direito material.

Para Cândido Rangel Dinamarco, consiste a qualidade de parte, "como se vê, na titularidade de situações jurídicas ativas e passivas que compõem a relação jurídica processual (faculdades, poderes, deveres, ônus, sujeição). Ser ''parte'' no processo significa ser titular dessa situação global perante o juiz". [34]

E com maestria o autor afirma que o conceito de parte é diverso do conceito de parte legítima: neste último, é levada em consideração a situação concreta (de direito material) levada pelas partes ao Juízo. As condições da ação são, pois, pontos de contato entre o direito processual e o direito material e na maioria das vezes (salvo os casos de legitimidade extraordinária) os conceitos de partes do processo e partes da relação jurídica material serão coincidentes. Mas, quando a parte substancial não coincide com a parte processual (ou seja, quando não estão colocados nos pólos da relação jurídica processual os mesmos sujeitos que ocupam os pólos da relação jurídica material levada a juízo), aquela é considerada, sob o prisma processual, apenas um terceiro. [35]

Na mesma linha de pensamento está Egas Dirceu Moniz de Aragão:

Terceiros, portanto, serão todos os que não tiverem participado do processo, sejam as "partes" da relação jurídica material não convocadas, sejam os estranhos a ela, porém juridicamente interessados no litígio que dela se originou". (36)

Em sentido contrário, encontra-se J. R. Gomes da Cruz, ao definir terceiros com referências claras à situação titularizada na relação jurídica de direito material:

"Reitera-se definição de terceiros apresentada sob a vigência do Código de 1939: ''são pessoas estranhas à relação processual já constituída, mas que, sujeitos de uma relação de direito material que àquele se liga intimamente, intervêm no processo sobre a mesma relação, a fim de defender interesse próprio''". (37)

Parece-nos fora de dúvida que, se vincularmos absolutamente a definição dos limites subjetivos da coisa julgada à noção de contraditório, devemos ter em mente a noção de parte na relação jurídico-processual, desvinculada de qualquer referência à relação de direito material levada a julgamento. Concluiríamos, pois, que a coisa julgada somente atingiria aqueles que tomaram parte no processo [38], que titularizaram posições ativas e passivas na relação jurídica processual.

Essa é a conclusão de Antonio Carlos Araújo Cintra e outros, em obra já clássica:

"A limitação da coisa julgada às partes, bastante difusa no processo moderno, obedece a razões técnicas ligadas à própria estrutura do ordenamento jurídico, em que a coisa julgada tem o mero escopo de evitar a incompatibilidade prática entre os comandos e não de evitar decisões inconciliáveis no plano lógico.

(...)

"Mas o principal fundamento para a restrição da coisa julgada às partes é de índole política: quem não foi sujeito do contraditório, não tendo a possibilidade de produzir suas provas e suas razões e assim influir sobre a formação do convencimento do juiz, não pode ser prejudicado pela coisa julgada conseguida inter alios". (39)

Entretanto, isso representaria, ao nosso ver, grave ameaça à segurança jurídica, sobretudo num contexto onde as hipóteses de legitimação extraordinária, para a salvaguarda de interesses difusos e coletivos, são diuturnamente ampliadas.

Com efeito, na substituição processual [40] temos um divórcio entre a qualidade de parte da relação jurídica material, e de parte da relação jurídica processual. Em casos tais, seria de absoluta afronta à segurança jurídica a submissão apenas das partes da relação jurídica processual - e que, portanto, participaram do contraditório - à coisa julgada material.

Pela submissão do substituído à coisa julgada concluem diversos autores de nomeada [41], merecendo citação as seguintes colocações:

"A sentença, proferida na demanda, faz coisa julgada ''também perante o substituído'', pois, como dilucida o mestre Chiovenda, seria absurdo que a lei conferisse a alguém autorização para defender em juízo direitos alheios e, ao mesmo tempo, não conferisse a tal atividade uma plena eficácia relativamente aos direitos assim deduzidos (Instituições, cit., v. 2, n. 223)". (42)

"No que tange à coisa julgada, embora reine alguma controvérsia de que só seria atingido o substituído por ser este o titular do direito material, e por essa razão deveria responder pelos efeitos da sentença, filiamo-nos à corrente de que os efeitos da coisa julgada se estendem ao substituto e ao substituído, quer por incidir obrigações no campo estritamente processual, quer por haver tantas outras na área do direito substancial". (43)

"Ocorrendo a substituição processual, o substituído fica obrigado a se vincular aos efeitos da decisão quando esta transitar em julgado. É-lhe vedado postular em seu nome o direito que já foi objeto da decisão, pois atinge a carga eficacial não só do substituto como do substituído. Entretanto, ocorrendo na prática abuso de direito por parte do substituído, não há responsabilidade do substituto, com exceção para os atos que praticar. Isso não descaracteriza a sua condição de parte no processo, tendo, assim, o direito de ação ou de defesa, porque a sua atuação se faz, também, em seu próprio interesse". (44)

"De outro lado, partindo do princípio de que a sentença é a aplicação (imperativa) da lei ao caso concreto, lembrando que o caso concreto é a res in iudicium deducta, isto é, a lide que se pretende compor através do processo; considerando que aquela aplicação se dá através de comando contido na decisão; e, por fim, admitindo que a coisa julgada nada mais é do que a imutabilidade do comando emergente da sentença, somos levados a concluir que a coisa julgada é a imutabilidade do comando incidente sobre a lide e destinado a compô-la de acordo com a lei.

Ora, tal comando incide sobre a lide e, para ter eficácia, é claro que deve ser dirigido aos sujeitos da lide, de forma que a imutabilidade (característica da coisa julgada) que qualifica o comando, deve atingir, necessariamente, os sujeitos da lide. E, sujeito da lide, no processo promovido pelo substituto é, não este, mas o substituído". (45)

Como anota Mário Aguiar Moura, pela redação do artigo 472 do CPC, ter-se-ia a impressão de que o substituído, como não participou do processo, não seria atingido pela coisa julgada. Mas tal artigo deve ser interpretado com consonância com o artigo 468 do CPC, que vincula o conteúdo da sentença à lide:

"A lide, de sua parte, tem como sujeitos os que se põem em conflito de interesses, por ter havido uma pretensão contra a qual houve resistência. Logo, a coisa julgada opera entre as partes inseridas no conflito de interesses. São os sujeitos da lide as partes atingidas diretamente pela sua autoridade.

(...)

"Em conclusão, os limites subjetivos da coisa julgada atingem o substituído plenamente". (46) (p. 251)

A questão de fundo é a mesma quando analisamos as hipóteses de litisconsórcio facultativo unitário, onde os co-titulares da relação jurídica de direito material levada a juízo, mesmo que não tenham participado do processo, ficarão submetidos à coisa julgada material, pelo que Willis Santiago Guerra filho afirma que, em casos tais, "se aplica ainda a ficção da representação daqueles ausentes por os que estão em juízo, visto que nem todos precisam figurar como réus ou autores para que possuam legitimação para agir". [47]

No mesmo sentido, Mara Silvia Gazzi:

"A solução que se apresenta a esse problema é a de que, os litisconsortes facultativos unitários não presentes no processo, serão ''substituídos processualmente'' pelos presentes. Logo, ''A'' esteve ''processualmente substituído'' por ''B'' na ação reivindicatória que este movia contra ''C'', e como ''substituído processual'' foi ''parte em sentido material'', logo, nessa qualidade de ''parte'' é que foi atingido pela coisa julgada".

Também Cândido A. S. Leal Júnior tem o mesmo pensamento, propugnando pela substituição processual do co-letigimado não presente no processo, por aquele (s) presente (s):

"Com este entendimento, lançam-se subsídios par que se resolva a polêmica discussão sobre a extensão da coisa julgada àquele que, podendo ter sido litisconsorte facultativo unitário, não o foi, permanecendo alheio ao processo: ele é alcançado pela coisa julgada porque, embora ausente, foi processualmente substituído (face à autorização legal) pelo interessado presente que, embora agindo em nome próprio pleiteou ou defendeu também o interesse alheio (do ausente)". (48)

Nos parece que a solução para os casos acima narrados deve mesmo ser a afirmação da sujeição dos titulares da relação de direito material à coisa julgada, ainda que não tenham participado da relação jurídico-processual. E não nos parece que, com isso, estar-se-ia negando vigência ao artigo 472 do Código de Processo Civil.

De fato, o citado artigo utiliza-se do termo partes. Entretanto, não especifica se está se referindo às partes em sentido material ou processual.

"A primeira parte do art. 472 do CPC fala em ''partes''. Não adjetiva-as. Ora o substituído é, ainda que em sentido material, ''parte''. E é como parte (em sentido material) que ele vem a ser atingido pela coisa julgada. Logo, continua consagrada a regra do valor ''inter partes'' da coisa julgada ainda na hipótese de substituição processual". (49)

Parece-nos trilhar o mesmo caminho Egas Dirceu Moniz de Aragão, quando indaga, sobre a redação do artigo 472 do Código de Processo Civil: "quando ela fala em ''partes'' refere-se exclusivamente aos litigantes, isto é, os sujeitos do próprio processo em que surgiu a coisa julgada? Ou podem ser por ela abrangidos os sujeitos da relação material, mesmo não tendo participado do processo?". E conclui que o sentido do vocábulo parte, utilizado pelo artigo 472 do CPC está ligado tanto à noção de parte da relação processual como à de parte na relação jurídica material, já que a relação processual se forma com base nos sujeitos da relação material. Assim, as modificações na relação jurídica material, no curso do processo ou até mesmo depois do seu encerramento, fazem com que a noção de parte possa ultrapassar a noção de litigante. [50]

Vicente Greco Filho [51] também relaciona hipóteses em que a coisa julgada deve ser estendida a quem não foi parte na ação, em virtude do regramento especial dado pelo direito material. Cita como exemplos as hipóteses de sucessão, de substituição processual e dos legitimados concorrentes (ex.: credores solidários).

Concordamos com o autor, nesse aspecto. Há, realmente, casos em que deve haver a extensão da coisa julgada a pessoas que não participaram da demanda. As expressões utilizadas pela norma devem ser analisadas não tanto com base em sua significação técnica, mas sim com atenção à sua real finalidade.

Assim, o artigo 468 do Código de Processo Civil, ao utilizar a expressão lide, inegavelmente liga o conceito de coisa julgada ao conceito de mérito da ação (vide, sobretudo, item 6 da ‘exposição de motivos’ do CPC). Portanto, ao regular, no artigo 472, os limites subjetivos da coisa julgada, está levando em consideração especificidades postas pelo direito material.

A idéia é reforçada pelo fato de a coisa julgada apenas atingir o comando da sentença. Ali, no comando, somente as questões referentes às partes da relação jurídica material poderão ser decididas, já que esse é objeto do processo, que também é um delimitador do conteúdo da sentença (art. 469). Isso demonstra a perfeita integração entre limites subjetivos e objetivos da sentença, como apontado por Enrico Allorio, citado por Cândido Rangel Dinamarco. [52]

Conclui-se, assim, que a expressão partes, constante do citado artigo, não está ali posta em seu sentido puramente formal, mas sim se aproximando do conceito de parte material, ou seja, de sujeito da relação de direito material decidida pela sentença. Tal posição fica reforçada, como já visto, pela impossibilidade de dar-se tratamento correto ao fenômeno da substituição processual utilizando-se apenas o conceito de parte formal, onde o substituído, não tendo participado da relação processual, ficaria imune à imutabilidade dos efeitos da sentença, o que não pode ser aceito.

Por outro lado, essa posição poderia ser acusada de retrógrada, pois vincula novamente o direito processual ao direito material, vinculação essa de há muito abandonada. Cremos que tal crítica não é cabível.

Com efeito, devemos classificar a norma não pela sua localização em determinado corpo de leis, mas sim pela sua finalidade. O objeto das normas processuais é a disciplina do modo processual de resolver os conflitos e qualquer norma que tenha tal objeto deve ser tida como norma processual, independentemente de sua localização. A recíproca também é verdadeira. Poderemos ter, portanto, normas não processuais em um Código de Processo.

"A norma jurídica qualifica-se por seu objeto e não por sua localização neste ou naquele corpo de leis. O objeto das normas processuais é a disciplina do modo processual de resolver os conflitos e controvérsias mediante a atribuição ao juiz dos poderes necessários para resolvê-los e, às partes, de faculdades e poderes destinados à eficiente defesa de seus direitos, além da correlativa sujeição à autoridade exercida pelo juiz". [53]

Ao nosso ver as normas que definem a imutabilidade dos efeitos de uma decisão judicial e o âmbito subjetivo de aplicação dessa imutabilidade são normas materiais, não processuais. Elas não objetivam disciplinar o modo pelo qual o provimento jurisdicional será posto, tendo em vista, sobretudo, que somente são aplicáveis quando já há provimento jurisdicional pronto e acabado - já que somente há que se falar em coisa julgada material depois de esgotados todos os recursos cabíveis.

Portanto, a norma inserida no artigo 472 do CPC não é, na verdade, uma norma processual. A expressão parte, ali consignada, não deverá ser interpretada com base em conceitos processuais, mas sim com base em conceitos de direito material.

Como acima explicitamos [54], a coisa julgada define-se exatamente como a imutabilidade da norma concreta ditada pela sentença de mérito, que irá regular a relação jurídica material - ou a parcela dela - que foi levada a juízo. Portanto, o artigo 472 da lei adjetiva civil, ao referir-se às partes, está se referindo, na verdade, às partes da relação jurídica de direito material submetida a julgamento, ou seja, ao caso julgado, na lição lusitana. [55]

Essa conclusão, ao nosso ver, é a única que promove, conjuntamente, o respeito a dois princípios constitucionais equivalentes: o princípio do contraditório - ou, em outro nível, o princípio do due process of law, do qual aquele é derivado [56] -, e o princípio da segurança jurídica. Essa ponderação entre princípios é, por seu turno, uma exigência do moderno postulado constitucional da proporcionalidade, definido assim pelo já citado Willis Santiago Guerra Filho:

"Para resolver o grande dilema da interpretação constitucional, representado pelo conflito entre princípios constitucionais, aos quais se deve igual obediência, por ser a mesma a posição que ocupam na hierarquia normativa, preconiza-se o recurso a um princípio dos princípios, o PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, que determina a busca de uma solução de compromisso, na qual se respeita mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo o(s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando totalmente com o respeito, isto é, ferindo-lhe(s) seu núcleo essencial onde se acha insculpida a dignidade humana". (57)

A afirmação, por sua vez, desloca as discussões sobre eventual violação ao contraditório para a seara pré-legislativa: a norma processual que estabelece as hipóteses de legitimação extraordinária é que deve se ater a inter-relações jurídicas onde o substituto tenha, efetivamente, interesse na defesa do direito do substituído. Caso isso não ocorra, essa norma, invariavelmente, estará violando a garantia constitucional do contraditório.

Sobre o autor
Jivago Petrucci

Procurador do Estado de São Paulo e mestrando em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PETRUCCI, Jivago. O assistente e a coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 270, 3 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5036. Acesso em: 5 nov. 2024.

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