A toada da vez é a tese de que o servidor público, tendo avençado empréstimos consignados, pode pedir em juízo que o total dos descontos mensais não ultrapasse o limiar de 30% da remuneração. Tal intento se pretende fixo na previsão legal de que o desconto em folha não pode desbordar desse patamar.
Sim, por um lado, impende concordar que existe a previsão normativa de que os descontos com empréstimos não pode levar a uma prestação que comprometa mais que 30% da remuneração mensal. Bem por isso, o regime do empréstimo consignado exige a emissão, pelo respectivo departamento de recursos humanos, da chamada “margem consignável”, meio instrumental por que a instituição financeira se garante acerca da estatura do crédito concedido em proporção ao seu custo mensal para o servidor.
A lei assim estipula para que a instituição financeira possa, munida de documento garantidor, ofertar juros abaixo do patamar que, em cada momento, se acha em prática. De efeito, além de ver-se dispensada da análise da saúde financeira do tomador do empréstimo, a instituição, e aí jaz a sua maior garantia, conta com o desconto do valor de cada prestação diretamente pela fonte pagadora.
Sempre que o contrato de empréstimo para o servidor se aperfeiçoar na modalidade consignado, assim ter-se-á procedido.
Pode-se dizer que o sistema assim instituído não prevê a hipótese do servidor tomar vários empréstimos com o passar do tempo. Não é assim. Muito melhor dizendo, não é que não preveja, mas o faz sob os mesmos ditames da norma posta. Afinal, para cada tratativa de novo empréstimo é necessária a emissão de nova e atualizada certidão de margem consignável. Ainda mais, o caso mais comum em situações que tais é o Banco realizar uma reestruturação em que o empréstimo anterior é quitado no âmbito da concessão do novo empréstimo, de modo que o valor da prestação anterior retorna como parte da própria margem consignável. Contudo, seja ou não realizada a nova negociação aos moldes de uma reestruturação, se o novo contrato é firmado e o crédito liberado, necessariamente o foi dentro da margem consignável então restante.
Enfim, ocorre que, na prática terminam acumulando-se créditos concedidos de modo que, analisando-se os contratos individualmente, estão em ordem e sob a limitação estatuída na lei. Mas em somatória, as prestações resultam em montante que supera os 30% da remuneração do servidor.
Isso se dá principalmente quando sucedem-se empréstimos menores, que geram impacto individualmente apequenado, somente vindo a compor ônus relevante depois da repetição de algumas novas negociações, com a somatória geral.
Nesse compasso, se desenha o seguinte quadro:
- Os contratos individualmente considerados estão em ordem e ostentam cláusulas adequadas à normatização do limite da prestação a se descontar diretamente pela fonte pagadora.
- Os contratos, quando somados os ônus de cada um, assumem valor que redunda em desconto superior ao limite da prestação a se descontar diretamente pela fonte pagadora.
Com uma ação judicial pode o servidor pretender simplesmente pleitear uma ordem que restrinja o valor mensal do total dos descontos com empréstimos ao limite estabelecido na lei?
Apesar da tendência de muitos seja, num primeiro momento, dizer “sim”, cremos que não é o caso. Atentemos para dois aspectos:
- Se cada contrato está regularmente constituído, não se pode imputar vício formal ou substancial à avença.
- Por outro lado, a eventual ordem de limitação dos descontos não se dirige ao Banco, mas sim à fonte pagadora.
Se for dada uma ordem judicial para que somente o limite de 30% da remuneração seja descontada para pagamento das prestações, a fonte pagadora certamente cumprirá, mas nada impedirá o Banco de considerar inadimplidos os contratos afetados.
Se for pedido que o Banco promova a reestruturação dos contratos de modo a resultar num novo e unificado financiamento em que a prestação caiba na limitação legal, a questão se volta ao mérito da pretensão independentemente de haver limitação para o desconto pela fonte pagadora. Sim, porque não há vinculação entre a garantia ofertada ao Banco para que possa conceder empréstimos mais baratos e a pretensa obrigatoriedade de reestruturar dívidas acumuladas em cujos instrumentos contratuais, individualmente considerados, não haja vício algum.
Então o que se tem é que o pedido de reestruturação de todos os contratos num único sob condições em que a prestação seja de, no máximo, 30% da remuneração, constitui pedido não imputável à conta de ilegalidade ou quaisquer outros vícios.
É curioso pensar no que vai acontecer, eventualmente, num processo em que o Judiciário determine a limitação do valor a se descontar. Como obrigar o Banco a reestruturar contratos isentos de mácula? Como impedir que o Banco tome as medidas referentes à inadimplência do valor das prestações assim ceifadas?
Nem sempre a concessão, pura e simples, de uma medida aparentemente sob fumus boni juris leva a um bom desfecho para o jurisdicionado. A recíproca é verdadeira.