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Criminologia: a sua importância para o estudo atual do Direito Penal

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Agenda 17/07/2016 às 21:14

3. O SISTEMA BRASILEIRO: DELITOS E PENAS

3.1. Função Social das penas

Um dos princípios do Direito Penal é a aplicação de uma penalidade em resposta ao cometimento de uma infração delituosa tipificada em lei. Este princípio surge como elemento garantidor aos cidadãos, de que o delinquente será responsabilizado pelo ilícito praticado, devendo ser reeducado e reincluído na comunidade. Desta forma, surge uma tênue linha que divide a liberdade da inimputabilidade ou impunidade. A criação de sanções tem como fundamento o equilíbrio do convívio social interrompido pela prática de uma infração, onde o Direito Penal não é um simples aplicador de penalidades mas um normatizador de liberdades e regulador de obrigações. Nesta linha, cita-se a lição de Zaffaroni (2007, p. 173):

"Referindo-se a um direito penal garantista em um Estado de Direito é uma redundância grosseira, porque nele não pode haver outro direito senão o de garantias, de modo que se supõe que todo penalista, nesse marco, é partidário das garantias, isto é, garantista".

A pena tem como finalidade a repressão e, posteriormente, ocupa função de prevenção. Utiliza-se a rejeição de condutas delinquentes em conjunto com a prevenção de novos delitos, com o objetivo de coibir que o delinquente não volte a cometer crimes. Ventilou-se a ideia de se prevenir o crime de maneira que o indivíduo não mais ferisse a dignidade humana. Assim, destaca Cesare Beccaria (2004, p. 125) em seu livro Dos Delitos e das Penas:

"É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida".

De modo geral, com viés preventivo, a pena deveria ter um caráter intimidador de novos delitos, evitando que novas infrações fossem praticadas por indivíduos, evitando, a qualquer custo, sofrer sanções e ao próprio indivíduo, seu caráter especial evitaria novo castigo. Entendeu-se, então, que a pena seria um mal necessário para a ressocialização daquele indivíduo, e sua reinserção ao meio social dependeria do cumprimento de sanções/penalidades como forma de redimir-se perante seus pares.

3.1.1. A Ressocialização do criminoso

No atual ordenamento brasileiro, a ressocialização da pena pode ser observada pela concessão escalonada de vantagens ou liberdades e afazeres sociais, para que o delinquente possa, progressivamente, recuperar a confiança do Estado e da coletividade e, mediante seu comportamento, provar que está apto ao convívio social. Isto posto, pode-se comparar a função social da pena ao Princípio da Adequação Social do Direito Penal, oposto ao da Intervenção Mínima do Estado, onde para a “adequação social” popularizou-se a não imputação de crime à específicas condutas toleradas pela sociedade, ainda que tipificadas. Trata-se de condutas que, embora descritas num tipo penal, são materialmente atípicas, pois, socialmente adequadas estão em consonância com a ordem social, por exemplo, a circuncisão praticada na religião judaica, a tatuagem, o furo na orelha para colocação de brinco, dentre outros. Referindo-se ao princípio, admitido no caso concreto, constitui-se causa supralegal de exclusão da tipicidade, Art. 2º, Código Penal.

De fato, o crime constitui atentado contra a sociedade, inclusive contra o seu próprio criminoso, onde este também sofre agressão pela violação do ordenamento jurídico e consequente penalidade. Desta feita, a pena não é forma de castigo físico, embora seus moldes restarem ineficazes ao período posterior ao cumprimento de sanção. Assim, observa-se que a função mais adequada aos moldes na atualidade, frente aos direitos humanos, é à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil para que forneçam postos de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário.

3.1.2. Projeto Começar de Novo – CNJ

Presidiários de todo o país contam com uma ajuda fornecida pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça – pela produção de cartilhas que buscam reconstruir o caminho da cidadania e promover ações de reinserção social de presos, egressos do sistema carcerário e de cumpridores de medidas e penas alternativas e que destina-se a esclarecer os direitos e deveres das mulheres encarceradas, com informações claras e diretas sobre garantias constitucionais, prerrogativas legais e administrativas(Cartilha da Pessoa Presa e da Cartilha da Mulher Presa, respectivamente). Os livretos dispõe conselhos úteis, como por exemplo, como impetrar um habeas corpus ou como redigir uma petição simplificada para requerimento de um benefício. Explicam ainda sobre deveres, direitos e garantias dos apenados e presos provisórios. 51 O acompanhamento dos egressos é estabelecido pela lei ao indivíduo liberado, em definitivo, pelo período de um ano, a partir da saída do estabelecimento carcerário, e pelo período de teste daquele que obteve a liberdade condicional. Fica o Estado responsabilizado pelo provimento do egresso, orientação e apoio para a ressocialização, o auxiliando na obtenção de trabalho, demonstrada necessidade, vagas para abrigo e alimentação durante dois meses, passível de renovação. Estudos de casos, como desenvolvidos pelo IPEA, assinalaram a necessidade de ampliação e investimentos em ações e programas direcionados para o público egresso, distinguindo o seu relevante papel na promoção da reintegração social.52

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Embora a Lei de Execuções Penais – LEP, Lei 7.210/1984, seja considerada uma das legislações mais modernas do mundo, a legislação brasileira enfrenta obstáculos na aplicação de seus dispositivos. Em seu Art. 1º, apresenta o objetivo de “efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. A legislação possibilita garantir a dignidade e a humanidade da execução penal, tornando expressa a extensão aos direitos constitucionais dos presos e internos, e, de outra forma, assegura condições para a reintegração social. Já o Art. 10. prevê que “a assistência ao preso e ao internado como dever do Estado objetiva prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade, estendendo-se esta ao egresso”. A LEP descreve assistência à saúde, psicológica, educacional, jurídica, religiosa, social e material, dentre as atenções mínimas dedicadas aos presos. 53

3.2. Reincidência criminal

Os presos do sistema penitenciário brasileiro são, em sua maioria, jovens, negros, pobres e de baixa escolaridade, de acordo com Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgado em 23 de junho de 2015 pelo Ministério da Justiça. Neste estudo, definiu-se que 56% dos presos no Brasil são pessoas entre 18 e 29 anos. A pesquisa também constatou ser extremamente baixo o grau de escolaridade da população carcerária brasileira, visto que, aproximadamente 53% dos presos possuem ensino fundamental incompleto. Desta fatia, maior parte é solteira (entorno de 57%). Dos estrangeiros privados de liberdade no Brasil, o levantamento mostra que de cada 10, a metade dos estrangeiros presos no Brasil são de países do continente americano, embora o Paraguai, a Nigéria e a Bolívia sejam os países com o maior número de presos no Brasil.54 A população carcerária do Brasil aumentou 83 vezes desde os anos de 1940, atingindo taxa de 306,2 presos para cada 100 mil habitantes — a sexta maior do mundo, dados do Infopen – mais do que o dobro da média mundial, que é cerca de 144 presos a cada 100 mil habitantes. Este mapeamento foi feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos dados publicados no Anuário do IBGE – Estatístico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O número total de apenados “condenados” no sistema prisional do Brasil pulou de 3.866 pessoas em 1938, para a marca de 607.700 presos, atrás somente da Rússia (com aproximadamente 673.800 presos), China (1,6 milhão) e Estados Unidos (líder, com 2,2 milhões), segundo dados do International Centre for Prison Studies (ICPS) – (Disponível em: <https://www.prisonstudies.org/news/more-1035-million-people-are-prison-around-world-new-report-shows>). 55 Os dados alarmantes demonstram a necessidade de estudos detalhados sobre a efetiva função ressocializadora dos presídios, o fenômeno da reincidência criminal e seus fatores preponderantes, bem como sobre a real eficácia de alternativas que visem contornar a crise do sistema carcerário brasileiro. 56 Considerando informações recentes, 38% da população carcerária estão em situação provisória e o fato adquire contornos ainda mais drásticos, quando no ano de 2012 o Brasil já possuía 515.482 pessoas presas e apenas 303.741 vagas, à época, com déficit de 211.741 vagas. Atualmente, a taxa de ocupação do sistema prisional é de 167%. 57

Para o jurista Luiz Flávio Gomes, a violência epidêmica gera desespero nacional, onde o Brasil é o 16º país mais violento do planeta. Edição de leis penais cada vez mais rigorosas e encarceramento massivo, considerado abusivo e tirânico e que, como dizia Montesquieu, poderia ser castigado com penas alternativas quando tratar-se de criminoso não violento. O aspecto puramente repressivo do tema criminal, já conhecido no Brasil, para além da constatação baseada na experiência de que vem normalmente ligada a amostras capitalistas abundantemente selvagens, é obra de uma interpretação equivocada do funcionamento da norma punitiva que trataria da própria enfermidade da qual se pretenda curar. 58 O encarceramento massivo fica regido pela irracionalidade de quem não devia ir para a cadeia (seja por não ter praticado crime violento, seja por não representar concreto perigo para a sociedade), para além do nível de degeneração moral da coletividade brasileira, agrava rigorosamente a questão criminal e de segurança pública brasileira, pois, unido a uma calúnia, uma técnica espalhada em Estados defensores das classes populares que consiste em explorá-la simbolicamente, vende a falsa sensação de que todas as prisões seriam legítimas e que, em conjunto, abaixariam o índice da criminalidade e gerariam mais segurança para a população. O jurista reafirma que o modelo não só não diminuiu a criminalidade no Brasil como está agravando em razão do alto nível de reincidência.

O estudioso tomou com base o levantamento médio mensal de boletins de ocorrência no estado de São Paulo Em São Paulo, onde houve 70% de reincidência (de janeiro de 2001 a julho de 2013) e destes, 41% seriam menores infratores. Os reincidentes, segundo o levantamento, 20,5% praticaram roubo antes dos 18 anos e 20,6% eram menores de 17, embora não fazer parte da estatística o cometimento de “arrastões”, por se tratar de crime continuado. Como fonte de estudo, os homônimos foram excluídos e se verificou o número do documento ou o nome da genitora, individualmente. Da mesma forma, foram examinados 14.699 autores de roubos, onde 69% (cerda de 10.200) cometeram roubos mais de uma vez, tratados como “reiteração”. A amostra no ano de 2013 foi de 29.320 e, no período 2011-2013, de 27.440 registros. 59


CONCLUSÃO

Diferentes teses foram desenvolvidas para o estudo e definição da Criminologia, destacam-se a Escola Clássica, a Escola Penal Positiva – que trata do etiquetamento social – e a Escola Crítica – iniciada na segunda metade do século XX. A Criminologia traz em seu bojo, diversas formas e símbolos criminais, denominadas “Cifras”, por Edwin H. Sutherland, ou Teoria da Associação Diferencial, que mostrou à sociedade a relação entre os crimes, com o objetivo de desconstruir outras teorias que atribuíam com causa da criminalidade, fatores biológicos ou psíquicos. Surgem, então, a Cifra Negra, crimes que não chegam, por qualquer motivo, ao conhecimento policial; a Cifra Dourada – crimes de colarinho branco; a Cifra Cinza – ocorrências registradas pela autoridade solucionadas na própria Delegacia de Polícia por possibilidade de conciliação ou por desistência da própria vítima; a Cifra Amarela – pessoas que deixam de denunciar crimes praticados por funcionários públicos; e finalmente, menos importante, a Cifra Verde – que tem como vítima o meio ambiente.

O texto constitucional normatiza o sentido da Identificação Criminal, sendo o registro, conservação e recuperação dos dados e informações de um indivíduo, imprescindíveis ao estabelecimento da identidade do acusado. A legislação infraconstitucional, por sua vez, veda à citação da identificação de um indiciado em atestados de antecedentes criminais, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo, no entanto, permitido ao indiciado ou réu, após o arquivamento definitivo do inquérito ou trânsito em julgado da sentença, solicitar a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, quando munido de provas de sua identificação civil, caso contrário, a exclusão do material genético ocorrerá após o término do prazo da prescrição do delito. Na contramão da garantia da presunção de não culpabilidade do apenado, a prisão cautelar, em segundo grau, foi autorizada pelo Supremo Tribunal Federal em fevereiro de 2016, como meio de execução provisória da pena e mecanismo garantidor da jurisdição penal.

Como resultado das sanções, o delinquente deveria ser responsabilizado pelo ilícito praticado e colocado em liberdade após ser reeducado para a reinclusão na comunidade. As penas são baseadas pelo poder público, em resposta à prática de infração penal que interrompeu o bem estar social, onde a limitação de direitos e liberdade tornam-se reguladores de obrigações, inicialmente repressores e posteriormente preventivos. No entanto, a reincidência criminal chega a ser de 70%, em determinados crimes, onde 41% são menores infratores, e destes, cerca de 20% têm menos de 17 anos de idade, cometendo infrações de forma reiterada. Apesar de esforços de órgãos como o CNJ, com presos e egressos do sistema prisional, torna-se pouco expressiva, visto que o sistema carcerário brasileiro não suporta a crescente demanda de 7% ao ano.

Reintegração social do condenado dependerá da transformação da sociedade, para que absorva e assuma a responsabilidade quanto aos problemas e conflitos causados ao indivíduo, à medida que segrega o egresso do sistema carcerário. Processados os números da população carcerária em sua composição demográfica, veremos que a maior parte dos presos procede de grupos sociais já estigmatizados, excluídos da sociedade ativa por causa das estruturas que regulam a sociedade. Logo, o retorno do sentenciado na sociedade significa o início das correções decorrentes da exclusão social de setores como o do trabalho, conduzindo o indivíduo a uma vida posterior à penitenciária.

A partir dos anos de 1960 surgiram estudos da criminologia. Tornou-se evidente, ainda hoje, a mistura do perfil da criminologia interacionista ou etiquetamento social denominado Labeling Approach, reportando-se ao delinquente ou até mesmo ao crime propriamente dito e ao sistema de controle. Neste raciocínio, questiona-se o real motivo de determinadas pessoas serem rotuladas como delinquentes e quais as sequelas desse tratamento e a fonte de sua legalidade. Tal aspecto sofre a influência do interacionismo peculiar, onde a realidade humana não é feita somente de fatos, mas de interpretações que a coletividade lhes atribui, qual seja, o criminoso apenas se diferencia do homem normal pela classificação que lhe é atribuída.

Diante disso, posso concluir que a criminalidade cresce consideravelmente, seja pelas más condições sociais, seja pela precariedade de investimento estatal, gerando insegurança para a sociedade de modo geral. Em compensação, percebe-se a evolução histórica do pensamento humano quanto aos delitos e sanções penais. Desta forma, penas que antes eram cruéis, exprimem sensação de justiça, visto buscar a dissuasão da pratica de crimes e a ressocialização dos criminosos. Ademais, não se pode dizer que o Estado chegou à sua finalidade, embora caminhe paulatinamente para tanto, eis que existe a tendência atual de que, em casos considerados menos graves, haja substituição da pena privativa de liberdade por outra opção menos penosa, como, por exemplo, as restritivas de direito. Não há como negar a evolução, mas pelo extenso e árduo percurso, ainda hão de se alterar muitos conceitos.

Sobre o autor
André Soares de Carvalho

Advogado, Bacharel em Direito pela Faculdade Processus de Brasília/DF; Aluno pesquisador da Faculdade Processus. Atuação na área de Direito, com ênfase em Direito Público. Graduado em 2006 pela Universidade Católica de Brasília, Vigilância Sanitária.

Informações sobre o texto

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