DA DOAÇÃO
Orlando Gomes conceitua doação como o “contrato pelo qual uma das partes se obriga a transferir gratuitamente um bem de sua propriedade para patrimônio da outra, que se enriquece na medida em que aquela empobrece.” [1]
Genericamente a doação é uma disposição bilateral quanto à sua formação, todavia, é unilateral quanto os seus efeitos, pois esta, não possui sinalagma, isto é, o contrato de doação não é comutativo. Embora existam exceções, os efeitos são em regra unilaterais, pois dela deriva apenas e unicamente a vontade do doador em transmitir. Ainda que necessário o aceite do donatário, lhe são impostas obrigações, por conseguinte será esta uma disposição unilateral, pura e simples, consubstanciada na animus donandi.[2] – Mister é objetivar que, nos casos de doação pura o Códex dispensa a aceitação do donatário, quando este é absolutamente incapaz.[3] –Placido e Silva faz a seguinte assertiva “é, assim, o contrato unilateral, porque se forma da vontade exclusiva do doador, pelo qual se alínea ou se transfere para outrem, a titulo gratuito, coisa que pertencia ao doador.”[4] Ipsis litteris “nos contratos gratuitos, toda carga de responsabilidade contratual fica por conta de um dos contratantes; o outro só pode auferir benefícios do negocio. Inserem-se nessa categoria a doação sem encargo, o comodato, o mutuo sem pagamento de juros, o deposito e o mandato gratuitos.[5]
Jones Figueirêdo Alves fixou em suas lições que o contrato de doação e “translativo de domínio, pelo qual o doador, em ato espontâneo de liberalidade, transfere, a titulo gratuito, bens e vantagens que lhe são pertencentes ao patrimônio de outrem, que, em convergência de vontades, os aceita expressa ou tacitamente.”[6]
As doções serão feitas por instrumento particular, ou por escritura pública como nos casos de coisas imóveis, qual exige-se o cumprimento da forma prescrita em lei, porem as doações de coisas moveis de pequeno valor poderão realizar-se verbalmente.
DA REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO [Nota1]
Partilhando no mais puro brilhantismo jurídico, o legifero conjecturou duas formas à se revogar a doação, a saber são elas a ingratidão do donatário e a inexecução do encargo, sem prejuízo também às demais formas de anulação previstas noCódex. Todavia, as doações puramente remuneratórias, as oneradas com encargo já cumpridos, as feitas em cumprimento de obrigação natural e as feitas para determinado casamento, estas, não são passiveis de revogação.[7]
As hipótese que incidem em ingratidão do donatário[8] estão previstas no artigo 557 do Código Civil de 2002, sendo que esta devera ser pleiteada em juízo dentro do prazo prescricional de um ano, a contar do momento em que o doador tomou conhecimento dos fatos causados pelo donatário.
Mister nos é mencionar, que todas as hipóteses de ingratidão são estendias aos ascendentes, descendentes, cônjuge ou irmãos do doador, ficando ao doador a prerrogativa jurisdicional de pleitear seus direitos ainda que indiretas as ofensas, isto é, nos termos do artigo 558 do Códex, se o desgosto for experimentado pelos ascendentes, descendentes, cônjuge ou irmãos do doador, lhe é tutelado ajuizar a revogação da doação por ingratidão do donatário, contudo não estender-se-á os direitos de revogar aos herdeiros do doador, tampouco, prejuízo aos herdeiros do donatário, mas, se ajuizada a lide pelo doador, continuarão a demanda os herdeiros do autor bem como os herdeiros do donatário transmitindo-se por consequente os direitos e obrigações.
Carlos Roberto Gonçalves verbalizou que “a revogação será de toda a doação, visto que a lei não distingue entre a parte que é liberalidade e a que é negocio oneroso.”[9] Dá-se revogação por encargo apenas nas doações onerosas ou sinalagmaticas, nas quais o donatário compromete-se com a cumprimento de determinada condição, por conseguinte, o doador tem o legitimo interesse em exigir o cumprimento dos encargos bem como lhe é facultado a revogação da doação nos termos do Artigo 562 do Código Civil. Neste mesmo entendimento transcrevemos abaixo Ementa Processual da Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVOGAÇÃO DE DOAÇÃO COM ENCARGO. Escritura pública de doação modal que estabeleceu à donatária que era companheira do doador, o compromisso de prestar-lhe toda a assistência e cuidados, bem como a preparação de alimentos, cuidado de vestuário, limpeza, conservação da casa, tratando o doador com atenção, respeito, carinho, dedicação. Ainda, conforme a escritura, a donatária passaria a residir com o doador a contar da data da assinatura daquela. Descumprimento da condição, especialmente no que concerne à cohabitação. Ademais, a ré assinou uma declaração pela qual concordava com a revogação da doação porque não estava cumprindo com os encargos estabelecidos na escritura. A ré é capaz para atos da vida civil. O fato de ser semi-analfabeta não impede a compreensão do que consta na declaração por ela firmada e que foi lida a ela pela Defensora Pública. Ação de revogação de doação julgada procedente. Sentença mantida. NEGARAM PROVIMENTO O RECURSO. UNANIME.[10]
O ato de Revogar a doação será proposto por meio jurisdicional a fim de desfazer o contrato celebrado, sempre que sob o negocio jurídico recaírem a conjectura legal do artigo 557 para as doações puras e simples, e do artigo 562 para as doações onerosas.
DA NULIDADE DA DOAÇÃO
Buscando um equilíbrio social o legifero restringiu no Códexsituações contratarias ao interesse social, sob pena de anulabilidade bem como a nulidade do ato.
Serão anuladas doações por vícios de consentimento, e, por conseguinte doações que tenham causa ilícita, como a do cônjuge ao seu cúmplice, que nos termos do respectivo diploma legal[11] tem-se aos respectivos interessados a prerrogativa de anulação da doação feita ao cônjuge adultero, esta anulação somente poderá ser arguida pelo outro cônjuge ou pelo seus herdeiros necessários, no prazo de até dois anos após dissolvido o matrimônio.
Passível é de anulação, a doação de todos os bens sem reserva de parte para a subsistência do doador, ou aquelas que comprometam de forma tal a sua mantença, nisto vale dizer que anulável também será a doação inoficiosa.
Compreende-se inoficiosa [12] a doação que excede os limites que o doador poderia dispor em testamento aos herdeiros necessários, o respectivo diploma legal faz conjectura de que metade dos bens do sujeito são de pleno direito dos seu herdeiros necessários, Ascendente, descendente e cônjuge, e esta é a razão que torna nulo este ato.
Neste viés doutrinário, data máxima vênia, parafraseamos orientações do fidalgo Orlando Gomes, que muito bem pormenorizou este ato de nulidade concebendo por doação inoficiosa o ato pelo qual o doador, “no momento da liberalidade, exceda a legitima dos herdeiros. Não concedendo-lhe que doe, além do que poderia dispor em testamento, sabendo-se que a ineficácia não atinge todo o contrato, mas apenas na parte excedente permitindo-se, portanto, a redução.”[13] Ipsis Verbis “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade de seus bens, pois a outra “pertence de pleno direito” aos referidos herdeiros.”
Concluímos, portanto, que nos moldes da doação inoficiosa, o sujeito que possui herdeiros e resolve doar todos seus bens a outrem, comete ato nulo, pois no momento da doação dispôs parte maior daquilo que deveria deixar em testamento, por conseguinte caberá aos herdeiros ajuizar ação declaratória de nulidade, reduzindo a doação até o montante permitido.
BIBLIOGRAFIA
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v.3.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Comentado, 15ª ed. São Paulo Saraiva, 2010.
FIUZA, Ricardo. Código Civil Comentado, 8ª ed. São Paulo: Saraiva 2012.
GONÇALVES, Carlos R.. Direito Civil Brasileiro: Contratos e atos unilaterais. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v.3.
ROUSSEAU, Jean Jacques. O Contrato Social e outros escritos, 16 ed, São Paulo: Cultrix, 1999.
SILVA, De Placido e, Vocabulário Jurídico Conciso, 13ª ed, São Paulo: Grupo Ed. Forense. 2012.
GOMES, Orlando, contratos, São Paulo: Grupo Ed. Forense. 2009.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. 9ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2009.
[1] Orlando Gomes, Contratos, Pag. 253
[2] Fundamento Jurisprudencial - (...) Não se vislumbra, in casu, a precípua vontade da demandante em transferir à demandada a propriedade dos móveis em comento. Logo, não há que se falar em doação, na medida em que não se verifica, no caso concreto, o animus donandi, elemento subjetivo e caracterizador do citado instituto; IV - Recurso conhecido para lhe dar provimento. (TJ-SE - AC: 2007210638 SE, Relator: DESA. MARILZA MAYNARD SALGADO DE CARVALHO, Data de Julgamento: 01/07/2008, 2ª. CÂMARA CÍVEL)
[3] Artigo 543 do Código Civil de 2002
[4] De Placido e Silva, Vocabulário Jurídico Conciso, Pag. 231
[5] Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil II, Pag. 431
[6] Jones Figueiredo Alves, Novo Código Civil comentado, Cood. De Ricardo Fiuza, Pag. 580
[7] Artigo 546 do Código Civil de 2002
[8] Fundamento Jurisprudencial - Configurada a ingratidão dos donatários, frente à doadora, a consequência é a revogação da doação, nos termos dos artigos 555 e 557 do CCde 2002. Reintegração de posse da doadora no bem, condicionada à indenização das benfeitorias. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70027566843, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em 06/09/2012) - (TJ-RS - AC: 70027566843 RS, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Data de Julgamento: 06/09/2012, Décima Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 11/09/2012)
[9] Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, v. 3, p. 73o
[10] (TJ-RS - AC: 70050185586 RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Data de Julgamento: 03/04/2014, Décima Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 08/04/2014)
[11] Artigo 550 do Código Civil
[12] Fundamento Jurisprudencial - Cuida-se de antecipação de legítima, com dispensa de colação. Portanto, apenas o que ultrapassar a legítima é doação inoficiosa. (...) NEGADO SEGUIMENTO. - Agravo de Instrumento Nº 70056244726, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 28/08/2013
[13] Orlando Gomes, Contratos, Pag. 262
[nota1]
Embora a doutrina dominante defenda que os casos comuns a todos os contratos (resilição, resolução, nulidade, anulabilidade e outros) aplicam-se como revogação, hoje, (no momento de analises) nosso posicionamento parte da premissa que só há duas formas de revogação, uma para doações pura e simples e outra para as doações onerosas, respectivamente a ingratidão e a inexecução do encargo.
Isto por quê as demais formas comuns aos contratos não revogam a doação, pois estas vão anular ou torna-las nulas, não importa se ex-tunc ou ex-nunc, o fato é que podemos considerar apenas duas formas de revogação, porem, sem prejuízo das formas comuns de nulidade e anulabilidade, quais os Códex traz-nos para o negocio jurídico em geral. Haja vista que a lei não prevê revogação nos contrato nem nas obrigação, pois, ou estes serão cumpridos, ou serão resilidos, resolvidos, nulos ou anulados. Pois de um modo geral entende-se que revogação e anulação são expressões sinônimas, todavia estas possuem suas peculiaridades, distinções semânticas, morfológicas e gramaticas que o dicionário comum não traz a lumem, tampouco foi objeto de estudo do legislador.
Talvez as hipóteses de revogação devessem estar inseridas na seção de anulação e nulidades, por se tratar tão somente destas.